Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume EX – Capítulo 5 (PT-BR)

Capítulo 5

A Espada Cintilante


Ela sentiu como se tivesse tido um sonho. Tinha sido longo, porém acolhedor e gentil.

Uma brisa roçou levemente o corpo de Lakhesh Nyx Seniorious, trazendo consigo um leve toque de frio. Ela estremeceu um pouco, depois se mexeu.

Lentamente abrindo e esfregando os olhos, Lakhesh se sentou e olhou em volta. Nada fora do comum a rodeava, além de um balde cheio de água limpa ao seu lado e uma familiar espada larga de aparência polida, feita e moldada por fragmentos metálicos. Lá no alto, o sol tinha acabado de começar a rastejar para a metade oeste do céu.

Recentemente, Lakhesh não tinha dormido muito bem. Como uma leprechaun adulta e uma soldada, havia todos os tipos de coisas que ela tinha que lembrar, assim como muitas habilidades que precisava aprender. Consequentemente, ela passava um pouco da hora de dormir para estudar todas as noites.

Mas hoje, o clima de primavera tinha sido muito agradável, e no instante em que ela terminou sua manutenção na Seniorious, sentiu uma enorme vontade de dormir. Ela não pôde deixar de fechar os olhos.

“Ehehehe…” Lakhesh olhou em volta novamente, usando a manga para limpar a baba que havia vazado de sua boca. Ninguém viu isso, certo?

Como podemos dizer isso? Lakhesh Nyx Seniorious não era o tipo de garota que emanava autoridade. Suas feições eram suaves, ela falava agradavelmente e uma aura amigável a rodeava. Ela praticamente encarnava a própria primavera.

Ela não estava acostumada a falar ou até pensar nos outros com severidade, o que era facilmente visto por qualquer um que a visse tentar. Entre seu grupo de quatro amigas, ela era muitas vezes a que repreendia Collon ou Pannibal sempre que se comportavam mal, embora nunca a ouvissem. Talvez fosse por causa do lado que Lakhesh mais mostrava ao mundo que suas juniores não a respeitavam tanto.

Além disso, se alguém visse seu desleixo de agora, ela realmente se sentiria inútil. Dormindo de boca aberta sob o sol da primavera. Alguém me trataria a sério ou como uma adulta se me vissem agora?

“Eu não posso ser como Tiat…”

Lakhesh pensou em sua querida amiga e família, aquela fada com a cabeça cheia de cabelos verdes brilhantes. Como descrevê-la? Ela era legal. Tiat tinha uma imagem concreta do que queria ser, e trabalhava em direção ao seu objetivo pouco a pouco todos os dias. Talvez sua personalidade tenha sido afetada pelos objetivos rígidos que pretendia alcançar? Lakhesh recentemente achou que podia sentir a energia animada de Tiat mesmo quando a outra fada estava parada. Como era embaraçoso admitir, ela nunca se atreveria a contar a Tiat o que pensava dela.

Parece impossível para mim me tornar alguém assim. O pensamento fez com que Lakhesh se sentisse solitária.

“Oh!” Ela percebeu que tinha mantido sua querida espada esperando por muito tempo, e apressadamente começou a juntar suas coisas. “Me desculpe, Seniorious!”, Ela se desculpou enquanto esvaziava o balde, secava a toalha e enrolava a espada em seu pano novamente.

… mas o sonho de agora…

A maioria dos sonhos desaparecia lentamente da memória ao despertar, como se uma imagem fosse lavada e desaparecesse. Mesmo assim, Lakhesh ainda se lembrava de alguns detalhes.

Chtholly estava no sonho, segurando Seniorious. Havia também alguém que ela não conhecia. Uma garota misteriosa, que ela não deveria conhecer, mas quase sentiu como se já a tivesse visto em algum lugar antes, que também segurava Seniorious. “Ela era…?”

Lakhesh recordou a superstição sobre como os usuários da Seniorious inevitavelmente encontravam destinos trágicos. Mas ela não sentiu que as duas que viu foram alvos de uma tragédia. Em vez disso, parecia melhor dizer que o oposto havia acontecido. Ambas tinham alguém de quem gostavam e pensavam naquela pessoa com tudo o que tinham. Lakhesh sentia-se tão certa disso que até esperava ser alguém como elas.

“… talvez…” ela olhou para Seniorious. “Foi você quem me deu esse sonho?”

Naturalmente, a espada não respondeu. Dito isto, ela nunca tinha ouvido falar de Seniorious ter a capacidade de dar sonhos às pessoas.

As Dug Weapons eram relíquias dos Emnetwytes, e nos dias atuais ninguém sabia a extensão real do que poderiam ser capazes, então não seria estranho imaginar que a espada tivesse habilidades ocultas. Mesmo assim, Lakhesh não achava que o sonho poderia ter sido causado pela ativação de um talismã ou algo similar.

“Eu me tornarei alguém como elas no futuro?” As duas que pensaram sobre a pessoa que gostavam com cada fibra do seu ser. “… Eu também poderei me apaixonar por alguém, como elas?”

Lakhesh tentou deixar sua imaginação correr solta. Ela não poderia encontrar ninguém no armazém das fadas só de mulheres, então ela teria que deixar este lugar no futuro para conhecer alguém cuja raça fosse parecida com a dela. Essa pessoa seria bonita e se comportaria muito como Willem. Ela ficaria atraída por ele, se aproximaria dele e eventualmente declararia seus sentimentos de amor em detalhes para ele.

E então, logo depois, aquilo aconteceria, como sempre tem acontecido. Seu fim trágico.

Era dito que a pessoa escolhida por Seniorious sempre enfrentaria um destino infeliz. Embora fosse difícil dizer o que exatamente poderia ocorrer, ela sentiu que algo sério provavelmente aconteceria.

Lakhesh suspirou. Ela ficou sem imaginação e não pôde mais continuar.

No entanto, ela não achava que tinha que sentir medo, porque quando chegasse a hora, ela provavelmente não estaria sozinha. Tiat e o resto estariam a seu lado, ajudando-a com todas as forças. Mais importante de tudo, seria precisamente nesse momento que Seniorious a aceitaria verdadeiramente como sua usuária.

“Tudo bem!” Lakhesh bateu palmas e baixou a cabeça para Seniorious. “Quando esse dia chegar, por favor, deixe-me confiar em sua força!”

O vento soprou, fazendo com que parte do tecido envolvendo a espada sagrada se agitasse. Seniorious se banhou sob a luz dourada do sol, irradiando luz branca pura quase como lágrimas.

『FIM DO VOLUME EX』


CAPÍTULO ANTERIORÍNDICE

Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume EX – Capítulo 4 (PT-BR)

Capítulo 4

A Leprechaun do Céu Azul


Parte 1 – ~Chtholly Nota Seniorious~

O que eu sou? Chtholly pensou consigo mesma. A questão tinha frequentado sua mente nos últimos dias.

Ela era um leprechaun, um espírito que falhou em morrer adequadamente, uma forma de vida não viva, uma arma criada para sacrificar tudo e proteger aqueles que ainda viviam.

Ela estava sintonizada com a Dug Weapon Seniorious, tinha quinze anos de idade, e nasceu na floresta da 94ª Ilha Flutuante.

Por último, mas não menos importante, ela começou a experimentar seu primeiro amor não correspondido há alguns dias.

Esta é uma história daquele dia.

Separador de texto

“Posso realmente me tornar mais forte?”

“Mesmo se você não quiser, me certificarei de que possa. Eu sou seu gerente, afinal.”

Depois que Chtholly Nota Seniorious acordou, ela não conseguiu sair da cama por algum tempo. Ela se contorceu e se virou, e até tentou plantar o rosto no travesseiro.

Isso não foi um sonho, foi?

Chtholly perguntou a si mesma de novo e de novo, ao mesmo tempo repetidamente dizendo a si mesma para se acalmar.

Ontem — embora parecesse que um longo tempo havia passado desde então — sob o céu estrelado, cercada por talismãs brilhantes naquela colina, ela fez uma promessa com aquela pessoa. Ela ia ganhar a batalha e voltar para casa viva. Além disso, ia comer bolo de manteiga.

Agora que pensou nisso novamente, ela sentiu que na ocasião o clima tinha sido muito romântico; uma experiência extremamente surreal. O assunto da conversa deles, no entanto…

Chtholly suspirou. Não tinha sido nem um pouco romântico ou surreal. Ainda assim, ela havia se retirado com o claro entendimento de que era preciosa para ele. Relembrando o que havia acontecido, ela não pôde evitar de sorrir largamente.

“… hee hee…”

Alguém bateu na porta dela. “Ei,” a voz de Willem soou do lado de fora.

“Eh? Ahh?! O que?!”

“Oh, você está de pé. Venha então, vamos fazer algum exercício matinal.”

“… hã?”

Chtholly abraçou o travesseiro com força, sentindo-se confusa.

Então ela pulou da cama com pressa e vestiu um suéter de lã sobre o pijama. Alarmada pelo cabelo bagunçado depois de um olhar para o espelho, ela rapidamente o escovou com as mãos. Se arrumou para parecer o mais decente possível, o tempo todo comprometendo-se aqui e ali.

Tudo bem, isso deve dar, ela disse a si mesma finalmente, abrindo a porta ligeiramente.

Willem estava lá vestindo roupas de treino simples, com algumas varas de madeira que parecia ter pego em algum lugar debaixo do braço. “E aí. Bom dia.”

“B… bom dia. Então, o que você quis dizer com exercício matinal?”

Willem olhou para ela com descrença. “Eu não mencionei isso ontem? Mesmo se não quiser, vou me certificar de que você possa se tornar mais forte.”

“Eh… hã?”

“Seja como for, vista-se com algo mais conveniente e me encontre atrás do armazém. Mesmo que isso não seja algo que valha a pena ser escondido, será difícil explicar se o colocarmos em exibição demais.”

“Eh… hein… hein? Hã?”

Separador de texto

Tac. Tac. Tac.

Os sons nítidos de duas varas secas de madeira batendo uma na outra ecoaram pela clareira.

Para um observador casual, isso até podia ser considerado uma orquestra vespertina ligeiramente elegante. Para os músicos, no entanto, não era nada tão agradável. Eles estavam trabalhando duro.

Direita, inferior direita, diagonal superior esquerda, acima direita, curvando-se ao redor em seguida se aproximando de baixo — não espere, é o lado direito novamente.

A vara que se aproximava a atacaria de todos os lados. Ela tinha que usar a vara em suas mãos para varrer, bater, aparar ou evitar o ataque. Não era fácil. Imediatamente após lidar com um ataque, ela tinha que prestar atenção ao seguinte. Ela tinha que manter sua postura; balançar os braços descontroladamente não daria certo. Ela tinha que continuar movendo seu corpo e, mais importante, evitar interromper a série de movimentos que seu corpo estava passando.

Era difícil dominar o momento certo de respirar, manter sua fluidez, distribuir seu foco. Em outras palavras, era difícil, em muitos aspectos, controlar seu corpo. Havia muito a ser processado e pouco tempo para pensar sobre tudo isso, então ela teve que se mover por instinto, em vez de pensamentos coerentes. Mesmo assim, os ataques de Willem estavam vindo mais rápido e com mais força e isso estava tomando toda sua energia para acompanhá-lo ou talvez fosse melhor dizer que ela já tinha atingido seus limites, mas na verdade ela não conseguia pensar em nada — Ahh, ahhhh!

Tac. Tac. Tac!

“Agh!” Suas pernas exaustas se dobraram. Houve uma breve sensação de ausência de peso. Sua visão vacilou e ela não conseguiu se equilibrar. O bastão se aproximou dela, o mundo girou e depois disso

“Uaaah!”

Chtholly caiu solidamente no chão. Mesmo que fosse macio, ainda doía aterrissar de costas.

“Seus movimentos corporais não foram ruins, mas você precisa de muito mais prática para manter o equilíbrio geral de seu corpo”, a voz do jovem veio, soando muito para Chtholly como se ele estivesse se fazendo de idiota.

Willem Kmetsch estava de pé delineado pelo céu azul. Ele tocou em seu próprio ombro com a vara que tinha acabado de usar, olhando para Chtholly. Ele não parecia cansado de jeito algum. “Seus braços e pernas estavam se movendo descontroladamente, bagunçando os movimentos do seu corpo. Primeiro, você precisa aprender a reforçar e relaxar seu equilíbrio em momentos diferentes.”

“O qu…” Chtholly forçou sua respiração irregular de volta a um padrão mais regular. “Eu realmente não entendo o que você está falando, sabe.”

“Mm, sério? Hmm…” Willem suspirou. “Mesmo que não consiga, vou fazer seu corpo lembrar de qualquer maneira.”

“Você está dizendo mais coisas que não entendo.” Ela se sentiu desnorteada. De qualquer forma, eu preciso me levantar.

Assim que ela se ajeitou e estava prestes a ficar de pé novamente, seu corpo gritou para ela em protesto, suas pernas desabaram sob ela, e ela caiu de volta no chão. “… hã? O que aconteceu…?”

Claro, ela sabia que estava cansada. Mas ela se sentia cansada, então não tinha pensado muito nisso, e certamente não esperava que seu corpo se recusasse a obedecê-la. “I-Isso é algum tipo de magia antiga?”

“Não. Acabei de fazer você se movimentar de maneira eficiente.”

Willem estendeu a mão e Chtholly obedientemente a segurou.”O que executei há pouco para fazê-la se movimentar com eficiência contém o truque para espalhar o estresse físico uniformemente pelo seu corpo. Como você tem usado músculos que normalmente não usaria quando se movimenta de maneira imprudente, você está sentindo um tipo de exaustão completamente diferente que nunca sentiu antes durante o treinamento normal, certo?”

Ele puxou-a para cima de volta com os pés no chão. “Felizmente, o alicerce da sua força física já está bem desenvolvido, então podemos aumentar suas habilidades a um certo nível apenas treinando áreas onde você precisa de ajuda, como o que fizemos agora. Sua produção de venenum enquanto empunha os Carillons aumentará exponencialmente uma vez que você aumentar sua própria força. Este é um bom sinal”, concluiu Willem alegremente.

Chtholly percebeu que ele estava agindo de forma muito diferente de como estava ontem.

Willem Kmetsch era uma pessoa de quinhentos anos atrás, de quando os Emnetwytes ainda estava por aí. Em outras palavras, ele não deveria existir neste tempo, neste mundo que flutuava no céu. Sua família, seus amigos, sua namorada que ele poderia ou não ter tido, foram todos deixados para trás no passado longínquo, e agora ele vivia neste mundo como uma concha oca. Era possível que ele estivesse sobrecarregado por aquele vazio em seu coração. Ontem, seus olhos tinham ondulado com um indescritível brilho negro.

Hoje, por outro lado…

“Então você estava falando sério quando disse que ia me “tornar forte”…”

“Hã? Poderia ser que você não confia em mim?”

“Não é como se eu não confiasse em você… mas naquela hora eu não achei que fosse para valer…”

Embora quase não estivesse lá, hoje seus olhos brilhavam com esperanças para o futuro. Ela podia sentir a energia de alguém com o desejo de viver, que decidira aproveitar o presente porque tinha esperança dentro de si.

“Mas céus, mal se passou um dia inteiro desde ontem à noite até esta manhã, sabe? Isso é muito súbito. Não há um limite para sua falta de romance?”

“É claro”, respondeu Willem sem rodeios. “Romance ou fantasia são apenas ideias que colocam os sonhos acima da racionalidade. Além disso, considerando que nosso objetivo é derrotar um inimigo poderoso na vida real, devemos estar sempre em busca da racionalidade. A maneira mais eficaz de tornar o impossível possível é provar que “não era tão impossível quanto pensávamos”.”

“Isso não é o que eu queria ouvir…”

Chtholly se sentiu desnorteada novamente, mas também um pouco feliz.

Willem estava falando sério. Ele realmente queria que Chtholly e as outras fadas vencessem o enorme Timere e voltassem para casa vivas. Além disso, estava usando todos os métodos possíveis que tinha em mente para ela.

“Tudo bem, agora então…” Willem levantou a cabeça para olhar em direção a borda do espaço de treinamento. “Ei, vocês duas aí!”

“Hmm?”

Ithea, que estava sentada em um banco com as pernas balançando de um lado para o outro, lançou um olhar na direção deles com uma expressão parecida com a de um gato que tinha acabado de ser salpicado com água. Depois de um momento, Nephren, que estava sentada ao lado dela e olhando para as nuvens sem expressão, também inclinou ligeiramente a cabeça para eles com um pequeno murmúrio.

“Esta chance é difícil de aparecer”, disse Willem. “Vocês querem se juntar a nós?”

As duas se entreolharam. “Você está falando com a gente?”

“Não há mais ninguém aí, certo? Se estiverem interessadas, posso usar essa oportunidade para ensinar a vocês desde o começo.”

“Entendo… isso soa como algo pelo qual devemos ser gratas.” Ithea correu até eles, dando uma olhada em Chtholly. “Mas está mesmo tudo bem? É um pouco tarde para perguntar depois de espionar vocês dois, mas esse é algum tipo de método de treinamento secreto Emnetwyte?”

Willem se afastou dela e riu.

“Estás bem?”

“Oh nada. Bem, é verdade que isso foi passado para mim do meu mestre, então posso confirmar que não é de conhecimento comum.”

Ele esfregou os olhos levemente e sorriu. “Vamos colocar desta forma. Mesmo que fosse uma arte secreta, contanto que eu escolha a pessoa a qual passar, ninguém tem o direito de dizer nada. Se vocês três puderem ficar mais fortes em um time, então as chances de qualquer uma de vocês retornar viva também aumentará. Que tal?”

Ithea olhou para Nephren, que assentiu com uma expressão que provavelmente significava que ela estava empolgada, e então ambas olharam para Chtholly.

Bem, é muito importante e pedir a ele que nos ajude, claro, seria muito melhor do que não, mas essa é outra questão, se o nosso tempo juntos a sós diminuir, então seria realmente decepcionante, então… para ser honesta eu não queria que elas se intrometessem, mas se eu dissesse isso em voz alta eles me provocariam. Eu não posso dizer nada, por isso… Chtholly assentiu, portando esse tipo de contradição em seu rosto. “Sim, ele tem razão. Nesse caso, por favor, nos ensine.”

Ithea assentiu também, depois de parecer pesar várias coisas em sua mente.

“Tudo bem. Começaremos com aquecimentos simples e assim conheceremos os pontos fortes e fracos de cada uma de vocês. “

William pegou vários gravetos no chão e jogou um para cada uma com uma declaração:

“Todas vocês, me ataquem ao mesmo tempo. Vai ficar tudo bem. Me batam com tudo que tiverem.”


Parte 2 – ~Quinhentos anos~

Por causa de seu número, a 68ª Ilha estava localizada perto da borda externa de Regul Aire.

Ao contrário do que se poderia pensar, sua distância não era a razão pela qual faltavam grandes cidades que pudessem ser mencionadas. Em vez de edifícios, a superfície da ilha estava quase completamente coberta por vastas florestas. Havia manchas límpidas aqui e ali, assim como vários pântanos escondidos dentro das árvores. O povo fera que chamava a ilha de lar tinha construído pequenas cidades e aldeias, agarradas às bordas da maciça floresta.

Uma dessas aldeias ficava a uma curta distância a pé do armazém das fadas empoleirado na borda da ilha flutuante. Normalmente proibidas de circular pelos militares, as Leprechauns podiam viajar para qualquer lugar que quisessem na área da 68ª Ilha.

E ocasionalmente quando Nygglatho lhes oferecesse algum dinheiro para comprar lanches dos restaurantes da aldeia… bem, isso também poderia ser ignorado.

“De que diabos ele é feito?”

Ithea caiu, deixando a testa bater na mesa enquanto gemia.

“Não me pergunte…” Chtholly murmurou com a cabeça baixa, exausta além da compreensão.

Nephren simplesmente sentou-se flacidamente, quase como uma boneca sem vida. Com o pescoço apoiado na cadeira, ela olhou sem rumo para o teto. “… au…”

As três fadas reunidas à mesa ficaram assim, a conversa parou por um momento.

Ithea levantou lentamente a cabeça. “Ele nem parecia sério quando se esquivava de nós três.”

“Sim…”

Essa era a verdade. Os ataques das três Leprechauns defendendo Regul Aire — Chtholly Nota Seniorious, Ithea Myse Valgulious e Nephren Ruq Insania — foram facilmente desviados por aquele homem. Elas haviam tentado atacar uma por vez, simultaneamente, ou coordenar o lançamento de ataques escalonados.

Nada disso funcionou em Willem.

“Ele não só encontrou os nossos pontos fracos, como os atacou implacavelmente. Além disso, ele ajustou todos os ataques que fez para ensinar o jeito certo de se desviar para nós, certo?”

“Sim…”

Isso também era verdade. Se a menor fraqueza aparecesse em seus movimentos, a arma de Willem imediatamente atacaria como uma cobra. Era bastante fácil evitar os ataques quando eles vinham um por vez, mas se elas perdessem um pouco de equilíbrio ou foco na esquiva, seriam golpeadas pelo próximo ataque. Durante toda a sessão de treinamento, Willem manteve infalivelmente esse estilo frustrante e o ritmo dos ataques. Como tal, elas foram forçadas a responder a cada ataque de uma maneira que não afetaria sua capacidade de evitar os futuros, de novo e de novo até que os movimentos fossem gravados na memória muscular de cada fada.

Essas habilidades serão úteis contra inimigos que se movem rapidamente, Willem havia dito a elas.

“Aquele cara disse outro dia que está quase morto, não é? Que está ridiculamente ferido e usar até um pouco de venenum poderia empurrá-lo para a beira do abismo?”

“Sim…”

Isso, claro, também era verdade. Na verdade, esse mesmo cenário de fato aconteceu ontem de manhã e Willem acabou oscilando entre a vida e a morte.

Naturalmente, ele conseguiu se recuperar completamente depois de pouco mais de vinte e quatro horas… embora recuperar talvez tenha sido o termo errado. O corpo de Willem permaneceu o mesmo de sempre: ossos crivados de fraturas, músculos degenerados destruídos por atrofia e órgãos internos que mal funcionavam. Por todos os efeitos, ele deveria estar morto há muito tempo a essa altura.

“Sério, de que diabos ele é feito?”

“Sim…”

Após sua quarta resposta carregada de fadiga, Chtholly levantou ligeiramente a cabeça. “Eu ouvi que os ferimentos dele não têm nada a ver com o uso de venenum, e o que aconteceu foi tão sério que ele não deveria poder se mover. É só porque o corpo dele se lembra de todo o treinamento de artes marciais que teve, que ele foi capaz de evitar tensionar seus ossos ou músculos. Ele disse que saber como se movimentar da maneira mais eficiente possível é como ele é capaz de ficar de pé ou andar.”

“Mesmo que esteja tão bagunçado desse jeito, ele ainda é capaz de nos treinar como ontem?”

“Infelizmente, sim.” Deprimiu Chtholly ter que admitir isso.

“As coisas mais importantes ao lutar contra outras pessoas são habilidade e experiência. Vocês, garotas, são especializadas em matar Bestas, então não é grande coisa para vocês terem isso como uma fraqueza”, Willem disse uma vez. Por mais verdade que isso fosse, a realidade de sua situação fez com que as três se sentissem como se sua capacidade de se chamar de armas tivesse subitamente se tornado muito frágil.

Ithea resmungou. “Eu tenho que dizer, só pode ser mesmo impossível matar o Sr. Técnico.”

“… não, isso está errado.” Nephren de repente voltou à vida, virando o rosto para Ithea. “Ele provavelmente já quebrou, há muito tempo.”

As outras duas fadas pestanejaram, surpresas com sua declaração ultrajante. “Ele compreende o que aconteceu com ele, pelo menos”, continuou Nephren, “para assim ele não desmoronar mais rapidamente. Mas até ele deve ter algum limite. Por ora, provavelmente é por causa de nós que ele–”

“Oho, vocês três? E já cansadas também? Essa é uma visão rara!”

O Lycanthropos vestindo avental provavelmente não tinha a intenção de interromper a conversa quando colocou a cabeça para fora de trás do balcão naquele exato momento, mas mesmo assim foi exatamente o que tinha feito. “Oh, um sargento instrutor excessivamente animado e de sangue quente veio ao armazém, isso é tudo”, respondeu Ithea, sorrindo na mesa de madeira.

“Hã? Eu realmente não entendo, mas parece que vocês tiveram um dia difícil,” o Lycanthropos disse, caminhando por trás do balcão. Copos cheios de suco fizeram um clink assim que pousaram, um após o outro, na mesa das Leprechauns.

“Eh?” Chtholly olhou para os três copos. “Mas ainda não pedimos nada.”

“Vocês estão com cara de que estiveram trabalhando duro, então peguei às escondidas para vocês”, ele respondeu alegremente. “Não contem ao meu chefe, ok?”

“Oh!?” Ithea levantou a cabeça ao mesmo tempo que os ombros de Chtholly saltaram e o rosto inexpressivo de Nephren brilhou notavelmente. “Então aceitaremos a cortesia! Obrigado, grandão! Você é um homem de verdade!”

A porta da loja abriu quando o Lycanthropos riu, suas presas arreganharam-se em um largo sorriso. “Eu vou deixá-los para que vocês três desfrutem, então.” Ele se virou para receber os novos clientes.

A propósito, esta loja em particular até que poderia pendurar um cartaz do lado de fora, sugerindo ser um “restaurante”, mas como não muitas outras lojas estavam em atividade por perto, oferecia mais do que apenas comida. Durante o dia, alguns clientes tratavam-na como um café; quando a noite chegava, álcool era servido. Neste momento, pouco depois de meio-dia, várias mesas já tinham sido preenchidas pelos clientes. Alguns vieram comer, outros beber chá e conversar. Não estava lotado, mas também não estava vazio. Em outras palavras, neste momento específico do dia, os negócios estavam (sutilmente) prosperando.

“Oh?” Ithea, que tinha mudado de assento para olhar para a porta, fez uma exclamação de surpresa. Chtholly, com o interesse despertado, esticou o pescoço cansado para seguir o olhar da amiga.

“… eh?”

Willem estava lá.

“Eeeeeei, Tec–”

“E-Espera!” Chtholly rapidamente parou Ithea quando ela começou a gritar e acenar para Willem. “Ele não deve nos ver! Estamos todas exaustas e ainda estamos aqui comendo coisas — e se ele ficar com a impressão errada ?!”

“Do que está falando?” Ithea levantou uma sobrancelha. “É por causa dele que estamos assim para começo de conversa, não é?”

“O que você está dizendo até pode estar certo! Na verdade, está! Mas, mas…!” Chtholly protestou, encolhendo-se na cadeira e tentando passar despercebida.

“Caramba, que chato. É importante para ele ver seu verdadeiro eu, sacou? Não fique tão preocupada. Ele é como o pai bobo que todos os pais bobos querem ser algum dia, então você não vai desapontá-lo tão facilmente.”

“V-Você pode estar certa, mas não precisava dizer pai bobo duas vezes… e por que ele deveria agir como um pai? Eu não sou uma criança!”

“Ahhh, tá, tá, tá, já entendi.” Ithea sorriu, com um dos olhos fechado. “Você é uma soldada fada adulta modelo de verdade, certo? Você não come alimentos doces, nem coloca açúcar em seu café, nem lê livros infantis, hein?

“Eu–” Chtholly não conseguiu encontrar as palavras. “… é isso mesmo, eu sou! Tem algum problema com isso?”

“Neeeeeenhum. Mesmo se quiser começar a agir como se isso fosse verdade, eu não vou te atrapalhar, beleza?”

“Não é o que você pensa que é–”

Assim que Chtholly estava prestes a fazer mais objeções, sua boca foi coberta pela pequena mão de Nephren. “Ren?”

“Silêncio.” A outra fada colocou um dedo nos lábios, apontando para que Chtholly olhasse na direção da porta da loja. Ela se virou bem a tempo de ver Willem caminhar até uma mesa vazia, acompanhado por um Ayrantrobos.

“Quem é aquele?”

O Ayrantrobos estava vestido elegantemente com uma camisa branca com um terno de cor carmim. Levando em conta seu pelo, ele não era mais jovem, em vez disso podia ter mais de trinta anos de idade — falando em termos de idade relativa da raça, ele tinha passado do auge e entrara na velhice.

“Ele…” Chtholly procurou em sua memória. “Ele não parece com alguém que já vi antes.” Isso em si não era tão incomum. A aldeia podia até não ser grande, mas independentemente disso, não era tão pequena que todos nela estivessem familiarizados. Mas…

“Ele não parece com alguém da região,” Ren murmurou.

Chtholly não pôde deixar de concordar. A 68ª Ilha poderia ser considerada rural, e nenhuma das pessoas que moravam nela normalmente estaria vestida de forma tão refinada… ou pelo menos, Chtholly não tinha conhecimento de ninguém. Alguns ocasionalmente o faziam, mas quase todos eram visitantes de outras ilhas, tipicamente mercadores de alguma corporação ou outra ali para comercializar mercadorias ou renovar contratos.

Um mercador… de outra ilha? Insegurança sacudiu Chtholly. Se alguém assim estivesse procurando por Willem, o que queriam com ele?

“Sobre o que eles estão falando?”

“Er…” Ithea deu de ombros impotente. “Sei lá?”

Chtholly esforçou-se para ouvir a conversa, mas a loja era suficientemente barulhenta e a distância era longe o suficiente que ela mal conseguia entender nada. Se havia alguma coisa que ela tinha aprendido, era que as mesmas razões pelas quais Willem não parecia tê-las notado também.

“É inútil”, ela suspirou. “Não consigo ouvir nada.”

“E Ren?”

“Dê-me um minuto.” Nephren fechou os olhos, aproximando seu corpo o mais próximo da direção que Willem estava, quanto sua cadeira permitiria. “… só um pouco”, disse ela, piscando.

“Tudo bem, vamos ter que nos contentar com o que temos.” Ithea suscitou para que Nephren continuasse. “Vá em frente, o que eles estão dizendo?”

“Mm… entendido.” Seus olhos se fecharam novamente, Nephren tentou o seu melhor para se concentrar na conversa distante. Chtholly imitou-a, forçando os ouvidos o máximo que pôde. Tentar localizar Willem e o Ayrantrobos no meio de todas as outras vozes era como procurar por moedas espalhadas no fundo de um pântano escuro.

Uma explosão de riso irrompeu de uma mesa próxima que hospedava um bando de homens fera bêbados. A bombardeio de som atacou Chtholly, deixando-a aturdida com os ouvidos zumbindo. Seu coração ferveu de raiva, e ela sentiu o impulso quase irresistível de gritar com toda a força para todos na sala calarem a boca. Ela relutantemente suprimiu o impulso quando Nephren começou a falar.

“… ouvi… a 48ª Ilha… tecnologia rara… aprecio…?”

Ela manteve a voz baixa, apenas dizendo as poucas frases que ouvia. A crescente sensação de ansiedade de Chtholly continuou a se expandir.

“Antiga… facilmente… sua…”

“Eugh, não consigo tirar nada disso”, Ithea suspirou, coçando a cabeça.

No final, elas não conseguiram ouvir toda a conversa. No entanto, juntando o que Nephren tinha ouvido e preenchendo os espaços em branco, elas podiam imaginar o que tinha sido.

“Como pensei… ele está caçando troféus, hein?” Ithea murmurou.

“Não é de se admirar.” Chtholly chegara à mesma conclusão. Era lógico: Willem Kmetsch, o último sobrevivente vivo da raça Emnetwyte que fora extinta junto com a superfície há quinhentos anos. Ele era praticante de inúmeras artes antigas perdidas, familiarizado com a cultura da época — e, para os Trolls, a melhor iguaria na dieta de seus ancestrais. Para alguém que conhecesse seus bens, Willem seria o patrimônio mais valioso em existência.

“Bem, eu não sei de onde o Sr. Ayrantrobos obteve essas informações, mas não é como se ele devesse estar cuidando de crianças nesse lugar, de qualquer maneira”, comentou Ithea.

“Ele mencionou tecnologia rara, certo?”, Perguntou Chtholly. “Isso significa que ele é de um centro de pesquisa em outra ilha?”

“Sim, tem uma grande chance de ele ser.”

“M-Mas…”

Ela não podia aceitar. Se Willem fosse levado para outro lugar, isso naturalmente significaria que ele não estaria mais com elas. Se esse fosse o caso, ela não aceitaria nem acreditaria nisso.

“Ele definitivamente rejeitará a oferta!”, Exclamou Chtholly. “Afinal, ele é o Segundo Oficial Técnico de Armas Encantadas dos militares e o cuidador do armazém!”

“Eh, isso pode não ser verdade. Sr. Técnico é um cara sentimental, mas se você pensar sobre o preço que as habilidades dele poderiam lhe arranjar, não seria estranho se ele mudasse de ideia, seria? Talvez o outro cara ponha para fora uma pilha de dinheiro tão alta quanto uma montanha e a derrube bem na frente dele, boom–” Ithea fez um gesto explodindo com as mãos,”– e ponto final.”

“Isso não vai acontecer! Ele não vai me — nos — deixar para trás!”

“Quem sabe? Mesmo que você não consiga comprar o coração de um cara com dinheiro, ainda pode fazê-lo mudar de ideia com isso, sabe?”

“Isso não vai… acontecer.”

Ela queria dizer que era impossível, queria acreditar nisso. Afinal, eles tinham acabado de fazer uma promessa um ao outro. Se ele fosse embora, quando eles finalmente tinham se conectado… ela não queria ter que pensar que o tempo que passaram juntos na noite passada, os pensamentos sobre os quais conversaram, eram todos coisas que ele podia abandonar por dinheiro.

Isso mesmo. É por isso que ela não negou a teoria de que o Ayrantrobos estava aqui para caçar Willem. Verdade seja dita, ele era incrível. Não importa o quão alto fosse o preço oferecido a ele, valeria mais do que a pena.

Mesmo assim, ele não vai aceitar isso. Ele definitivamente vai rejeitar!

“Afinal, eu já fiz uma promessa com ele –Mmf–”

“Shh”, Nephren respirava suavemente, suas pequenas mãos cobriam a boca de Chtholly.

Houve movimento na mesa próxima da porta, Willem e os Ayrantrobos estavam de pé e sorrindo, apertando as mãos um do outro.

“Isso significa que… o negócio foi cumprido?”, Perguntou Chtholly.

Como isso poderia acontecer?

“Não…” Ela parou de respirar. “De jeito nenhum…”

Ela não conseguia respirar. Ela não conseguia falar. Bem na frente delas, os dois homens saíram da loja. A silhueta alta de Willem encolheu e desapareceu do outro lado da porta, com a distância entre ele e as meninas ficando cada vez maior.

“Um…” Ithea tossiu. “Você poderia chamar isso de acidente, mas… também pode dizer que é o que esperávamos, hein?”

Ela soava como se estivesse tentando tirar sarro da situação, ou talvez sua voz incrédula significasse que estava simplesmente estupefata. Nephren apenas franziu a testa ligeiramente, sem dizer nada. E Chtholly…

“Isso… não é verdade … é…?”

Chtholly caiu em transe sozinha.

Separador de texto

Naquela noite, Tiat, uma das Leprechauns mais jovens do armazém, viu algo incrível na cozinha.

A pessoa que ela reverenciava e a soldada adulta ideal aos seus olhos, Chtholly Nota Seniorious, estava fazendo algo estranho com seu chá preto.

“… Chtholly?”

Chtholly era uma adulta e ser adulta significava ser capaz de tomar bebidas amargas sem fazer careta. Pelo menos, era nisso que Tiat acreditava e, na verdade, ela nunca antes havia visto Chtholly acrescentar açúcar ou leite quando tomava café ou chá preto.

Mas agora, ela tinha acabado de colocar algo em seu chá preto.

O que está acontecendo? Tiat se perguntou, pretendendo dar uma olhada mais de perto. Só então, ela percebeu que Chtholly não estava segurando um pote de açúcar. Em vez disso, o rótulo colado ao frasco tinha uma palavra escrita na caligrafia animada de uma criança: Mostarda.

“C-Chtholly!”

Na frente de uma surpresa Tiat, Chtholly fez um movimento de levantar a xícara até os lábios, mas de repente parou e deu uma rápida olhada ao redor. Quando ela notou Tiat no canto do olho, suas mãos tremeram. Pela expressão em seu rosto, podia-se ver uma constatação indescritivelmente trágica.

Então ela bebeu a xícara inteira de chá em um só gole.

“U… uau…”

Os olhos de Tiat brilharam quando a exclamação escapou de seus lábios. Seus punhos, que ela sem perceber apertara com força, suavam. Então essa é outra maneira de beber chá preto!

Ela era apenas uma criança, então não sabia que os adultos também bebiam dessa forma. Mas desde que Chtholly o fez, então assim devia ser — essa foi a conclusão que Tiat chegou, baseada no que ela acabara de ver.

Chtholly não gritou, nem rolou no chão. Ela simplesmente, graciosamente — pelo menos aos olhos de Tiat — se levantou, levando a xícara de chá e a chaleira para a pia.

“Isso é tão maduro…”

Tiat a viu com admiração e respeito.

Separador de texto

Realmente, Chtholly não desconfiava de Willem.

Ela entendia ele como uma pessoa. Pelo menos, pensava que sim.

Ele podia até ter pensamentos estranhos ou planejar algo estranho, mas no final, era uma pessoa honesta. Ele não quebraria uma promessa facilmente, e era difícil imaginar que ele pudesse traí-la ou abandoná-la.

Mesmo com suas preocupações, Chtholly sabia muito bem disso. Eu só tenho que confiar nele e não me preocupar com nada. Eu entendo isso.

Era tarde da noite. As crianças fadas tinham ido dormir há muito tempo. Chtholly estava largada sobre uma mesa, emoções negativas corriam por ela. Autoaversão, impotência, vergonha, arrependimento–

“Alguma coisa está te incomodando?”

Ela levantou a cabeça.

“Chá preto. Do tipo que não vai mantê-la acordada, mesmo que beba pouco antes de dormir. Você quer um?”

Nygglatho estava de pé ao lado dela, com uma bandeja nas mãos. Chtholly olhou para o rosto dela atordoada conforme a troll piscava para ela.

“… sim…”

Sua garganta ainda estava formigando do impacto anterior da mostarda. Certificando-se de que sua voz não soaria estranha, Chtholly assentiu levemente. Enquanto observava Nygglatho derramar um líquido âmbar claro na xícara de chá, ela achou que parecia muito com algo que estava acontecendo em um mundo distante.

“Tem bolo também. Eu assei durante o dia. Claro, guardei um pouco para você.”

“… eu não quero.”

“Mesmo? Pode não ser apropriado elogiar a mim mesma, mas os bolos que preparo são muito bons, sabia! Ainda não vou entregar os estômagos das crianças para Willem.” Nygglatho pôs pratos na mesa enquanto falava, fatias do mencionado bolo foram colocadas sobre eles. Uma doce fragrância flutuou, espalhando-se devagar e levemente fazendo cócegas no nariz de Chtholly.

Parece delicioso. Seu estômago roncou, o que devia ter sido devido ao chá preto apimentado que bebera mais cedo. “Eu não sou uma criança”, ela protestou fracamente.

“Dizer coisas como essa significa que você ainda é uma criança, sabia?”

“… sem chance. Então, quando começo a me tornar uma adulta?”

“Mm, deixe-me pensar. Talvez seja quando você diz “eu quero ser criança de novo” para valer?”

Que tipo de raciocínio é esse? Quando ela quer ser adulta, ainda é uma criança. Quando ela quer sua infância de volta, então aí seria uma adulta. Isso não significa que não importa quanto tempo passasse, ela nunca poderia se tornar a pessoa que queria ser?

“O que há de errado? Vá em frente, coma enquanto tem a chance e ninguém está por perto para ver. Você ainda é jovem, então deve agir de acordo com a sua idade de vez em quando, ou então será tarde demais, sabe?”

“… acho que sim.” Chtholly baixou o rosto nos braços cruzados, sem saber como se sentir.

“Chtholly”, disse Nygglatho depois de um momento, sentada à mesa. “Você se lembra de Tuca?”

“Hã?” O que é isso assim de repente? “Claro… sim, ainda me lembro dela.”

Tuca Cog Rosaurem. Uma soldada fada que viveu no armazém. Como seu nome indicava, ela estava em sintonia com a Dug Weapon Rosaurem.

Ela era três anos mais velha que Chtholly, seu cabelo era da mesma cor verde-escura que sua íris, e seus lábios eram largos. Suas risadas transbordavam de vigor. Ela era alta, e naquela época Chtholly sentia que sempre tinha que começar dos seus pés e subir até olhar seu rosto.

Há dois anos, enquanto lutava contra o Timere na 96ª Ilha Flutuante, Tuca abriu o portão das fadas. Deixou seu venenum entrar em berserk de propósito e morreu em batalha.

“E Orko?”, Perguntou Nygglatho.

“Sim.”

Orko Ross Ignareo. Uma soldada fada que era um ano mais velho que Tuca. Ela estava em sintonia com a Dug Weapon Ignareo. Apenas cerca de um mês antes de Tuca, em outro campo de batalha, ela perdeu a vida em uma batalha com as Bestas.

“Claquia, Ahor e Catariela?”

“… sim.”

Três nomes, mencionados um após o outro. Elas eram todas iguais. Soldadas fadas que viviam no armazém e um dia deixaram-no para nunca mais voltar.

“Todas eram boas crianças.” Nygglatho serviu chá preto em sua xícara. “Para dizer a verdade, eu nunca quis enviar nenhuma delas. É o meu trabalho, eu sei, e nada virá da minha vontade. O destino de Regul Aire e a vida de algumas garotas não podem ser comparados…”

Ela tomou um longo gole. “… é o que eu tento dizer a mim mesma. Mas nunca foi muito convincente.”

“Nygglatho…”

“Eu não sei se é por causa de quanto tempo venho fazendo isso, mas comecei a aceitar ter que mandar vocês crianças embora, apesar de que eu mesma não tenha me convencido de que isso é o certo.”

Nygglatho encolheu os ombros, mostrou a língua e lançou um sorriso envergonhado. Sorrindo por mim, Chtholly percebeu. “Eu entendo como você se sente, sabe. Por vocês todas estarem lutando contra as Bestas, eu queria agir como uma mulher adulta que sabe o que é certo e o que é errado, uma que pode sorrir quando se despede de vocês. Meus sentimentos de querer gritar e protegê-las têm que ser escondidos das crianças mais novas. Quando não suporto mais, eu saio para encontrar um urso para comer e tentar superar isso”

“… um urso?” Chtholly sentiu como se tivesse ouvido algo estranho naquele momento.

“Sim. Eu tentei muitas coisas, mas os ursos são os melhores. Eu posso esquecer as coisas que odeio enquanto caço, temperar é um desafio e acima de tudo alimenta!”

“O que você quer dizer?”

“Nutrição para o corpo e a alma pode ser encontrada em comida deliciosa, sabia?”

“Ei, espere um minuto…”

Chtholly sentiu como se a conversa tivesse acabado de mudar de rumo.

“Na verdade, o que eu queria muito comer eram vocês, mas isso meio que seria perder de vista o ponto principal, certo? E o que eu realmente quero muito muito comer são humanos, mas ainda não consegui a permissão dele…”

Chtholly estava começando a ter a nítida impressão de que o que estavam falando não estava relacionado a isso. “S-Sério, espere um minuto.”

“… agora que falei sobre isso, estou com fome.”

“Vamos deixar isso de lado…” Com um certo grau de força, Chtholly retornou ao tópico original. “Do que você estava falando antes, Nygglatho? Quer dizer que você não quer mais que nós lutemos?”

“Hmm…” Nygglatho habilmente adicionou leite a sua xícara de chá preto. Ela girou a colher de chá dando voltas e mais voltas, misturando branco e âmbar em uma espiral de cores. “Isso estaria correto, mas não é toda a história. Para dizer a verdade, ainda não me decidi. A esperança que Willem deu a vocês é algo em que posso acreditar? Você ainda pode precisar abrir o portão, ou talvez possa vencer a batalha sem precisar abri-lo. Eu ainda não sei o que pode acontecer no final…”

Ela pegou a colher de chá. “Se eu esperasse tão facilmente por um final feliz, seria devastador se eu fosse decepcionada. Nesse caso, desistir da esperança e caçar um urso significa que eu ficaria menos chateada com isso, não acha?”

Do jeito que você diz, parece um bom ponto. Deixando a parte sobre os ursos de lado, Chtholly podia concordar com tudo o que Nygglatho dissera.

“Quer um pouco?” A troll perguntou abruptamente.

“Hã?”

“Leite e açúcar.”

“… não, eu não.” Chtholly desviou o olhar.

Nygglatho suspirou desapontada, depois voltou ao assunto em questão. “Esse tipo de coisa é o que tem estado na minha cabeça ultimamente. Eu não estou acostumada a receber tal esperança, então não posso deixar de sentir medo.”

“Mm-hmm.”

“E então percebi algo — o medo que você está sentindo, como alguém diretamente envolvida em tudo isso, deve ser muito mais forte do que o meu. Certo?”

Chtholly caiu em silêncio. “Isso é porque não é fácil abrir seu coração”, continuou Nygglatho. “Mesmo que você tenha decidido acreditar nele, qualquer pequena coisa que possa acontecer te sacudiria. A coisa mais insignificante poderia grudar na sua cabeça e você não conseguiria esquecer, não importa o que.”

Ela permaneceu em silêncio, incapaz de encontrar qualquer palavra para responder.

“Aconteceu alguma coisa?”

E aqui estava o tópico principal que elas estavam se aproximado. “… não é nada”, respondeu Chtholly, ainda incapaz de olhar nos olhos de Nygglatho. “Não há nada… nada que valha a pena pensar.”

“Oh, então algo que não vale a pena pensar aconteceu, não é?”

Na mosca. “… não foi isso que eu disse.”

“Você se importa com isso, não é?”

“Eu não.”

“Você não precisa ficar brava com isso, sabe.”

“Eu não estou brava.”

“Alguém disse uma vez que querer acreditar e não acreditar em algo do fundo do seu coração são dois lados da mesma moeda”, disse Nygglatho. “Mas você deveria saber, isso não é algo para se envergonhar. Por você estar preocupada com algo, você quer entender mais sobre isso, e é por isso que seu coração continua batendo. Ou é assim que dizem, de qualquer maneira.”

“Eu nunca ouvi falar disso.”

“Você quer saber mais sobre Willem?”

“Eu não–” Chtholly se forçou a parar. “… Nygglatho, você sabe de alguma coisa que eu não sei?”

“Hmm, quem sabe?” Ela quase podia ver o sorriso do troll. “Se eu não souber o que aconteceu, acho que não posso dizer nada de um jeito ou de outro.”

Ah, caramba.

Não funcionaria. Não importa o que Chtholly dissesse, ela não seria capaz de ultrapassar Nygglatho. Uma criança fingindo ser madura, versus uma adulta de verdade. O vencedor desta batalha foi decidido desde o início.

“Bem, por exemplo”, ela começou como um prefácio. “Isso é apenas uma analogia, ok? Por exemplo, hipoteticamente, digamos que alguém de outra ilha flutuante ofereceu a Willem um emprego.”

“Ah, entendo.”

“Você acha que… Willem aceitaria? O emprego?”

“Hmm…” Nygglatho pensou. “Você quer dizer abandonar este armazém e ir para outro lugar?”

“Sim.”

“Acho que isso não aconteceria mesmo se Ballmen começassem a cair.”

Ela não estava errada. Chtholly, que fizera a pergunta para começar, pensava da mesma maneira. Mas mesmo que isso fosse verdade… “Se eles lhe oferecessem boas condições, poderia haver uma chance de ele aceitar, certo?”

“Ohh? Tipo o que?”

Chtholly pensou. “Uma bonificação de assinatura!”

“Como isso seria possível?” Nygglatho riu. “Você sabe disso tão bem quanto eu, não sabe? Ele não é alguém que seria tentado pelo dinheiro.”

“Bem…” Chtholly suspirou. Ela não podia negar isso.

“Não é como se ele não tivesse nenhuma necessidade materialista, mas parece que ele simplesmente não as vê como importantes. Ouvi dizer que ele deu muito trabalho a Grick por causa disso.”

Ela não sabia quem era esse, mas Chtholly ainda tinha que concordar com ela. “Bem, bem… então que tal belas garotas?!”

“Ah? Isso não significa que é impossível para o nosso armazém perder?”

Chtholly não sentiu como se pudesse julgar isso. “Velhos amigos, então! Ou uma amante do passado!”

“Não acho que ele possa estar mais sozinho neste mundo, sabe? E mesmo que tivesse alguém assim, digamos, na 28ª Ilha, ele decidiria abandonar suas amadas filhas só para ver essas pessoas?”

Chtholly também achava difícil de imaginar, e ela estava começando a ficar sem ideias. “Eu fico imaginando, por que você não pergunta a ele?”, Indagou Nygglatho. “Como você acabou de fazer. Tenho certeza de que ele te contaria tudo, sabe?”

“Eu…”

Talvez seja o que devo fazer. Parecia o curso de ação correto. Mas, mesmo assim, ela não achava que seria capaz de falar com Willem tão diretamente.

O que ela temia não era seus sentimentos de insegurança, mas sim no que esses sentimentos se transformariam na realidade. Por causa disso, ela não foi capaz de bater de frente com o problema, nem de seguir em frente.

Depois de um tempo, Nygglatho falou novamente. “Você quer leite no seu chá?”

“Sim.”

“E açúcar?”

“Sim.”

“Bolo também?”

“Sim.”

A nova xícara de chá de Chtholly era extremamente doce e um pouco morna.

“… ei, posso perguntar algo a você?”

“O que é?”

“Nygglatho, você já pensou em voltar a ser criança?”

“Ha ha”, Nygglatho riu sem jeito. “Isso não é algo que você pode simplesmente perguntar, sabe”, disse ela, esquivando-se de sua pergunta com uma resposta vaga.

Adultos são mesmo astutos, Chtholly resmungou por dentro. Seu pensamento foi acompanhado de uma descoberta significativamente triste. Se estou pensando assim, provavelmente significa que ainda sou criança, afinal.

Ela soltou um longo suspiro, espetando o garfo em uma fatia de bolo e colocando-o na boca. Era um cheesecake assado com um sabor forte e doce. Uma sensação de felicidade se espalhou por sua língua.


Parte 3 – ~Aquele sentimento sem nome~

Estava nublado na segunda vez que eles treinaram. Embora o céu parecesse que explodiria em chuva com apenas um pequeno empurrão, no final das contas não atrapalhou a sessão deles.

À sua maneira, Chtholly tentara dar tudo de si. Seus pensamentos à beira da desordem, seus membros à beira do colapso, sua concentração em pedaços — ela reuniu tudo, fazendo o melhor para manter seu controle e compostura. Nesse sentido, seu treinamento continuou razoavelmente bem.

No entanto, quando Willem as levava ao limite, ficava claro que “razoavelmente bem” não era bom o suficiente. Incapaz de se esquivar do bastão de madeira, Chtholly foi golpeada no ombro, na cintura, no abdômen inferior, na parte interna das coxas — batidas indolores tão habilmente apontadas que ela se perguntou como Willem poderia estar contendo sua força. Embora os impactos não doessem, com o tempo eles perturbaram seu cuidadoso equilíbrio. Incapaz de se recuperar, ela caiu impotente no chão.

“Isso é tudo por hoje”, disse Willem, finalmente, tocando o bastão no ombro. “Vocês deveriam descansar um pouco agora. E Chtholly…”

“O que aconteceu com você?” Parecia ser a pergunta omitida quando ele olhou para ela. “Você claramente pôs bastante esforço hoje, mas nos momentos cruciais erros continuaram surgindo em seus movimentos. Você não estava bem ontem?”

Chtholly se deslocou e desviou o olhar, incapaz de olhar nos olhos dele. Ela entendeu o significado por trás da pergunta dele.

A “maneira mais eficiente de se mover” de Willem só poderia ser usada depois que seu corpo a tivesse aprendido ao ponto de ser uma ação reflexiva. Para chegar a esse estágio, ela tinha que praticar a mesma maneira conscientemente de forma que seu corpo se acostumasse a isso. No entanto, em sua condição atual, seus sentimentos estavam tão caóticos e desequilibrados que ela nem sequer entendia o que estava pensando, e, consequentemente, seus movimentos eram os de alguém que não entendia o que estava fazendo.

“Alguma coisa aconteceu para te incomodar depois do treino de ontem?”

Uma pergunta tão sem sentido fez o sangue de Chtholly ficar quente e pesado conforme corria para sua cabeça. “Ca…”

“Ca…?”

Cale a boca, cale a boca, cale a boca! Quem você pensa que é para perguntar isso?! Você tem algum senso de vergonha? Sim, é claro, claro que algo está me incomodando e a culpa é sua! Se você está tão ciente, então não pare no meio do caminho e descubra que você é o problema aqui! Ou — ou é como eu pensei — você vai mesmo sair desse lugar por isso não se importa?

Ela não conseguia colocar as palavras para fora. Seus pensamentos, incapazes de escapar, repetidamente se chocaram e ecoaram nos lados de sua mente, enchendo sua cabeça até que estivesse pronta para explodir.

Meu rosto deve estar completamente vermelho agora. Era natural que aquele lampejo desnecessário de autoconsciência viesse a ela.

“Oh? O que houve?” Willem estendeu a mão livre para ela. “Você não pode se levantar–”

Suas emoções finalmente explodiram. “Caladubobidiota!” Chtholly gritou, sem nem mesmo entender que tipo de som tinha acabado de sair dela. Ela pulou e correu o mais rápido que pôde.

Separador de texto

Não antes de deixá-lo comendo poeira, sua silhueta desapareceu na floresta. Willem olhou desnorteado para sua forma rapidamente decrescente.

“… o que diabos foi aquilo?”

“Oh, Sr. Técnico, você não percebe?” Ithea, ainda deitada de bruços aos pés dele, riu como uma professora fazendo a vontade de seu estudante tolo. “Há coisas estranhas e bizarras neste mundo que seria melhor você não entender.”

“Uma idade problemática”, resmungou Nephren, deitada de costas.

Willem inclinou a cabeça, examinando cada palavra que disseram, até que chegou a uma única conclusão sólida. “Eu realmente não entendo mulheres jovens.”

“Haaaaah… isso é tão típico de você.” Ithea balançou a cabeça em admiração, em seguida, levantou-se com um força! “De qualquer forma, você provavelmente não precisa ir atrás dela.”

“Hmm?” Willem, que estava prestes a ir atrás de Chtholly, parou e se virou. “Er, não é ruim deixar as coisas como estão agora?”

“Não. Aquela garota é do tipo que reprime suas frustrações sozinha, saca? Os olhos de Ithea passaram por ele até as árvores. “Ela é esforçada, então, mesmo que continue assim, acabaria resolvendo seus problemas com alguma força de vontade e perseverança. Ainda assim, se alguma coisa acontecer, e for demais para a mente dela lidar, ela vai acabar gritando Uaaaaah! e fugindo desse jeito.

“… entendi. Fazendo Uaaaaah! e fugindo, certo?” Willem assentiu como se tivesse entendido perfeitamente e estivesse totalmente iluminado.

Ithea suspirou. “Ok, basicamente, ela é esperta, beleza? Ela vai se acalmar mais cedo ou mais tarde e voltar. No mínimo, ela vai perceber que agir feito idiota não vai ajudar em nada.”

“Entendo. Isso é bem lógico…” Willem estreitou os olhos. “Espere. Quem deveria ser a mais velha de vocês mesmo?”

“Yahaha, você não percebe que isso é indelicado? Mas de qualquer modo, Sr. Técnico…” Ithea se levantou devagar. “Ao invés de perseguir aquela garota, eu estava esperando que você lidasse com o nosso pequeno problema aqui antes. Que tal?”

“Problema?”

“Em outras palavras, revelar a resposta para o enigma. Afinal de contas…”

Ela baixou a voz. “Não vai ser tão divertido se nós apenas arrastarmos isso sem parar, certo? É muito ruim que Chtholly tenha fugido antes de perguntar qualquer coisa. Como você resolveria aquela pontinha de presságio de ontem?”

“Hã? Que presságio?” Willem franziu a testa, sem entender.

Quanto a Nephren, era difícil saber se ela estava ouvindo a conversa ou ignorando-a. Tendo já desistido de ficar de pé, ela apenas olhou para o céu sombrio sozinha.

Separador de texto

Nas profundezas da floresta, Chtholly finalmente parou de correr e olhou para trás. Mesmo que ela esperasse secretamente que o fizesse, Willem não correu atrás dela.

Talvez ele tenha me abandonado. Esse pensamento assustador atacou sua mente. Willem nunca cuidaria de uma criança problemática e estranha como eu para sempre. E se for isso que ele está pensando?

Não, isso é impossível.

Mas quem sabe? Poderia ser isso.

Chtholly sabia que o medo iria encher seu coração e ela não seria capaz de pará-lo. Não importa o quão impecáveis ​​fossem suas sensibilidades e racionalidade, isso não afetava o medo. Na melhor das hipóteses, poderia diminuir ou interromper momentaneamente a ansiedade que ela já sentia.

Ela pensou em como conheceu Willem no Mercado Medlei. O reencontro deles quando Willem foi emboscado por Pannibal, caiu e acabou ficando molhado. Como ele parecia quando brincava com as pequenas, e como usava um avental enquanto preparava sobremesas na cozinha. A vez em que ela desabafou todos os seus sentimentos para ele enquanto estava na enfermaria. E depois disso… d-depois di-disso…

Era muito embaraçoso para ela até mesmo pensar nisso. A-A vez em que ele… me tocou por todo… o corpo… e então, hum, e então houve, houve–

… quando comecei a ter esses sentimentos?

Ela provavelmente teve uma impressão favorável de Willem desde o primeiro encontro deles. Depois disso, conforme aprendia mais sobre seu caráter e passado, ela sentiu empatia, respeito, simpatia e admiração por ele.

Mas quando ela começou a ter sentimentos mais profundos em relação a ele? Isso não era tão fácil de descobrir. Ela não conseguiu encontrar um incidente claro que desencadeou esses sentimentos.

Chtholly tentou pensar sobre isso, mas não importa o que, a resposta se recusou a revelar-se.

Em um livro que ela havia lido uma vez, uma passagem declarava: O amor é como um pântano sem fundo. No momento em que você se dá conta, já está afundado nele. Não importa o quanto você lute, nunca será capaz de escapar.

… ah. Então é isso?

Se alguém perguntasse a ela quando tudo começou, ela não saberia responder. No momento em que ela tomou conhecimento, já estava assim.

Quando ela estava sendo envergonhada por Ithea e Nephren na sala de estudos. Quando despertou do envenenamento por venenum e chorou para ele. Quando estava prestes a beijá-lo, mas ao invés disso ele fugiu.

Os sentimentos que ela sempre teve desde o começo mudaram pouco a pouco todos os dias. À medida que mudaram, também cresceram, até hoje, mesmo quando já parecia tarde demais.

Se eu contasse as outras sobre isso, talvez elas ficassem chocadas.

Chtholly Nota Seniorious estava apaixonada.

A garota finalmente nomeou aquele sentimento sem nome em seu coração.


Parte 4 – ~O caso da leprechaun de cabelo cinza~

Agora, vamos fazer uma breve digressão da história de Chtholly para que possamos nos aprofundar na garota chamada Nephren Ruq Insania.

Leprechauns, ou melhor, fadas em geral, são uma espécie de fenômeno natural. Estritamente falando, são seres não vivos e, como tal, não têm pais. Leprechauns aparecem naturalmente em áreas despovoadas como florestas. Posteriormente, caso a Guarda Alada encontre-as e as proteja com sucesso, elas serão levadas para o armazém das fadas e passarão por treinamento para se tornarem armas.

A maioria dos Leprechauns lembra do seu nascimento. Aquele momento em que nada se torna alguma coisa e as primeiras memórias de sua existência, quando só conheciam os impulsos primitivos pouco antes de desenvolverem uma mente própria. Talvez esses instintos tenham se originado do ingrediente vital na criação de um leprechaun: os últimos sentimentos no coração da alma de uma criança pequena.

No caso de Nephren, o que permaneceu em seu coração foi um forte e inato sentimento de vazio. Era a compreensão desconcertante de que este mundo estava à beira da destruição, que toda e qualquer coisa poderia desaparecer na menor oportunidade, que as coisas que existiam agora poderiam desaparecer em um piscar de olhos, que o seu ponto de apoio poderia se dissolver em um instante e você cairia na escuridão e, o mais importante, a pessoa conhecida como Nephren Ruq Insania poderia se despedaçar, tornando-se uma com o vento e desaparecendo no céu.

Claro, apenas leprechauns recém-nascidos agem baseado nesses pensamentos. À medida que seus corpos e mentes amadurecem e seu coração aprende a racionalizar, seus impulsos originais lentamente se dissolvem.

No entanto, as memórias de Nephren do medo que ela sentiu não desapareceram tão facilmente. Permaneceram gravadas nas profundezas de sua alma, atormentando constantemente seu juízo.

Eu não posso desfrutar de nada neste mundo, porque tudo poderia se perder sem aviso a qualquer instante.

Não posso amar nada neste mundo, porque isso poderia desaparecer sem aviso a qualquer instante.

Nephren não se importava consigo mesma nem com seu lugar no mundo. Embora uma pessoa pudesse alegar que esse traço particular era comum entre a maioria dos leprechauns, isso era especialmente verdade no caso dela. Ela se sentia tão vazia, tão vazia de substância, que a ideia de que ela existia era por si só uma contradição.

Separador de texto

Um homem chamado Willem Kmetsch chegou ao armazém.

No começo, Nephren não estava interessada nele. Mesmo que professasse seu desejo de permanecer no armazém, ele acabava sendo apenas mais um garoto de recados dos militares. Os pensamentos dela sobre o assunto eram simples: ele provavelmente não vai conseguir muita coisa, e vai ficar entediado rapidamente.

Depois de alguns dias, ela começou a perceber que poderia estar errada. Apenas um garoto de recados dos militares. Partindo do que os documentos diziam, isso deveria estar correto. Mas o garoto de recados supracitado não parecia se importar com essas coisas. Ele não demonstrava interesse nem responsabilidade em relação ao seu trabalho original, e mostrava um tratamento estranhamente gentil para com as crianças fadas. Ela não sabia o que pensar de tudo isso.

Havia outra coisa. Toda vez que Chtholly olhava para ele, um brilho estranho estava sempre em seus olhos, um que leprechauns provavelmente não deveriam ter. Não foi difícil para Nephren perceber.

“Também tá interessada nele, Ren?”

“Na verdade não. Eu só pensei que ele parece um tipo de pessoa misteriosa.”

O que ela disse a Ithea eram seus pensamentos honestos na época. Estava claro que a presença dele de alguma forma faria com que o armazém das fadas começasse a mudar. Mais do que isso, quando estava perto dele, Nephren começou a experimentar uma sensação estranha que tornava impossível tirar os olhos dele.

Todos esses incidentes levaram ao que Nephren encontrava-se fazendo no telhado do armazém das fadas. A noite caíra e o silêncio cobriu o armazém normalmente agitado. Com os braços apoiados no parapeito do terraço, ela olhou fixamente para as estrelas.

O céu noturno, preto e sem nuvens, parecia um buraco sem fundo. Só de olhar para ele, alguém poderia se imaginar caindo na escuridão sem fim.

Nephren pensou que momentos como esse eram adequados para pensar profundamente em certos assuntos. Também era uma boa oportunidade para passar o tempo sem pensar em nada.

“Você vai pegar uma gripe se ficar aqui fora, sabe.”

Um cachecol foi enrolado nos ombros de Nephren com cuidado. Ela olhou por cima do ombro. Uma mulher alta estava ali, sorrindo graciosamente.

“Há algo te incomodando?” Nygglatho perguntou.

Uma pergunta complicada. “Parece que há?”

“Talvez”, a troll cantarolou. “Eu estou sempre prestando atenção em vocês garotas. Meus instintos começaram a soar o alarme alto e claro, então vim para cá imediatamente. Se eu tivesse que adivinhar…

Ela rachou o sorriso triunfante de alguém que tinha acabado de solucionar um mistério. “Considerando que você está observando as estrelas, acho que pode ter algo a ver com as preocupações que você costumava ter quando era mais jovem? Você costumava dizer que o mundo estava chegando ao fim.”

“… seu palpite é bom, mas não é isso.” Como posso explicar? Nephren virou a cabeça de volta para o céu. “É sobre Willem.”

“Oh?”

“Acho que ele tem um inacreditável par de olhos. Mesmo que seja a primeira vez que nos encontramos, é como se eu já o conhecesse bem.”

“Oooh, é mesmo?” Nygglatho parecia estranhamente feliz. “Será que você também se apaixonou por ele à primeira vista–”

“Não”, ela disse sem hesitar. “Não é isso. Eu acho que ele provavelmente é igual a mim.”

“… ah.”

Ela ouviu passos quando Nygglatho se aproximou dela. As grades do terraço foram projetadas para fadas. Ao lado da alta estatura da troll, elas pareciam minúsculas, quase delicadas.

Após um curto período de silêncio, Nephren explicou: “Willem entende que o mundo não é estável. Ele mesmo experimentou isso, a sensação de ter tudo desaparecendo depois de tirar os olhos por um instante. Ele perdeu seu senso de identidade e ainda não o encontrou”.

Em comparação com Nephren, cujos sentimentos eram apenas bagagem trazida de sua vida passada, o fardo de Willem devia ser muito mais amargamente pesado. Ele de fato havia perdido o mundo em que vivia. Um dia ele fechou os olhos e, quando os abriu novamente, tudo o que conhecia tinha desaparecido.

“Apesar disso, ele está rindo. Ele não esqueceu ou superou suas próprias incertezas. Ele ainda está tomando tudo para si, fingindo felicidade o tempo todo. Não apenas seu corpo, mas seu coração está arrasado. Não seria surpreendente se ele quebrasse no momento seguinte.”

Ela balançou a cabeça lentamente. “Eu… não sei como agir perto dele.”

“Mesmo?” Nygglatho perguntou. Nephren assentiu. “Então, Ren, o que você quer fazer?”

“Eu não sei o que vou fazer.”

“Oh, não, não quis dizer o que você vai fazer. Eu me refiro ao que você quer fazer?”

“… não tenho certeza.”

Nephren nunca se acostumou com a ideia de ter desejos. Embora ela pudesse seguir instruções e obedecer a ordens, no instante em que era esperado que ela fizesse algo baseado em sua própria vontade ou desejo, ela imediatamente começava a hesitar.

“Ren, você gosta de Willem?”

“Eu já te disse. Não é desse jeito.”

“Não, eu não quis dizer daquele jeito. Em vez de pensar na perspectiva de uma garota para um garoto, trate-o de uma forma mais geral. Você gosta dele?”

“Eu… pelo menos…” Nephren lutou por uma resposta. “… não desgosto dele.”

“Ok!” Nygglatho bateu as mãos abruptamente. “Então por que você não vira a companheira dele?”

Foi um pedido incompreensível. Nephren olhou para o rosto completamente sério de Nygglatho. “O que você quer dizer?”

“Dois indivíduos que acompanham um ao outro naturalmente ficariam mais à vontade do que se vivessem sozinhos. Se eles compartilham os mesmos sentimentos, então poderão se apoiar e confiar um no outro, mesmo como apenas amigos.”

“É assim que funciona?”

“É sim.”

Uma lembrança chegou a Nephren, do que havia acontecido na sala de referências há poucos dias. Por que não pude deixar Willem lutando com montanhas de arquivos sozinho? Por que comecei ativamente uma conversa com ele e acabei ajudando-o? Qual foi a minha razão para fazer um trabalho pouco familiar a ponto de me exaurir completamente e adormecer no colo dele — e por que me senti confortável o tempo todo?

Nygglatho dissera que, se dois indivíduos se sentissem da mesma forma, poderiam apoiar-se mutuamente. Isso significa que, ao ficar ao lado dele, eu também poderia ganhar apoio emocional?

“Embora eu nunca vou desistir de tentar, não posso dar a Willem esse nível de cuidado emocional”, Nygglatho suspirou. “Se estiver disposta a ajudar, Ren, você terá minha mais profunda gratidão.”

“Eu…”

Nephren olhou para o céu estrelado. De sua posição no terraço de uma ilha flutuante, ela assistiu ao vasto e avassalador vazio que acompanhava o mundo todo o tempo.

“Eu compreendo. Vou dar o melhor de minhas capacidades e aprender com os erros que cometi.”

“Obrigada.”

A voz suave de Nygglatho quase soou como um sussurro em seu ouvido.

Separador de texto

Nephren descobriu Willem na sala de jogos. Ele estava brincando com Tiat e algumas outras fadas, reunidas em torno de um jogo de tabuleiro colorido.

Tentar estar ao lado dele…

Obedecendo à sugestão de Nygglatho, ela se aninhou nas costas dele.

Willem enrijeceu, então lentamente virou a cabeça. “O que foi?”

“Estou fazendo um experimento. Não se preocupe.”

“… mesmo.”

Nephren não tinha certeza de como ele se sentia sobre isso, mas Willem apenas assentiu e não o fez.

Ela aproveitou a oportunidade para examinar seus sentimentos em seu novo estado. Hmm. Sem dúvida, não é uma sensação ruim. Na verdade, se a pessoa que estou perto também se sente confortável com isso, não é de fato bem eficiente quando se pensa sobre?

“Hii-yah!”

“Aqui vou eu!”

Collon saltou sobre eles, provavelmente porque achou suas posições engraçadas. Pannibal pulou depois dela, provavelmente só para aumentar a comoção. Depois disso, a situação se agravou rapidamente quando as outras fadas — Kanna, Almita, Jeanette — seguiram, soltando gritos felizes e bizarros ao se juntarem à pilha cada vez maior.

Sendo crianças pequenas, elas naturalmente não eram pesadas sozinhas. No entanto, como os números somaram, tinha começado a ficar insuportável para Willem. Ele exclamou em surpresa e dor, inclinando-se para frente sob o peso das fadas.

Nephren de repente sentiu os olhos de alguém neles, e disparou seu olhar para o corredor para ver Chtholly ali parada.

“Eu realmente não sei o que fazer com todos vocês.”

“O que raios vocês estão fazendo?”

“Céus! Vai ser ruim para a educação delas se você ficar bagunçando demais com crianças!”

Em sua mente, algumas coisas que ela poderia imaginar Chtholly dizendo surgiram. Em vez disso, após perceber que havia sido vista, Chtholly se virou silenciosamente e correu para outro quarto.

“… hm.” Acho que Chtholly ainda está lidando com seus próprios sentimentos complicados da mesma forma. Normalmente Nephren teria ido atrás dela para suavizar as coisas. No entanto, como uma das duas pessoas que formavam a base desta torre de fadas, ela não conseguia mover seu corpo.

“Uoaaaaah!”

“Ohhhh!”

“Uaaaaaauuu! Nós estamos tão alto!”

Mesmo que seu corpo inteiro tremesse incontrolavelmente, Willem se recusou a ceder. Apesar do fato de que tinha sido pressionado além de seus limites físicos e mentais, ele se forçou a segurar as pequenas leprechauns com suas costas e ombros sozinho. Ele fingiu estar calmo, até exibindo um sorriso brincalhão, quando deveria estar rolando de dor.

Eu não quero que ele desmorone. Nephren fechou os olhos e se decidiu. Então, farei o possível para ficar ao lado dele e apoiá-lo.

“Oh? Ohhhhhhh? Vocês parecem estar se divertindo muito!”

Os olhos de Nephren se abriram. Desta vez, era Nygglatho que estava no corredor.

Ela lentamente se aproximou deles, com seus dedos se mexendo loucamente. “Vou ter que participar da diversão também!”

“N-Não, espera aí, pense melhor nisso, ok? Eu não vou conseguir aguentar!”

Os apelos quase sérios de Willem foram alegremente ignorados. “Aqui vou eeeeeuuuuu!”

“Pare!”

O tempo pareceu diminuir. Nephren observou tudo: o grito choroso de Willem, a feliz e barulhenta montanha de fadas, e Nygglatho pulando no ar com os braços estendidos.

Eu tenho que dar o meu melhor para ficar e apoiar Willem. Caso contrário, quem sabe quando ou como ele vai desmoronar.

Quando Nephren e Willem colapsaram em meio a uma enxurrada de cores, tornando-se almofadas para todas as crianças (e um troll) em cima deles, ela gravou sua determinação em seu coração.


Parte 5 – ~O homem ayrantrobos~

Na terceira manhã, desde o início de seu treinamento com Willem, Chtholly lavou o rosto com água fria.

Acalme-se, ela disse a si mesma. Apenas se acalme, tudo bem?

Ela podia admitir que reconhecer que seus sentimentos eram de amor, era um enorme passo à frente para si mesma. Por outro lado, se isso significasse que ela tinha começado a seguir Willem para todos os lugares e se colocado no caminho de outras pessoas, isso não seria uma coisa tão boa. Além disso, Ithea ou Nygglatho provavelmente a observariam carinhosamente enquanto ela seguia Willem. Só de pensar na expressão em seus rostos foi o suficiente para fazer Chtholly se eriçar de ressentimento.

Willem rapidamente flutuou em sua mente. Ela sentiu suas bochechas esquentarem e apressadamente jogou água fria no rosto para afastar o calor na marra. Quanto à questão de Willem possivelmente estar sendo visado por comerciantes de outras ilhas e deixando o armazém por causa disso…

Ela teve tempo suficiente para pensar com calma e formar um plano de ação definido. Nygglatho está certa. Eu só preciso perguntar a ele sobre isso. Ela se sentiu corajosa o suficiente para dar esse passo agora.

“Collon! Lave seu rosto direito!”

“Eu não quero! Está friiiiiia!”

“Estou de completo acordo. Eu não quero tocar uma água fria dessas quando está frio lá fora.”

“Ei! V-Vocês duas! Não fujam!”

Passos barulhentos vieram do corredor atrás dela, acompanhados por vozes familiares gritando. Essas crianças, fazendo bagunça como de costume. Provavelmente é hora de eu intervir.

Primeiro, Chtholly viraria a cabeça e gritaria para Tiat e seu grupo. Aproveitando o fato de que congelariam em seus rastros, ela colocaria ambas as mãos em sua cintura e faria uma pose ameaçadora. “Não corram nos corredores. Lavem o rosto e escovem os dentes com cuidado. Vocês têm que ser bons exemplos para as pequenas”.

Está certo. Chtholly assentiu para si mesma. Se eu agir como normalmente agiria, posso recuperar meu eu normal. Ela terminou de enxugar o rosto com uma toalha e estava prestes a se virar quando, pelo canto do olho, viu a figura de Willem Kmetsch. Ele estava vestindo seu uniforme do exército habitual, um casaco que ele usava sempre que tinha que sair por cima dele.

“… oh…” Que bonito.

O pensamento se materializou instantaneamente na mente de Chtholly. O amor é mesmo assustador. Poderia ser assim tão fácil para ele te cegar uma vez que está em seu coração? Ela tinha visto as roupas que Willem usava quando saía algumas vezes antes, deveria estar acostumada a isso agora, e ainda assim houve um instante em que ela se perdeu olhando para ele.

“… hã?” Uma sensação peculiar agarrou seu coração. Alguma coisa não está certa.

Já era quase hora da prática diária de luta com espadas. A julgar pela rotina dos últimos dois dias, Willem usava roupas simples ao treinar.

Poderia ser…

O que Willem usava quando saía era completamente diferente de quando ele treinava. Ele estava planejando ir a algum lugar? Fazer alguma coisa? Poderia ser… p-poderia ser…?

O sentimento inquieto, que deveria ter sido extinguido apenas alguns segundos atrás, levantou sua cabeça feia mais uma vez. Todo o pensamento deixou a mente de Chtholly enquanto ela corria pelo corredor a toda velocidade, com as mãos apertando a toalha que acabara de usar para enxugar o rosto.

“Oh, Chtholly.” Willem olhou para cima, sorrindo. “Bem na hora, eu tinha algo para te contar. O treinamento de hoje está adiado, então descanse e desenvolva alguns músculos…”

Chtholly se recusou a ouvi-lo. Parando abruptamente na frente de Willem, ela ergueu a cabeça com toda a seriedade, uma expressão firme em seu rosto.

“… não treine sozinha e não use venenum custe o que custar. Isso iria bagunçar sua regeneração natural–”

“Onde você está indo?” Chtholly perguntou, sua voz um pequeno sussurro que soou como se tivesse subido das profundezas do inferno.

“Há algumas coisas que tenho que cuidar. Eu vou ficar fora por um tempo.”

Willem olhou para a porta enquanto falava. Ela seguiu seu olhar para ver um homem Ayrantrobos de aparência familiar ali parado. Sentindo o olhar fixo nele, o homem tirou o chapéu em uma saudação simples.

“Não…”

O corpo de Chtholly se moveu contra sua vontade mais uma vez. Ela correu entre os dois homens e se virou para bloquear o caminho de Willem, com os braços estendidos. “Não! Não vá!

“O q–”

“Por favor, não vá! Nós fizemos uma promessa! Você disse que esperaria por mim! Eu vou trabalhar duro e voltar em segurança! Por isso…!”

Embora possa ser um tanto redundante mencionar isso, esse evento se desenrolou pela manhã. Como se sabe, a manhã é a hora do dia em que todos saem correndo de seus quartos para se preparar para o resto do dia.

“Eu não posso ficar sem você! Sem você, eu não vou poder lutar ou vencer e não vou poder voltar para casa! Eu não posso viver sem você!”

A barragem estourou quando as emoções de Chtholly fluíram livremente. Em volta deles, as leprechauns que estavam lavando o rosto ou correndo pelo corredor, bem como uma troll carregando uma cesta de lavanderia, todas pararam para olhar para ela.

“… er…”

Os olhos de Willem se moveram para frente e para trás. Ele coçou o rosto. Pura confusão coloriu sua expressão.

“Do que raios você está falando?”

Separador de texto

No fim das contas, aquele gato — não, Chtholly se corrigiu. O nome daquele homem era Lamkeldi Rimashenka. Aparentemente, ele nasceu nesta ilha muito flutuante, mas a deixou cerca de vinte anos atrás para ganhar a vida sozinho e seguir seu sonho de vida na cidade grande. Assim como Chtholly e as outras pensaram, ele se tornou um mercador de tabaco na 13ª Ilha. Graças a uma combinação de habilidade nos negócios e sorte, ele parecia ter uma carreira de sucesso. Quando sua mãe faleceu, há um mês, ele aproveitou a oportunidade para entregar seu bem-sucedido negócio a um colega mais novo, depois usou dirigíveis públicos e balsas particulares para retornar à 68ª Ilha Flutuante.

Na casa de onde esteve fora por vinte anos, um relógio de parede havia parado de funcionar.

Todas as coisas têm datas de validade; isso é uma lei da natureza. Esquecer a casa e a família por tanto tempo e só insistir em lembrar delas na velhice pode parecer um tanto desavergonhado. Mesmo assim, Lamkeldi disse que o relógio era uma preciosa herança repleta de lembranças dele e de sua família, e esperava ouvir seu toque mais uma vez.

Agora, eles estavam na sala de estar da casa do homem Ayrantrobos.

“Como você pode ver”, disse Willem, “Mesmo que seja apenas um relógio de parede, ainda há muitos mecanismos complicados por dentro”.

Ele abriu o relógio com um estalo, revelando apenas o que ele disse que estaria lá: uma bagunça superlotada de bobinas, parafusos e engrenagens. “Para não mencionar, é alimentado por maquinaria anacrônica em vez de cristais. Nenhum amador poderia consertar essa coisa.”

Willem começou habilmente removendo as peças uma por uma. Para fora vieram engrenagens enferrujadas, eixos tortos e um pente de som faltando um canto. Chtholly ficou em silêncio, observando-o trabalhar.

“Mesmo assim, ele ainda queria consertar, e acho que Nygglatho aproveitou a oportunidade para mencionar meu nome. “Ele parece talentoso em todos os sentidos, então aposto que poderia até mesmo consertar equipamentos mecânicos!”” Willem balançou a cabeça. “Lógica bastante ridícula.”

É claro que o raciocínio dela era absurdo, mas o homem que consertava o relógio na frente de todos parecia tão absurdo quanto. Era supostamente algo que amadores não conseguiriam consertar. E, no entanto, em suas próprias palavras, “É como um brinquedo de criança comparado a dug weapons”.

Como eu gostaria que todos os técnicos do mundo pudessem ouvir isso. Seria ainda melhor se estivessem segurando pedras perfeitamente adequadas para jogar.

“… enfim, foi o que eu disse a Ithea e Nephren.”

“Hã?”

“Você não sabia? Elas me forçaram a abrir o bico depois do treinamento de ontem.”

“Não… eu não sabia.” Chtholly disparou em Ithea um olhar ameaçador. A outra fada desviou o olhar, rindo. “Esta é a primeira que ouço isso. Por que seria assim, eu me pergunto?”

“Heh heh.” Ithea deu uma risadinha. “Eu percebi que se mantivéssemos em segredo de você, poderia levar a alguns desenvolvimentos muito interessantes…”

“Como é?!”

Ithea levantou as mãos defensivamente. “Ei, funcionou, não foi? Graças a você não saber, você se tornou muito mais honesta consigo mesma! Aquela declaração que você fez antes soou bem bacana, não acha? Eu estava esperando que você fosse ainda mais longe, como, talvez, abraçando-o… ou botando ele no chão? De um jeito ou de outro, provavelmente tudo sairia bem, e seus sentimentos ficaram claros para o Sr. Técnico também, então é um final feliz para todos, não é?”

“Nem ferrando!”

“Au cara, e eu tinha tanta certeza também…” ela baixou as mãos, com uma imagem de triste pesar.

“Mesmo se você não tivesse feito nada, eu sempre fui honesta! Meus sentimentos são sempre claros!”

“Yahahahaha, não fique brava, não fique brava! Tudo deu certo no final! Além disso, você parece mais atraente quando tenta sorrir, sabe?”

“Quem é a única com a audácia de sorrir agora?”

Ainda rindo, Ithea fugiu assim que Chtholly a perseguiu.

“Ei, ei, não fiquem fazendo arruaça na casa dos outros” Willem distraidamente as repreendeu, sem nunca tirar sua atenção do dispositivo mecânico. De pé ao lado dele, Nephren suspirou suavemente. “Desculpe, por toda a confusão, Sr. Lam.”

“Oh, está tudo bem, meu caro garoto, tudo bem. Este lugar ficou quieto por tempo demais. É mais feliz ser animado assim.” O Ayrantrobos estreitou seus gentis olhos âmbar. “Eu devo perguntar, as meninas são todas suas filhas?”

“Er, você poderia dizer que sim”, disse Willem, esfregando o lado de sua cabeça. “Não somos ligados pelo sangue, mas elas são todas uma família preciosa para mim.”

O Ayrantrobos assentiu alegremente. “Entendo, entendo!”

Nephren olhou para o lado do rosto de Willem onde podia ver o momento em que Ithea e Chtholly corriam por aí.

Separador de texto

Willem trabalhou meticulosamente, removendo todas as partes quebradas que encontrou e substituindo-as por peças novas que tinham encomendado, até que finalmente o trabalho de conserto terminou exatamente às duas da tarde.

Chtholly resmungou, vermelha como um pimentão de constrangimento. Ithea sentou ao lado dela, bagunçando o próprio cabelo. “É tudo minha culpa, tudo culpa minha”, disse ela alegremente, sem qualquer traço de culpa em seu semblante.

“Tudo bem, se tudo funcionar como deveria, esta última deve fazê-lo…”

Os ponteiros do segundo e da hora do relógio se sobrepuseram por cima da face. Houve um leve barulho metálico. Depois de um tempo, tons ricos se espalharam pelo dispositivo.

Willem assentiu com firmeza. “Ótimo.”

“Oh? É mesmo uma melodia bem legal, não é?” Ithea disse, seu cabelo mais bagunçado do que o habitual, mal fazendo jus a sua repentina expressão sóbria.

“Eu me lembro dessa música.” Chtholly a tinha ouvido antes. Uma canção de ninar transmitida pelas ilhas flutuantes desde os tempos antigos. Na linguagem comum, era chamada…

“… lugar de retorno desejado.”

Ela tinha a letra memorizada de cor. Uma canção de guerra particularmente antiga, contava a história de um soldado em um campo de batalha longe de casa escrevendo uma carta para sua família. O conteúdo dela incluía gratidão para com seus pais, amor para com seus irmãos e irmãs e sentimentos profundos para com as pessoas com quem tinha crescido.

Há muitas coisas que quero fazer na minha cidade natal. Portanto, embora possa levar algum tempo, eu definitivamente voltarei vivo. A carta terminava dessa maneira.

Por fim, a carta foi enviada? Aquele soldado conseguiu voltar para casa? Nada disso era mencionado na música.

“… obrigado… obrigado…” Lamkeldi murmurou. Grandes gotas de lágrimas brotaram nos cantos de seus olhos, depois começaram a fluir por seu rosto. “Ah…”

Ele as enxugou. “Peço desculpas por fazer papel de bobo. Eu me lembrei de um grande número de coisas de muito tempo atrás. Céus, lágrimas certamente se tornam difíceis de reter quando você chega a minha idade…”

Willem riu baixinho. Chtholly não podia dizer o que ele estava pensando, mas ela sentiu como se a maneira como ele tinha rido possuísse um tipo estranho de tristeza.


Parte 6 – ~Lugar de retorno desejado~

“Nós não temos muito tempo restante”, disse Willem sem preâmbulo.

Ele e Chtholly eram as únicas duas pessoas na clareira que tinham começado a chamar de seu campo de treinamento. Nephren e Ithea foram instruídas a repetir seus exercícios dos dias anteriores para hoje em vez de se juntarem a eles. Nas mãos de Willem estava o bastão que ele sempre empunhava, mas Chtholly segurava algo diferente desta vez: a Dug Weapon cuja invencibilidade e força excedia todas as outras, Seniorious.

“Hoje, você vai passar por um treinamento especial”, a expressão de Willem era mais séria do que de costume. “Uma maneira de empunhar seu Carillon em todo seu potencial em uma batalha intensa, executando técnicas poderosas que você só pode usar nesse tipo de situação. Se eu não pudesse dar-lhe toda a minha atenção, eu não teria confiança para ensiná-la corretamente como fazer isso.”

“É tão difícil assim de usar?”

“Em termos de nível de poder? Muito. É uma técnica tão ridiculamente poderosa que não posso demonstrá-la para você.”

… hã? “O que você quer dizer com isso…?”

“Tem alguns requisitos absurdos. Dizem que você precisa ter o sangue de um lendário mestre espadachim, ou ter nascido com uma maldição correndo em suas veias ou ter sua pessoa amada brutalmente assassinada, a fim de usar a técnica. Willem suspirou. “Eu nasci uma pessoa normal, sem capacidade de obter essas qualificações. Irrazoável, não acha?”

“Hum…” As coisas sobre as quais Willem falou amargamente estavam começando a voar sobre a cabeça dela.

“Quinhentos anos atrás, tentei executá-la copiando o que precisava ser feito, passo a passo. No fim, não consegui ativá-la completamente e só consegui achatar metade de uma montanha, além disso o contragolpe de forçá-la apesar de não atender aos requisitos quase me matou. Se eu não tivesse sido petrificado primeiro, provavelmente teria morrido ali mesmo.”

Ele está brincando? como alguém pode rir disso? “… você quer que eu tente usar algo assim?”, Perguntou Chtholly debilmente.

“Sim. Acontece de você cumprir os requisitos perfeitamente. Mesmo que eu não consiga realmente entender as complexidades da técnica, desde que possa te ensinar técnicas de controle de venenum e de esgrima básica, você deve ser capaz de dominá-la completamente.”

… Willem é forte. Não apenas em termos de luta, mas também como pessoa. Ao ouvi-lo, Chtholly chegou a essa conclusão.

Isso é algo que nem ele mesmo consegue fazer plenamente, mas ainda assim está me permitindo herdar e usar.

“… sendo esse o caso”, disse Willem, “como estamos com pouco tempo, você terá que tentar aprender tudo o que estou prestes a ensinar em uma sessão.”

“Tudo bem.” Chtholly assentiu, cheia de determinação.

“Se você perder o foco por um momento, haverá alguém morto bem aqui e agora, antes da batalha real. Com esse alguém sendo eu.”

“Tudo b… o que?” Ela não precisava saber dessa parte.

“Prepare-se.” Willem entrou em sua postura de combate, erguendo seu bastão.

“E-Eu entendi!” Chtholly inclinou Seniorious para ele, liberando um pouco de venenum na Dug Weapon. Como se estivesse despertando de um sono profundo, a luz gradualmente começou a vazar pelas fissuras que corriam pela lâmina.

Separador de texto

“… deixe-me perguntar uma coisa”, disse Chtholly, apreciando a oportunidade de ser jogada no chão. Willem grunhiu de curiosidade, encostando-se a uma árvore próxima com os ombros caídos em exaustão. “No passado, você teve… algum tipo de namorada?”

“O que? Por que você está perguntando assim de repente?”

“Eu quero saber, pois isso afetará meus planos para o futuro”.

“Como iria…” Willem passou a mão pelo cabelo. “Bem, eu não tive esse tipo de tempo livre. Depois de me qualificar como um Quasi Brave, tudo o que fazia todos os dias era praticar, treinar, lutar e depois ir para a guerra.” Havia uma nostalgia inexplicável em sua voz.

“Ok, então… depois disso, você está planejando ir a algum lugar?”

“Depois disso? O que você quer dizer?”

“Você foi contratado como cuidador para o nosso armazém, mas o contrato nunca disse que o trabalho continuaria para sempre, certo? Haverá um dia, eventualmente, quando você atingir o limite do seu período ou perder o emprego, certo?”

“Ah… você tem razão.” Ele não tinha falado durante algum tempo. “Eu não tomei nenhuma decisão, nem pensei muito sobre isso. Se eu falasse com Grick, ele provavelmente apareceria com mais trabalhos que fariam alguma diferença na minha vida.”

Aquele nome desconhecido que ela tinha ouvido antes apareceu novamente. Apenas quem era esse Grick?

“No mínimo, vou ficar aqui por mais algum tempo. Se fosse possível, gostaria de ir pessoalmente dar uma surra nas Bestas. Mas como estou agora, eu só estaria atrasando vocês.” Willem torceu a boca em uma careta desagradada. “Então, em vez disso vou ficar e fazer o que posso agora. Vou cuidar das pequenas enquanto espero vocês voltarem, e dar-lhes grandes boas-vindas quando o fizerem.”

“… ok.”

“Eu prometi, afinal de contas. Eu vou fazer bolo de manteiga, e você vai comer o suficiente para ficar com uma dor de estômago.”

“Mm-hmm…” Ela assentiu, sorrindo. “… espera aí. A quantidade de bolo de manteiga acabou de aumentar?”

O que eu sou? Chtholly pensou consigo mesma. A questão tinha frequentado sua mente nos últimos dias.

Ela era um leprechaun, um espírito que falhou em morrer adequadamente, uma forma de vida não viva, uma arma criada para sacrificar tudo e proteger aqueles que ainda viviam.

Ela estava sintonizada com a Dug Weapon Seniorious, tinha quinze anos de idade, e nasceu na floresta da 94ª Ilha Flutuante.

Por último, mas não menos importante, ela levaria seu primeiro amor não correspondido a um campo de batalha sem esperança.

Mas agora ela tinha um lugar para onde voltar. Alguém para ouvir as palavras: “Estou de volta”. Ele esperaria por ela, bem aqui.

Então ela devia — não, ela definitivamente retornaria. Ela riria com a felicidade estampada no rosto, engolindo o bolo de manteiga até seu estômago doer–

Chtholly ouviu a pessoa que amava fazer um barulho intrigado. Mesmo que seu corpo não pudesse se mover, ela tentou virar a cabeça e olhar para a expressão dele. “Algo de errado?”

“Esse último embate de agora pouco… você se lembra?”

“Sim, quando eu aparei seu golpe de sei lá o que para cima, certo? Não tem problema algum, apenas me ensine uma vez e nunca mais vou esquecer.”

“É chamado de Golpe da Garça Perfurante. É uma técnica que você normalmente usa de mãos vazias, mas depois de ter sido ligeiramente ajustada e aplicada à luta com espadas que acontece em… Ugh, não importa, você não precisa se lembrar dessa parte.”

“Entendi.”

“O que eu queria perguntar era se você se lembrava da outra coisa. Seniorious.”

“…hã?”

“Quando você estava desviando a força do Golpe da Garça Perfurante, sua espada foi retirada de suas mãos, certo? A direção para qual ela voou… você se lembra para onde foi?”

“Um…” Uma gota de suor escorreu pelo rosto de Chtholly.

Como qualquer um poderia lembrar, a 68ª Ilha Flutuante era quase completamente coberta por florestas e pântanos. Isso incluía a área ao redor do armazém das fadas. Árvores dentro da propriedade foram cortadas, é claro, mas além disso a floresta tornava-se difícil de examinar e cheia de estranhos pântanos negros de todos os tamanhos e formas.

“I-Isso é ruim!”

Agora não era hora de dizer preguiçosamente, eu ainda não consigo mexer meu corpo. Chtholly forçou seus membros dormentes e crepitantes a se moverem, pulando na hora.

Tudo depende disso!

Depois que foi encontrada e pescada, Seniorious, coberta até o cabo com lama fedorenta, parecia emanar desprazer até ser limpa.

Separador de texto

Antes de fechar este capítulo, há um detalhe final para mencionar.

Por algum tempo após a história dos últimos dias se passarem, Tiat pôde ser observada realizando o ato excêntrico de colocar mostarda em seu chá preto e depois engolir tudo de uma vez com um grito um tanto indigno. Isso é tudo o que será dito sobre este assunto.


CAPÍTULO ANTERIORÍNDICEPRÓXIMO CAPÍTULO

Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume EX – Capítulo 3 (PT-BR)

Capítulo 3

Recordações de um Troll


Haviam várias pessoas sentadas no refeitório do armazém das fadas.

O almoço daquele dia foi purê de batatas, carne de porco frita e sopa de vegetais, com laranjas de sobremesa. A maioria das fadas já havia terminado de comer e correu para fora. O tempo não estava ruim, tornando um dia agradável para brincar de bola por aí.

“Os antigos usuários da Seniorious…” Uma mulher com cabelo vermelho-claro segurou um dedo no queixo e pensou por um tempo. “Willem uma vez me contou um pouquinho de informação sobre eles. Vocês todas gostariam de ouvir?”

“Sim!” Lakhesh se inclinou para frente ansiosamente, com o molho de seu almoço inacabado ainda agarrado aos cantos da boca. Ela então se endireitou abruptamente e riu nervosamente quando Pannibal puxou sua camisa, murmurando algo sobre boas maneiras. Embora fosse uma das fadas mais cabeça fria, Lakhesh ainda era jovem. Não era incomum que esquecesse o autocontrole caso algo muito interessante acabasse na frente dela.

“Certo, então!” A troll limpou a garganta. “Muito antes de Chtholly, Willem costumava conhecer dois usuários dessa espada. Um deles era seu mestre, que lhe ensinou a lutar com uma espada. Enquanto seu mestre era excepcionalmente habilidoso em combate, ele tinha uma personalidade terrível, não sabia quase nada de competências para a vida, e parecia o cara mais esfarrapado que você poderia imaginar! Também soou como se ele fosse um velho impressionante, ridiculamente poderoso.”

A descrição contraditória de Naigat era algo como uma combinação de entendimento profundamente íntimo e uma total falta de compreensão. Tanto Lakhesh quanto Pannibal tinham olhares confusos enquanto fitavam-na.

“… sério.” Pannibal quebrou o silêncio primeiro. “Ele disse isso.”

“Uh… sim?”

Nenhuma delas teria adivinhado.

“Enfim, o outro usuário era sua companheira discípula júnior, ele disse. Assim como o mestre deles, ela era extremamente habilidosa em combate, tinha uma personalidade horrenda e era esmagadoramente maldosa e caprichosa. Ela parece ter sido uma garota muito impressionante também.”

Muito similar com a descrição anterior, todas as indicações sugeriam que Nygglatho sabia muito bem que era completamente ignorante sobre as palavras que saíam de sua boca.

“Ei, vamos lá pessoal! Eu não estou mentindo, sabem!”

“Um…”

Lakhesh e Pannibal se entreolharam, ambas com expressões de total desapontamento.

“Os dois”, continuou Nygglatho, “eram tão fortes que nunca caíram em batalha, mas eram fantoches indefesos de seu destino trágico. Quando Willem os mencionou, ele falou com muito pesar. Ele tinha estado ao lado deles o tempo todo, queria ajudá-los o tempo todo, mas no final não foi capaz de fazer uma única coisa… ou é assim que ele disse, pelo menos.”

“… então isso significa que Chtholly foi a terceira pessoa assim?” Pannibal engoliu um pouco do sanduíche, cruzando os braços. “Se é assim, faz sentido que ele tenha dado tudo para ajudá-la. Era a maneira dele de compensar por ter falhado antes — mesmo que não fosse a mesma pessoa, ele ainda queria se livrar de seus arrependimentos, hein?”

“É assim… mesmo que ele se sente?” Os olhos de Lakhesh caíram para baixo. Ela podia entender o raciocínio de Pannibal, mas para ela ainda parecia uma maneira muito solitária de pensar. Ela queria acreditar que a pessoa que Willem Kmetsch queria salvar não era alguém no passado, cujo nome ou rosto ela nem conhecia, mas sim Chtholly Nota Seniorious, a pessoa bem ali ao seu lado.

E além disso… Chtholly estava sempre tão feliz, naquela época, e Willem era tão gentil…

“Fantoches indefesos de seu destino trágico, não é?” Nopht, uma garota um pouco mais velha que Lakhesh e suas amigas, roeu casualmente um laranja com casca. “Eu não sei quem veio com esse fraseado pomposo, mas a Chtholly que conhecemos sendo tratada como uma pessoa especial, sem ter feito nada, realmente não me cai bem.” Ela fez uma careta. “Ela ou Lakhesh.”

“Mm…” Nygglatho inclinou a cabeça ligeiramente. “Provavelmente não é assim.”

“O que quer dizer?”

“Eu não acho que haja qualquer destino que seja “sem graça” ou “típico”. Você não precisa ser selecionado por alguma espada para ser especial, porque cada pessoa neste mundo tem um destino único e precioso. Chtholly, todas as pessoas que existiram no passado e, claro, Lakhesh, só aconteceram de acabar com o mesmo tipo de destino.”

“Ei, eu não quis dizer dessa forma-” Nopht protestou.

“Mas o que estamos discutindo é precisamente esse tópico, não é?” Nygglatho sorriu suavemente. “Eu vou te deixar sabendo agora que sou absolutamente contra tratar as crianças sob este teto de forma injusta ou desequilibrada, muito obrigado.”

“Eu não estava falando sobre esse tipo de coisa também… bah, droga! Estou todo confusa agora!”

Nygglatho serviu-lhes o chá borbulhante, uma xícara para cada pessoa presente. “Algo como o destino no fim ainda é apenas o destino. Ele só pode fornecer um palco. Mesmo que suas escolhas sejam limitadas, se você quer se apresentar nesse palco ainda depende de você. Todos têm o direito de erguer a cabeça e proclamar: “Essa é a minha própria vida e o caminho que escolho para mim mesmo”.”

Ela sorriu. “Independentemente do destino com qual você nasceu, sua vida pertence a você. Caso contrário, não teriam todas vocês sido encurraladas desde o momento em que nasceram e acabariam como seres dignos de pena?”

“… caramba.” Nopht franziu a testa. “Todas as coisas que você acabou de dizer soaram como se tivessem saída da boca de Rhan.”

“Como esperado de alguém que viveu mais do que nós, suas palavras devem vir da experiência”, Pannibal assentiu emocionalmente. “Por a nossa sorte na vida já estar predeterminada, o importante é saber como percorrer o caminho sem sentir vergonha.”

Uma vida com um ponto final predeterminado… Lakhesh ponderou a ideia. Escolhas limitadas que devem vir antes de mim e daqueles ao meu lado, mais cedo ou mais tarde. Como deveria eu — Lakhesh Nyx Seniorious, soldada fada recém-criada — viver a partir de agora? O que terei que enfrentar? Quais escolhas eu preciso fazer?

Verdade seja dita, ela não tinha ideia de qual “destino trágico” ela poderia ter que enfrentar eventualmente. Não era algo que ela poderia sentar e pensar tão facilmente, de qualquer maneira.

Por exemplo… só para fantasiar um pouquinho… e se eu, como Chtholly, conhecesse um homem tão bonito quanto Willem? O que aconteceria então?

Sua pessoa ideal seria gentil, mas possuiria grande perseverança. Ele também teria alguma fraqueza que não poderia ser ignorada, algo que faria os outros quererem ficar ao seu lado e apoiá-lo.

Eu lutaria por essa pessoa? Mesmo com o medo lentamente desgastando meu próprio senso de ego, eu ainda poderia ir em direção ao campo de batalha com um sorriso no rosto?

Eu não sei. Ainda sinto que não deveria ser assim…

Bem, se tem alguma coisa a ver com o destino ou não, Chtholly era só especial.

No final, essa foi a conclusão a que ela chegou para evitar a pergunta. Chtholly tinha sido uma pessoa verdadeiramente impressionante e firme. Mesmo quando confrontada com uma batalha na qual não tinha escolha a não ser jogar fora sua vida, ela nunca se perdeu para o medo, e continuou a viver sua vida diária normalmente.

Chtholly nunca mostrara um único sinal de fraqueza, pelo menos não na frente das crianças, então Lakhesh não conseguiu entendê-la.

Ela não podia imaginar o que Chtholly estava pensando quando precisava enfrentar seu destino, nem seus sentimentos no momento–

Suas mãos se apertaram ao redor de sua pequena xícara de chá com força. Uma pequena ondulação apareceu na superfície do doce chá com leite.


CAPÍTULO ANTERIORÍNDICEPRÓXIMO CAPÍTULO

Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume EX – Capítulo 2 (PT-BR)

Capítulo 2

A Princesa Heroína do Reino Caído


Parte 1 – ~Lillia Asplay~

Lillia Asplay sabe o que é o vazio. Isso porque há quatro anos, quando tinha dez anos, ela o experimentou.

Separador de texto

Lillia era uma garota obediente.

Ela ouvia o que os adultos lhe diziam e sorria quando eles queriam, o que era tudo que exigiam dela.

Ela era a princesa do Reino Cavaleiro de Dionne e décima quarta herdeira do trono. Um reino pequeno e idílico, Dionne não tinha interesse nem preocupação com coisas como conflitos ou disputas de poder. Por causa disso, o reino existia sobretudo como um símbolo impecável da paz.

Aqueles que representavam Dionne tinham que ser igualmente puros, e por isso Lillia foi treinada para ser uma boneca que não faria nada além de sorrir docemente. Esse era um dever que a garota, quieta mas inteligente, compreendia e aceitava desde a infância.

Se isso agrada os adultos ao meu redor, então por mim tudo bem, ela pensou. Vou sorrir o máximo que puder.

Seria um mal-entendido chamar essa vida de insuportável. Embora seus pais estivessem ocupados todos os dias, eles ainda dedicavam seus corações e almas à filha. Os nobres que viviam no castelo e os cavaleiros da Ordem eram todos boas pessoas. O sorriso de Lillia não era apenas uma atuação; na maior parte das vezes, ele era muito natural.

No entanto, quando tinha nove anos, seu mundo se transformou completamente.

Existia um tipo de monstro conhecido como Elfo Sombrio. Embora eles se assemelhassem a nada mais do que madeira morta apodrecida, sua velocidade e capacidade de trabalhar em grupos faziam sua aparência despretensiosa mais do que uma piada de mau gosto. Eles pertenciam ao tipo “espiritual” de monstro graças ao seu alto grau de conhecimento e habilidade mágica — embora não existam provas concretas de que sejam capazes de se comunicar com humanos. Os elfos sombrios se desenvolveram no passado, transmitindo entre si história e tecnologia que remonta aos tempos antigos. Consequentemente, dentro das forças armadas, eles passaram a ser chamados de “Raça Fantasma”. Eles raramente se aventuravam para fora de seus domínios, a Floresta Túrbida, mas ocasionalmente se reuniam e atacavam a civilização humana para expandir seu território.

Um dia, Dionne foi atacada por centenas de elfos sombrios.

Eles atacaram antes do nascer do sol, invadindo as terras do reino como uma praga. A fumaça normalmente emitida das casas civis foi substituída por chamas ardentes; os elfos sombrios usaram suas magias de outro mundo para queimar a capital até o chão. Embora houvesse milícia e cavaleiros posicionados em toda a cidade como precaução, os soldados que agora se encontravam enfrentando um inimigo inimaginavelmente poderoso puderam conter os monstruosos elfos sombrios tanto quanto um ancinho poderia empurrar água morro cima.

O reino desapareceu.

Lillia foi um dos poucos sobreviventes, escapando por uma passagem secreta com um oficial leal.

A história de seu passado tornou-se bastante conhecida por todos que a ouviam: Foi quando Lillia Asplay perdeu tudo o que tinha.

De uma perspectiva, isso não estava errado. Ela havia perdido muito naquele tempo.

Mas de outra perspectiva, foi. Em vez disso, seria melhor dizer que, depois daquele dia, Lillia começou a perder tudo o que tinha.

Como protagonista de uma tragédia, ela passou a aceitar várias coisas. Além disso, enquanto sua vida seguia, ela assumiu um papel que nunca teve antes.

Ela havia perdido as coisas que amava. Elas haviam sido arrebatadas pelos malvados elfos sombrios. Ela claramente viu todos, enquanto desapareciam nas chamas. Algo precioso. Algo notável. Coisas que eram insubstituíveis para mim e até coisas que eu queria fazer desaparecer. Todas queimaram até as cinzas.

Então ela deveria sentir tristeza.

Então ela deveria sentir dor.

Então ela deveria sentir desespero.

Então ela deveria sentir raiva.

Então ela deveria sentir ódio.

Não importava quem fosse, todos trataram a princesa do reino destruído como a protagonista de uma tragédia e forçaram-na a assumir seu novo papel: uma garota digna de pena.

Para eles, era semelhante a olhar para fora de uma sala quente separada da neve do lado de fora por uma janela. Veja como ela é azarada, alegra-me por ainda ter sorte. Era assim que eles tiravam satisfação dela.

Mas Lillia é uma garota obediente.

Ela escuta o que os adultos dizem e sorri quando eles querem, o que é tudo que exigem dela.

Para deixá-los ver minha tristeza. Para deixá-los ver minha dor. Para deixá-los ver meu desespero. Para deixá-los ver minha raiva. Para deixá-los ver o meu ódio. Usarei esse meu sorriso exausto para mostrar todos esses sentimentos, assim como os adultos ao meu redor queriam que eu fizesse.

Um dia, na escuridão, ela refletiu: Eu realmente sinto tristeza? Eu realmente sinto dor? Eu realmente sinto desespero, raiva e ódio?

Esses sentimentos existem dentro do meu coração. Mas… de onde eles vieram?

Deve ter sido naquele dia em que Lillia Asplay tinha nove anos de idade. O que ela sentiu quando viu as chamas ardentes?

Não consigo me lembrar.

Deveria ser assim. Tem que ser assim.” As pessoas ao redor dela continuaram repetindo essas expectativas, cobrindo lentamente os sentimentos e memórias que ela tinha.

Quando ela finalmente percebeu, era tarde demais. A garota que só seguiu os desejos daqueles que a cercavam já havia esquecido de si mesma.

Separador de texto

Um ano se passou. Lillia completou dez anos.

Seu guardião, aquele que a salvou, disse-lhe para esperar no pequeno chalé. Ele então saiu com seu companheiro, outro velho cuja idade disfarçava sua força inesperada.

Ela obedeceu e permaneceu em seu quarto. Não era como se ela tivesse outra escolha. Desde criança, ela tinha sido boa em sentar-se direito e ficar quieta. O truque era não se sentir entediada, limpar a mente e apagar seus sentimentos. Depois disso, ela poderia esperar por algumas horas… ou até mesmo por alguns dias, se chegasse a isso.

Por uma razão qualquer, desta vez seu talento falhou.

Distraída por seus pensamentos, Lillia espontaneamente saiu da casa e começou a caminhar pela floresta.

Se você fizer algo que normalmente não faria, verá coisas que, de outra forma, não teria visto.

Em algum lugar dentro da floresta, havia um espaço onde as árvores densas se abriam. Nesse lugar, havia um garoto da mesma idade que ela empunhando um graveto de madeira.

Ele estava cercado por uma camada brilhante de calor, que parecia uma ilusão, mas que era muito real. O garoto estava se exercitando vigorosamente; embora fosse inverno, suas roupas estavam encharcadas de suor e até o chão estava úmido com sua transpiração.

Mesmo que seja só uma brincadeira, ele está bem sério quanto a isso. Lillia se escondeu nas sombras das árvores, preparada para observá-lo por um tempo.

Embora suas ações fossem leves, seus passos eram profundos. Seu centro de gravidade estava posicionado excessivamente alto, mas depois de um golpe ele baixou. Era como se o garoto estivesse brincando, tentando fazer o impossível. Só de observar suas ações desajeitadas, ela já podia entender um pouco de sua personalidade.

O garoto provavelmente estava fazendo alguns exercícios pré-treino antes de aprender a usar diferentes tipos de armas; seus movimentos eram melhores do que uma mera brincadeira, de certa forma imitando a esgrima. Mas quando ela deu uma olhada mais de perto, haviam pequenas mudanças entre cada ação. Só de mudar a posição do punho, um simples bastão podia reproduzir artes marciais exequíveis com todos os tipos de armas — preferivelmente, esse era o nível de maestria que o garoto estava tentando alcançar.

Infelizmente, não importava o quanto ele tentasse, estava claro que o garoto não era habilidoso o suficiente.

O objetivo principal desse treinamento era provavelmente captar o movimento dos dedos de uma pessoa ao usar diferentes armas. Para desferir um golpe poderoso, a chave é aumentar o centro de gravidade enquanto rapidamente corta-se o alvo. No entanto, todo o esforço gasto em acumular energia era desperdiçado nos pisões excessivamente pesados do garoto. Além disso, seu corpo tinha que permanecer leve como uma pena do começo ao fim. Só então seu treinamento poderia ser chamado de “um pouco melhor que brincar de lutar”.

Quanto mais Lillia o observava, mais insatisfeita ela ficava. Quanto mais insatisfeita estava, mais irritada ela ficava.

Mesmo assim, ela não desviou os olhos.

A visão de Lillia embaçou, como se ela estivesse prestes a chorar. Se continuasse assim, poderiam mesmo haver lágrimas. Ela odiava ficar tão emotiva. Ainda olhando para o garoto, ela usou as duas mãos para enxugar as gotas nos cantos dos olhos.

E então — swishh — o garoto perdeu o equilíbrio.

Pânico surgiu em seu rosto, as sandálias desenharam um belo arco enquanto ele dava um semicírculo no ar. Suas costas impactaram o chão com um estrondo. Era menos como se ele tivesse tropeçado e mais como se tivesse se atirado com força. Felizmente o chão era macio, então ele não se machucaria muito.

“Isso dói!”

Ele reclamou em voz alta, provavelmente por amargura, de não poder fazer bom uso de seu próprio corpo. Deve estar faminto por descanso. O menino deitado no chão, com as mãos e os pés estirados, olhava para o céu azul.

“…”

Ele a viu. Seus olhos se encontraram.

O garoto não esperava que alguém o estivesse vendo treinar. O desalento brilhou em seus olhos, lentamente se transformando em vergonha.

“Você… quem você é?”

O garoto ficou vermelho, como aqueles que tinham acabado de fazer exercícios vigorosos normalmente ficavam. Ele saltou às pressas, batendo a poeira de seu corpo e pegando o bastão que tinha jogado para o lado, então posou como se o que ela acabara de ver nunca tivesse acontecido. “Você – você viu aquilo?!”

Eu vi tudo. Lillia quase disse sem rodeios antes de engolir suas palavras. Eu não posso dizer isso. Provavelmente vai esmagar sua autoestima florescente. Dez anos de experiência acumulados de seu nascimento nobre e vida como protagonista de uma tragédia lhe ensinaram muito.

Mas, embora quisesse permanecer em silêncio, o garoto olhou diretamente para ela, como se exigindo algum tipo de reação.

Eu deveria dizer alguma coisa. Repentinamente ansiosa, o julgamento de Lillia caiu em desordem. Seus pensamentos entornaram de sua boca. “Terrível.”

“… terrível?”

“Absolutamente terrível.”

Nesse momento, o tempo parou.

Lillia sentiu que a autoestima do garoto não estava apenas além de ferida, mas agora tinha sido completamente despedaçada.

Essa era a lembrança que a garota chamada Lillia Asplay tinha de seu primeiro encontro com o jovem que seria seu júnior. Embora ele tratasse a todos com gentileza e paciência, Willem Kmetsch sempre considerou sua camarada Lillia uma exceção. Esta era uma das suas razões para tal.


Parte 2 – ~O sol que nunca se põe~

Alguns anos depois daquele encontro fatídico, Lillia estava se arrastando pela neve.

“Não há como evitar, mas que situação absolutamente decepcionante”, ela murmurou para si mesma. “… mesmo assim, ficar irritada prova que eu estava certa. Quando uma pessoa é criticada, não se deve ficar com raiva. Curvar a cabeça e silenciosamente aceitá-la com um “Sim, Sua Majestade” é a resposta correta. Hmph.”

Embora Lillia tivesse se acostumado a viajar sozinha, sua solidão levara à irritante tendência de falar consigo mesma.

“… bem, isso é uma coisa que posso mudar. Mesmo se estou acostumada a ficar sozinha, é melhor parar de resmungar… ao menos reconhecer isso significa que ainda sou autoconsciente. O problema com tal hábito provavelmente é por ele ser anormal… ou muito embaraçoso… ou talvez diminua o misticismo que cerca os Regal Braves? Sim algo assim.”

Continuando a discutir consigo mesma, ela levantou os olhos. Tudo ao redor dela era de um branco nevado que contrastava nitidamente com a escuridão do céu noturno.

Estava frio. Extremamente, dolorosamente, frio de rachar.

Um famoso poeta que certa vez visitou esta região descreveu-a como uma extensão infinita de deserto, com apenas algumas árvores ocasionais rompendo a neve sem fim. Os ventos constantemente uivantes eram como os gritos dos mortos, condenando os vivos a se juntarem a eles na morte congelada. Se o mundo tivesse um fim, ele estaria sem dúvida aqui.

Naturalmente, tal poema não era uma descrição precisa da realidade. O deserto não era vasto o suficiente para ser chamado de interminável, e as árvores curvadas e tortas eram na verdade muito bem adaptadas às condições locais. Houveram até alguns dias no ano sem nevasca. De acordo com os relatos de aventureiros da fronteira, supostamente havia uma região ainda maior ao norte.

No mínimo, Lillia poderia ao menos concordar com a descrição do poeta dos ventos uivantes. Às vezes soprando rapidamente e às vezes lentamente, o vento sempre parecia cercá-la como uma cacofonia de vozes ricas ao redor. Era como se alguém estivesse tocando um instrumento atrás dela. Independentemente se era obra de espíritos, deuses ou elfos, o vento provavelmente era de origens sobrenaturais–

“Achoo!”

Lillia esfregou o nariz, sentindo o calafrio que penetrava em suas camadas de roupa de inverno. “Está tão frio…”

Ela olhou para a estrada à frente. No centro de seu campo de visão, através de um mundo de plumosos flocos de neve, ela pôde ver inúmeras barracas cinza-chá armadas à distância.

“Deve ser isso!” Sustentada pela visão de seu objetivo, Lillia voltou a carregar a bagagem e avançou mais uma vez.

Separador de texto

“A história da humanidade é uma história de conflito com outras raças.” Embora o passado deles não pudesse ser inteiramente resumido dessa maneira, tais conflitos certamente desempenharam um papel substancial.

As raças aliadas em oposição à humanidade eram todas imensamente poderosas. Algumas utilizavam a pura força esmagadora de seus enormes corpos; outras se camuflavam com os arredores e montavam armadilhas; outras ainda lançavam magias estranhas e encantavam seus inimigos. Algumas tinham o impulso primitivo de consumir humanos; outras gostavam de brincar com eles; e ainda mais eram movidas por um desejo distorcido de matar. Desde tempos imemoriais, criaturas de várias raças existiram intimamente ao lado da humanidade desse jeito.

Os humanos, por outro lado, não eram de modo algum poderosos. Seus membros eram finos, corriam devagar e morriam facilmente, quer fossem esfaqueados, queimados, afogados, lançados de uma altura ou esfaimados.

Podia-se dizer que os seres humanos não estavam faltando em um aspecto: seus números. No entanto, só era preciso observar os Orcs, que eram produzidos em massa, para ver que a diferença em termos de capacidade reprodutiva era simplesmente grande demais. Além disso, no que dizia respeito à capacidade de luta, o civil médio não sabia quase nada sobre tal coisa e até mesmo o número de pessoal pronto para o combate não valia nem um olhar.

Os humanos sabiam usar armas e instrumentos, mas perdiam para outras raças em termos de técnica ou números; até mesmo aquelas armas das quais dependiam foram modeladas a partir daquelas usadas pelos Dragões de Terra.

Apesar desses fatores, a humanidade vivia em prosperidade. Através dos processos de eliminar o perigo, abrir novas fronteiras e expandir seu território, a humanidade desenvolveu técnicas que lhes permitiram se igualar ao mais forte dos adversários, dando origem a vários grupos que aperfeiçoavam essas técnicas ao extremo.

Os aventureiros, que buscavam o autoaperfeiçoamento por meio de incessante treinamento. Os soldados do exército, guardando nações com determinação inabalável. Os estudiosos da Torre do Sábio, estudando e transmitindo conhecimento desde os tempos antigos. Os golems que agiam como guardiões usando suas ligações etéreas e seus mestres, os Bruxos.

Finalmente, aqueles santos de aço escolhidos pela Igreja da Santa Luz, as lendas vivas destinadas a conduzir a humanidade à vitória. Os guerreiros conhecidos como Braves.

Eles lutavam para preservar a vida das pessoas comuns. Ou melhor, cada um deles tinha suas próprias razões para lutar, e o resultado de suas batalhas salvava vidas. Por causa deles, a humanidade sobreviveu até os dias atuais.

Ultimamente, um boato estava se espalhando pelo continente.

Um dos Visitantes da antiguidade despertou de seu sono.

Os Visitantes eram os seres transcendentais que haviam criado o mundo. Há muito tempo, eles viajaram pelas estrelas — mas agora só restava um deles. E aconteceu desse Visitante em particular decidir entrar em guerra com a humanidade. Seus subordinados, os três Poteaus observando o mundo, cumpriram suas ordens e se preparavam para atacar os centros da civilização humana. Naturalmente, tal crise era uma enorme ameaça à sobrevivência da humanidade.

No entanto, embora a situação parecesse sem esperança, aqueles que espalhavam o boato não o fizeram em desespero. E daí se um monte de monstros poderosos aparecesse? Monstros sempre apareceram desde eras passadas para ameaçar a humanidade, mas os protetores da humanidade sempre se ergueram para a ocasião. Sempre haveria algum guerreiro inacreditavelmente poderoso para lutar pelas massas.

A raça humana não perderia para coisa alguma — era assim que era, e como continuaria a ser.

Portanto, não havia necessidade de se preocupar com nada.

Separador de texto

O ar na tenda de comando era sombrio.

Um mapa de batalha da área circundante foi colocado em uma mesa malfeita, com cavalos de madeira vermelhos e azuis colocados aqui e ali para indicar as posições das forças de ambos os lados. Três homens estavam sentados em volta da mesa, olhando para o mapa. Cada um usava uma expressão que correspondia à atmosfera lúgubre.

“… se continuar assim, não poderemos vencer.” Um dos homens, um conselheiro do Exército do Norte, quebrou o silêncio. “Nós estávamos confiantes demais em julgar a força do inimigo, e a prolongada luta esgotou nossos soldados. Do jeito que está, será tarde demais, mesmo que solicitemos reforços. O curso de ação mais prático… é buscar ajuda da Guilda dos Aventureiros”.

“Mas se fizermos isso, o exército será totalmente humilhado!” Essa objeção amarga veio do general, que detinha a maior autoridade entre os três presentes.

Sua objeção não era surpreendente. Os exércitos eram, estritamente falando, sistemas que exerciam poder através da força. Sem suas responsabilidades para vinculá-los, eles seriam vistos como pouco melhores do que grupos violentos de desordeiros. Por causa disso, a maioria dos exércitos se esforçava para manter uma fachada honrada, colocando muito valor na preservação de sua dignidade. O Exército do Norte não era exceção.

“Você está disposto a permitir que o inimigo arrase suas terras em nome do seu orgulho?” O general se viu incapaz de contestar a pergunta do conselheiro.

O silencioso comandante de campo cruzou as mãos, murmurando algo indistinto.

Na verdade, eles enfrentavam uma situação terrível. O inimigo que estavam combatendo era uma tribo de elfos cujos anciões manuseavam maldições que lhes davam controle sobre a terra e o solo. O território deles, corrompido pelas substâncias púrpuras venenosas geradas por suas maldições, era conhecido como a Floresta Túrbida.

Sabendo disso, poder-se-ia especular como os humanos viam os elfos: temíveis adversários que espalhavam veneno pelas florestas, limpando toda a fauna e flora, apagando qualquer traço de vegetação outrora verdejante.

No entanto, esse palpite estaria errado.

Na realidade, todos os humanos cujas terras foram usurpadas entendiam que as maldições que os Elfos usavam trabalhavam alterando a realidade.

Uma teoria dizia que há muito tempo os ancestrais dos Elfos ajudaram os Visitantes na criação do mundo. Essa era a verdadeira razão por trás de seu título como a “Raça Fantasma”. Acreditava-se que esses ancestrais, tendo estado em contato próximo com os Visitantes, haviam tomado sua magia criadora de mundo para uso próprio.

Os Elfos não requeriam florestas preexistentes nas terras que procuravam ocupar. Quer fosse o alvo uma planície, uma cadeia de montanhas ou até mesmo o mar, eles transformariam o terreno em outra Floresta Túrbida. Durante suas invasões, florestas inteiras de árvores tortas se rasgavam do solo e cresciam rapidamente. Enxames de insetos rastejavam do nada e começavam a construir ninhos, permanecendo teimosamente na terra invadida como se já estivessem lá pelos últimos milênios.

Atacar as florestas sob o controle dos Elfos significava enfrentar um perigo selvagem e anormal muito além da compreensão de qualquer humano. Lançar um ataque nas áreas mais profundas da floresta seria suicida.

O conselheiro falou novamente. “Nossa guerra é fundamentalmente diferente das disputas territoriais travadas entre os humanos. Conceder a derrota significa permitir que esse pedaço de terra se torne um pântano tóxico. Não importa o que, o fracasso não é uma opção.”

“Mas”, respondeu o general, “tem mesmo algum sentido em pedir a ajuda dos aventureiros?”

“O que você quer dizer?”

“Mesmo sozinho, um Elfo Sombrio é mais forte do que qualquer um de nós, e um grupo inteiro deles está escondido neste pedaço de território contestado. Para piorar a situação, eles são Anciãos que provavelmente podem subjugar toda a região com a Floresta. Esses aventureiros são diferentes de nós. Eles lutam apenas por si mesmos e nunca considerariam, por um momento sequer, entregar suas vidas pelo bem maior, correndo para aquela armadilha mortal.”

Ambos os homens caíram em silêncio. O comandante de campo continuou resmungando. Um braço delgado alcançou despercebido a tigela de folhados assados ​​colocada na borda da mesa.

O general continuou. “Francamente, não há muitas pessoas com a capacidade de serem úteis em um campo de batalha como este, mesmo entre os aventureiros. Ainda que houvesse, algum deles estaria convenientemente estacionado tão ao norte?”

“Vamos apenas esperar até morrermos, então?”

“Não, precisamos encontrar uma maneira de sobreviver pelo bem dos outros…”

Mastigando o folhado metodicamente enquanto mexia nas roupas de inverno carregadas de neve, a pessoa sentada ao lado olhou para o mapa da batalha.

“Se nada for feito, nada vai mudar!”

“Como não fizemos nada, não temos mais energia a desperdiçar com essas ações inúteis! Eu já não disse isso?”

Os dois homens discutiam para lá e para cá, incapazes de chegar a um consenso. Suas vozes ficaram mais altas, atolando o debate em confusão enquanto o comandante de campo continuava resmungando para si mesmo.

Outro folhado desapareceu.

Vozes altas se transformaram em súbito silêncio. Os homens agora estavam todos olhando para uma quarta pessoa que parecia ter aparecido do nada.

Ela parou de mastigar o folhado e levantou os olhos. O conselheiro, selecionado como representante dos presentes, perguntou: “Quem é você?”

“Obrigada pelos folhados”, a pessoa suspeita falou em uma voz feminina, removendo seu equipamento de inverno. “Viajar até aqui com esse tempo gelado me deixou muuuuito faminta…”

Ela era uma menina com um cabelo vermelho flamejante que parecia ter cerca de quinze anos e ainda não tinha amadurecido. No entanto, ela usava uma expressão inexplicavelmente relaxada que a fazia parecer mais uma mulher mais velha do que outra de sua idade.

“Olá!” A menina apertou suas bochechas com ambos os braços, tremendo de frio quando cumprimentou os três homens. “Eu sou da Igreja da Santa Luz.”

O general parecia cético. “O que? Você está aqui para preparar nossos últimos ritos? Desculpe, mas não precisamos dos seus serviços.”

“Não, não é nada assim.”

“Esta é a linha de frente de uma guerra sem esperança, onde apenas a morte aguarda. Não há lugar para crianças trabalharem para ganhar a vida”, disse o general. Ele estava se referindo aos sacerdotes atingidos pela pobreza que trabalhavam a serviço da Igreja, que eram incapazes de ganhar a vida somente através da realização de cerimônias. Assim, muitos sacerdotes preocupados com as despesas se encontravam indo para campos de batalha terríveis, a fim de coletar dinheiro para realizar ritos fúnebres. “Por favor, saia enquanto pode, a menos que queira ser enterrada conosco.”

“Ah, vamos lá. Não coloque dessa forma.” A garota explodiu a acusação do general e continuou a examinar o mapa de batalha.

“Sua pequena–”

“Oh?” O comandante de campo arqueou as sobrancelhas, interrompendo o general irritado. “Senhorita, posso perguntar o que é esse objeto de aparência pesada que você está carregando?”

“É uma espada.” A garota respondeu sem rodeios.

“Isso não parece um pouco grande demais para ser uma espada?”

“Sim.”

“Por acaso, seria a espada sagrada Seniorious?”

A garota assentiu. “Aham.”

O general congelou, o semblante tenso de seu conselheiro relaxou e a tenda ficou quieta de repente. Uma reação comum, apesar de tudo.

Existia no mundo um grupo de humanos conhecido como Braves, que não juravam lealdade a país algum, mas lutavam pela sobrevivência da raça humana. De qualquer acordo, eles eram indiscutivelmente a maior arma da humanidade contra os Monstruosos. Os Braves empunhavam os Carillons mais poderosos e utilizavam técnicas de combate inigualáveis. Alguns eram ilimitadamente talentosos, alguns guardavam o passado, alguns tinham sangue de heróis e outros vinham de origens trágicas. Sobrecarregados pelas razões de sua força, os Braves eram inquestionavelmente os mais fortes guerreiros, seus nomes falados com um peso que fazia jus ao seus status como lendas vivas.

Dos Carillons criados pela humanidade, Seniorious era considerado o mais poderoso. Tendo visto incontáveis ​​campos de batalha, ele permanecia no topo, mesmo entre as cinco espadas sagradas de mais alto nível do mundo. Seu atual usuário era o Regal Brave de 20ª geração, selecionada pela Igreja da Santa Luz–

“Lillia Asplay…?”

“Como pode ser isso?” O conselheiro balançou a cabeça debilmente. “Lillia, a princesa heroína, é dita ser uma beldade inigualável de cabelos ruivos flamejantes. Ela definitivamente não é essa garota de aparência arrogante!”

“Rumores que as pessoas espalham não são da minha conta…”

“Todos os quadros a reproduzem como uma beldade intensamente trágica!”

“É um incômodo, mas não posso realmente reclamar se as pessoas decidirem fazer figuras minhas baseadas em um tipo de imagem mental.”

“Aqueles quadros foram muito caros, sabia!”

“Umm… lamento pela sua perda, eu acho…?”

O silêncio desconfortável retornou. O comandante de campo manteve as mãos cruzadas, murmurando baixinho.

“Oh, aqui está a prova da minha identidade!” Parecendo que tinha acabado de se lembrar, a menina tirou um distintivo de ouro e cobre do bolso para mostrar aos três homens. Era um meio de proteção que a Igreja dava aos clérigos de alta patente, servindo como prova irrefutável de sua identidade.

“… bem, então, Lady Asplay, o que a traz a este campo de batalha?”, Perguntou o general, relutante. “Se está aqui para ajudar, sugiro que saia o mais rápido possível”.

“Hmm…” Engolindo o que sobrou de seu folhado, Lillia examinou o mapa da batalha mais uma vez. “Uma vez que os elfos estão estacionados aqui, isso significa que a área circundante se transformou em uma floresta, certo?”

“De fato que sim.”

“Você não precisa dizer nada, comandante. Então, se esse é o caso, significa que os elfos da classe Ancião estão perto daqui, e aqui também… a situação parece bem preta.” Ela inclinou a cabeça entre os dois pontos no mapa, fechando os olhos para pensar. “Agora, general, tenho um favor a lhe pedir–”

“Não vou te dar nenhuma das minhas forças”, interveio o general em questão.

“Não se preocupe com isso, mas eu espero que você possa transferir todo o seu exército para longe deste acampamento. A nevasca vai atrapalhar um pouco, mas se você marchar dessa maneira, daqui–” Lillia empurrou uma das peças de madeira no mapa, “–até aqui, essa rota poderia funcionar?”

O conselheiro olhou para as novas posições, mas um segundo antes ele sorriu e zombou. “Não nos venha com essas bobagens.”

“Não, não me venha você com essas bobagens.”

Ele soltou seu sorriso. “Isso não é o mesmo que nos pedir para nos retirarmos do campo de batalha e colocar alguma distância entre o nosso exército e os elfos? Se formos nessa direção, vamos nos retirar de volta para a cidade… O conselheiro fez uma pausa. “Espere, esse também não é o caso. As instruções estão todas erradas.”

“Sim”. Lillia assentiu. “No caminho até aqui, ouvi dizer que a situação na Cidade Represada de Narvant está ficando muito crítica.”

“O que você quer dizer?”

“Os inimigos são principalmente orcs. Apesar de não serem tão fortes sozinhos, há muitos deles e a linha de frente é enorme, por isso tem sido difícil montar uma defesa consistente. Mas para todos vocês, a situação não será mais fácil de gerir comparada à luta contra os elfos aqui?”

“Bem, definitivamente é…” Embora o conselheiro parecesse levar as palavras de Lillia mais a sério, ele ainda discordava da sugestão dela. “Não, esse não é o problema. É impossível para nós desistir dessa luta.”

“Oh, é mesmo? Vocês têm negócios inacabados aqui?”

“Não especialmente, mas não podemos abandonar nossa missão de expulsar os elfos do território deles…”

“Ah, não precisa se preocupar com isso”, respondeu Lillia incomodada, alongando os braços atrás dela. “Eu vou lidar com eles. Deve levar mais ou menos três dias.”

Separador de texto

Três dias se passaram.

A caminho de Narvant para um encontro com as tropas de lá, o Exército do Norte recebeu um despacho.

Aquela floresta horrivelmente corrompida, o domínio em expansão dos Elfos, de repente começou a murchar em uma velocidade assustadora.

As notícias logo se espalharam entre os soldados, e com isso vieram aplausos: “É Lillia Asplay!”, Gritou um soldado. “É Lillia Asplay! A Regal Brave conseguiu!”

Em face de um inimigo incrivelmente poderoso, não havia fim à vista para a guerra. Lutas amargas e prolongadas haviam exaurido todos os soldados. Muitos deles tinham visto seus amigos serem consumidos por ácidos corrosivos ou devorados pelos Elfos diante de seus olhos, e constantemente preocupados se seriam os próximos. Na situação desoladora deles, havia muitos que tinham desistido de toda esperança.

Então uma garota correu sozinha e trouxe um fim rápido para a guerra.

Nem todos tinham ficado satisfeitos com isso. “Não consigo encontrar nenhum motivo para comemorar”, o general reclamou amargamente. “Aquela garota terminou a guerra como se fosse brincadeira de criança. Nós entregamos nossas vidas uma após a outra sem chegar perto de alcançar os mesmos resultados. Que significado há, então, para essa guerra– não, para nossa existência?”

Todos, inclusive o general, tinham algum conhecimento básico das existências conhecidas como Braves. Alguns foram ainda mais longe e conduziram investigações, cujos resultados provaram que a força inigualável dos Braves não era infundada. De fato, uma correlação frequentemente surgiu entre os fortes e aqueles que possuíam um passado trágico ou um pano de fundo parecido com uma história.

E aquela garota, a Regal Brave de 20ª geração Lillia Asplay, carregava a tristeza e raiva de perder sua cidade natal. Essas emoções eram o motivo pelo qual a jovem princesa havia se jogado em uma vida de batalha interminável.

Ela nascera da tragédia e encontrara forças para seguir em frente apesar de sua tristeza, para ficar de pé diante do desespero, para superar o ódio que sentia. Assim, ela manejava a força apenas concedida àqueles que atendiam a todos esses critérios. Todas essas qualidades estavam ligadas dentro de seu pequeno corpo, as mesmas qualidades que criaram a arma glorificada pela Igreja da Santa Luz — a arma conhecida como Regal Brave.

O general bufou. “Hmph. Claro que não posso ficar feliz com um resultado desses.”

Em algum outro lugar, o conselheiro confirmou que não havia ninguém o observando. Então tirou um pequeno pedaço de pano do bolso, abrindo-o para revelar o papel escondido no interior. Retratado nele estava uma beldade com cabelo vermelho ardente e um sorriso gentil.

O conselheiro tomou a figura em suas mãos e se preparou para rasgá-la. Ele hesitou, então cuidadosamente redobrou e a colocou de volta no bolso.

“Hmph.” Vestindo o semblante de alguém que tinha sido muito enganado, o conselheiro levantou a cabeça e olhou para o céu.

Não havia neve aqui. Nos céus azuis claros, uma andorinha de cauda longa voou vagarosamente.


Parte 3 – ~A Capital Imperial~

Falar da Capital Imperial era falar de suas grandiosas estruturas.

Provavelmente havia muitas razões para isso. Como uma cidade jovem com pouca herança cultural para falar, a conservação de edifícios históricos era desnecessária. Como o nexo do Império, talvez fosse para que os visitantes da Capital ficassem impressionados com sua magnificência e saíssem com uma impressão da força esmagadora do Império. Outra possibilidade era que o imperador anterior que fundou a Capital fosse uma pessoa extremamente franca que acreditava que maior era sempre melhor e gostava de iniciar projetos de construção em larga escala.

Seja qual for a resposta, significava que o santuário localizado no coração do Primeiro Distrito da Capital Imperial era incrivelmente grande e projetava um ar de extravagância. A luz do sol brilhava através dos altos tetos de vidro colorido do salão cerimonial, o que dava ao seu interior de mármore um brilho ofuscante e iluminava as cenas míticas gravadas nas paredes.

A grandeza desse lugar superava em muito as de atrações turísticas famosas, mas meros plebeus não tinham permissão para entrar nesses salões sagrados. Somente os sacerdotes de alto escalão e aqueles ordenados pela Igreja, como a Regal Brave Lillia e os outros Quasi Braves, podiam admirar seu esplendor.

“Deve ter sido cansativo para você”, um sacerdote vestindo uma túnica roxa de aparência impressionante com um cinto vermelho saiu para recebê-la com um sorriso. “Já recebemos a notícia dos resultados da batalha. Mais uma vez, você trouxe glória ao nome do Regal Brave”.

O sorriso do sacerdote era honesto, desprovido de mentira ou malícia. Dadas as suas experiências, Lillia teria detectado tais intenções facilmente. Aqui estava uma genuína gratidão por ela continuar a cumprir o propósito do Regal Brave de proteger a humanidade.

Ora, ora. Lillia lembrou de como isso a incomodava. Eu odeio esse lugar.

Não havia uma pessoa aqui que não tivesse fé. Eles acreditavam firmemente em tudo que pensavam, sentiam e faziam. Assim, eles se portavam sem dúvida e seus motivos eram puros, o que para eles era algo para ser feliz. Talvez tornar essa felicidade uma realidade era o que significava ser de fé.

Todos os que afirmavam esses princípios chegariam à conclusão de que ninguém poderia seguir um caminho mais correto do que eles e se recusavam a ouvir as opiniões de qualquer outra pessoa em seguida. O hábito de pensar dessa forma continuaria enquanto estivessem perto de outros com as mesmas visões, e eventualmente eles acabariam esquecendo como interagir normalmente.

“Oh? Algo está te incomodando, senhorita Lillia?”

“Não – bem, sim.” Lillia inclinou a cabeça e furtivamente colocou a língua para fora. “… de qualquer forma, como está Narvant? O conflito chegou a uma conclusão? Alguns reforços devem estar a caminho no momento.”

“De acordo com o relatório da noite passada, a situação atual é bastante grave. Três cidades já caíram e os soldados estão todos extremamente desgastados. Embora não tenhamos confirmado ainda, podem haver Demônios entre a força de ataque.”

Espera um segundo. “… então, não seria melhor se eu tivesse ido com os reforços?” Ela lutou para evitar que sua irritação transbordasse.

“Você não precisava. O Carillon Seniorious só pode mostrar sua força esmagadora contra um único inimigo. Em um campo de batalha caótico, ele não pode ser empunhado de forma flexível.”

“Essa não é a questão. Independentemente dessa justificativa estúpida, mesmo que eu fosse desarmada, ainda seria capaz de manter o número de baixas a um mínimo.”

“Seniorious está cheia de maldições élficas, por isso precisa de manutenção. Além disso, você terá que começar a se preparar para uma nova batalha. O Visitante Elq Harksten logo será oficialmente reconhecido como um inimigo. Quando chegar a hora, você será a única pessoa que pode liderar o grupo para derrotá-lo.”

Eu quero mesmo dar uma surra nele. Lillia usou o sorriso para cobrir os punhos enrolados.

“De qualquer forma, já enviamos alguns reforços para lá. Avgran T. Lontis, o brave que empunha Purgatorio, deixou a capital na semana passada e se dirige para essa região enquanto falamos”.

“Bem, então…” Lillia relaxou, afrouxando os punhos.

Embora apenas um Regal Brave pudesse ser reconhecido por vez, sempre haveria um pequeno número de guerreiros que estavam próximos desse nível em qualquer período de tempo. Estes guerreiros não tinham sido formalmente nomeados e meio que não tinham o mesmo reconhecimento e força que o Regal Brave detinha, mas suas qualificações e poder não podiam ser ignorados pela Igreja, que lhes conferia o título de Quasi Brave e os usava como santos de igual modo.

Atualmente, os Quasi Braves enviados para vários campos de batalha eram cerca de trinta. Lillia não tinha certeza do número exato, e ela só tinha conhecido cerca de dez deles. Avgran era um desses dez.

“Aquele cara…”

“Preocupada com ele?”

“Nem. Não há ninguém mais adequado para se jogar entre dois exércitos…”

Purgatorio não era um Carillon de alto nível. Sua saída de venenum era medíocre, tornando-o inadequado para lutar contra inimigos fortes como Dragões ou Elfos de classe ancião. No entanto, sua habilidade especial era extremamente poderosa quando usada na situação certa.

Para utilizá-la da melhor maneira possível, o usuário deve encontrar um local com vista para o campo de batalha, identificar e visar aqueles vistos como inimigos ou pecadores. Posteriormente, enquanto o usuário ainda estivesse no campo de batalha e continuasse inflamando venenum, os alvos seriam incapazes de escapar do ataque de Purgatorio. A pessoa continuaria lutando até que suas presas fossem eliminadas. Em um campo de batalha caótico, onde era difícil distinguir o amigo do inimigo, nenhum Carillon era mais confiável do que Purgatorio.

Além disso, Avgran era realmente digno de ser chamado de Brave. Ele era extrovertido, de coração puro, valente e dedicava-se de todo o coração a lutar pelos fracos. Ele agia como se possuísse reservas ilimitadas de força no campo de batalha e não tivesse que temer qualquer ameaça. Enquanto Avgran tivesse alguém que precisava proteger, ele nunca recuaria.

“Você parece aliviada agora. Não te preocupes; você só precisa cumprir sua missão,” o padre cortou os pensamentos de Lillia com um sorriso radiante. “Descanse bem e prepare-se para sua próxima batalha. É nisso que você deve se concentrar no presente.”

“Certo, certo…” Sem querer prolongar a conversa, Lillia acenou com a mão e se afastou.

“Onde você vai?”

“Vou dar um passeio lá fora.”

“Por que não volta para seus aposentos?”

As instalações de grande escala da Igreja eram compostas principalmente de quartos para os seus santos viverem. Como seu principal santuário na Capital, os alojamentos do Regal Brave seriam naturalmente em suas instalações, e nenhuma despesa seria poupada em seus muitos aposentos. Assim, para eles, não fazia sentido a maioria dos quartos do santuário ficar desocupado.

Lillia sabia muito bem disso, mas independentemente, ela não gostava muito de nenhum dos quartos. “Eu voltarei mais tarde ou algo assim.”

Ela viajava diariamente entre vários campos de batalha no continente e não tinha raízes para falar. Ela normalmente ficaria grata por uma cama na qual dormir profundamente, e o santuário de mármore branco da Igreja, com suas paredes adornadas de carmesim e seus quartos finamente decorados, seria mais do que suficiente.

No entanto, Lillia não estava disposta a chamar isso de casa.

Separador de texto

“Finalmente livre!” Ela alongou os braços enquanto saía do santuário.

O edifício estava localizado na ilha artificial construída no meio do rio Mercela, aparentemente para separar os terrenos sagrados da Igreja do resto da Capital. Para entrar, primeiro era preciso atravessar as três pontes construídas no rio.

Lillia também não gostava dessas pontes. Esta é sem dúvidas a forma errada de gastar dinheiro. Provavelmente foi construída por capricho de algum rico idiota. Uma ponte simples, sem enfeites, seria igualmente encantadora. Ela permaneceu perdida em pensamentos, pisando sobre os azulejos meticulosamente colocados.

Ah, deixa pra lá. Ela não queria esmiuçar demais. Além disso, ela estava de bom humor após ter completado sua missão e ficado livre da Igreja por um tempo.

“Eu vou fazer um lanche ou algo assim.” Ela tentou pensar nas lojas que frequentava, embora não houvessem tais lugares.

Um Regal Brave era opressivamente poderoso. As pessoas normais eram completamente incapazes de prestar qualquer tipo de assistência e poderiam até ser passivos na pior das hipóteses. Ninguém conseguia acompanhar a força dos Regal Braves, por isso eles sempre lutavam sozinhos.

Naturalmente, ela estava acostumada a uma vida de relativa solidão.

No entanto, mesmo que ela estivesse longe do campo de batalha como agora, ela ainda ansiava por conversar com aqueles que conhecia e, se possível, com um certo alguém–

“Ei.” O coração de Lillia acelerou quando ela sentiu uma mão em seu ombro.

“… Willem.” Ela escondeu sua surpresa com autocontrole sobre-humano. “Você tem essa maneira realmente irritante de aparecer aleatoriamente, sabe.”

Ela virou a cabeça, usando a mesma expressão que sempre usava e falando com ele como sempre falava.

“Vamos lá, o que eu fiz para merecer isso? Eu só queria conversar.” Um garoto de estatura média, com olhos e cabelos negros, estava atrás dela.

O garoto não era refinado demais, contudo ainda parecia relativamente decente. Ele não era muito musculoso, mas também não era magro demais.

Se houvesse alguma característica digna de nota, seriam os olhos dele, que o faziam parecer bastante cheio de si. No entanto, muitos rapazes da sua idade tinham essa aparência. Simplificando, ele era um adolescente comum que poderia encontrado em qualquer cidade.

“Acabei de terminar de fazer meu relatório de missão”, Willem Kmetsch apontou para trás de si no santuário da Igreja. “Aqueles carecas me disseram que você tinha acabado de sair, então corri atrás de você.”

“Por que, com pressa para ver meu rosto de novo? Minha nossa, será que você se apaixonou?”

“Isso é impossível.” Lillia se sentiu um pouco ferida pela rejeição direta de Willem. “Enfim, agora é uma oportunidade perfeita para comermos alguma coisa juntos. Comer junto com alguém é melhor do que sozinho, mesmo que eu tenha que comer com você.”

“Hã?” Lillia estreitou os olhos, infeliz. “Que arrogante da sua parte chamar uma garota para sair desse jeito!”

“Medirei minhas palavras quando estiver chamando uma garota para sair da próxima.”

“Espere aí, quem você pensa que eu sou?”

“Você é Lillia.”

Ela pensou nas palavras de Willem por um momento. “… ei! O que isso deveria significar?”

Garotas podiam ser encontradas em qualquer lugar. No entanto, em todo o mundo havia apenas uma pessoa a quem Willem tratava tão irritantemente — Lillia Asplay.

Mesmo assim, ela não se importava que ele a tratasse assim. Pensando nisso, Lillia se sentiu um tanto desamparada.

Separador de texto

Eles caminharam por algum tempo em direção à Rua dos Estudantes, que tinha lojas populares entre os jovens. Poderia se ter uma refeição decente por aqui, mesmo se a pessoa estivesse com a grana curta. Além disso, os dois não se destacariam muito com sua aparência jovem.

Era natural para um Brave sentir fome depois de sua missão. Willem e Lillia sentaram-se em uma mesa destinada a cinco pessoas, pediram um monte de pratos de carne e se serviram. Enquanto comiam, eles conversavam sobre suas missões.

“O quê?” Willem perguntou, com os olhos esbugalhados e um pedaço de carne grelhada na boca. “Você está dizendo que aquelas tribos élficas… com aqueles elfos da classe ancião entre seus números… foram todos aniquilados? Só por você? E só levou três dias?!”

“Aham.”

Ouvindo isso, ele engoliu o pedaço de carne e pôs para baixo com um gole de água, em seguida encolheu os ombros.

“O que há com essa reação?”

“Como um colega do sexo masculino, gostaria de dar a esse general minhas mais profundas condolências”.

E o que você quer dizer com isso? “Você acha que eu não deveria ter ajudado eles?”

“Claro que não. Você tinha que ajudar de qualquer maneira, mas poderia ter sido um pouco mais sensível.”

“Não houve realmente nenhuma oportunidade para esse tipo de coisa na hora. Por mais talentosa que eu seja, você não pode esperar que eu cuide dos sentimentos de todos enquanto luto contra os elfos.”

“Eu não quis dizer isso…” Willem murmurou, mordendo outro pedaço de carne.

Willem Kmetsch era o discípulo sênior de Lillia e um tanto desrespeitoso. Ambos foram ensinados o mesmo estilo de esgrima pelo mesmo mestre. Ser capaz de dominar as técnicas usadas pelos Braves mais poderosos significava ser capaz de manejar um poder inigualável. Claro, Lillia completou seu treinamento com facilidade, enquanto Willem nunca conseguiu atingir o nível dela, não importa o quanto ele tentasse.

Esse garoto é irremediavelmente sem talento. Seu mestre uma vez comentou.

Alcançar um nível de maestria que superasse o dos lutadores normais seria suficiente para a maioria das pessoas. No entanto, Willem se recusou a parar de treinar.

Mesmo que alguém implacavelmente tentasse se fortalecer, só poderia fazê-lo como um humano. A força que alguém maneja está ligada aos limites de sua própria humanidade. Não importa quanto tempo e esforço fossem gastos, ainda se permanecia humano.

Se você quisesse viver como um humano, isso seria algo para se sentir afortunado. No entanto, para utilizar plenamente as técnicas de luta com espadas ensinadas pelo mestre deles, era preciso abandonar sua humanidade. Com base apenas nesse pré-requisito, a humanidade de um indivíduo seria vista como uma maldição em vez de uma bênção e o motivo de sua própria falta de talento.

“Por que continuar ensinando ele?” Lillia perguntara uma vez a seu mestre.

“Ele não quer desistir”, respondeu o mestre, como se estivesse falando para si mesmo.

Ah. Lillia entendeu, assentindo sabiamente. Willem definitivamente não desistiria. Mesmo que parecesse impossível ou trivial para os outros, ele continuaria sempre a avançar. Apesar de suas circunstâncias irremediáveis ou da natureza cruel da realidade, ele nunca abandonaria a esperança em seu coração e continuaria a se esforçar para alcançar alturas ainda maiores.

Willem nunca trairia seus próprios sentimentos, nem perderia de vista seu objetivo, mesmo que sentisse desespero ou arrependimento. Ele lutava inteiramente para proteger as coisas que amava.

E aconteceu de o modo de vida dele ser o oposto do de Lillia.

“Ahh, finalmente cheia! Estou satisfeita agora.” Depois da refeição, os dois saíram para a Rua dos Estudantes.

“Acho que comemos demais. O garçom até pareceu um pouco assustado quando nos viu comer.”

“Digo, nossos corpos ainda estão crescendo! Além disso, comer muito é normal para crianças da minha idade, não acha? Eu acho que você até que comeu muito pouco, Willem!”

“Você deveria se desculpar com todos os jovens catorze e quinze anos de idade do mundo.”

O sol continuou a se pôr, mas o fluxo de pessoas nas ruas nunca diminuiu, algumas carruagens puxadas a cavalo misturavam-se entre a multidão. Esbarrar em alguém ou ter a carteira roubada eram ocorrências comuns aqui.

“Oh?” Uma rajada de vento veio do nada, soprando um pedaço de papel na direção deles. Lillia agarrou-o antes que acertasse seu rosto. “Hmph, que perigoso. O lixo pertence ao lixo.”

Ela olhou por cima do seu conteúdo. Era uma página de um artigo de notícias. Este método de divulgação de informação rapidamente cresceu em popularidade após a invenção da imprensa. Sua audiência era o público, e era impresso e distribuído em massa. Eventos importantes no continente eram geralmente detalhados de maneira risível nesses ditos relatórios.

Os olhos de Lillia se fixaram na manchete impressa em negrito: “A Trágica Bela Princesa Esmaga os Exércitos dos Elfos Mais uma vez!”

Ha. Ela bufou.

“Que há com você?”

“Venha e dê uma olhada nisso. É uma obra-prima!”

Willem se aproximou para dar uma olhada. “Não parece haver muita diferença em relação aos anteriores…”

“É tão irritante. Vamos lá, esse é ainda mais exagerado que os anteriores.”

Esbarrando sua cabeça contra a de Lillia, ele olhou para o artigo.

“As fronteiras ocidentais do Império foram atacadas pelos Elfos, cujos números chegavam a dezenas de milhares. As tropas lá estacionadas estavam completamente indefesas diante das maldições dos Elfos e foram todas transformadas em sapos.”

“Havia mesmo tantos assim deles?”

“Nem mesmo cem.”

“Todos eram elfos sombrios?”

“Eu cruzei espadas com alguns elfos de classe ancião, mas a maioria era normal.”

“Os soldados foram realmente transformados em sapos?”

“Algumas pessoas têm imaginação vívida.”

Eles continuaram. “A inigualável Bela Princesa, Lillia Asplay, foi para as terras fronteiriças. De seus lábios um vento gentil e suave era soprado, que rejuvenescia os soldados e transformava os afetados pelas maldições élficas de volta em humanos.”

“E quanto a isso?”

“Mesmo que eu seja incrível, não posso fazer milagres.”

“Depois disso, ela desembainhou Seniorious e ergueu-a para o céu e preparou-se para entoar um lendário encantamento sagrado. A Verdadeira Sangrenta Onda de Sangue Vermelho Carmesim da Destruição Flamejante Suprema é um feitiço proibido mais catastrófico capaz de dividir a terra e rasgar os céus em pedaços, um feitiço tão poderoso que o mestre de Lillia proibiu seu uso–”

“Hahahahaha!” Lillia apertou seu estômago, dando uma gargalhada. Foi tão hilário que seus olhos estavam começando a lacrimejar. “Oh, vamos lá, eu não sei de nenhum feitiço com um nome enorme desses! Sério, é completamente impossível que aquele meu mestre tenha criado tal feitiço!”

“É mesmo tão engraçado?” Willem parecia um pouco aflito. “Embora os relatórios possam ter o efeito pretendido de aumentar o moral, eles estão ficando cada vez mais absurdos.”

“Isso não é uma coisa boa? Não tem problema, desde que ajude as pessoas, certo?”

“Não tente agir como uma santa, isso não combina mesmo com você…”

“Olha quem fala.” Tanto o Regal Brave quanto o Quasi Braves eram parecidos com santos reconhecidos pela Igreja da Santa Luz. “Além disso, nem é grande coisa, então por que se preocupar com isso?”

“Se continuar assim, o seu verdadeiro eu não irá desaparecer?”

“O que você quer dizer?”

“Para essas pessoas que vomitam bobagens regularmente, o que você faz realmente não afeta as reportagens. Eles ignoraram completamente você — o Brave que abateu gradualmente menos de cem elfos ao longo de três dias, Lillia Asplay — para que pudessem distorcer os fatos.”

“Eu suponho que você esteja certo.” Lillia sorriu, acenando com a cabeça. “No entanto, vou deixar o passado no passado. Como Braves, nosso trabalho é lutar para que as massas possam continuar sua vida cotidiana pacífica. Não é mesmo?”

“Esse não é o seu trabalho.”

“Não, mas esse é um dos deveres de um Brave.”

“Mesmo assim…” Willem parecia infeliz por algum motivo. “Não é o seu trabalho”, ele silenciosamente, mas com firmeza, protestou.

“Não seja tão cheia de si, Quasi Brave.” Lillia deu uma risadinha para encobrir as lágrimas no canto do olho, enxugando-as sem que Willem percebesse.

Separador de texto

Eles decidiram usar a rara oportunidade para passear pela capital.

O Império havia aumentado seu território engolindo países vizinhos cujos recursos tinham sido gastos em guerras contra os Monstruosos, e a Capital era o centro de seu governo. Era uma cidade próspera onde pessoas de muitas culturas e línguas diferentes coexistiam juntas. Pode-se dizer que dar uma volta pelo mercado da Capital era semelhante a uma viagem pelo continente.

O segundo e o quarto distritos da capital eram conhecidos por suas muitas oportunidades de turismo e compras. Lillia arrastou Willem junto com ela, caminhando entre a absurdamente longa Rua do Grifo e a Rua da Salamandra.

“Impressionante! O que é isso?” Os olhos de Lillia se arregalaram quando eles pararam em uma loja dirigida por comerciantes de Garmond do Norte. Na vitrine, haviam vestes exóticas feitas de um tecido tão fino que era quase transparente. “Uau, todas as pessoas de Garmond usam roupas tão reveladoras?” Lillia levantou um canto do tecido. “Isso nem cobre as pernas!”

“Bem, o país de Navrutri fica na mesma região.”

“Ah! Isso explica tudo.”

Navrutri Teigozak era um Brave do sexo masculino nascido em Garmond Ocidental que ambos conheciam de perto. Um mulherengo, toda vez que Lillia o via, ele estava perseguindo ou sendo perseguido por mulheres — mais frequentemente a segunda. Por causa dele, Lillia ficou com a impressão de que os moradores locais eram bastante mal-educados e tinham uma propensão a causar conflitos internacionais menores… mas pondo isso de lado.

“Hmm… se eu usar isso, não pareceria muito apropriado…” Lillia levantou o tecido mais alto, revelando a perna branca arqueada do manequim de pedra por baixo. Voltando-se para Willem, ela fez uma pergunta: “O que você acha?”

“Não é muito bom? Mesmo que não seja do tamanho certo por causa de algumas diferenças na altura do corpo, é assim que é feito”, respondeu Willem sem rodeios.

“Nossa. Você aceitou tão facilmente.” Ela deixou a roupa cair. “Você não deveria estar desviando o olhar ou corando, ou gritando “Que sem vergonha!”? Eu estava ansiosa para esse tipo de reação.”

“Vamos lá”, Willem suspirou. “Quem você pensa que eu sou?”

“Um cara simplório e ingênuo que não sabe lidar com garotas.”

“Eu não posso negar a segunda parte, mas você está errada sobre a primeira.” Willem resmungou. “De qualquer forma, você não se sentiria envergonhada por usar isso? Você é uma garota, afinal… biologicamente, pelo menos.”

Com licença, mas como sou uma excepcional membra do sexo feminino, não haverá problemas. Cuidado, eu poderia estar me preparando para usar isso para seduzir os caras no futuro.”

“Você vai ganhar o coração de um cara com base nisso?”

“Bem, saberemos quando chegar a hora. Deve-se levar a sério os passos dados para garantir um futuro promissor, tá ligado?”

Willem parecia um pouco desconcertado. Ha. Willem Kmetsch ficando infeliz com o pensamento de algum homem aleatório ficando íntimo com Lillia Asplay no futuro? Que piada.

“Ei.”

“Sim?”

“Os elfos sombrios que atacaram o território de Dionne foram todos exterminados?”

Lillia não se surpreendeu; não seria a primeira vez que seu imensamente irritante discípulo sênior, mudara aleatoriamente o assunto no meio de uma conversa. Depois que os elfos no controle do antigo território de Dionne foram exterminados, a área passou a pertencer ao Império. Ficava bem longe da Capital, mas não muito.

“Você não sente vontade de voltar?”, Perguntou Willem.

“Eu visitei no ano passado. A grama cresceu bem rápido perto do antigo castelo. É horrível.”

“Não é isso que eu quero dizer. Você sabe do que eu estou falando.”

Lillia sabia. Willem estava se referindo a restaurar Dionne à sua antiga glória, chamando as pessoas para lá reassentarem. Retomar o berço de Lillia Asplay, rompendo com uma vida de constante batalha. Deitando Seniorious, reivindicando seu status como realeza, e se tornando uma princesa mais uma vez.

O que Willem falou soou como um sonho fantasioso. No entanto, se ela realmente quisesse fazê-lo, provavelmente poderia se tornar uma realidade. Embora não fosse exatamente o mesmo, ela poderia reconstruir o Reino Cavaleiro de Dionne.

“Bem…” Lillia enfiou a mão nos bolsos, trazendo o artigo de antes. Nele foram escritas muitas linhas floridas e poéticas. Lillia Asplay luta por sua casa. Ela luta para recuperar o território, os cidadãos, a glória de Dionne — todas essas coisas que lhe foram tiradas. Olhando para aqueles olhos tristes, só se poderia ver–

“Eu provavelmente não tenho esses sentimentos”, ela respondeu com sinceridade, fechando os olhos. “Todos os meus inimigos já foram derrotados em algum outro lugar. Além disso, esse não é o território do Império agora? E uma das linhas de frente na guerra contra os Orcs, ainda por cima.”

Ela coçou a bochecha. “Além disso, eu realmente não quero ser uma princesa novamente…”

“Você é tão superficial.”

“Hah, talvez…”

Os sentimentos de Lillia eram bastante superficiais. Além disso, ela não tinha realmente levado a melhor sobre suas emoções ainda. Raiva, ódio, frustração — ela não tinha certeza se realmente sentia essas emoções em seu coração.

Eu devo estar perdendo algo muito importante como pessoa. Mas o que? “… de qualquer forma, é por ter sentimentos tão superficiais que não tenho muito interesse no passado!” Lillia riu. Eu devo estar carecendo de alguma forma de sentir vontade de rir.

Lillia começou a andar de blusa em blusa, olhando para cada uma delas. “Essa também é decente, acho que posso usá-la facilmente. Parece perfeita para ocasiões formais–” Uma recordação piscou em sua mente. “Oh! A propósito, recebi um convite para a celebração de inverno do Imperador. Não posso acreditar que esqueci completamente! É hora de pensar sobre o que vestir.”

“Vamos. Você não pode fazer uso dos luxuosos guarda-roupas de Sua Majestade? Basta perguntar com jeitinho ou algo assim.”

“Sim, eu fiz isso no ano passado. Mas então a notícia se espalhou, e o que eu usei no ano passado ficou realmente na moda. Todos queriam vestir o mesmo estilo que o grande Regal Brave”.

“Delírios são assustadores assim, hein…”

“Não vamos falar sobre isso. Eles não deveriam ter convidado você também?”

Willem encolheu os ombros. “Eu recusei. Vou passar a noite do Festival de Inverno com a minha família.”

“Família? Você quer dizer Aly e as outras crianças? Então você está voltando para a Gomag?”

Gomag era a cidade natal de Willem, onde estava localizado o orfanato que ele viveu, e ficava nas fronteiras do Império. Partindo da Capital, levava muito tempo para viajar de ida e volta.

“Eu já organizei para tirar todo o meu tempo disponível de uma só vez. Então, vou sair em missões sem parar a partir de amanhã.”

“Mesmo?”

Os Monstruosos estavam atacando cada vez mais frequentemente. A Igreja definitivamente não permitiria um Quasi Brave como Willem viajar para tão longe tão facilmente. Mas conhecendo Willem, ele teria insistido, e eles o teriam taxado com muito mais missões em troca.

“Se você está cansada das celebrações de Sua Majestade, por que não me acompanha?”

Ouvindo Willem estender um convite tão naturalmente a ela, Lillia só pôde responder com surpresa. “Hã? O que, eu?”

“Sim. Tenho certeza que Aly e os pequenos ficarão felizes em conhecê-la.”

“Uh…” O que diabos ele está dizendo? O Quasi Brave Willem Kmetsch e a Regal Brave Lillia Asplay deixando a Capital ao mesmo tempo certamente causaria um alvoroço. Se tal coisa realmente acontecesse, provavelmente alguns sacerdotes da Igreja da Santa Luz perderiam suas cabeças. Ele deve estar brincando comigo.

… Willem sinceramente me convidou para sua reunião de família. Além disso, ele entende muito bem as implicações de seu convite. Os dois deixando o Capital significaria uma queda notável no poder de sua força defensora. Em resposta, a Igreja provavelmente solicitaria o retorno deles e tentaria recuperá-los a todo custo. Tomando todas estas coisas em mente, Willem ainda assim casualmente jogou o convite para ela.

“Esqueça isso,” disse Lillia. “Mesmo não sendo mais uma princesa, eu não perdi meu gosto por festas de gala!”

Seria fácil para ela concordar com o pedido de Willem. Mas fazer isso colocaria todo tipo de carga extra sobre ele, e ela não poderia aceitar isso.

“Então é assim…” Olhando para o rosto de Willem, Lillia pensou ter visto um lampejo de desapontamento. Willem provavelmente esperava que ela concordasse com o convite dele.

Ela se lembrou daquele inverno fatídico quando viu Willem pela primeira vez praticando naquela floresta. Olhando para seus movimentos brutos e desajeitados, Lillia se sentiu revoltada. Naquele momento, ela não tinha prestado atenção a suas palavras e seus pensamentos entornaram de sua boca.

Embora Lillia não pudesse vê-lo, agora ela podia imaginar. Willem lutou com todas as suas forças para se tornar mais forte. Ele tinha suas razões. Na esperança de se tornar mais forte, ele se reerguia toda vez que desmaiava de exaustão. Lillia podia ver isso claramente observando suas sessões de prática.

E então ela pensou: Posso realmente fazer a mesma coisa?

Teria sido fácil para Lillia copiar os métodos de treinamento de Willem. Teria sido fácil para ela desejar se tornar mais forte. Então ela ficou confusa.

E se eu, Lillia Asplay, continuasse experimentando um fracasso constante, mas continuasse lutando? O que seria de mim quando me tornasse forte? Mesmo se eu continuasse caindo e tropeçando, eu seria capaz de me levantar e continuar? Eu seria?

… isso seria impossível.

Ela havia perdido sua casa e sua família. Naquele instante, Lillia Asplay — a garota que só seguia os desejos daqueles que a cercavam, dizendo-lhe para sentir tristeza e ódio — percebeu pela primeira vez que era uma concha vazia.

Lillia ficou furiosa, sua inveja e ciúmes inchavam. Como uma moça, ela era incapaz de controlar muito bem esses sentimentos e assim–

“Absolutamente terrível”, ela cuspiu.

E assim, daquele momento em diante a relação entre Lillia Asplay e seu discípulo sênior Willem Kmetsch se tornou bastante complicada.


Parte 4 – ~Isso deve ser amor~

A Igreja da Santa Luz não era nem compreensiva nem complacente para com Willem Kmetsch. O caprichoso Quasi Brave havia pedido por um longo período de licença de suas funções oficiais em um momento importante, deste modo fora sobrecarregado com um monte de missões em troca.

“Me dá um tempo!”, Ele gritou, correndo para fora da Capital.

Às vezes indo para o leste e às vezes para o oeste, ele viajava entre vários campos de batalha dia após dia. Normalmente, tal arranjo teria sido absurdo de aceitar, mas ele não poderia deixar passar uma oportunidade de passar a noite do Festival de Inverno com seus entes queridos.

Mesmo que seja assim… tanto faz. Lillia não se importava com o que quer que seu discípulo sênior fazia. O Willem que ela conhecia superaria qualquer dificuldade para se reunir com seus entes queridos naquela noite especial. Vou deixá-lo estar. Preocupar-se com ele é inútil de qualquer forma.

Ela voltou sua atenção para o problema com Seniorious. Por ela ter lutado contra um bando de Elfos que protegiam seus corpos com maldições protetoras, as linhas de feitiços do Carillon tinham sido levemente danificadas.

É claro que ela não era tão fraca que poderia quebrar por causa de algumas maldições, mas também não poderia ser deixada para lá. Ao contrário de Mourunen, que era impossível de parar assim que começava a matar, ou Zermelfiore, que gradualmente consumia seu portador, Seniorious permanecia o melhor trunfo da humanidade. Como o maior de todos os Carillons de elite, ela tinha que manter seu bom estado o tempo todo para que pudesse ser usada em qualquer situação inesperada. Consequentemente, Seniorious tinha sido enviada para as oficinas para uma manutenção completa.

Separador de texto

Lillia abriu uma fresta da porta da oficina, espreitando dentro de uma sala espaçosa e sem janelas, com diagramas complexos inscritos nas paredes, usando o que parecia ser uma tinta à base de pó de ferro. Um bando de talismãs de aparência familiar flutuava no ar e cerca de vinte feiticeiros estavam em volta da sala entoando. A miríade de talismãs mudava de posição continuamente, fracas linhas de luz se lançavam entre pares de talismãs combinados e ligavam-nos por um instante.

Esse é um ritual bem estranho que estão realizando.

“A manutenção não pode ser concluída em uma noite?” Lillia perguntou a um feiticeiro próximo que ela conhecia, um que ostentava uma barba impressionante.

“É delicado o suficiente como já é”, o jovem feiticeiro respondeu seriamente, enxugando o suor. “Você sabe muito bem que esses Carillons são feitos como intrincadas obras de arte.”

De sua parte, Lillia sabia que eles eram compostos de muitos fragmentos diferentes de metal, conhecidos como Talismãs, unidos por uma rede de linhas de feitiços. Seu poder misturava-se e fundia-se de maneiras intricadas, eventualmente se estabilizando para formar a espada conhecida como Carillon. Por causa da perícia estelar que formava cada Carillon, havia um equilíbrio quase miraculoso entre os vários talismãs. O sistema inteiro poderia entrar em colapso se fosse mexido mesmo que levemente, resultando na perda da maior parte do poder da espada.

Por outro lado, os processos envolvidos na elaboração e manutenção dos Carillons eram muito estranhos para ela. No entanto, ela se lembrou de uma vez ter visto–

“Se bem que Willem não já fez isso antes? Ele apenas dividie os Talismãs com um whoosh, termina a manutenção em um piscar de olhos, e o Carillon fica tão bom como novo depois de alguns floreios.”

“Isso é o quão anormal ele é…”

Ah, então é isso. Eu pensei que poderia ser esse tipo de coisa.

“Nenhum ser humano poderia fazer o que aquele cara é capaz de fazer.”

Aham, eu contava com isso.

“De qualquer forma, isso é apenas uma rápida manutenção de emergência. Ela não consegue lidar com alguns dos problemas mais delicados que um Carillon pode ter, nem pode reparar Carillons já danificados…” o feiticeiro tagarelou sem parar. “… e usar qualquer talismã velho para reconstituir um Carillon definitivamente não funcionaria! Essas excentricidades problemáticas dele podem ser úteis no campo de batalha, mas na verdade ele está apenas consertando parcialmente e adicionando alguns de seus estranhos hábitos à mistura!”

“Oh?” Embora Lillia não tenha ouvido nada além de reclamações sobre Willem do feiticeiro, ela viu que ele falava com um olhar carinhoso.

Ela tinha ouvido que as chamadas excentricidades de Willem tinham sido polidas durante longas horas de prática na oficina. Willem era o tipo de pessoa que envolvia todos ao seu redor perseguindo seus objetivos, então os feiticeiros aqui cuidaram bem dele. Ele provavelmente aprimorou suas habilidades o máximo possível, aprendeu tudo o que pôde e depois se recusou a se juntar aos seus números no final e foi direto para o campo de batalha. Assim, no final das contas ele era visto como um aprendiz um tanto irreverente a quem eles ainda se lembravam com carinho.

Embora Willem fosse um excelente aprendiz, e eles o tratassem com carinho, não podiam elogiá-lo genuinamente. Meu Deus, eles são todos tão desonestos consigo mesmos.

“Pois bem, quanto tempo até terminar?”, Perguntou Lillia, espiando a oficina mais uma vez.

“Pelo menos dez dias”, o feiticeiro respondeu.

Ser incapaz de usar Seniorious não causaria muita dificuldade a Lillia, já que não precisava ser usada com muita frequência. Na verdade, a humanidade teria sido eliminada há muito tempo se inimigos que apenas a Seniorious pudesse derrotar continuassem aparecendo. O problema agora era que, como a Regal Brave, ela geralmente não recebia nenhuma missão de longa distância enquanto Seniorious estava em manutenção.

“Que saco…”

Separador de texto

Sem nenhum passatempo, Lillia não tinha certeza do que fazer com todo o tempo livre que tinha, então se viu passeando pela Rua do Grifo mais uma vez.

Desta vez, havia mais barracas ao longo das margens da estrada, com uma seleção maior de itens em exibição. Lillia se viu interessada nas mercadorias exóticas à venda, mas logo ficou entediada. Depois de um tempo, ela já não se sentia atraída pela novidade das várias bugigangas fofas, vestes exóticas e decorações de diferentes cores que continuava a ver.

Como o Regal Brave, ela estava acostumada a viver sozinha. No entanto, ela não tinha o hábito de fazer compras sozinha e não se dava ao trabalho de parecer alegre. Não há sentido em fazer isso se não houver ninguém por perto.

“Hmph…” ela suspirou para si mesma, parando debaixo de uma árvore para descansar. “Estou tão entediada…”

Talvez eu deva tentar contar o número de nuvens no céu. Ou eu poderia tentar contar os tijolos que cobrem as ruas, depois checar os registros oficiais para ver se eles batem? Tanto faz. Lillia estava confiante de que poderia pensar em um monte de atividades inúteis para fazer.

O que todos os meus colegas Braves estão fazendo agora? Estão eles lutando em algum campo de batalha distante, ou reunidos com seus entes queridos? Alguns provavelmente estão lutando ao lado de seus companheiros, alguns felizes ao lado de sua família, outros procurando pelo amor–

“Achoo!” Um espirro aleatório tirou Lillia de seus pensamentos. “Está tão frio…”

Mesmo que esteja de volta à Capital, tenho sido um pouco descuidada ultimamente. Eu deveria ter usado uma camada extra ou algo assim quando saí.

Separador de texto

À noite, Lillia foi a um restaurante perto da Rua dos Estudantes.

“Eu vou mergulhar de novo no labirinto amanhã!” Kaya Cultrun declarou, drenando sua caneca de cerveja em um só gole.

“Mesmo? Você não acabou de voltar ontem?” Lillia perguntou, colocando seu copo de cobre cheio de suco.

Uma mulher esbelta em seus trinta anos com uma estrutura enorme e musculosa, Kaya era um aventureira. As chamadas aventuras que eles geralmente iam eram apenas trabalhos em que lidavam com situações moderadamente perigosas, como quando a ameaça representada por monstros não era tão alta que um Brave era necessário no local. No entanto, eles não tinham uma renda estável. Monstros não apareceram o tempo todo para ameaçar a humanidade, os aventureiros nem sempre eram capazes de derrotá-los, e uma vez que um monstro era morto, era impossível encontrar o mesmo novamente.

Para estabilizar sua renda, os aventureiros recorriam aos labirintos: estruturas subterrâneas em sua maioria inexploradas, repletas de monstros perigosos e tesouros raros. Quanto mais fundo se fosse, mais — e melhores — tesouros seriam encontrados.

“Você tem certeza de que está tudo bem em mergulhar no labirinto repetidamente desse jeito?” Lelia perguntou. “Ah, e você está mesmo descendo para a camada mais profunda? Eu ouvi que ela está repleta de maldições realmente horríveis, sabe?”

A camada mais profunda de um labirinto continha muitas camadas naturais de maldições, e permanecer dentro por um período prolongado de tempo faria com que o corpo da pessoa apodrecesse lentamente. Para evitar isso, era preciso usar talismãs para proteger contra nove camadas de maldições. Era melhor não ficar no subterrâneo por muito tempo, se possível, para ir à superfície periodicamente para descansar e limpar as maldições que se instalaram no corpo.

“Eu realmente não quero ir”, Kaya respondeu. “Vou ter que comprar mais alguns Talismãs defensivos, o que pode ser muito caro, e também não tenho muita energia de sobra.”

“Apesar de tudo isso você ainda vai voltar, hein?”

“Com certeza. Algo surgiu recentemente, então tenho que ganhar mais dinheiro em vez de fazer a pausa habitual.”

“Eu acho que a saúde pessoal é mais importante que o trabalho…”

“Uma colônia de coelhos dentes de sabre apareceu perto da minha cidade natal.”

“Ugh!” Lillia exclamou em desgosto.

Coelhos dentes de sabre eram um tipo de monstro de classe baixa que ostentavam dentes anormalmente longos capazes de perfurar armaduras. Indo pelo sistema de níveis que os aventureiros eram classificados, essas criaturas perigosas estariam em torno do nível 11; uma quantidade igual de aventureiros com a média desse nível seria necessária para lidar com eles sem problemas. No entanto, a ameaça deles não estava apenas em sua força.

“Se não exterminarmos completamente essas coisas, elas começarão a se reproduzir novamente e vão aparecer de outra saída da toca, então preciso reunir alguns aventureiros e lidar com eles rapidamente.”

“Você não pode se livrar deles por conta própria, senhora Kaya?”

“Talvez se fosse um monstro grande, mas estamos falando de coelhos. Preciso de cerca de vinte aventureiros poderosos para ajudar. Mesmo assim, teremos que nos preparar para um mês de trabalho árduo, ou pior… então, se é isso que estaremos fazendo, vai custar algum dinheiro.” Kaya esfregou o polegar e o indicador juntos.

Matar um coelho era fácil. Matar dez ainda era factível. No entanto, exterminar centenas de coelhos dentes de sabre que se reproduziam continuamente e tentavam fugir exigia grandes quantidades de mão de obra e recursos. A esse respeito, os coelhos eram mais irritantes que os elfos. Pelo menos os elfos poderiam ser lidados de maneira simples e elegante, usando uma força esmagadora para afastá-los.

“E pensar que vou para o subterrâneo por uma mera cidade quando a humanidade está sendo ameaçada pelos Monstruosos! É estranho estar discutindo essas ninharias com você, Lillia.”

A proficiência de combate, geralmente bastante difícil de quantificar, era medida pelos aventureiros usando o sistema de níveis. A maioria dos civis seria considerada de nível 2 ou 3, enquanto soldados treinados estariam mais ou menos no nível 10. O nível mais alto que a maioria dos humanos normalmente alcançaria era de 30 ou pouco mais. Kaya, considerada um ás experiente e veterana de muitas batalhas por sua guilda, estava no nível 39.

“Muitos outros pensam da mesma maneira?”

“Cada vez mais ultimamente.” Kaya sorriu fracamente. “Se nós simplesmente formos e armarmos a maior confusão na linha de frente, menos soldados teriam que morrer! – ou algo assim.”

“Você deve estar brincando comigo…”

Ah bem. Eu não deveria estar tão surpresa. Afinal, havia muitos tipos de pessoas no mundo. Algumas pessoas só podiam justificar as vidas trágicas que levavam denunciando aqueles à sua volta como malfeitores de algum tipo. Frequentemente reclamavam mais alto, criticando quem quer que quisessem em nome do povo.

“Isso é totalmente irracional da parte deles! Eles não sabem que os Talismãs que usamos são feitos principalmente daqueles fragmentos cinzas que aventureiros como você trazem do subterrâneo? De certo modo, todos vocês estão contribuindo para o esforço de guerra também!”

As maldições eram semelhantes a poderosos conceitos distorcedores da realidade. Por exemplo, se uma criança ouvisse repetidamente que ela era uma imbecil, ela certamente cresceria para se tornar uma tola. Por outro lado, uma garota se tornaria uma pessoa mais bonita se lhe dissessem repetidamente que ela era bonita. Uma vez que um resultado fosse exibido, ele poderia afetar e alterar objetos materiais.

No entanto, as numerosas maldições presentes nas camadas mais profundas de um labirinto ocorriam naturalmente. Ficar armazenada no subterrâneo por um longo tempo sem quaisquer alvos para afetar invariavelmente alterava a natureza de tais maldições, distorcendo suas qualidades originais. Para dizer de outra forma, uma maldição de labirinto era como uma tela manchada que tinha sido completamente branqueada, permitindo adicionar uma nova tinta com facilidade. Esse traço particular permitia que os humanos utilizassem os fundamentos das maldições para sintetizar talismãs. Assim, os antigos fragmentos cinzas usados ​​como ingredientes para talismãs eram vendidos por preços elevados na superfície.

Kaya sorriu debilmente, suas bochechas coraram pela bebida pesada. “É bom ouvir isso da pessoa na vanguarda das batalhas da humanidade.”

Como uma aventureira que fundamentalmente explorava a subterrâneo, ela não teve nenhuma oportunidade de receber palavras de elogios de outras pessoas, então naturalmente ela notaria o comentário improvisado de Lillia. Isso não é uma coisa ruim, no entanto…

“De qualquer forma, aquela cidade…” Lillia fez uma pausa, preparando-se para fazer uma pergunta desagradável, “… realmente precisa da sua ajuda?”

“O que você quer dizer?”

“Eles podem lutar eles mesmos ou juntar dinheiro para contratar alguns soldados, não podem? Se não conseguirem sequer fazer isso… bem, não vão durar muito tempo contra aqueles coelhos dentes de sabre.”

“Sim. Eu também acho.”

“Então por que–”

“Aquela cidade é o meu lar”, Kaya respondeu com naturalidade, quase falando para si mesma. “É a cidade natal do meu marido e dos meus filhos. Para mim, é um lugar com muitas lembranças, então é claro que não posso deixar para lá.”

Embora Lillia tivesse esperado esse tipo de resposta, ouvi-la a fez sentir-se um pouco solitária.

“Você não pensa da mesma forma?” Kaya perguntou. “Se algo acontecesse com Gomag — cidade natal de Willem — você também não ficaria sentada só assistindo.”

Lillia riu. “Essa é uma pergunta engraçada.”

“Oh? estou enganada?”

“Não só está enganada, como parece que você entendeu mal o nosso relacionamento.”

“Ah, bem. Que pena.” As duas sorriram timidamente, levantando os copos uma para a outra.

Cinco minutos depois, uma voz soou. “Já tive o suficiente! Estou terminando com ele!” Emissa Hodwin bateu com a palma da mão na mesa, sacudindo os pratos e as xícaras e imediatamente focalizando a atenção de todos no restaurante. “Já que eles já estão assim, eu não me importo mais!”

Embora Emissa fosse uma aventureira, ela era fundamentalmente diferente dos mais normais; Sua aparência como uma mulher bem-educada em seus vinte anos desmentia sua especialidade como caçadora de poderosos monstros.

“De novo?” Kaya perguntou indiferente. “Quantos dias até você decidir voltar?”

“Desta vez é pra valer! Eu não vou perdoá-lo, não importa o que aconteça!” Emissa retrucou, emborcando o copo de cerveja de frutas em um só gole.

“Uhh…”

“Oh, desculpe. Você não está acostumada com isso, certo?”

Emissa foi direto para a mesa delas depois de entrar no restaurante, se jogando no banco ao lado de Lillia e imediatamente pedindo o que parecia ser uma cerveja destilada muito forte. Em seguida, ela continuou com um discurso de bêbado, deixando Lillia um pouco estupefata enquanto Kaya silenciosamente enchia sua caneca.

“É o de sempre. O namorado dela é bonito e tem personalidade para combinar, então ele atrai as garotas facilmente.”

“Entendo…”

Lillia ouvira dizer que Emissa nasceu em uma família de proprietários de terras. Graças ao venenum transbordante que possuía, ela estava propensa a mandar tudo pelos ares em suas birras. Por causa disso, ela foi trancada em uma masmorra subterrânea, incapaz de ver ou tocar qualquer coisa durante seus anos de adolescência.

Eventualmente, Emissa foi resgatada por um aventureiro adolescente que estava na vizinhança por razões próprias. Na época, ele era apenas nível 9, então sua guilda teria colocado restrições nas áreas em que ele poderia se aventurar ou no tipo de missões que poderia realizar, proibindo-o de lutar contra monstros excessivamente poderosos. Ele sentiu a garota trancada em uma masmorra próxima, encontrou-a e a levou para a luz do dia.

Claro, isso não resolveu nenhum dos problemas que Emissa tinha. Só depois de passar por dificuldades inimagináveis ​​e com grande esforço ela foi capaz de controlar seu próprio poder. Os dois haviam se apoiado naqueles tempos difíceis, prometendo forjar um futuro juntos como aventureiros… ou assim esperavam.

“Há uma enorme diferença de poder entre Emissa e o namorado dela, certo? Ele está apenas no nível 17, mas ela já está no nível 61.”

Ser um aventureiro de nível 17 não era ruim; pode até se dizer que está ligeiramente acima da média. Ele podia aceitar missões para derrubar monstros mais poderosos e era permitido descer até a quinta camada de um labirinto. Foi um aumento de nível fenomenal para alguém que tinha sido apenas nível 9 há poucos anos atrás. No entanto, Emissa detinha o segundo nível mais alto de todos os aventureiros ativos com o Nível 61 — uma designação que significava que ela era capaz de destruir um exército sozinha.

A realidade era que a diferença de poder entre eles era simplesmente grande demais. Se Emissa trouxesse seu namorado junto nas missões que normalmente aceitava, ele morreria quase imediatamente. Por outro lado, o namorado dela não poderia levá-la em um trabalho de aventureiro de nível 17, uma vez que ela usava livremente o seu poder, independentemente da destruição que desencadeava, a tal ponto que as paisagens circundantes eram completamente alteradas. Assim, os dois eram incapazes de ir em missões juntos, em vez disso, naturalmente, gravitavam em direção a campos de batalha mais adequados às suas habilidades individuais.

“Ele salvou alguma donzela aleatória em perigo de novo! Além disso, ela se apaixonou por ele!”

Vamos lá, isso está destinado a acontecer. “Isso não é… uma grande coisa, é?” Lillia perguntou, percebendo por que Kaya estava tão quieta. Começando a rir irremediavelmente, ela brincou: “Se ele dá tanta dor de cabeça, por que não tenta prendê-lo?”

“Eu queria mesmo!” Emissa gritou quando Kaya sorriu para Lillia. “E além de tudo, a mulher também é bonita!”

“Seu ciúme está te fazendo imaginar coisas.” Lillia pegou um pedaço do peixe frito de seu prato e colocou na boca. Delicioso.

“Não há necessidade de se preocupar com Emissa, sabe”, Kaya sussurrou baixinho para ela. “Desde que passou sua infância no escuro, ela age como uma criança e quer toda a atenção do namorado. É porque o cavaleiro de armadura brilhante dela não está ao seu lado que ela está tão irritada.”

Acho que ela está compensando o desenvolvimento saudável de que sua infância careceu, Lillia pensou, balançando a cabeça e mastigando a comida. “Ah, entendi.”

“Você não se identifica com ela?”

“Por que você diz isso?” Ela decidiu ignorar a brincadeira de Kaya.

Aqueles que não eram aventureiros ainda poderiam ter sua capacidade de combate avaliada por uma guilda de aventureiros, organizando uma luta juntamente de seus membros. Lillia estava no nível 77, um número muito acima dos limites terrenos. A maioria das pessoas ficaria tão surpresa com o poder do Regal Brave que desistiriam antes de tentar desafiá-la. Willem também teve seu nível avaliado, atordoando a todos quando descobriram que ele estava no nível 69.

Qualquer que fosse o caso, Lillia não era particularmente próxima de Emissa e até a achava irritante.

E assim, mais cinco minutos se passaram.

“… é por isso que… ei, Lillia, o que há com esse olhar no seu rosto? Como estão as coisas com você e Willem esses dias, hã?” Emissa abruptamente perguntou, seus olhos começavam a perder o foco.

“Eu gostaria de saber também”, Kaya se intrometeu, seus olhos brilhavam.

“Quaisquer que sejam as ideias que vocês possam ter, nós não temos mesmo nada entre nós”, Lillia respondeu sem rodeios. “Ele sempre foi e sempre será apenas um discípulo sênior irritante.”

“Por que falar assim?” Kaya perguntou. “Eu pensei que você não o odiava.”

“Para dizer a verdade, eu realmente o odeio.”

“Pelo amor de Deus, por que você é desse jeito? É insuportável para todo mundo assistir vocês dois, sabia! Se você odeia mesmo ele, então por que… não o ataca?!”

Oh. É isso o que ela quis dizer.

“Você é mais forte do que Willem, afinal de contas, então você deveria ser capaz de roubá-lo, hein?”

“Bem… não posso dizer que não estou confiante sobre isso…”

Lillia realmente não se importava com a imagem mítica dela que havia sido espalhada pelos contos do lendário Regal Brave. Ainda assim, essas histórias tinham que ter alguma base na realidade, então sua aparência não podia ser tão ruim assim. Embora ela não fosse a beldade deslumbrante como era retratada, ela também não parecia esfarrapada demais. Sua figura estava longe de ser desenvolvida, mas ela ainda tinha muito tempo para cultivar mais curvas. Eu ainda estou passando pela puberdade, então devo ser capaz de compensar tudo o que me falta agora, certo? Mais importante ainda, Lillia estava extremamente confiante de que sua figura ainda cairia na faixa que Willem gostava.

Apesar de Willem Kmetsch possuir uma quantidade sinceramente incompreensível de autocontrole, ele ainda era um adolescente, então devia certamente fantasiar sobre garotas da sua idade. Além disso, Lillia podia ouvir a contradição na voz de Willem durante suas conversas. Se alguém fosse destruir o relacionamento existente entre eles e reconstruí-lo novamente, Willem definitivamente a trataria como uma garota adequada. Lillia tinha certeza disso. Mas

“Tudo bem”, encorajou Emissa. “Eu estou te dizendo, se você apenas o empurrar para baixo, ele não resistirá!”

“Eu não diria que, você sabe…”

Como o Regal Brave, Lillia conhecia várias técnicas fundamentalmente usadas para subjugar um oponente, uma das quais poderia deixá-lo completamente paralisado por um período de tempo. Se ela usasse toda a sua força, ela tinha certeza de que seria capaz de imobilizar até mesmo o inabalável Willem. Eu poderia brincar com ele o quanto quisesse. Essa é uma ideia tentadora… espera, o que estou pensando?!

“Ser capaz de fazer alguma coisa e realmente fazê-la são coisas completamente diferentes”, disse Lillia, tentando tirar seus pensamentos de uma trilha estranha. “Se ele soubesse que eu iria fazer algo assim, nossa batalha provavelmente acabaria destruindo a Capital…”

“Uau, isso é uma analogia assustadora.”

“Como devo dizer isso, então?!” Ela estava ficando nervosa. Tentando resolver sua bagunça de sentimentos, ela disse: “Acho que é mais como… uma flor que cresce em uma montanha bem alta.”

“Entendo.” Emissa assentiu.

“Se você ficasse de longe e olhasse para aquela flor solitária balançando ao vento, você provavelmente pensaria: “Isso é tão bonito” ou algo assim, certo?”

“Mm-hmm.”

“E então, você iria querer arrancar aquela flor e colocá-la em sua mão, não é?”

“Hã?” Emissa inclinou a cabeça, parecendo confusa. “Que tipo de comparação é essa?”

Ah, essa é uma reação normal, não é? Acho que foi uma analogia ruim, embora isso não possa ser evitado. Eu não consigo encontrar um nome para o que estou sentindo agora…

“Ah, credo! Pare de cuspir essa besteira enigmática, Lillia! Não posso ouvir algumas fofocas suculentas que não me envolvam para variar?!”

Você está falando com a pessoa errada, Lillia pensou em silêncio.

Kaya colocou um pouco de cerveja no copo de Lillia. “No momento você tem catorze anos, não é?”

“O que– sim, eu tenho.”

“E Willem quinze, certo?”

“Sim.”

“Ora, ora… tenho certeza que vocês não têm idade suficiente para entender os sentimentos um do outro. Você deve saber que nós adultos podemos ver como você realmente se sente, hein?”

“Senhora Kaya…” Lillia suspirou. “Você está tão bêbada assim?”

“Oh, você notou?” Kaya riu como uma criancinha.

Separador de texto

Lillia Asplay gosta de Willem Kmetsch?

Aham. Eu não posso negar isso.

Mesmo que ela nunca confessasse isso, ela gostava dele à sua própria maneira. Ela achava a força de seu coração reconfortante, admirava a maneira como ele vivia e invejava a profundidade de seu amor. Todos esses sentimentos, agitados em seu coração, eram a soma de sua afeição por ele.

Lillia Asplay odeia Willem Kmetsch?

Aham. Absolutamente.

Ela decidira não esconder isso. Ela achava que ele vivia perigosamente demais, invejava sua determinação e odiava como ele amava tão profundamente. Todos esses sentimentos, agitados em seu coração, eram a soma de seu ódio por ele.

Alguém disse certa vez que o amor e o ódio eram dois lados da mesma moeda. Atualmente, a moeda no coração de Lillia não estava girando, e estava com o ódio voltado para cima.


Parte 5 – ~Estimado sangue~

Sete dias se passaram.

A situação de Lillia não havia mudado. Seniorious ainda jazia em pedaços por toda a oficina de manutenção, e Willem ainda estava correndo pelo continente em missões. A partir dos relatórios vindos dos vários campos de batalha, não parecia que o curso da guerra tinha mudado para melhor ou para pior.

Separador de texto

O tempo estava tão agradável que uma pessoa até poderia esquecer que era pleno inverno. Os raios quentes do sol brilhavam nos olhos de Lillia. O vento suave, cheirando a feno, acariciou sua pele.

“Você está atrás da minha cabeça, não está?”

A pergunta, tão repentinamente feita a ela, enviou uma onda palpável de desconforto percorrendo a platéia de cavaleiros carrancudos.

“Hmm…” Lillia balançou a cabeça. “Não entendo o que você quer dizer. Se eu tomasse a vida de um velhote triste, eu não poderia exibi-la ou comê-la. Não haveria benefício algum em matar Sua Majestade, não é? Apesar…

Ela sentiu a mudança de humor do platéia novamente. “Se você tem algum outro benefício em mente que eu não conheça, eu posso até considerar dependendo do que você está pedindo.”

Um dos cavaleiros mais velhos ficou vermelho de raiva e saiu da linha, mas foi impedido pelo olhar de seu lorde.

“Entendo. E a sua resposta é séria?”

“Não tenho motivo algum para mentir”, Lillia levantou a espada e brandiu-a, testando a sensação da lâmina. Era o tipo de arma tipicamente usada para duelo; um florete cego, grosso como um dedo, com uma ponta em forma de bola que quase o fazia parecer cômico. Muito leve como uma arma, mas será suficiente como um brinquedo.

“Sua terra natal, Dionne, foi destruída sob circunstâncias suspeitas. Tem havido rumores de que o reino de Dionne encontrou o seu fim de forma um tanto… não natural, por assim dizer.”

Lillia se aproximou da borda da arena, erguendo a cabeça.

“O Reino Cavaleiro de Dionne foi criado por Abel Melkera, um dos principais Regal Braves que possuía inigualável destreza em combate. Mesmo se fossem atacados por aqueles horríveis Elfos Sombrios, o reino não deveria ter tombado tão facilmente — pelo menos é o que as pessoas dizem.”

“Então, alguém planejou o colapso de Dionne, é isso que você está dizendo?”

“Isso é o que muitos acreditam. Além disso, entre aqueles que mais se beneficiaram com a destruição de Dionne, seria natural pensar no Império que atualmente está assimilando o antigo território de Dionne. Mais especificamente, seu líder…”

O imperador abriu os braços, sua capa esvoaçou no ar. “Eu.”

Havia um certo ar bobo sobre toda a situação, o que deu a Lillia um momento de pausa. Ela exalou um pouco, esfregando a parte de trás da cabeça. “Essa não é uma afirmação um tanto ousada?”

“As massas aceitarão melhor o que é mais fácil de entender. É por isso que ações audaciosas podem trazer rumores bastante interessantes.”

“Sinto que estou em uma aula de Estudos Imperiais tendenciosa. Você está suspeitando de que fui persuadida por esses rumores também, não é?”

“Lillia Asplay, atual Regal Brave… peço desculpas se seu humor foi estragado.” O imperador estreitou os olhos ligeiramente. Tendo recebido uma espada larga embotada de forma semelhante à arma de Lillia, ele assumiu uma postura de luta.

Entendo. Então ele não nega, afinal. Sob o olhar do imperador, Lillia também ergueu a lâmina. Ela deslocou seu corpo para um lado, abaixando ligeiramente o ponto da lâmina. Uma onda aguda de nervosismo passou pelos cavaleiros circundantes, com alguns deles alcançando os punhos de suas espadas.

“E depois? Você me convocou para confirmar meus verdadeiros objetivos depois de ouvir que o Regal Brave com intenções assassinas voltadas para o imperador estava de volta à Capital? E mesmo com as celebrações de inverno próximas, você decidiu montar esse duelo com o pretexto de praticar por algumas rodadas?”

“Essa seria a essência da questão, sim.”

Cada um dos dois duelistas assumiu o Núcleo do Trovão, uma postura de esgrima tradicional amplamente conhecida. O pé esquerdo posicionado ligeiramente à frente do direito, enquanto a parte superior do corpo e a ponta da lâmina ficavam diretamente para frente. Não era apenas uma posição prática adequada tanto para ataque quanto para defesa, mas também uma forma de mostrar respeito pelo adversário no contexto de um duelo.

Que saco.

“Comecem!” O árbitro presidindo floreou a mão.

Lillia deu um passo à frente, levando em conta os passos maiores de um homem adulto. Ela ergueu a espada ligeiramente leve, chicoteando-a para o lado direito do estômago do imperador.

Eu realmente não suporto isso.

Seu oponente respondeu ao seu movimento, dando seu próprio passo para frente. Familiarizado quando se tratava de lutas de espadas, ele realizou um golpe de prática diretamente voltado para o pescoço de Lillia. Ela se esquivou agilmente para a esquerda e eles acabaram trocando de posições.

Lillia resmungou internamente. O primeiro ataque do imperador foi razoável para um duelo, mas inadequado para lutar contra adversários reais. Embora fosse a melhor maneira de marcar um ponto em alguém que carecia de intenção de matar era imprudente se o indivíduo quisesse proteger a própria vida.

Se ela tivesse atacado a sério, a batalha já teria terminado. Embora a habilidade do imperador não fosse ruim, permanecia dentro dos limites alcançáveis ​​pelos seres humanos normais. Se ele levasse um golpe mortal do incomparavelmente poderoso Regal Brave, morreria quase que imediatamente.

No entanto, ou talvez por causa disso, o imperador decidiu apostar sua vida em tal duelo na frente dos lordes e cavaleiros reunidos.

Que julgamento irritante…

Se sua intenção era matar o imperador, ela não poderia deixar passar essa chance. Se ela permitisse que o duelo permanecesse uma simples partida de esgrima, poderia provar que não tinha tais motivos. Por outro lado, se ela simplesmente se recusasse a entrar no jogo, não seria capaz de mostrar que o imenso poder do Regal Brave não era uma ameaça para o Império.

Esses tipos controladores são tããão irritantes. Tudo o que fazem é tão problemático.

O florete de Lillia e a espada larga do imperador colidiam ruidosamente. Um corte circular foi recebido com um golpe amplo, a estocada seguinte foi aparada com uma pancada para a direita, transformando-se em uma repentina investida intermitente que foi imediatamente combatida com um impulso quase idêntico. As duas lâminas dos duelistas dançavam pelo ar, produzindo tinidos discordantes sempre que suas armas se chocavam. Todo o evento quase parecia roteirizado.

Vamos lá, sério mesmo? Que piada.

Suas lâminas se encontraram mais uma vez. Um corte para a esquerda saltando de uma curva circular dupla, dois rápidos golpes de espada, um impulso intermitente desviado por um corte ascendente. A pequena figura de Lillia dançava em torno da silhueta maior do oponente, chovendo golpes precisos de novo e de novo.

No total, eles trocaram oitenta e sete golpes até que o último golpe de Lillia derrubou a pesada espada do imperador e o desequilibrou. Ela entrou no jogo, imitando o balanço dele com seu florete. Sentindo que estava em desvantagem, o imperador recuou e ela fez o mesmo.

“Muito bem.” O suor escorria pela cabeça do imperador. Enquanto se retirava, sua boca quebrou em um sorriso quase juvenil. “Uma criação deveras impressionante. Espero que minha própria família possa tomá-la como modelo.”

“Oh, você me lisonjeia.” Lillia concordou com a atuação dele, enxugando o suor da testa e se retirando também. Os cavaleiros ao redor relaxaram.

“Você deve entender, isso não foi simplesmente cortesia. Eu acho que seria um desperdício muito terrível para você permanecer apenas um Brave… ah, já sei! Lillia Asplay, gostaria que eu a adotasse como minha filha?”

Todos os cavaleiros esfregaram os olhos, tendo se achado livres de mais preocupações até a mais recente bomba do imperador.

Lillia olhou para todos aqueles cavaleiros virtuosos tropeçando pelo canto do olho, então balançou a cabeça ligeiramente. “Sua Majestade, eu aceito seus elogios. Perdoe-me, no entanto, não posso concordar com o seu pedido.”

O imperador baixou a voz. “Eu não estou brincando, sabe?”

“Imaginei isso.” Lillia suspirou. “Se eu me tornasse formalmente sua filha, você poderia colocar um fim nos rumores de que o Império tinha capturado o território de Dionne com truques sujos. Seria o melhor para nós dois, e como Sua Majestade tinha razões suficientes para propor isso a sério, seria compreensível que falássemos mais graciosamente.”

“De fato.”

“Mas, de qualquer forma, não preciso ser adotada.” Lillia casualmente jogou seu florete. Ele navegou pelo ar em um arco perfeito, pousando precisamente em uma bainha de couro erguida no canto da arena.

Finalmente acabou.

Ela se afastou do imperador, decidindo retornar para a Igreja. Até podia não ser algo que valesse a pena chamar de lar, nem era tão confortável, mas ainda era um tipo de santuário, bem como um lugar decente para ficar. “Colocando a conspiração de lado, eu aprecio os sentimentos de Sua Majestade. E…”

Lillia olhou por cima do ombro, sorrindo levemente. “Sua sugestão me deixou um pouco feliz. Então obrigada, tio.”

Separador de texto

As técnicas de esgrima usadas em duelos diferiam daquelas usadas no combate real. Em combate, o objetivo era subjugar efetivamente o oponente sem se machucar. Por outro lado, no duelo, o objetivo era mostrar a esgrima superior de um duelista; as técnicas usadas no duelo perseguiam a elegância e a beleza na forma sobre a praticidade.

As técnicas dos duelos anteriores, bem como as sequências em que foram utilizadas, foram registradas em manuais de duelo. Esses registros continham descrições detalhadas dos duelistas: suas posturas, movimentos e técnicas de espada. Embora em geral houvesse poucos relatos de duelos particulares, os duelos oficiais ou em larga escala eram mais fáceis de documentar. Cópias dos manuais mais bem escritos e compreensíveis podiam ser compradas em livrarias conhecidas por duas ou três moedas de prata cada.

“… uma criação deveras impressionante.” O imperador suspirou suavemente, enxugando o suor da testa. Apesar do exercício intenso que acabara de fazer, a água que escorria pelo seu rosto era gelada.

“O que você quer dizer, Sua Majestade?” Um de seus ministros perguntou. O imperador balançou a cabeça. Era inútil explicar aquela enigmática troca de intenções, ou a revelação de sentimentos surgindo do fundo de seus corações.

O imperador repensou no primeiro movimento, revivendo a troca de lâminas em sua mente. Uma estocada para a esquerda em direção ao pescoço. Três cortes rápidos, seguidos por uma aparada. Golpeando depois de recuar meio passo, então retirando-se em seguida. Em seguida, uma investida para frente em direção a um corte descendente e depois um arco ascendente em rápida sucessão. Essa série de movimentos remontava a uma famosa sequência de um duelo entre Jakomo Niereto e Memeto Zeigan no Festival de Duelo Alvariano, vinte e três anos atrás. Na época, Zeigan era um cavaleiro que perdera seu território, enquanto Nieroto era, segundo todos os relatos, o nobre que se apoderara dele. De certo modo, algumas partes dessa história igualavam-se a conexão entre Lillia e o imperador.

Uma série de arcos ascendentes conectados, seguidos por um corte fugaz, alguns passos para trás e depois três ataques de curto alcance, um após o outro. A sequência deles havia se desviado nesse ponto, imitando os movimentos trocados por Norman Romanin e Benvenut Zaxoto durante o duelo deles. Depois de onze movimentos, a partida começou a extrair de outro duelo passado, e de novo vários movimentos depois.

Somente aqueles que entendiam seus verdadeiros motivos saberiam que o imperador havia se aproximado do duelo com uma mentalidade de brincadeira. Lillia poderia ter respondido bem o suficiente. No entanto, ela deu um passo adiante, contrariando as intenções do imperador com as suas próprias. Espectadores familiarizados com suas técnicas provavelmente teriam notado os dois duelistas falando um com o outro através de seus ataques, e talvez até mesmo discernissem o verdadeiro significado por trás das palavras de Lillia.

Através de seus movimentos, a Regal Brave transmitiu isso: “Eu não responsabilizo o Império pela perda da minha terra natal… no entanto, duvido que exista zero de conexão entre os dois. Eu entendo que o Império originalmente planejou tomar o território de Dionne sem carnificina, mas muitas coincidências se combinaram para produzir a tragédia daquele dia. Nnão posso recuperar o que perdi, mas não culpo o Império pelo que aconteceu. Minha posição atual é a mais adequada para Sua Majestade, não é? Eu só peço uma coisa de Sua Majestade… que governe sobre esse território e seu povo corretamente.”

Pah, já tive o suficiente disso. Que amante caprichosa o Destino é. Aquela garota tem o sangue de uma governante. Ela perdeu seu país e seu povo, não tem nada em que confiar, e ainda assim exerce a temperança de um rei. Ela realmente nasceu para se tornar uma governante.

O imperador a queria. Se ele pudesse trazer essa menina para sua própria linhagem, o futuro do Império seria muito mais estável, e poderia até mesmo inaugurar uma nova era de ordem na história humana. Mesmo com a ameaça representada pelos monstros invasores, a humanidade seria capaz de desfrutar de uma era inabalável de prosperidade. Com a ajuda de sua nova filha, talvez ele pudesse garantir a sobrevivência da maior família de todas — a raça humana.

Ele balançou a cabeça tristemente. “Que pena.”

“… então obrigada, tio.”

Seus lábios se curvaram quando ele olhou para o céu. “… tio, não é?”

Lillia recusou o convite para se juntar à família dele, e assim ele não conseguiu cumprir seu desejo de fazê-la chamá-lo de “pai”. No entanto, suas palavras de separação foram surpreendentemente acolhedoras para uma mensagem de despedida.

Como se estivesse falando apenas com o agradável céu de inverno, o imperador murmurou baixinho para evitar que os cavaleiros ao redor o ouvissem. “Até que não foi tão ruim… suponho que deixarei passar, então.”

Separador de texto

Antes de voltar para a Igreja, Lillia parou para comprar algumas lembrancinhas para os sacerdotes caras-pálidas. Ela pensou por um tempo sobre o que pegar, depois lembrou dos bolinhos no vapor de ontem. Ah, sim, eles devem servir bem.

Enquanto fazia compras no bazar, ela viu uma criança vendendo os bolinhos e, por curiosidade, provou um. Ela imediatamente se arrependeu: não só era amargo e picante, mas fedia tanto que ela achava que poderia ser melhor chamado de veneno do que comida. Melhor apenas banir essas malditas coisas sem rodeios.

E, por conseguinte, ela compraria um monte desses bolinhos cozidos no vapor e forçaria um na garganta de todos os sacerdotes da Igreja. Como o Regal Brave ela era tecnicamente um santo vivo, então aqueles padres impassíveis não poderiam recusar esmolas dela, certo? Ela então poderia assistir do assento especial do Regal Brave como a preciosa serenidade deles, cultivada através de anos de refinamento espiritual, instantaneamente se quebraria.

Heheheheheh… Lillia riu bizarramente — apenas em seu coração, é claro — enquanto caminhava pelo castelo. Ela parou abruptamente em um corredor com vista para o pátio central. “Hmm?”

Chamá-lo de um mero pátio central era um eufemismo. Ele possuía um enorme e magnífico jardim com uma fonte própria, córregos, floresta em miniatura, flores desabrochando de todas as cores, e também um casal harmonioso encarando um ao outro profundamente.

Lillia franziu as sobrancelhas, reconhecendo seus rostos. “Hmm…? O que está acontecendo?”

Ela reflexivamente ocultou sua presença, escondendo-se atrás de um pilar próximo. O que ele está fazendo aqui? Ele não tinha aceitado um monte de missões da Igreja? Ele não deveria estar correndo pelo continente? Poderia pelo menos ter me dado um oi, para me deixar saber que estava de volta.

Mesmo forçando os ouvidos, Lillia não conseguiu decifrar a conversa com clareza e só conseguiu ouvir o farfalhar das folhas. Ela decidiu se aproximar.

A maioria das técnicas furtivas não funcionaria em Willem Kmetsch. O garoto estava acostumado a viajar para campos de batalha inadequados a um guerreiro de seu talento. Consequentemente, ele havia desenvolvido a capacidade de perceber a hostilidade ao seu redor e aperfeiçoou esse talento a um grau tão absurdo que todos os assassinos do mundo condenariam ferozmente suas escolhas de vida.

No entanto, as técnicas de primeira linha do arsenal considerável do Regal Brave incluíam um movimento que permitia ao seu usuário praticamente fundir-se com o ambiente. Não só apagava todos os traços da respiração do usuário, como também diluiu a própria existência do usuário para o limite absoluto. Tal técnica era extremamente desgastante, e o usuário corria o risco de sua existência infinitesimal desaparecer completamente caso perdesse o controle. Lillia preferiria não jogar essa carta, mas não havia outra escolha. Ela respirou fundo e segurou.

“… talvez seja um pouco indelicado perguntar isso a você”, disse uma voz pura, soando como o badalar de sinos de prata. “Mestre Willem, há alguém de quem você gosta?” A garota que fez a pergunta tinha a cabeça levemente abaixada e as bochechas coradas. Parecia que um artista havia pintado um retrato perfeito de uma donzela inocente, honesta e charmosamente delicada em uma tela em branco. Uma pessoa poderia dizer que ela teve uma excelente educação. Havia um certo ar fantástico sobre ela, e ela tinha um corpo bem-feito ainda por cima. Em suma, ela tinha o tipo de aparência que muitos homens considerariam atraente.

Ela era a sobrinha do imperador e, se Lillia se lembrava corretamente, tinha dezenove anos. Ao que tudo indica ela era uma bela, gentil e majestosa dama com um lado amável para si. Ocasionalmente ela aparecia na cidade, ganhando popularidade entre as pessoas. Seu título era “Sua Alteza a Princesa”.

Esse não era seu nome verdadeiro, é claro, mas era o método comum de se referir a ela na Capital. Sua Majestade, o imperador, não tinha filhas e, entre seus parentes, havia apenas sua sobrinha que ainda não tinha se casado. Independentemente de seu status, embora sua aparência e estatura condiziam com a de uma princesa, um título que ninguém mais possuía em toda a capital.

“… vamos lá, me poupe.” Willem era seu eu habitual. Ele poderia ser chamado normal, ordinário, maltrapilho — ou uma mistura de todos os três, seu rosto parecia ter sido feito empurrando todos os três descritores em uma panela, cozinhando-o em uma chama quente, e depois assando os resultados em um forno. Quando visto ao lado da princesa, eles eram um clássico exemplo de casal incompatível. “Ultimamente, todo mundo tem me perguntado a mesma coisa. Eu tenho um punhado de missões para cuidar além da minha prática diária, então não tenho tempo para pensar sobre isso.”

“Todo mundo… sobre quem você pode estar se referindo?”

“Os Bulgates da livraria. Emissa e Kaya. Mijishiron e os três mosqueteiros da guilda. Ah, e aquele sacerdote gordo cujo nome não consigo lembrar. Além disso, há também Navrutri… e Sua Majestade o imperador, suponho.”

Que multidão.

A jovem sorriu: “Minha nossa, você foi perguntado até por Sua Majestade? Você parece ser bastante popular.”

“Céus, é mais como se eu fosse o brinquedo de alguém…”

Como esperado daquele que que está no centro de todo esse problema. Ele está muito familiarizado com isso.

“Muitas pessoas preocupadas com você significa que você está recebendo muita atenção. Isso deve significar que são inteligentes e têm bons olhos.”

Willem suspirou. “Deixa disso, eles estão só tirando sarro de mim.”

“Isso é impossível”, a princesa respondeu com firmeza. “Afinal, você é um jovem Quasi Brave, Mestre Willem Kmetsch. Mesmo que não esteja no centro das atenções por tanto tempo, sua maestria de combate não é pior do que Lady Asplay, a própria Regal Brave. Sabe, Mestre Willem, você não deveria se vender tão barato.”

Suponho que ela não é realeza por nada. Ela está bastante familiarizada com os modos do mundo também.

“Então”, continuou a princesa, “como você respondeu a essas pessoas?”

“… faça-me o favor, como eu poderia ter um alguém especial?” A voz de Willem hesitou ligeiramente. Lillia não podia culpá-lo por isso. Ele ainda era um adolescente, então aquelas lindas garotas do tipo irmãs mais velhas seriam naturalmente suas favoritas.

“Então, e se… eu estou apenas supondo que…” a princesa pressionou os dois punhos no peito, prestes a fazer uma pergunta séria. “Quando chegar a hora, e você estiver prestes a escolher quem está mais próxima do seu coração… você poderia pensar em mim, então?”

Os olhos de Lillia se arregalaram. O que ela está dizendo?!

A voz de Willem rachou. “M-Mais próxima?”

“Sim. Estarei esperando ansiosamente por esse momento.”

“Espere, isso não pode estar certo! Isso é uma piada?”

“Vamos lá. Você acha que eu estou brincando?”

“B-Bem… não mesmo. Só que é um pouco repentino…” Parecendo confuso, Willem passou a mão pelos cabelos enquanto desviava o rosto. Embora ela não pudesse ver claramente, Lillia tinha certeza de que seu rosto estava vermelho brilhante.

Além disso, Lillia tinha certeza de mais uma coisa. Willem nunca aceitaria a declaração.

“O tempo não é o problema aqui. Hmm, como devo dizer isso? Me desculpe, mas é inútil. Eu não posso retornar suas expectativas.”

Eu te disse! Lillia se alegrou em silêncio.

“É alguma falha minha?”

“Não é nada assim. Mas, uh…” Willem baixou a cabeça. “Desculpe, eu acho.”

Lillia suspirou. Hmph. Claro que ele agiria assim. Ela permaneceu atrás do pilar, sem se atrever a respirar. Essa foi uma armadilha de mel bem feita. A maneira como a voz dela vacilou, o olhar levemente para cima, o modo como diminuiu a distância entre ela e Willem — tudo isso foi perfeitamente representado. Provavelmente não há muitos caras neste mundo que possam ignorar tão facilmente. Não importa como eu pense, ela é a única culpada.

Willem deixou o jardim, deixando a princesa sozinha no pátio. Lillia observou enquanto sua sombra recuava à distância.

“Isso não correu muito bem”, a princesa murmurou uma vez que ele se foi, seu tom havia mudado e sua fachada elegante de repente caíra. Ela caiu desanimada em um banco branco, seus ombros cederam. “Eu realmente pensei que poderia pegá-lo. Ele é só um garoto no meio da puberdade, afinal.”

“Ele não é tão denso quanto você pensa, sabe. Você não poderia ter roubado o coração dele tão facilmente.”

“Oh?” A princesa virou a cabeça. “… Lady Asplay. Que atrevido da sua parte nos espiar.”

Lillia acenou com a mão indiferente, encostando-se em uma árvore e sacudindo os efeitos secundários da técnica que usara. “Essa reação foi meio inexpressiva. Você não está surpresa?”

“Sim. No entanto, tomo cuidado de moderar minhas reações quando estou perto de outras pessoas.”

“Ah, então é assim.” Como uma princesa, ela tinha que manter a imagem dela que as pessoas mantinham em seus corações, então precisava manter sua pose em todos os momentos. Ela não poderia manter a pose se sua primeira reação a alguém aparecendo inesperadamente atrás dela fosse gritar, por isso ela tinha que sempre mostrar moderação. Lillia podia entender esse tipo de pensamento, tendo sido uma princesa.

“Então, por que você está aqui, Lady Asplay?”

“Bem… seu tio me convidou aqui para brincar. Eu pratiquei com ele por um tempo e agora estou voltando para a Igreja.”

“… entendo. Ele mencionou que estaria recebendo um convidado interessante, mas pensar que ele realmente convidou um voyeur tão repugnante.” Agora a infeliz princesa estava se comportando completamente em desacordo com a fachada pura e graciosa de antes, cuspindo insultos impróprios para seu título extraoficial.

“Ha, quem é você para falar”, Lillia riu. “Já que somos boas amigas, por obséquio me diga. O que você pretendia fazer com aquele idiota?”

“Hmm? Eu não me lembro de ninguém que se chama “idiota”.”

“Oh, pare de se fazer de boba.” A voz de Lillia endureceu. “Eu vou perguntar de novo. O que você pretendia fazer com aquele meu discípulo sênior idiota, teimoso, incorrigível e sem talento? Você iria seduzi-lo com sua aparência e então jogá-lo fora como um peão usado em seguida?”

“Que rude. Eu certamente não o trataria como um peão usado.”

Ah, então ela não nega a primeira parte.

“Ele é um talento valioso. Se eu não valorizar ​​esse tipo de pessoa depois de pôr minhas mãos nele, ele vai se desperdiçar.”

Ela não negou que o queria também.

“Pessoas com talento só têm mais valor intrínseco. Por exemplo, Sua Majestade e eu nascemos para governar. E você, Lady Asplay — nasceu para viver e lutar no campo de batalha.”

“Tudo isso é o que você realmente acha?”

“Bem, é o que juntei através de anos de experiência.” O tom da princesa mudou. “As vidas dos humanos são moldadas pelos seus destinos. Além do mais, aqueles que estão destinados a coisas diferentes nunca poderão viver juntos, porque com o tempo acabarão se separando.”

“Isso é por experiência também?”

Ela sorriu misteriosamente. “Pense o que quiser.”

Talvez eu deva elogiá-la. Mesmo assim, ela reprimiu suas próprias emoções e colocou aquele sorriso falso sem pensar duas vezes.

“É por isso que estou atrás daquele garoto. O que o mantém indo em frente não é talento ou sorte, mas sim sua própria vontade e determinação, bem como os fortes laços de irmandade que o apoiam.”

Uau. Lillia quase sentiu admiração. E pensar que você estava observando-o tão perto assim.

“É exatamente por não ser conduzido pelo destino que ele é capaz de escolher livremente suas próprias batalhas… bem como quem é sua outra metade. Se ele estivesse na minha vida, ele se tornaria meu melhor apoiador… não, meu melhor companheiro. Para conseguir tudo isso, estou disposta a pagar qualquer preço. Se riqueza ou status não o fizerem ceder, não me importaria de oferecer a mim mesma para ele.”

“Minha nossa, que requintado.”

“É por isso que preciso conquistar o coração dele a todo custo. Mesmo que você, aquela que está ao lado dele, possa se opor a isso.”

“Bem, não vou resistir ou me opor a você, com certeza. Todos vocês podem fazer o que quiserem.” Escolhendo suas próximas palavras com cuidadosa indiferença, Lillia acrescentou: “… você ainda pertence ao grupo que escolheria a flor no cume e a manteria ao seu lado.”

“Do que você está falando?”

“Vá em frente. Dê uma chance se puder.” Lillia se virou e começou a andar. Escondendo um sorriso trapaceiro, ela deixou para trás suas últimas palavras. “Depois de se casar com a nobre princesa, o caipira manteve-se ao seu lado, apoiando-a durante toda a sua vida. Oh nossa, quanto glamour. Se você conseguir ter sucesso, lhe darei meus sinceros parabéns. Não se esqueça de me convidar para o casamento!”


Parte 6 – ~A flor balançando no cume~

No dia da celebração do Festival de Inverno, duas notícias chegaram ao mesmo tempo. O Exército do Norte havia sido completamente destruído, e a Cidade Represada de Narvant havia tombado para os Orcs.

Separador de texto

Originalmente, as chances de vencer a guerra eram altas. O Quasi Brave Avgran, juntamente com Purgatorio, o Carillon que carregava consigo, deveria ter tido poder de combate suficiente para tornar isso uma realidade. No entanto, algumas palavras fizeram esse destino girar sem controle.

A caminho do campo de batalha, Avgran se deparou com uma aldeia sendo devastada por esquadrões de Orcs e cambaleando à beira da destruição. Um dos sobreviventes, uma jovem garota, chorou e implorou diante dele: “Por favor, salve-nos! Por favor, salve-nos!”

Ao ouvir o pedido da garota, Avgran disse sem pensar duas vezes: “Alguém que não consegue salvar uma aldeia nunca poderia salvar um país, certo?”

Avgran era um homem de integridade, bravura e pureza de coração, possuindo apenas um toque de imprevidência. A caminho de uma batalha para salvar o país, ele fez uma pausa e dedicou-se a salvar uma pequena aldeia que acabara de descobrir. Depois de algum tempo, os orcs foram expulsos e cerca de trinta moradores foram resgatados.

Durante a escaramuça, Avgran liberou o talento de Purgatorio.

O Carillon Purgatorio tinha força suficiente para dominar completamente um campo de batalha, mas seu talento só podia ser usado uma vez antes de ser selado por um mês. Em outras palavras, porque Avgran cegamente se concentrava em salvar as pessoas que encontrava, Purgatorio não poderia ser usado em seu potencial máximo no campo de batalha, onde deveria ter dado tudo de si.

Avgran morreu em combate dentro de um dia depois de chegar às linhas de frente. Alguns disseram que ele passou seus últimos momentos com um sorriso satisfeito no rosto. Claro que passou. Até seu último dia, Avgran nunca desistiu de ninguém que implorou para ser salvo diante dele. Por manter o que considerava mais importante — a justiça em que ele acreditava tão firmemente — mesmo em seus últimos momentos, ele permaneceu um verdadeiro paradigma do ideal dos Braves de lutar pelas massas.

Agora, vejamos algumas estatísticas. Os aldeões que Avgran salvou foram cerca de trinta. Para salvar essas trinta pessoas, Avgran abandonou uma cidade inteira e os soldados que a protegiam — duas mil vidas no total.

Separador de texto

Individualmente, orcs não eram criaturas muito temíveis. Seu nível médio era de 5, e soldados treinados com equipamento adequado poderiam facilmente derrotar um orc em um único combate.

No entanto, era uma história diferente quando eles se reuniam em grande número. Como uma raça extremamente homogênea, os orcs eram surpreendentemente adequados para trabalhar em grupos. Se um único orc fosse provocado, a horda compartilharia sua raiva, e um único orc comemorando era seguido pelo resto deles também.

Agindo assim, como se o conceito de individualidade não existisse para eles, os orcs podiam expressar a mesma emoção juntos, e essa emoção coletiva iria inchar como uma onda explosiva. Em comparação com os humanos, que tinham opiniões diferentes, orcs não tinham um forte temor da morte. Ademais, não hesitariam mesmo se o moral de seus companheiros caísse. Assim, os orcs eram capazes de formar exércitos fortes, grandes até o ponto em que sua baixa força individual não era um problema.

Lillia não achava que voltaria para sua terra natal nessas circunstâncias.

Do Império, a viagem levou cerca de dois dias em carruagem puxada por cavalos. Ela cruzou as corredeiras do rio Mernie, atravessou a floresta com suas lendas da Donzela Cantante e viajou um pouco mais adiante.

A Cidade Represada de Narvant foi construída recentemente em uma parte do antigo território do Reino Cavaleiro de Dionne. Depois que os elfos sombrios foram expulsos, pessoas foram convocadas para se estabelecerem na região. Elas começaram a reconstruir as terras outrora desoladas e, depois de um cultivo contínuo, lentamente começou a assemelhar-se com um lugar onde os humanos viviam novamente. As principais indústrias de Narvant eram turismo e perfume. Durante a primavera, um mar de flores de laranjeira florescia no planalto próximo, e alguns nobres do Império visitavam para passear e se gabar entre si sobre seus gostos sofisticados. Ou pelo menos é assim que costumava ser.

No momento, Narvant não existia mais.

Lillia tinha agido imediatamente ao ouvir que a frente de guerra de Narvant estava em perigo de ser esmagada. Ela pegou Seniorious, que tinha acabado de ser devolvida das oficinas, embarcou em uma carruagem de cavalos militares partindo da Capital e correu em direção ao campo de batalha.

Ela estava muito atrasada.

Evidentemente não era mais uma zona de guerra adequada ao Regal Brave. Todos os vestígios da outrora próspera cidade, assim como qualquer glória ou honra a ser conquistada, desapareceram. Nada restava para ser protegido ou reclamado.

Lillia olhou desanimada em volta de seus arredores. Apenas ruínas queimadas foram deixadas onde a Cidade Represada de Narvant uma vez esteve. Toda a área provavelmente fora destruída recentemente; suas narinas foram assaltadas pelos cheiros misturados de pedra carbonizada, couro, árvores, carne e outras coisas.

Os soldados lutaram bem. Ela não viu praticamente nenhum orc sobrando. Parecia que a guerra tinha terminado com quase todas as forças de ambos os lados aniquiladas e, por causa disso, os orcs recuaram para seu próprio território depois de arrasar Narvant e as regiões vizinhas. Apenas tropas dispersas que não tinham se saciado de saquear as ruínas permaneciam.

“Céus, que desagradável.” Tap.

Lillia deu um passo para a frente, cruzando a distância de dezessete passos em um instante. Agarrando-se a Seniorious, ela moveu levemente o pulso ao aterrissar atrás de um bando de orcs. Um único golpe profundo ela atravessou todas as seis gargantas, e quantidades fatais de sangue jorraram.

Não houve gritos nem agonia prolongada. Eles provavelmente não faziam ideia do que tinha acontecido com eles. Alguns deles tinham os olhos bem abertos, outros estavam enrolados no chão, e outros já estavam prestes a examinar os arredores. Portando variadas expressões de confusão, todos os orcs caíram no chão assim que seus joelhos cederam.

O máximo que Lillia poderia fazer aqui era descontar sua raiva dissecando todos os orcs que haviam se esgueirado para longe de seu ponto cego. Mesmo assim, ela poderia tê-los deixado para os soldados que estavam em serviço de limpeza. Como o Regal Brave, não havia necessidade de ela agir.

Como minha forma será descrita no próximo artigo, eu me pergunto?

Lillia pensou casualmente enquanto se deixava cair em algum sentimento do qual não tinha certeza, fosse raiva, tristeza ou outra coisa. Contanto que ela pudesse encontrar mais orcs, ela iria enterrá-los em meio a uma chuva de sangue carmesim.

De repente, uma luz brilhou e seu campo de visão vacilou.

“… ah.”

Lillia percebeu que havia cometido um erro. Naquele breve instante, ela ficou levemente tonta e sua consciência foi interrompida. Era uma sensação minúscula de mal-estar que seria difícil para ela deixar escapar mesmo enquanto se concentrava no campo de batalha.

Por causa disso, o ataque foi bem-sucedido.

Lillia parou e olhou em volta. As antigas ruínas de Narvant — não, não havia mais ruínas. Os ladrilhos chamuscados e escurecidos, os cadáveres abandonados de civis, as lanças quebradas espalhadas pelo chão, até mesmo os orcs que ela acabara de matar, tinham sumido.

Haviam planícies cobertas de relva por toda parte.

Quando ela recuperou os sentidos — não, quando descobriu o que havia acontecido — o cheiro amargo permeando o ar se foi também. Substituindo-o estava o cheiro doce de grama primaveril, fazendo cócegas em seu nariz e ajustando-se ao que ela via.

“Isso é…”

Lillia tentou se acalmar para perceber o fluxo do tempo. Supostamente, era uma técnica de observação que só poderia ser usada por aqueles com certas qualificações. Lillia e Willem haviam implorado ao mestre para aprender, mas só ela tinha conseguido. Mais do que artes marciais, ela quase passava para o reino intangível da magia.

Provavelmente por essa razão, mesmo quando não estava cara a cara com o inimigo, Lillia ainda podia usá-la para prever o futuro.

É como a superfície calma de um lago. Isso significava que ela não correria o risco de morrer tão cedo.

“Isso é…”

Embora o cenário tivesse mudado de repente, Lillia não sentiu nenhum movimento em sua localização. Aliás, não sentiu nenhum vento ou força a empurrando. Ela também não sentia nenhuma dor de cabeça dolorosa, então era ainda mais improvável que a magia de manipulação espacial estivesse em ação. Além de qualquer uma dessas possibilidades, a único remanescente era…

Um ataque do tipo ilusório.

“Eu caí completamente nele…”

Lillia relaxou sua postura, depois estendeu as mãos para alisar sua franja. Após pensar um pouco, ela tocou a ponta de Seniorious no chão e raspou o Carillon através da terra, tentando desenhar um simples selo taumatúrgico.

Nada aconteceu.

Taumaturgia quase poderia ser descrita como uma técnica de remodelação do mundo. Era uma recriação Emnetwyte dos muitos milagres realizados pelos Visitantes quando estes criaram o mundo no passado distante; rasas imitações modificadas dos originais inestimáveis. Assim, a taumaturgia só poderia funcionar no mundo real. Assim como as rodas d’água não podiam girar em um mundo sem água, ou fornalhas não podiam fundir chumbo em um mundo sem fogo, os selos taumatúrgicos eram meras linhas de grafite em um mundo sem os elementos de que precisavam para produzir qualquer efeito.

Significava que o local onde Lillia estava no momento também era um mundo diferente de onde estivera antes. Ela teve experiências anteriores apenas duas vezes.

“O mundo dos sonhos de um demônio”, ela murmurou para si mesma, como se confirmando isto.

Era um sonho criado com intenção hostil; um mundo artificial e ilusório imitativamente criado depois de ler a camada exterior da alma de um alvo seduzido. Quando o espírito da presa estivesse suficientemente enfraquecido e sua vontade de escapar quebrada, ela se tornaria um habitante eterno do mundo ilusório. Enquanto isso, seu corpo físico na realidade dormiria para sempre.

“Os orcs provavelmente trouxeram um demônio e o deixaram para trás como uma armadilha enquanto fugiam. Se esse é o caso, eu caí direto nela…”

Eles poderiam ser praticamente imortais, mas mesmo o guerreiro mais forte não era nada uma vez que seu espírito estivesse quebrado. Os chamados demônios eram seres espirituais que eram hábeis em corromper humanos e especializados em manipular mundos dos sonhos como este. Em certo sentido, eles poderiam ser considerados os inimigos naturais dos Braves.

Talvez seja esse que acabou com Avgran. Mas… “Este mundo é um pouco desleixado. Não pode ser um demônio de alto nível, então.”

Lillia não estava sem opções. Na longa história da humanidade, métodos para lidar com esse tipo de ataque psicológico, bem como os numerosos métodos que os demônios empregavam contra suas presas, haviam sido inventados e postos em uso.

Em algum lugar neste mundo artificial, havia um núcleo sustentando-o. Contanto que esse núcleo fosse destruído antes que o espírito da vítima se rendesse, ela poderia escapar com sucesso.

“Hmm?”

Em um piscar de olhos, o cenário mudou mais uma vez enquanto ela estava distraída. Agora ela estava em uma estrada escura e sem graça, pavimentada com cascalho, alinhada por várias casas construídas de madeira colorida ao lado de paredes de barro cinza.

O mundo dos sonhos reproduziu o lugar que ela tinha perdido. Não era mais Narvant, nem as planícies cobertas de gramíneas. Ela estava nas ruas de Dionne, que ficavam, geograficamente falando, bem longe de Narvant.

Lillia se preparou, examinando seus arredores com atenção. O inimigo provavelmente atacaria em breve, mas ela não tinha certeza da forma que o ataque poderia tomar. Como havia tantos tipos diferentes de demônios, eles naturalmente usavam uma variedade de táticas para forçar o espírito de seu alvo a se submeter.

Havia o Bufas, que assumia a forma de alguém querido por sua presa para atacá-la. O Aeshma, que mostrava a sua presa a morte daqueles próximos dela um após o outro. O Immemoratio, que torturava sua presa em sofrimento sem fim, sendo ignorada por seus entes queridos, enquanto a mesma estava desamparada. O Mammon, que induzia um sentimento de desapego da realidade, tentando sua presa com poder ou riqueza. Ou talvez–

“Lillia.”

Seu coração acelerou com a voz que falou atrás dela. Uma emoção quente inundou-a, seguida pela lógica fria. Claro que usaria ele.

Obviamente, era uma voz extremamente familiar para Lillia. Ela já deveria ter se cansado de ouvi-la, mas de alguma forma sentiu que nunca o faria. Era extremamente gentil; um tipo irritante de voz e que ainda a fazia se sentir querida ao mesmo tempo.

“Willem.”

Lillia lentamente virou a cabeça ao chamar o nome dele. Como esperado, a pessoa que estava ali era Willem Kmetsch. Pelo menos, não parecia alguém diferente. Ninguém mais ao seu redor, o adolescente e a adolescente fitavam-se no cenário ilusório de uma das cidades de Dionne.

LIllia analisou calmamente a situação. Esse Willem disse o meu nome, então o criador desse sonho não pode ser um Immemoratio. Só uma pessoa apareceu, então Aeshma também pode ser descartado…

“Eu quero te contar uma coisa.”

“O quê?” Recusando-se a relaxar mesmo um pouco, Lillia olhou para Willem. “Eu posso te ouvir. Do que se trata?”

“Uh…” Willem parou de falar e foi em direção a ela. Ela não mudou sua postura, apenas abaixou o centro de gravidade para se proteger contra a possibilidade de o Willem na frente dela de repente se revelar um Bufas e atacar.

Ela não sabia se ele havia notado sua cautela. Quando se aproximou a um braço de distância dela, seus passos pararam.

“Eu te quero.”

…hmm?

Esse foi um desenvolvimento inesperado. A mente de Lillia ficou em branco.

“Hã?”

Em um instante, toda a vigilância de Lillia evaporou. Tentando manter o controle sobre si mesma, ela lentamente tomou o controle da situação.

Então é um mundo dos sonhos criado por uma Succubus!

Succubus eram um tipo de demônio que quebrava o apego da presa à realidade satisfazendo os desejos sexuais. Nesse sentido, exemplificavam a existência dos demônios como seres que corrompiam os humanos. Em outras palavras, o demônio que ela estava enfrentando era fruto do desejo sexual que ela nutria por Willem.

Enquanto pensava sobre isso, Lillia percebeu que o rosto de Willem de alguma forma parecia mais bonito do que o habitual. Depois de fitá-lo por um tempo, ela se sentiu bastante estranha. Ah, eu acho que minha mente está enguiçada ou algo assim. Isso pode ser muito ruim.

Ela teve que resistir. Se ela aceitasse a tentação, estaria acabada. Ela sabia disso. Mas…

Eu meio que quero esperar e ver o que acontece.

Contra um demônio, enquanto o espírito não cedesse — desde que a vítima não perdesse o controle da realidade — seria impossível perder. Mesmo quando submetida a várias tentações, não seria um problema, desde que o alvo não cedesse, e até se poderia esperar que o inimigo fizesse a sua jogada.

Braves eram humanos também. De sua parte, Lillia não tinha intenção de abandonar seu coração humano. Mesmo que sua maneira de acumular experiência de vida fosse mais violenta, isso realmente não importava. Talvez ela tivesse um coração mais forte do que a maioria, mas ele ainda estava cheio de cicatrizes.

É por isso que, custe o que custar, ainda havia palavras que Lillia queria ouvir.

“N-Não diga uma frase dessas, não combina com você.” Lillia se viu incapaz de responder com tanta força quanto gostaria. “Dizer esse tipo de coisa não é o seu estilo, certo?”

“Você está me rejeitando?”

“Humph, claro. Enfim…” Lillia pensou um pouco, depois perguntou pensativamente: “Supondo que eu não tivesse rejeitado suas palavras, o que você planejava fazer comigo?”

“Oh, isso.”

Movendo-se como um relâmpago, Willem estendeu a mão e envolveu sua cintura com tanta rapidez que ela não conseguiu reagir a tempo, então, em um único movimento impecável, abraçou-a contra o seu peito.

“Aah!”

Hesitação passou por Lillia, retardando seus movimentos. Conforme ele levantava a bochecha para que seus olhares pudessem se encontrar, um leve guincho escapou da boca dela. Foi um som que ela nunca se ouviu fazer antes. O-O que está acontecendo? Por que Willem está tão prepotente?

A confusão de Lillia forçou-a a parar e se concentrar. Lembre-se, os demônios arrancam cenas que suas presas desejam ver de seus corações. Espere, isso significa que… é disso que se trata? Isso é o que eu, Lillia Asplay realmente quero? Sério? Isso é tudo que sou? Apenas uma garota ansiando por amor?

“E-Ei… onde você está tocando…” Lillia não conseguiu colocar força em seus protestos. O rosto de Willem se aproximou e seus lábios se aproximaram dos dela.

O que é isso? Eu nunca olhei para o rosto de Willem tão de perto antes. Além do mais — além do mais — o que eu não vi não deveria aparecer dentro do mundo dos sonhos, então é isso minha própria imaginação? Eu estou fantasiando sobre esse tipo de coisa sem um único fragmento de autoconsciência e até me perguntando sobre onde essa situação iria? Eu não me lembro de ter alguma experiência com o que acontece depois, então o que vai acontecer nesse caso?

Lillia podia sentir seu rosto irradiando calor. A agitação em seu coração estava enviando sangue pelas suas bochechas até que ficassem vermelhas e inchadas.

Para dar o golpe final, Willem declarou apaixonadamente: “Você é a coisa mais importante para mim!”

Todo o calor que ela sentiu desapareceu em um instante, como se seu coração tivesse congelado. Ao mesmo tempo, seu corpo se mexeu.

Seniorious oscilou com força, mordendo a cintura esquerda de Willem Kmetsch e rasgando todos os órgãos no caminho enquanto arrancava seu ombro direito.

O ar expelido pelos pulmões rompidos de Willem assobiou quando vazou por sua boca em um whoosh. Ele não podia mais falar, e era impossível mesmo se quisesse. Enquanto se contorcia, a surpresa e a curiosidade do adolescente só podiam mostrar-se através de seus olhos esbugalhados.

“Demônios vão colocar para fora os desejos que suas vítimas escondem dentro de seus corações, certo? É uma jogada inteligente, mas também mostra as limitações da sua espécie.”

Lillia ostentou uma expressão desapontada ao se afastar dos restos da ilusão de Willem. “O que eu quero é aquele cara que valoriza Aly e sua família mais do que tudo, e ele nunca vai desistir desse lugar número um em seu coração, não importa o que aconteça.”

Ela sentiu um pouquinho de arrependimento, mas essa era uma questão diferente. Além disso, até ela tinha seus próprios limites.

“Quaisquer que sejam os meus desejos, se Willem mudasse suas prioridades tão facilmente, não haveria qualquer valor para se falar.”

O mundo se partiu como uma fina camada de gelo que havia sido pisada. Parecia que o ataque anterior tinha destruído facilmente o núcleo do sonho; não apenas o cenário artificial de sua cidade natal, como também toda a ilusão da Succubus estava se dissolvendo lentamente.

“Bem, mesmo assim…”

Lillia ficou em pé em meio ao mundo desmoronando, fazendo beicinho com um sentimento de decepção e silenciosamente murmurou para si mesma.

“Você… me deu um bom sonho.”


Parte 7 – ~A coisa mais importante~

Olhando para os resultados, era mais uma vitória para o Regal Brave.

Provavelmente haverá um monte de lorotas nos jornais de novo…

Pensando despreocupadamente sobre isso, Lillia voltou para a Capital.

Separador de texto

Willem jazia morto, seu cadáver caído sobre a mesa.

Não, espere. Olhando de perto, ele só estava próximo da beira da morte. Em outras palavras, ele estava tão cansado que seu imóvel estado sem vida poderia facilmente ser confundido com um cadáver.

Um menino de capa branca notou Lillia quando ela entrou na sala e fechou o livro que estava lendo. “Ouvi dizer que ele encontrou um filhote de Dragão de Ferrugem que acordou e começou a atacar perto do Lago Fistilas no caminho de volta de Gomag”, ele ofereceu como explicação. “Poderia ter sido um desastre se ele tivesse esperado por reforços, e ele não levava um Carillon com ele de licença, então parece que ele derrotou o Dragão só com os punhos.”

Derrotar um Dragão de Ferrugem só com os punhos. Lillia não sabia se chamava isso de ato que desafiava o senso comum ou simplesmente de absurdo. Ou talvez simplesmente estúpido. Ninguém, nem mesmo o Regal Brave, faria tal coisa. Ele provavelmente estava só tentando parecer forte ou brincar, como sempre faz, com aquela expressão que diz: “É apenas natural; qualquer um que passasse teria feito o mesmo.”

“O prefeito disse que, devido aos esforços de Willem, a bela paisagem do Lago Fistilas foi preservada e até mesmo lhe concedeu um certificado de agradecimento.”

“Apesar de tudo, ele leva uma vida bastante heróica, hein…”

Independentemente do que ela poderia desejar, sua realidade como o Regal Brave era uma existência inseparável da batalha desesperada. Ela já havia desistido de muitas coisas relacionadas à sua vida. Como representante da humanidade, ela seria arrastada para todos os tipos de batalhas ferozes, se jogaria e lutaria nelas, eventualmente morrendo em algum campo de batalha desconhecido.

Por outro lado, Willem não era um Regal Brave. Como um Quasi Brave, ele não deveria ter nada a ver com esse estilo de vida. Mesmo assim, ou talvez por causa disso, ele tendia a tomar a iniciativa e lutar com sua vida em risco em situações perigosas. Era como se ele tivesse que continuar lutando e dando tudo que tinha para proteger algo querido em seu coração.

Os dedos de Willem se contraíram. Lentamente, desobedecendo seu corpo imóvel, ele ergueu a cabeça.

“Oh, você ainda está vivo?”

“Não vá me dispensando tão rápido assim.” Com os dedos tremendo de esforço, Willem pôs a mão na mala e tirou um pequeno pacote de couro. Ele o entregou a Lillia.

“O que é isso?”

“Um presente do Festival de Inverno.”

Lillia ficou em silêncio.

“… o que deu em você?” Ela perguntou depois de um tempo.

“Não há mal algum nisso, certo?” Willem disse, cansado. “Muitos presentes foram feitos, então é natural que alguns acabem sobrando.”

Não importava quanto tempo ela esperasse, ele não mostrou sinais de pegar de volta o pacote. Lillia humildemente o pegou, o tempo todo sentindo borboletas no estômago. Ela deu uma olhada no conteúdo da bolsa.

Dentro do pacote havia um talismã. Parecia uma criatura indescritivelmente feia e aterrorizante, ou talvez um cachorrinho.

“Tão estranho…”

“Bem, pelo menos Wendell e Horace gostaram pra valer desse tipo de coisa.”

Os nomes soaram um pouco familiares para Lillia. Eles eram crianças animadas que viviam junto com Willem no orfanato. “Então, por acaso, este seria o mesmo presente que você deu para eles?”

“Isso mesmo.”

“Você fez isso sozinho?”

“Não posso?”

“Bem, eu não disse que não poderia, mas se eu fosse descrevê-lo…”

Ah não, Lillia pensou. Meu rosto parece prestes a explodir de alegria.

“Absolutamente terrível”, ela comentou, sorrindo cruelmente para mascarar sua felicidade.

O rosto de Willem caiu de volta na mesa, fazendo um bam.

Separador de texto

Naquele dia, Lillia voltou para o quarto do Regal Brave nos alojamentos da Igreja. Ela caiu na cama, depois rolou nela de um jeito deselegante, fazendo muito barulho.

“Haha… Ahahaha!”

Ela recebeu o mesmo presente que Willem tinha dado à sua família. Ela tinha sido tratada como família.

Quão significativo era isso? Quão valioso era esse tratamento? “Sua Alteza a Princesa” provavelmente nem sequer começaria a imaginar uma coisa dessas, não é? Aquele Incubus nunca seria capaz de recriar essa experiência, certo? Ha, bem feito!

Isso foi o melhor. Assim que era a sensação de ficar em primeiro lugar!

Lillia rolou para a esquerda e depois para a direita. Independentemente de como rolasse, ela não cairia da luxuosa cama extragrande. Borbulhando de prazer, ela continuou rolando sem parar de um lado para o outro.

Lillia Asplay sabe o que é o vazio.

Não foi através do conhecimento do que a palavra “vazio” significava, mas sim através da experiência.

Naquela época, quatro anos atrás, a Lillia de dez anos de idade experimentara o vazio.

Eu realmente sinto tristeza? Eu realmente sinto dor? Eu realmente sinto desespero, raiva e ódio?

“Você deveria agir assim. Você tem de ser assim.” As pessoas ao redor dela continuaram repetindo essas expectativas, cobrindo lentamente os sentimentos e memórias que ela tinha. Quando ela finalmente percebeu, era tarde demais. A garota que só seguiu os desejos daqueles que a cercavam se definiu por esses desejos já havia esquecido de seu antigo eu.

Contudo–

Ploft.

“Aaah!”

Mesmo quando a garota caiu da cama, o sorriso nunca deixou seu rosto. Os sentimentos que ela tinha não eram sentimentos que alguém esperaria dela, e que nem saberia.

Lillia riu.

Do fundo de seu coração, ela sentiu a verdadeira felicidade.

A trêmula luz das velas dançava e lançava sombras. Encostada contra uma parede abaixo delas, Seniorious refletiu um leve lampejo de luz, seu brilho quase parecendo como um sorriso.


CAPÍTULO ANTERIORÍNDICEPRÓXIMO CAPÍTULO

Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume 5 – Capítulo 5 (PT-BR)

Capítulo 5

Posso me deitar ao seu lado?


A vida cotidiana normal está sempre à beira de chegar ao fim.

A repetição de cada dia, todos à beira do fim, formam essa normalidade.

Às vezes os recém-chegados podem entrar, mas ao mesmo tempo outros devem sair.

Mudando pouco a pouco, continua até o momento em que atinge seu verdadeiro fim.

Os jornais relataram o ataque de um grupo de Bestas como sendo obra da Ordem de Aniquilação do Serviço Histórico. Devido à sua já difundida reputação como um grupo de desordeiros violentos, as notícias naturalmente foram assimiladas e acreditadas dentro da população.

Quanto ao tipo de transação realizada entre Elpis e Corna di Luce, e a Guarda Alada também, ninguém sabia. Moralmente falando, espalhar a verdade teria sido ideal, mas, no pior dos casos, isso poderia levar a uma guerra.

Contudo, no mínimo, a Força de Defesa Nacional de Elpis sofreu uma grande perda de influência como resultado do incidente. Aparentemente também houve uma grande mudança de pessoal nos altos escalões da Guarda Alada, por isso era seguro dizer que Elpis não conseguiria fazer nada semelhante em breve.

— Também vale mencionar que, em um canto desse jornal, havia um pequeno artigo relatando a descoberta do cadáver transformado de um orc nos arredores de Corna di Luce.

Separador de texto

Elq Harksten voltou para casa.

Este fato literalmente abalou a 2ª Ilha Flutuante, uma terra consagrada e também o lugar mais secreto de toda a região de Regul Aire.

“Buuuuuuuaaaaaa Elqqqqqqqqq” pranteou um crânio negro gigante. Aquele que Repousa na Morte. Aquele que Ilumina a Escuridão no Jardim da Luz. Conhecido por vários nomes imponentes, Ebon Candle, um dos três Poteaus, jogou fora qualquer resquício de dignidade e simplesmente chorou e chorou.

Uma estranha luz piscava violentamente no interior de suas cavidades oculares ocas, e os dentes sem lábios se batiam vigorosamente. “Estou tão feliz que você esteja seeeguuuuuraaaaaa.”

“Cale a boca seu imbecil inútil”, repreendeu um enorme peixe flutuante vermelho. Também um dos três Poteaus, Carmine Lake nadava impacientemente pelo ar circundante, sem se esforçar em esconder sua irritação. “Em primeiro lugar, o que diabos você esteve fazendo por quinhentos anos? Digo, eu entendo que você usou a alma da mestra para proteger o mundo e tal, mas, depois de todo esse tempo, como você não fez nenhum progresso nos reparos do barco estelar?”

“O-O que eu deveria fazer?! Olhe para mim! Eu nem tenho energia suficiente para reparar meu próprio corpo físico.”

“Isso só porque você está desperdiçando sua energia! Basta afundar esta estúpida ilha flutuante já!”

“Você acha que eu poderia fazer uma coisa dessas?”

“Vocês dois, fiquem quietos!” Gritou Elq, imprensada entre os dois deuses.

“Mas Elq, se não nos apressarmos e fizermos esse cara recuperar seu poder e desfazer a maldição, você vai continuar nesse corpo meio morto para sempre, sabia? Você não quer voltar a sua forma original o mais rápido possível?”

“I-Isso é um pouco otimista, mas…” Ebon Candle comentou.

“Estou bem”, disse Elq.

“Hã?” “Hm?” Os dois deuses levantaram vozes confusas.

“Eu estou bem assim.”

“P-P-Por quê!? Se você não voltar à vida apropriadamente, mesmo se consertarmos o barco estelar, seu corpo não será capaz andar nele, sabia? Você não poderá deixar este mundo, entendeu?”

“Eu não vou a lugar algum. Eu meio que gosto desse mundo.”

“Não, não, não! Este mundo está chegando ao fim! Não há quase mais nada aqui! É só uma questão de segundos até que não haja nada!”

“Mas ainda restam alguns segundos.”

“De onde veio essa atitude? Ei, Ebon Candle, diga alguma coisa também!”

“H-Hm?” Os dentes do crânio bateram confusamente quando foi subitamente arrastado para a conversa. “Você conheceu algumas pessoas legais enquanto morava nas ilhas flutuantes?”

“… sim.”

“Entendo, entendo. Encontrou alguém especial em quem você está interessada?”

“……… não, não exatamente.”

“Espera um segundo! Que tipo de perguntas você está fazendo? E que tipo de resposta é essa?”

“Ele é só um pouquinho bonito. Chtholly e Lillia baixaram seus padrões demais.”

“Entendo, entendo.” Como um velho gentil e simpático, o crânio riu suavemente e assentiu repetidamente.

Em volta deles, o peixe flutuante circulava sem parar, lamentando isso e aquilo.

Enquanto isso, Nephren olhava fixamente para a diálogo deles. Carmine Lake ainda não tinha adquirido uma forma física ou qualquer outra coisa, em vez disso estava residindo em uma parte da mente de Nephren. Contudo, enquanto Nephren permanecesse nesta barreira especial envolvendo a 2ª Ilha, Carmine Lake poderia se mover e agir livremente dentro dos limites. Ela mencionou algo sobre a ilha ser um arquivo de modelos do mundo primordial, por isso poderia misturar a mente e o corpo, mas Nephren não entendeu muita coisa, e Carmine Lake nunca explicou com mais detalhes. Nephren desejou ter um livro.

“Kaya”, ela disse para a moça Ayrantrobos, serva de Ebon Candle.

“Sim, senhorita Nephren?”

“O que tem para o jantar de hoje à noite?”

“Ainda não decidi, mas como os frutos do jardim de verão tem sido bons, estou pensando em fazer algo com eles.”

“Ok, eu vou te ajudar mais tarde”, disse Nephren, em seguida, começou a sair da sala.

“Onde você vai?”

“Até Willem.”

Separador de texto

O cadáver de Willem Kmetsch tinha sido levado para a 2ª Ilha Flutuante e armazenado em um local profundo e isolado. Ebon Candle sugeriu que eles o colocassem no gelo novamente, mas Elq e Nephren rejeitaram essa ideia. Em vez disso, colocaram-no numa cama decorada e arrumada, onde ele agora jazia morto, quase como se estivesse em um sono tranquilo.

“… você está com frio?”

Nephren tocou a mão de Willem. Fria.

“Você está solitário?”

Ela tocou sua bochecha. Fria também.

Ela queria colocar um cobertor sobre ele, mas, claro, isso não teria sentido. Ela queria deitar ao lado dele e tirar uma soneca, como costumava fazer antigamente, mas, novamente, isso não tinha mais sentido.

“Ebo disse que não seria tão difícil reanimá-lo.” Quando ela chegou lá Nephren não percebeu, mas Elq estava na porta. “Ele está na mesma que eu. Se a maldição de Seniorious for afrouxada só um pouco, ele se tornará meio que um não-cadáver e voltará à vida.”

“Como uma Besta, certo?”

“Claro, mas você não se importaria, certo? Você também é uma Besta, afinal de contas.”

“Não tem sentido.” Nephren sacudiu a cabeça. “Monopolizar um Willem quebrado só para mim não me traria nenhuma alegria. Eu não…” Ela pensou um pouco. “Eu não quero trazer infelicidade para ele.”

“Hmph. Você tem mau gosto também,” disse Elq, pouco impressionada e ao entrar no quarto. Então, alegremente, ela deitou ao lado de Willem.

“O que você está fazendo?” Nephren perguntou.

“Descansando.”

“Por que aqui?”

“Nenhuma razão particular. Eu apenas me sinto um pouco mais calma aqui… au!”

Puxando-a pela orelha, Nephren arrastou Elq para fora da cama e direto para fora do quarto.

“Nada de dormir juntos.”

“Por quê não, por quê não? Somos ambos cadáveres, então não tem problema, certo?”

“Esse é o meu assento designado. Não vou desistir dele por qualquer deus ou cadáver.”

“Isso é tirania!”

Separador de texto

Dentro de um sonho, ele podia ver o laranja do céu crepuscular enquanto o sol se punha abaixo do horizonte escuro. Ele estava em pé sobre um pequeno ponto de apoio que parecia ser feito de hexágonos cinzentos. Além desse ponto, apenas um nada vazio e negro estava abaixo.

Apenas um sol vespertino meio sumido e um escasso ponto de apoio existiam aqui. Nada mais. Era um mundo envelhecido, à beira do fim, prestes a perecer.

Naquele lugar, havia um jovem. Sem nada para fazer nem pensar, ele simplesmente olhava fixamente para o sol poente.

De repente, o jovem notou uma presença ao lado dele: um pequeno torrão de cristal no chão. O que é isso? Ao olhar para ele, o torrão começou a emitir um ruído barulhento, para então se partir, inchar, dobrar, encolher e, por fim, assumir uma forma muito semelhante à de uma pessoa.

— Ah, entendi.

Esta é a Besta dentro de mim, o rapaz percebeu. Não era outra coisa senão a metade de seu ser que despertou após ele ter engolido os fragmentos da Chanteur. Quantas centenas ou milhares de anos ele não sabia, mas ele deve ter sido vizinho dessa coisa por tanto tempo quanto a história humana. No entanto, eles nunca se conheceram antes. Nem notaram a existência um do outro.

“Ei, você”, ele gritou, mas a coisa não se mexeu. “Prazer em conhecê-la… isso soa meio estranho. Já que estivemos juntos esse tempo todo e tal.” Ainda sem resposta. A Besta simplesmente ficou parada, sem olhar para nenhum lugar em particular. “Desculpe por sempre te ignorar. Você é meio que uma vítima também, hein.”

Assim como antes, ainda sem resposta. Em vez de—

“—E aí.”

Ouvindo uma voz familiar, ele se virou. Ali, iluminado pelo desbotado escarlate do céu, ele encontrou o ambiguamente envelhecido e nostálgico rosto de um homem.

“Mestre inútil.”

“Parece que você passou por muita coisa. Tem algum arrependimento?”

“Tantos que nem posso contar.”

“Fico feliz em ouvir isso.” Sentando-se ao lado de Willem, Nils riu. “Isso prova que você levou uma vida plena até o fim.”

Willem não achou que isso fosse motivo para rir.

“Eu finalmente entendi. Esses caras só queriam ir para casa,” ele disse enquanto olhava para o torrão de cristal ao seu lado.

“Hm?”

“Eles só queriam reivindicar aquele mar cinzento. Os Visitantes o roubaram. Além disso, o roubaram porque eles mesmos ansiavam por uma casa. Como resultado desse choque de saudades, a terra caiu em ruínas e aqueles que perderam sua casa foram levados até Regul Aire. Todos só queriam voltar para casa. Só queriam reivindicar.”

Os movimentos do sol sacudiram a sombra de Nils muito ligeiramente.

“Não há necessidade do mal para destruir o mundo. Sempre começa com um pequeno desejo o qual ninguém jamais encontraria falhas. Uma coisa tão pequena basta para conduzir até o fim”.

“Você tem razão. Este mundo já está acabado,” disse Nils, coçando a cabeça. “Está quase na hora de eu ir também. Eu só posso parar em um mundo e usar o meu poder como Visitante seis vezes, e usei a última para selar suas memórias. Agora preciso procurar um novo mundo e começar outra jornada.”

“… então você era um Visitante, hein.”

Deveria ter sido um fato chocante, mas Willem não ficou particularmente surpreso, talvez por causa do extremo cansaço de sua mente, ou talvez porque, desde o início, ele percebeu que não importava qual fosse a verdadeira identidade desse homem, não seria nem um pouco surpreendente.

“Quer vir junto?”
“Hã?”

“Este mundo já está chegando ao fim. Você está morto e não há nada que possa fazer. Então, que tal ir a um novo reino comigo? Se tudo correr bem, você poderá ter uma vida mais fácil. No mínimo, você poderá ter uma vida mais significativa do que ficar morto pela eternidade aqui.”

“Ah…” Willem pensou um pouco. “Então, em outras palavras, você está me dizendo para me tornar um Visitante também?”

Nils assentiu com amargura.

“Isso parece divertido.”

“Eu acho que você ficaria bem, não importa onde esteja.”

“Talvez.”

Foi duro perder sua casa. Doloroso. Mas ele foi capaz de se levantar. Foi capaz de pensar em um novo lugar como lar. Essa experiência e essas memórias agora se tornaram bens preciosos para ele.

“No fim, não consegui fazer nada por você nem por este mundo. Então esta é a última coisa que posso fazer por você como um mestre que não vale nada,” disse Nils, gesticulando para o torrão de cristal com os olhos. “Agora, vocês estão separados por pouco. Eu posso deixar a Besta aqui e trazer só você junto.”

“Ahh… é disso que você estava falando, hein”, disse Willem enquanto coçava a cabeça. “Desculpe, mas não posso ir.”

“Entendo.” Nils assentiu.

“Perder meu lar, meu lugar para voltar, tem sido doloroso e miserável. Mas ainda assim. É sempre possível encontrar um lugar novo. Qualquer um pode.”

Aqueles povos valentes que chamavam Regul Aire de lar outrora foram residentes da terra. Quanto sangue foi derramado antes que eles pudessem aceitar seu novo lar?

“Mas não dá certo se você tentar apressar as coisas. Leva tempo,” continuou Willem. “Se reerguer após a dor da perda. Conhecer pessoas novas. Acostumar-se a um novo lugar. Todos eles falharam nisso. Os Visitantes e as Bestas também. Eles tentaram recuperar sua terra natal de uma só vez, então escolheram o método errado.

Bem, a princípio eu não pude perceber também. Mas, se você tentar erguer a cabeça e realmente olhar ao seu redor, às vezes, ao seu lado, haverá alguém para lhe ensinar.”

Willem fechou os olhos. No caso dele, quem estava ao seu lado? Grick, Nygglatho, Nephren,… Chtholly. Eles ensinaram-lhe tanto que quase parecia um desperdício. Eles o salvaram, que foi jogado fora ainda mais além do fim do mundo.

“Eu quero estar ao lado desse cara.”

“Você está dizendo que quer falar com essa coisa? Isso é impossível. Suas estruturas mentais e modos de vida são diferentes, sabe?”

“Eu sei. Eu não estou sonhando grande assim.” Em um gesto amigável, Willem envolveu seu braço em volta do ombro do torrão de cristal (?). “Esses caras não conseguem ver nada além do mundo do lar deles. Apenas o que perderam está no campo de visão deles. É por isso que eles não podem aceitar Regul Aire, e por isso que estão tão desesperados para nos demolir.

É frustrante, não é? É por isso que quero fazer algo por eles. Deixando de lado o passado, algo estranho está ao meu lado agora. Eu quero ajudá-los a pensar nisso.”

“Você é estúpido?”

“Eu comecei a suspeitar disso eu mesmo ultimamente.”

Os dois riram juntos uma última vez.

“Você é mesmo um cara ocupado, preocupado com um mundo acabado mesmo depois de morto.”

“Bem, parece que isso é tudo que posso fazer, visto que nunca poderia me tornar alguém.”

“… ah —” Assim que começou a dizer algo, a silhueta de Nils de repente começou a ficar embaçada. “Isso também é bom, não é? É bem a sua cara.”

“Eu também comecei a suspeitar disso eu mesmo ultimamente.”

Com isso, a conversa foi interrompida.

Sentados lado a lado, os dois olharam fixamente para o sol de fim de tarde.

Repentinamente saindo de seu transe e olhando para o lado, Willem viu que nenhum sinal de Nils podia ser encontrado em lugar algum.

Ele agora estava sozinho com o torrão de cristal, o fragmento das convicções delirantes de uma Besta, neste mundo final.

“… bem, parece que vamos ficar juntos por um tempo.”

Willem se deitou. Espaço suficiente permanecia no ponto de apoio para isso. Acima, não havia nada, nem mesmo o céu noturno.

“Ah sim, será inconveniente se você não tiver um nome. Será que deveria te dar um bacana?” ele disse vagarosamente, em seguida fechou os olhos.

Separador de texto

— Pouco tempo depois.

“Ei! Espere, Eudea!”

“Oh, por pouco!”

Duas garotas correram pelos corredores de uma casa caindo aos pedaços. O chão parecia prestes a desmoronar a qualquer momento, mas ambas estavam acostumadas com isso, as duas garotas correram a toda velocidade, esquivando-se habilmente dos pontos particularmente perigosos.

“O jantar desta noite é uma celebração para as nossas veteranas que voltam para casa, então você não pode lanchar antes. Eu te avisei, não foi?!”

“Bem, é só que tinha um cheiro tão gostoso. Almita, sua comida é mesmo boa! Tenho certeza de que nossas irmãs mais velhas ficarão muito satisfeitas, mhm. Claro que eu também estou muito satisfeita.”

“Aah você é mesmo chata! Me deixe te bater uma vez!”

“Não!”

O prédio tremeu com os passos rápidos delas.

“Vocês duas, fiquem quietas.”

“O que foi? São aqueles duas de novo?”

“Ei, ei, vamos fazer uma aposta. Quem vocês acham que vai ganhar hoje?”

“Ooh, boa ideia. Eu aposto a sobremesa de hoje à noite que Eudea vai fugir.

“Ok, então eu vou no oposto… Tazeka, você quer participar também?”

“Hm? Ah… então vou apostar na Kana. Também aposto a sobremesa de hoje à noite.”

“Eh, por quê? Isto é sobre Eudea e Almita.”

“Sim, eu posso ver.”

Colocando a cabeça para fora das janelas aqui e ali, as garotas assistiram ao drama de fuga da dupla.

Separador de texto

“— Hoje está animado como sempre, hein.”

Em outra parte da mesma casa, na sala de referências, uma moça de cabelo loiro sentada em uma cadeira de rodas riu alegremente.

“Isso levanta poeira, então gostaria que elas não corressem tão violentamente. A grande limpeza que acabamos de fazer vai ser desperdiçada.” Enquanto folheava um maço de documentos, uma moça de cabelo rosa riu de volta.

“Esse é o destino desse alojamento desgastado. Acho que logo ele vai precisar de uma boa renovação.”

“Verdade.”

A moça de cabelo rosa, Nygglatho, pôs um dedo na bochecha e inclinou a cabeça. Costuma-se dizer que a verdadeira idade de um Troll raramente se revela no exterior. Como se para provar esse estereótipo, a aparência de Nygglatho quase não havia mudado desde aqueles tempos.

“Memórias estão gravadas por todo o lugar, então sempre que penso em contratar trabalhadores, paro no último minuto. Você se lembra dos entalhes na parede da cafeteria? De quando Nopht e Rhantolk costumavam comparar alturas.”

“Ah, quando elas fizeram marcas com tanta frequência e não sabíamos mais quais marcas pertenciam a quem.” A moça de cabelo loiro sorriu com um olhar nostálgico em seus olhos. “Falando nelas, parece que poderão voltar para casa este ano?”

“Infelizmente, não parece que isso vai acontecer. O trabalho atual delas é bem distante”.

“Ah, que pena.”

Muita coisa aconteceu. Por exemplo, as regras que restringiam a liberdade das fadas foram afrouxadas, algumas com condições anexas. Como resultado, algumas fadas adultas agora viviam do lado de fora do armazém das fadas.

Rhantolk ocupou uma posição extraoficial na Orlandri Trading Company, gerenciando todos os assuntos relacionados ao armazém das fadas e Dug Weapons. Por outro lado, Nopht agia como uma espécie de soldado em tempo parcial para a Guarda Alada, acompanhando as viagens de coletores a superfície para garantir sua segurança. Ambas estavam trabalhando muito, muito longe da 68ª Ilha Flutuante. Elas não poderiam ser chamadas para casa de forma tão simples.

“… oh sim, e Collon e as outras? Já voltaram?”

“Eh? Não, ainda não. Devem voltar em algum momento da noite.”

“Oh, bem, isso pode não ter relação alguma. Há pouco tempo, pensei ter visto uma aeronave não-civil aterrissar no distrito portuário.”

“Há pouco tempo? Isso é estranho, não ouvi nada sobre isso.” Nygglatho inclinou a cabeça novamente.

Só então, uma batida suave soou na porta, e uma garota espreitou. “Com licença, Nygglatho e Ithea. Você viram Ryehl?”

As duas mulheres se entreolharam.

“Não. Por quê?”

“Eu não consigo encontrá-la em lugar algum. Ela pode ter saído para brincar na floresta novamente, o que é perigoso, então fiquei um pouco preocupada.”

Uma floresta bastante densa cercava o armazém das fadas, completa com piscinas de água em lugares difíceis de ver. Para crianças jovens ou inexperientes, poderia ser um terreno bastante arriscado.

“Essa não! Preciso ir encontrá-la!” Empurrando os documentos nas mãos dela, Nygglatho imediatamente se levantou.

“Eu não acho que precisamos nos preocupar tanto assim. Você não está sendo um pouco superprotetora?” Ithea comentou.

“Ser superprotetora é o privilégio especial de uma guardiã!” disse Nygglatho quase como um grito, depois saiu correndo da sala de referências.

“Umm… o que devo fazer?” A jovem garota deixada para trás, disse com um olhar confuso.

“Não acho que você precisa se preocupar.” Aiseia deu de ombros.

Separador de texto

“Kana! O que você está fazendo?”

“Hehe. Aproveitando esta deliciosa situação.”

“E-Espere um segundo! Espere bem aí para levar uma surra!”

“Ah… acho que Tazeka ganhou a aposta.”

“Hmm, nunca pensei que realmente estaria certa.”

“Espereeee!”

Separador de texto

“… o lugar está mesmo animado, hein.” Aiseia, deixada sozinha na sala de referências, sorriu com um tom de melancolia.

Ainda sentada em sua cadeira de rodas, ela estendeu a mão e tocou a vidraça da janela. Uma vez, muito tempo atrás, ele e ela estiveram ali, além daquela janela, aquele rapaz e moça que corriam inquietamente por aquele efêmero tempo do fim.

“Muita coisa aconteceu, mas eu estou indo muito bem.” Eles não estavam mais aqui, então Ithea não teve escolha a não ser verbalizar seu relato na direção vaga do mar azul acima. “E vocês? Onde estão? O que estão fazendo?”

No entanto, o céu, sempre tão alto e infinitamente vasto, apenas sugava suas palavras, sem retornar resposta alguma.

Separador de texto

Uma garota caiu do céu. A julgar por sua figura, ela provavelmente tinha pouco menos de dez anos. Ela deve ter dado um passo em falso enquanto caminhava em um galho de árvore, pois no momento estava despencando de cabeça. Nesse ritmo, ela teria, sem dúvida, uma violenta colisão com o duro chão, deixando uma cena imprópria para uma tarde tranquila de primavera.

“Uh oh.”

O jovem estendeu as mãos e tentou pegar a garota. No entanto, assim que o fez seus pés escorregaram, fazendo-o perder completamente o equilíbrio e cair com um estrondo. Como resultado,

“Ahggh!?”

Ele acabou preso debaixo do corpo da garota e soltou um grito semelhante ao de um sapo esmagado.

“… ai”

“D-Desculpe!!” Após alguns segundos de atraso, a menina, parecendo ter compreendido a situação, saltou em pânico. “Você se machucou!? Está vivo!? Algum órgão esmagado!?”

“Ah — estou bem. Sou mais resistente do que pareço.” Limpando a sujeira de suas roupas, o jovem se levantou. “Mas fiquei bem sujo. Você está b—”

Ele olhou para a jovem garota. Ela tinha cabelos azuis da cor de um céu claro e olhos com a cor profunda da superfície do oceano calmo. Ele sentiu como se já tivesse visto ela antes.

“—Hm?” Os dois cruzaram olhares e ficaram congelados. “Eu te conheço de algum lugar?”

“N-Não? Eu acho que não… provavelmente…” A garota inclinou a cabeça. “Eu nunca saí desta ilha, e você não é daqui, certo?”

“Ah — bem, já faz um tempo”, ele respondeu vagamente.

“Como está caminhando por essa trilha, presumo que tenha alguns negócios com nosso armazém?”

“Sim.”

“Bem, você é nosso convidado. Siga-me, eu serei sua guia.” A garota deu a volta e começou a andar com um passo maduro.

O jovem olhou fixamente para as costas dela.

“O que foi?”

“Ah… não é nada.” Coçando a cabeça, o homem começou a andar atrás dela.

“Ryehl!” Uma voz soou na direção em que eles estavam indo. E se aproximou. “Ryehl… ah! Aí está você!” Uma mulher alta veio correndo. “Não me preocupe desse jeito. Quantas vezes eu preciso te dizer que você não pode entrar na floresta sozi…”

“Desculpe, mas, ah, tinha um animal estranho, bem, ele escapou, mas eu o persegui por todo o caminho até a árvore, e…”

A explicação da garota, ambígua quanto a se era uma desculpa ou uma gabação, cortou-se no meio do caminho. A mulher não estava olhando para ela.

“Sem… chance”, a mulher murmurou com uma voz trêmula, com ambas as mãos cobrindo a boca. “Não… isso não pode ser…”

“Desculpa. Estive longe por um bom tempo.”

“Eh? Eh? Eh?” A garota, incapaz de compreender a situação, rapidamente olhou para trás e para frente entre o rapaz e a mulher.

No entanto, os dois não explicaram nada, em vez disso apenas trocaram olhares, como se algum entendimento mútuo tivesse sido passado entre eles e apenas eles.

“Estou em casa”, disse o homem.

Os olhos da mulher se arregalaram, piscaram e começaram a se encher de lágrimas. Sua expressão se transformou em uma mistura confusa de choro e alegria. Então, com uma voz trêmula e muitas pausas, ela conseguiu responder,

“Bem-vindo… de volta!”

『FIM DO VOLUME 5』


CAPÍTULO ANTERIORÍNDICEPRÓXIMO CAPÍTULO

Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume 5 – Capítulo 4 (PT-BR)

Capítulo 4

Neste Mundo Crepuscular, Mesmo Agora


Parte 1 – As Fadas de Corna di Luce

Depois de ser tocada e mexida por todo o corpo, Ithea teve em seguida o movimento ocular checado com uma luz, foi forçada a tomar remédio para propósitos de teste e responder a perguntas sobre seu humor, e, embora em pequena quantidade, teve seu sangue tirado.

“Uhhh, ter meu corpo tocado desse jeito, não posso mais me casar…” Vestindo apenas um manto sobre a pele nua, Ithea sentou-se na cama do paciente. “Enfim, a inspeção já acabou, certo?”

Sem resposta. O médico Kikuroppe fez uma cara de preocupação enquanto olhava para os registros médicos dela. Por via de regra, ler as expressões de outras raças com diferentes estruturas faciais não era tarefa fácil, mas, ainda assim, havia momentos em que a mensagem chegava ao outro lado.

“… você realmente se esforçou”, o médico disse fracamente, como se estivesse lutando para falar.

“Ahaha, bem, a minha teimosia é a única coisa a qual sou sempre confiante.” Ithea dispensou o comentário com sua risada habitual enquanto abotoava o manto.

“Sua força vital está toda seca. Seu corpo está esquecendo o que significa viver. Se você receber uma ferida, provavelmente não irá cicatrizar. A força esgotada por ignição de venenum nunca mais retornará”.

“Mhm, tive a sensação de que era o caso.” Ela respondeu ao tom sério do Kikuroppe com a voz mais alegre que podia.

“Da próxima vez que estiver no campo de batalha, eu nem sei se você poderá voltar para casa.”

“Imagino que sim. Bem, finalmente é a minha vez, hein.” Ainda sentada na cama do paciente, Ithea balançou os pés para frente e para trás. “Para ser sincera, por viver tanto tempo, minha mente tem sido a única a sofrer ultimamente. Aqueles que quero que vivam continuam morrendo e, enquanto isso, eu continuo vivendo essa vida sem sentido”.

“Não existe essa coisa de vida sem sentido.”

“Ah… é verdade, nós nem somos vida.”

“Não foi isso o que eu quis dizer.”

“Não seria melhor dizer nesse sentido? Não é bom simpatizar com uma ferramenta descartável.”

“É verdade que muitas pessoas pensam assim, mas todas elas são pessoas que não conhecem vocês diretamente, pessoas que nem sequer sabem que as fadas têm personalidades individuais. Nós não pensamos em vocês como ferra–”

“Se os médicos não nos mandarem para a morte, Regul Aire não pode ser protegida.” Ithea cortou as palavras do Kikuroppe na metade do caminho. “É por isso que não somos reconhecidas como uma raça. É por isso que somos tratadas como armas sem direitos. É necessário, porque todos precisam ser capazes de devidamente nos usar e descartar sem hesitação, estou certa?”

“Sim”, disse o médico em uma voz amarga com um pesado suspiro. “Eu vou aceitar o que foi dito. Mas o que pensamos individualmente é de nossa própria escolha”.

“Se tiver muitos adultos nos mimando, podemos começar a dizer “eu não quero morrer, por isso não vou lutar”, sabe?”

“… suponho que sim.” O Kikuroppe de um olho só se afastou.

“Hm. Você está agindo um pouco suspeito. Está escondendo alguma coisa?”

“Bem, não é nada importante, mas… se, hipoteticamente, vocês talvez não tivessem mais que lutar, e talvez você pudesse continuar vivendo, o que gostaria de fazer?”

“Ah, uma pergunta muito súbita.” Ithea pensou por um pouco. “Se isso é apenas hipotético, então, acho que faria o que tenho feito esse tempo todo.”

“Esse tempo todo?”
“Passando todos os dias tranquilamente no armazém na floresta. As pequenas fazendo barulho ao brincar, nossa figura maternal infantil correndo por aí… assistindo a tudo isso enquanto relaxo com um livro. É tão livre de estresse que minha longevidade continuaria a aumentar.”

“… haha, entendo. Sim, entendo.” O Kikuroppe assentiu repetidamente. “Como pensei, você deveria viver uma vida longa”, disse ele, derrotando todo o propósito da conversa.

Separador de texto

O ajuste do corpo de Lakhesh havia terminado. Os bons números que indicavam sua impressionante aptidão natural lhe renderam elogios dos médicos. E com cada elogio, o humor de Nygglatho afundava cada vez mais. Afinal, como uma garota poderia se animar após ouvir elogios de sua alta funcionalidade como uma lâmina ou uma bomba? Se Lakhesh tinha talento, então seria melhor se a oportunidade de usar esse talento nunca chegasse. Nygglatho esperava que não. Sai pra lá!

“Ooohh!”

“Ahh…”

Tiat e Lakhesh soltaram suspiros sincronizados de admiração.

O Mercado Barley, uma das principais atrações turísticas de Corna di Luce. Originalmente, era, como o nome indica, um mercado atacadista que lidava apenas com a cevada. Uma vez que outro mercado fora construído próximo do distrito portuário, ele perdeu seu papel e tornou-se apenas uma praça popular. Vários artistas exibindo seus talentos pontilhavam o amplo espaço aberto. Um palhaço Ballman fazia malabarismos com inúmeras facas, um mágico Frogger soprava uma fina coluna de fogo, e um grupo onde todos usavam máscaras combinando preenchia o ar com uma música animada.

“Uau, uau, uau!” A curiosidade de uma criança, uma vez solta, não conhece limites. Tiat corria para lá e para cá de uma multidão para outra. Ela arrastou Lakhesh junto, que soltava gritos enquanto iam.

“E-Ei, não corram tão depressa! Não se esqueçam de que estão sendo vigiadas!” Por causa dos procedimentos formais para lidar com armas na Guarda Alada, quando os leprechauns saíam, precisavam de no mínimo um oficial acompanhante. O lastimável quarto oficial que ficou preso com o trabalho perseguia as duas enquanto gritava atrás delas, sem poder fazer nada.

Nygglatho assistiu com sentimentos contraditórios. “… seria ótimo se realmente tivéssemos vindo aqui só para passear.”

Ela sabia que era um desejo sem esperança. As garotas estavam aqui para se preparar para a batalha, uma batalha na qual não deveriam ter precisado se envolver. Mas só por causa disso lhes foi permitido um pequeno passeio turístico, um pedido egoísta que normalmente nunca teria ocorrido.

Falando em egoísmo, havia Nephren, que, como Nygglatho vira anteriormente, não estava morta afinal. No entanto, também não estava exatamente bem. Tendo passado por uma transformação em um significado diferente do que Chtholly, Nephren nunca mais voltaria ao armazém das fadas. Nygglatho se sentiu solitária, mas não triste. O mundo é um lugar enorme e o céu é uma parte estreita dele. Ser capaz de acreditar que Nephren estava em algum lugar passando bem, dava conforto o suficiente a Nygglatho. Para aqueles que já haviam falecido, no entanto, ela não podia sequer desejar isso.

“Ei, Nygglatho, por aqui, por aqui! Eles estão tendo uma competição de queda de braço! Quer entrar com esse cara!?”

Olhando para o outro lado, Nygglatho viu Tiat acenando com a mão entusiasticamente, o quarto oficial administrando um sorriso confuso embora já estivesse arregaçando as mangas, e Lakhesh se curvando como pedido de desculpas. Tão alegres, sem a menor ideia do que está passando pela minha cabeça… isso é muito bom.

“… tudo bem, mas…” Nygglatho acenou com a mão em resposta. “Se eu entrar, a competição vai terminar na mesma hora!”, Disse ela, depois correu para onde as crianças estavam.

Separador de texto

Para todas as coisas, sempre tente perguntar. Ao perguntar se poderia entrar na Grande Biblioteca Central com a expectativa de receber um “não”, Rhantolk conseguiu uma firme “tudo bem!” Da filha do prefeito, Phyracorlybia… ou Firu, como preferia ser chamada. Então, antes de meio dia se passar, Rhantolk conseguiu permissão para entrar.

Isso deu a Rhantolk, aquela que pediu, uma bela surpresa. Afinal, elas eram fadas caipiras sem direitos. Por outro lado, a Grande Biblioteca Central de Corna di Luce era um dos principais lugares onde a sabedoria de toda Regul Aire se reunia. A enorme diferença de calibre fez com que Rhantolk sentisse que uma punição lhe seria aplicada apenas por estar perto da biblioteca.

O cartão de permissão de entrada, entregue a ela em um envelope, também parecia um pouco com uma arma perigosa. Debaixo de muitos selos imponentes estavam as misteriosas palavras “O portador tem permissão para ver até o arquivo secreto B-47”. O que diabos é B-47? Será que tem aqueles tipos de segredos que se você souber terá que ser eliminado?

“… você pensa em algumas coisas imprudentes também, Rhan,” Ithea murmurou, segurando o mesmo cartão de permissão de entrada.

“Por favor, não aponte isso. Eu já estou bem ciente e está me esmagando.”

“Bem, então vamos indo! Eu posso não ser muito útil, mas vou ajudá-la com sua pesquisa com o melhor das minhas habilidades!” Firu, se empolgando sozinha, deu passos fortes. “Não posso ser de ajuda em sua batalha original. Mesmo tentar seria um insulto à determinação das fadas. Então, para as coisas que posso fazer, farei o meu melhor!” Uma chama vermelha queimava em seus olhos.

“Quando ela fica desse jeito, se torna realmente problemática…” comentou Ithea.

“Isso já aconteceu antes?”

“O técnico bagunçou as coisas um pouco…”

Esse cara de novo? Por que todos revelam seu lado incômodo quando se trata dele?

Separador de texto

Elas brigaram com inúmeros livros. Rhantolk pensou que a cabeça dela iria transbordar. Ela gostava de ler livros. E também não odiava pensar. Mas todas as coisas têm um limite. Depois de ser recheada de informações além de sua capacidade, sua cabeça parecia muito febril.

“Que tal sairmos um pouco para descansar e organizar nossas anotações?”, Ela sugeriu.

“Hmm, acho que vou ficar com este livro por mais um tempo. Você pode ir primeiro”, respondeu Ithea.

“Eu vou ajudar Ithea, então você pode ir na frente. Ah, tem um ótimo pudim num café atrás da biblioteca, então que tal você esperar lá e nos encontrarmos?”, Disse Firu.

Elas são mais duronas do que parecem. “Não, nós provavelmente não deveríamos nos separar. Já que somos fadas e tudo mais,” disse Rhantolk, depois olhou para o homem de uniforme militar parado à sua frente.

“O Primeiro Oficial me disse para permitir que vocês agissem livremente o máximo possível. Mas não vá muito longe.”

Inesperadamente, ele lhes deu permissão. Rhantolk tinha dúvidas sobre se estava mesmo bem ou não, mas, se ele disse que sim, ela não iria discutir.

“… entendo. Pois bem, aproveitarei a deixa,” disse ela, então, com o caderno na mão, levantou-se.

Separador de texto

Ela rapidamente encontrou o café que Firu tinha mencionado. Talvez por estar localizado fora da rua principal, não havia muitos clientes presentes. No entanto, aparentemente, quase todos os clientes não eram turistas, mas moradores locais, o que significava que o café era bom o suficiente para atrair assíduos.

Depois de tomar um assento em um terraço ao ar livre, Rhantolk escolheu um chá com leite e torta de maçã do menu repleto de opções deliciosas. Ela então abriu o caderno e revistou algumas das coisas que tinha copiado de vários livros.

“Hmmm…”

O que sequer são leprechauns em primeiro lugar? Por que existem? De onde vêm e para onde vão? Essas foram as perguntas que Ithea levantou um dia no armazém das fadas. A lista dava uma impressão de problemas de um adolescente na puberdade. E, infelizmente, elas eram precisamente adolescentes na puberdade. Crianças de outras raças provavelmente procurariam respostas para tais questões em livros de filosofia ou ficção, mas elas estavam se debruçando nos livros de pesquisa sobre necromancia e ainda os mais avançados disponíveis em Regul Aire.

“Nós somos mesmo coisas estranhas, não somos…” Rhantolk murmurou, depois lembrou que estava sozinha.

Já que estavam juntas há tanto tempo, ela sempre teve a sensação de que Nopht estava ali ao seu lado. Nopht não pensava muito sobre as coisas e no geral não era exatamente a mais inteligente, mas era boa em ouvir. Nopht conseguia arrancar palavras de Rhantolk, mesmo quando estava imersa em pensamentos. Como resultado, Rhantolk adquiriu o hábito de falar consigo mesma. Bem, isso não é bom, ela pensou. Ela estava almejando ser uma mulher independente com tudo junto, mas não parecia estar indo muito bem.

“Eu não pareço estar chegando a lugar algum, não importa o que faça…”

Rhantolk deu uma mordida na torta de maçã crocante. Deliciosa. Só então, um vento forte soprou. Tomou algumas páginas de anotações da mão de Rhantolk e levou-as para o céu.

“Ah…”

Ela entrou em pânico, mas não conseguiu alcançá-las a tempo. No momento em que se levantou para tentar se alongar mais, outra rajada de vento fez com que suas notas restantes voassem.

“A — Ahh!!”

Profundamente lamentando seu descuido, Rhantolk olhou para o céu, perplexa. Devo inflamar venenum rapidamente e ir atrás delas? Não, não vou conseguir a tempo. Correr atrás delas? Não, não vou conseguir pegá-las, e sinto que vou estragar alguma outra coisa. O que fazer… o que posso fazer? Conforme ela hesitava, o tempo continuava a fluir, e suas anotações subiam mais e mais e…

“Hã?”

Não mais alto? Como se uma fotografia do tempo tivesse sido congelada no lugar, todos os papéis de repente pararam de se mover.

“O que…”

Após uma breve pausa, as notas começaram a se mover novamente. No entanto, desta vez, elas ignoraram o vento e, como se estivessem sendo recolhidas, reuniram-se nas mãos de um homem parado na rua, um homem velho com um semblante imponente, usando um tanto distinto manto branco.

“A-Ah!? Você!?”

“Oh, a menina do outro dia! Que coincidência!” Não parecendo particularmente surpreso, o velho na rua começou a se aproximar, com o maço de anotações na mão. “Estudando muito, mesmo em um lugar como esse? Muito bom, muito bom. As coisas que você aprende enquanto jovem se tornarão suas armas no futuro. Claro, você também deve aprender como usá-las, ou então não tem sentido… hm?” O velho olhou para o maço de notas e franziu a testa.

“Obrigada. São anotações muito importantes”, respondeu Rhantolk.

“Hm, necromancia avançada? Um assunto deveras estranho para um aluno escolher para um projeto de pesquisa.”

“Bem, eu não sou uma estudante e nem estou exatamente fazendo nada tão nobre como “estudar”. Também não estou tentando me preparar para o futuro. Eu só quero saber uma coisa agora.”

“O que?” O velho entregou as anotações. “… entendo. Sua cor de cabelo. Você também é um leprechaun”.

“Sim.”

Por um momento, várias emoções giraram na cabeça de Rhantolk. Aqueles que conheciam os leprechauns não tinham necessariamente uma impressão muito boa deles. Ela se preparou, receosa de qual expressão cruzaria o rosto do velho em seguida.

“Ah, então a outra moça devia ser a sua gerente. Me desculpe. Certa vez, decidi nunca mais vê-los pessoalmente, mas agora acabei lhe conhecendo e até mesmo conversando”.

O que isso poderia significar? O rosto do velho se contorceu de dor muito ligeiramente, mas decerto. Nem ódio nem discriminação, mas sim culpa se desprendia daquela expressão.

“Hum, você está bem?” A própria Rhantolk pensou que era uma pergunta tola. Se o homem não estava bem, era muito claramente culpa dela. Ela não estava na posição de colocar um rosto bonito e agir preocupada.

“… haha. Você está preocupada comigo? Você é uma garota gentil.”

“Uh…”

Por alguma razão, ele a elogiou. Bem, desde que se conheceram, Rhantolk teve a sensação de que eles não estavam na mesma página durante suas conversas. Era uma sensação frustrante, como se algumas engrenagens importantes não combinassem e mesmo assim continuassem girando.

“Acho que não há como desconhecer alguém que você já conheceu. Coincidências são coincidências. Quer você as considere como boa ou má sorte, só depende de como você lida com a situação.”

“Uh…”

O que esse cara está dizendo? Diante de uma confusa Rhantolk, o velho puxou uma cadeira e sentou-se em frente a ela. Sua enorme estrutura parecia um pouco estranha na pequena cadeira do café.

“Há algo que você quer saber envolvendo necromancia, correto? Tente me perguntar. Eu responderei.”

“Ah, a coisa que estamos tentando pesquisar é um pouco difícil…”

“Imagino que sim. Eu não me importo, vá em frente e pergunte.”

Ele não vai desistir. Mais cedo, o velho deu uma olhada nas anotações de Rhantolk e as entendeu como necromancia. A partir disso, ela imaginou que ele era relativamente entendido. No entanto, o que elas queriam saber definitivamente não era algo que qualquer velho sábio soubesse.

“… o que são leprechauns?” Rhantolk tentou perguntar de qualquer maneira, duvidando que ele seria capaz de responder.

“Entendo. Você está indo direto ao ponto. Muito bom, muito bom.” O velho assentiu alegremente por alguma razão. “Agora, então, por onde devo começar.” Ele pensou por um momento. “Há muito tempo, os Visitantes ordenaram que o Poteau criasse os Emnetwytes.”

“Hã?” Isso não tem nada a ver com a minha pergunta, pensou Rhantolk.

Não prestando atenção à sua aparente confusão, o velho continuou. “Eles não os criaram a partir do nada. Eles prepararam materiais base e os modificaram. Havia aproximadamente dois tipos desses materiais base. Um consistia na única vida que existia no planeta antes da chegada dos Visitantes, as “Bestas Primordiais”. O outro consistia nas almas dos próprios visitantes, cansados ​​de viver uma vida de infindável ​​peregrinação. Quanto ao método de modificação… ”

O velho apontou para a torta de maçã pela metade no prato de Rhantolk. “Foi o mesmo que isso. Eles envolveram as “Bestas Primordiais” com suas almas, que estilhaçaram em fragmentos. As almas sobrepujaram à força a carne das Bestas, lançando uma grande maldição sobre elas. O que antes eram “Bestas” se transformaram em seres completamente diferentes, com figuras semelhantes às dos Visitantes, em outras palavras, os Emnetwytes”.

“Uh… hum, ehh?”

Isso não batia com o mito comumente aceito da criação do mundo. A grande escala de tudo isso confundiu Rhantolk. E, em primeiro lugar, ele ainda não tinha respondido a pergunta dela. Ela nem sabia por onde começar. No entanto, houve uma parte que chamou sua atenção: os Visitantes usaram as “Bestas Primordiais” para criar a raça Emnetwyte.

“Mas, bem, depois disso, os Emnetwytes cresceram demais. O número de tortas aumentou, mas, infelizmente, a quantidade de crosta não. A crosta, as almas dos Visitantes, nunca aumentou além da quantidade original presente quando foram estilhaçadas. Então, a cada dia que passava, a crosta ficava mais e mais fina”.

“… poderia ser o que se entende por “as Bestas foram soltas de dentro”…?” Essa era uma hipótese que Rhantolk havia chegado no outro dia na terra. No entanto, esse pensamento veio de um livro antigo que ela aconteceu de encontrar. Por que o velho, que não teve a chance de ler o mesmo livro, disse algo parecido?

“Sim, muito bom. Você já descobriu tudo isso?” Impressionado, o velho olhou por cima das anotações sobre a mesa. “As “Bestas Primordiais” eram originalmente seres imortais e indestrutíveis. Ao serem seladas dentro dos mortais Emnetwytes, elas mudaram. Arrependimento. Esperança. Bajulação. Justiça. Bondade. Medo. Desinteresse. Ignorância. Arrastadas por todas essas várias coisas que levam os humanos à morte, elas se tornaram seres que representavam dezessete tipos de morte.

Se essas coisas fossem soltas, os Emnetwytes seriam extintos. Os humanos, percebendo isso, pensaram em um plano. Felizmente, na época, os Visitantes ainda permaneciam, embora apenas dois deles.”

Os Visitantes. Mesmo agora essa lenda é transmitida, de como, há pouco mais de quinhentos anos, os Braves Emnetwytes mataram o último Visitante.

“Eles queriam usar essas almas para criar uma nova crosta de torta. No entanto, falharam. Eles não puderam recriar o que o Poteau fez com a tecnologia humana. A alma do Visitante não se quebrou de forma limpa e acabou em uma confusão de inúmeros pedaços espalhados. Sem nenhuma forma de cozinhar toda uma nova torta, o fim veio como esperado. Bem, eu deixei algumas coisas de fora, mas essa é a essência.”

“… hum.” Hesitante, Rhantolk levantou a mão. “Essa foi uma história muito interessante, mas ela só explicou o que são os Emnetwytes, certo? Eu perguntei sobre os Leprechauns.”

“Mas é claro, eu respondi isso também.”

Argh, nós realmente não estamos na mesma página. No entanto, mesmo que não estivessem na mesma página, eles ainda estavam tendo uma conversa adequada. Tudo o que Rhantolk precisava fazer era decifrar suas palavras como se estivesse lendo um complicado livro antigo. Se ela o fizesse, então certamente entenderia. Com isso em mente, ela repensou a história dele.

“… poderia ser que…” Então, Rhantolk percebeu. A alma do último Visitante não se despedaçou sem percalços. A nova torta permaneceu crua e os ingredientes, os fragmentos de alma, espalhados. “A fracassada próxima geração de Emnetwytes que os próprios não conseguiram completar. Essa é a nossa verdadeira natureza?”

“Hm. Seu entendimento não está errado.” O velho assentiu. “No entanto, eu não diria “fracassada”. Bem, a interpretação depende da pessoa. Você pode fazê-la de forma otimista ou pessimista.”

Antes disso, havia algo mais importante. Se o que o vovô dizia era mesmo verdade, então isso respondia a muitos mistérios que permaneciam sem solução em Regul Aire há séculos. Isso não poderia estar certo, mas Rhantolk de alguma forma sentiu que estava.

“Por que você sabe disso?”

“Eu vivi uma vida um tanto longa”, o velho respondeu com um encolher de ombros.

“Se o que você disse é verdade, isso não é conhecido neste mundo. Por que diria algo assim para alguém como eu?”

“Eu devo uma coisa para vocês garotas.” Ele sorriu com um leve indício de tristeza. “Eu não posso me desculpar nem tomar nada de volta. Nem estaria qualificado para tal. Mas posso ao menos fazer isso. Seja como for, não é nada mais do que um velho covarde e egoísta se consolando.” Ele se levantou. “Eu duvido que nos encontraremos novamente, mas este foi um tempo valioso”.

“Ah–”

Tentando impedir o velho de ir, Rhantolk levantou-se depressa, mas, nesse momento, uma rajada de vento soprou. Preocupada que suas anotações voassem mais uma vez, ela entrou em pânico e fechou o caderno. Quando olhou para cima novamente, o velho não estava mais em lugar algum.

Separador de texto

“Ufa… estou exausta.” Como uma estudante no caminho da escola para casa, Ithea se aproximou com os olhos girando do excesso de trabalho. Firu, com sua condição ilegível sob o pelo de Lucantrobos, seguia logo atrás. “O que aconteceu, Rhan? Você tá viajando.”

“… o que nós somos? Por que existimos? De onde viemos e para onde vamos?”

“Rhaaan?”

“Receber a resposta na verdade parece… inesperadamente vazio…”

“Rhaan? Olá? Rhantolk?” Ithea acenou com as mãos para frente e para trás na frente do rosto de Rhantolk.

O garfo no prato de torta de maçã pela metade tiniu levemente.


Parte 2 – O Bravo e o Visitante

De repente, Elq caiu. Enquanto eles estavam limpando o quarto de um hóspede, ela simplesmente desabou no chão, como uma marionete cujas cordas haviam sido cortadas.

“Você está bem!?”

Willem correu e segurou-a nos braços. Ela estava fria ao toque. Dificilmente respirando. Ela é como um cadáver, ele pensou, então se deu conta de que ela era de fato um cadáver, apenas um que se movia como se estivesse vivo.

Uma pessoa viva teria uma febre ou começaria a respirar de forma irregular, e com isso ele seria capaz de discernir a gravidade da condição. No entanto, ele não tinha ideia do que fazer quando se tratava de cadáveres. Ele também não conseguia pensar em nenhum método de tratamento. Chamar um médico parecia muito inútil. O que devo fazer? O que eu posso fazer?

Por enquanto, ele a levou para a cama e a deixou dormir, embora não soubesse se isso ajudaria em algo. Ele teve a sensação de que há muito tempo, ou talvez recentemente, algo semelhante aconteceu: alguém que não acordava estava deitado em uma cama, e ele estava sentado ao seu lado, incapaz de fazer qualquer coisa além de tremer. Por fim, ele não aguentou mais e se levantou, convencido de que havia algo que poderia fazer e depois foi dar um soco em alguém.

Ah, droga. Se socar alguém desta vez mudasse a condição de Elq, mesmo com uma pequena probabilidade, ele faria isso sem hesitação. No entanto, agora, de todos os tempos, ele não conseguia pensar em alguém ou alguma coisa para conduzir seu punho endurecido.

“Uma toalha molhada… não espere, há sentido algum em mantê-la fria? Eu deveria aquecê-la em vez disso?… ela não vai apodrecer nem nada, certo?”

Ele se levantava toda vez que pensava em uma nova ideia, apenas para se sentar imediatamente de novo. Isso já estava acontecendo há algum tempo. Astartus disse a ele para esquecer o trabalho por enquanto e ficar com Elq. No entanto, ficar com ela enquanto incapaz de fazer qualquer coisa na verdade o fazia se sentir pior. Acho que deveria voltar ao trabalho. Mas não quero sair do lado dela. Um debate enfureceu-se em sua mente perturbada, ele olhou atentamente para a palma da mão.

“Uu…”

Ao ouvir um leve gemido, o rosto de Willem se levantou.

“Oq…?”

Ele se inclinou para dar uma espiada no rosto dela. A cor de sua pele não parecia tão doente como antes. Ela também não parecia estar com dor. Vendo a falta de quaisquer problemas aparentes, Willem relaxou sua expressão.

“E aí.” Antes de revelar seu rosto desleixado, ele fez o seu melhor para sorrir, ativando cada músculo em seu rosto. “Finalmente acordada? Princesa que foge do serviço.”

“Eu…? O que? Eu dormi? E a limpeza?”

“Você de repente caiu no meio dela. Eu estava preocupado, sabe?”

“Preocupado…”

“Você está gelada.”

“Estou?”

Enquanto inclinava a cabeça, Elq tocou a palma da mão em sua testa. Seu rosto permaneceu confuso. Bem, é claro, ela não podia medir a temperatura do seu corpo tocando-o com o próprio corpo. Willem colocou sua própria mão sobre a dela.

“Quente”, disse ela.

“Como eu disse, você está gelada. Normalmente, é o oposto para excesso de trabalho e exaustão. As pessoas ficam com febre. Mas você não é normal, então não tenho ideia de como te tratar. Eu realmente entrei em pânico. Pensei que você nunca mais acordaria ou algo assim.”

“Oh, desculpe.”

“Sim, reflita sobre suas ações. Bem, você está melhor agora?”

“Sim. Eu só estava um pouco cansada, então, depois de dormir, me sinto melhor”.

Willem sentiu como se seu corpo inteiro relaxasse ao ouvir essas palavras. Ele ainda tinha algumas dúvidas, como se aquele estado poderia realmente ser chamado de “dormir” ou não, mas ele não tinha energia para insistir.

“Entendo… há algo que você queira beber ou algo assim? Algo que queira comer? Uma maçã? Devo descascar uma?” ele perguntou para a distraída Elq, com voz suave.

“Leite quente. Algo um pouco doce.”

“Tudo bem, deixe comigo”. Ele se levantou.

“Você está meio que gentil hoje.”

“Eu sou sempre gentil.”

Por alguma razão, ouvindo sua resposta, Elq riu alto.

“Aqui está.” Um aroma doce saiu da panela que Willem trouxe. Dentro havia leite aquecido misturado com um pouco de mel e uma pitada de canela. “Eu o fiz um pouco para morno, mas não tente beber tudo de uma vez, ok?”

“Estaria tudo bem mesmo quente”, Elq fez beicinho quando tomou um gole. “É bom.”

“Certo? Entendi muito bem suas preferências de gosto.”

“Hmph.” Talvez por ter interpretado isso como o significado de preferências infantis, Elq fez uma cara azeda. No entanto, ou por ela ter percebido que realmente tinha gostos infantis, ou por estar segurando uma evidência inegável, ela não reclamou em resposta. “… hum, posso te perguntar uma coisa?”

“Hm?” Willem olhou para cima enquanto enchia mais uma vez sua xícara vazia. “O que é?”

“Se… isso é só uma situação hipotética…”

“Não precisar fazer grande coisa disso, apenas desembuche.”

“Se eu fosse morrer em cinco dias, você seria um pouco mais gentil comigo?”

“Hã?” Willem franziu a testa. Ele teve a sensação de que já tinha ouvido aquelas palavras antes. Mas mais importante, isso quer dizer que... “Do que você está falando? Cinco dias é bastante específico… tem alguma coisa errada?”

O rosto de Elq claramente dizia “oops”. “Eh? N-Não, nada… desculpe, esqueça isso.” Ela segurou com força a palma da mão contra a área do peito, bem ao redor de onde a grande ferida estava aberta.

“E-Espera, Elq, não me diga…”

“Eu não deveria ter perguntado. Eu pensei que talvez pudesse ser igual a Chtholly, mas não deveria ter tentado.”

De repente, uma dor passou pela área atrás das têmporas de Willem. Memórias começaram a tentar emergir de novo.

“Desculpa. Deixe-me dormir um pouco mais.” Abraçando o cobertor, Elq se virou de costas para Willem.

“Tudo bem. Vou deixar o leite aqui, então tome um pouco.” Suprimindo uma pequena dor de cabeça, Willem saiu do quarto de Elq.

Separador de texto

Os quartos de Willem e Elq foram remodelados de salas anteriormente não utilizadas no canto do segundo andar da estalagem. Quando ele desceu para o primeiro andar, o rangido das escadas encheu os corredores. A estalagem normalmente não tinha muitos hóspedes durante a noite, mas o espaçoso saguão no primeiro andar servia como um espaço para os clientes saborearem uma refeição leve e um pouco de álcool. No meio desse saguão, Astartus estava sentado em torno de uma pequena mesa circular, bebendo de um pequeno copo.

“Eu ouvi algumas conversas. Ela acordou?”

“Sim, aparentemente ela estava apenas cansada.”

“Isso é bom.” Astartus acenou com a cabeça algumas vezes, um sorriso gentil no rosto.

“Espera, você não disse que não podia beber? No outro dia, quando recusou uma oferta de um cliente bêbado. Aquilo foi só uma desculpa?”

“Bem, não exatamente.” Ele riu envergonhado. “Meus hábitos de bebida não são tão bons. Parece que quando bebo, eu causo a maior confusão. Embora, eu mesmo não me lembre.”

“Ah… isso é bem ruim.”

“Minha esposa e filha sempre ficavam furiosas comigo, dizendo que era muito difícil me acalmar. Então, normalmente, eu tento o meu melhor para não beber. Esta será minha única bebida do dia.”

“Isso é pena. Acho que não posso me juntar a você, então,” Willem brincou com um encolher de ombros. Astartus pediu desculpas com uma risada. “Mas ainda assim estou com sede. Talvez tome um chá em vez disso. Você quer um pouco também?”

“Sim, vou me juntar a você.”

Willem foi até a cozinha, pegou um pouco de água de uma jarra e colocou em uma panela, em seguida pôs sobre o fogão de cristal.

“… sobre Nils…” Astartus começou.

“Hm?”

“No dia em que ele trouxe vocês aqui, os olhos de Nils pareciam muito gentis. Depois de dizer que deixaria o resto para mim, ele acrescentou: “Eu quero que ele viva uma vida normal desta vez”.”

“… entendo.”

Willem poderia imaginar. Ele só falou com Nils por um tempo muito breve, mas ele entendeu que tipo de homem ele era em um grau surpreendente.

“Nem você nem Elq têm corpos normais. Além disso, parece que vocês não nasceram desse jeito… ah, eu tenho confiança no meu julgamento de carne. Eu sou um troll, afinal de contas.”

Willem desejou que ele não se gabasse disso.

“Suponho que vocês dois tiveram uma vida muito difícil se expondo a danos, e isso já acabou. Seus corpos e mentes estão esgotados. Se vocês dois podem viver uma vida diferente, então quero que assim o façam… isso provavelmente é o que Nils quis dizer.”

“Então ele age como um mestre de verdade quando ninguém está olhando, hein”.
“Hm?”
“Nada.” Willem realmente não sabia o que aquele auto-proclamado mestre havia sido para ele no passado, mas ele podia dizer o quão importante Nils tratava tanto ele quanto Elq. Então ele imaginou que a especulação de Astartus provavelmente estava correta … provavelmente. “Bem, eu estou feliz pela preocupação, mas esse tipo de coisa é melhor se você ouvir de -” Uma sensação desconfortável subitamente se agarrou na nuca de Willem. “– Hm?”

Um inseto pousou em mim? Não, não é isso. Ele não reconheceu aquela sensação de desconforto que agarrava sua pele, mas ele sabia sua forma.

“Há algum convidado para passar a noite?”
“O que há com isso, assim tão de repente? Nenhum convidado para hoje à noite, como de costume.”

“Você já irritou muita gente?”

“Bem… não me lembro particularmente de fazer qualquer coisa que me garantisse um ressentimento duradouro.”

A resposta de Astartus pareceu um pouco incerta, mas Willem decidiu tomá-la no sentido literal no momento. “Então deve ser um roubo em grupo ou algo do tipo.”

Ele sentiu algumas presenças hostis cercando a estalagem. Ela fazia um bom alvo. A estalagem, que era visada principalmente por hóspedes que viajavam ao longo da rodovia, ficava um pouco separada das aldeias vizinhas. Seu tamanho relativamente grande e sua aparência limpa também causavam uma leve impressão de riqueza. E, claro, os suprimentos de cerveja e comida deviam parecer muito atraentes para bandidos famintos.

“Oh meu Deus, já é essa época?”, Perguntou Astartus.

“Espera, as estações não têm nada a ver com isso… inclusive, por que você está tão calmo?”

“Quando a primavera se aproxima, esse tipo de gente aumenta.”

Você diz isso como se eles fossem insetos…

“Você pode beber chá ou qualquer outra coisa, eu vou lidar com eles”, disse Astartus.

“Não, eu sou o único sendo contratado, então isso não vai rolar. Eu vou lidar com eles, por isso só beba um pouco de cerveja… ah, espere… eu vou preparar um pouco de chá agora, então beba isso.”

“Você não precisa se preocupar. Estou acostumado com isso.”

“Essa não é uma boa razão… além disso, você não deveria se acostumar com isso.”

Willem levantou-se. Sua memória ainda estava tão selada como sempre, mas, mesmo nessa situação, ele não sentia medo nem nervosismo. Ele até sentiu uma espécie de nostalgia, como se estivesse voltando para uma antiga casa. Aparentemente, ele tinha vivido em um mundo bastante perigoso antes.

“Sério, está tudo bem”, insistiu Astartus.

“Não, não, apenas sente-se.” Willem estalou os punhos.

Separador de texto

Se você quiser incapacitar alguém em silêncio, primeiro é preciso compreender a respiração do seu alvo. Isso acontece quando você o deixa inconsciente e também quando lhe toma a vida com uma lâmina. Se algum ar permanecer nos pulmões, ele emitirá som ao sair. Mesmo se você o deixar inconsciente em um único golpe, ele pode emitir um som após o impacto com o solo. É por isso que qualquer assassino habilidoso sabe como roubar o fôlego de um alvo tão bem que quase se torna uma atividade cotidiana.

“… me pergunto se eu era um assassino habilidoso ou algo assim…”

Willem saiu da escuridão e, mirando pela fração de segundo quando a respiração de seu alvo estivesse esgotada, envolveu seus dedos ao redor do pescoço do alvo, então deu-lhe um puxão na cabeça, silenciosamente roubando sua consciência. O ataque foi tão bem-sucedido que Willem quase se sentiu arrepiado.

Ele deu uma boa olhada na pessoa que desabou em seus braços. Primeiro, ele poderia dizer imediatamente que sua imagem de um ladrão faminto estava errada: o homem fera usava um uniforme do exército. Em suas mãos, ele carregava uma arma de cano longo. Não eram o tipo de roupas ou armas de fogo que qualquer velho rufião ordinário poderia obter.

“Esse uniforme… a Guarda Alada?” Na escuridão, Willem não conseguia distinguir claramente a cor ou a forma, mas, por algum motivo, ele teve aquela sensação. “Mas por que a Guarda Alada cercaria nossa estalagem?”

A primeira razão para vir à sua mente foi que uma pessoa perigosa estava hospedada lá. Mas isso não era possível, dada a falta de clientes noturnos.

A próxima possibilidade que lhe veio à mente foi que Astartus estava sendo perseguido pelo exército. Considerando sua personalidade, essa hipótese parecia surreal, ainda que ao mesmo tempo estranhamente plausível. No entanto, Willem sentiu que se inclinava mais para o lado surreal. Afinal, perseguir um criminoso seria um trabalho para as agências de segurança de cada cidade ou ilha. A Guarda Alada, sendo uma organização que protegia Regul Aire como um todo, não detinha a autoridade para procurar ou prender criminosos.

A próxima possibilidade…

“Eu…?”

Quase no exato momento em que essa pergunta surgiu em sua mente, a luz de uma lanterna de repente iluminou seu corpo.

“Não se mexa!”

Quando chegaram ele não percebeu, mas algumas armas agora apontavam diretamente para Willem. Bem, ele não esperava nada menos dos guardiões de Regul Aire. No entanto, mesmo com dispositivos apontados diretamente para ele, ameaçando tirar sua vida, sua mente permaneceu calma como sempre. Ele não sentiu medo nem ameaça.

“Que negócios vocês têm com a nossa estalagem? Comida? Alojamento?”

“Eu lhe disse para não se mexer!”

“Se possível, prefiro manter o barulho no mínimo. Não gostaria de incomodar nossos hóspedes dormindo.” Claro, havia apenas um.

“Nós encontramos o alvo. Vamos incapacitá-lo ao receber a permissão.”

“Eu lhes garanto permissão. Ataquem!”

Respondendo às ordens, as presenças misturadas com a escuridão se moveram todas de uma só vez. Colocando tudo de lado por um momento, Willem se concentrou nos seis oponentes diante dele. Armas escondidas na escuridão seriam um pouco incômodas, mas nada que ele não pudesse lidar. Primeiro ele daria socos nos dois mais próximos a ele, depois jogaria seus corpos para destruir as lâmpadas. Se as luzes se apagassem, isso poderia fazer com que disparassem acidentalmente uns contra os outros, e seria mais fácil lidar com eles um a um. Tudo bem, vamos com isso.

Assim que Willem se decidiu e se preparou para levar adiante seu plano…

“Nada bom.” A voz de uma garotinha, completamente inapropriada para a situação, soou de algum lugar na escuridão. “Mesmo todos juntos, você não tem chance.”

“Acredito que lhe disse para ficar para trás!”

“Você disse. Mas acredito que eu disse que iria me mover por vontade própria quando necessário.”

A garota deu um passo para o espaço estreito iluminado pelas lanternas. Um cabelo grisalho, desmarcada de baixa estatura. Ela usava uma expressão em branco que fazia com que qualquer tentativa de a ler fosse inútil. Um simples tapa-olho cobria seu olho esquerdo.

“……”

Eu… já a vi antes? A encontrei antes? Não, mais que isso. Nós compartilhamos algo muito importante… eu lembro…

“Agh.”

Dominado pela dor intensa, Willem instintivamente reprimiu a testa.

“Willem.”

Ela chamou meu nome sem hesitação. Nós devemos mesmo ser conhecidos.

“Willem”, a garota chamou novamente. “Willem, Willem, Willem!” A cada repetição, mais emoção se infiltrava em sua voz. A garota correu para a frente, atravessando a escuridão em direção a Willem. “Eu finalmente te encontrei.” Ela jogou seu corpo quente em seu peito. “Eu pensei que não seria capaz de cumprir minha promessa. Eu estava assustada.”

Os ombros da garota, tão finos que pareciam que iriam se quebrar se ele os tocasse, tremiam levemente. Incapaz de afastá-la ou abraçá-la, Willem ficou parado imóvel. Ele sentiu um pouco de inveja dos soldados que os cercavam. Eles também foram pegos de surpresa pela situação, mas pelo menos não estavam sofrendo de uma dor de cabeça.

“Eu te conheço?” Ele perguntou, decidindo confirmar a situação primeiro.

“Eh?” A menina olhou para cima.

“Desculpe, mas não me lembro de você de forma alguma.”

“Qu–”

“QUE!?”

Repentinamente, do nada, um grito silencioso dividiu o ar bem de perto. Desequilibrado pelo choque, Willem conseguiu se endireitar mais uma vez. Na frente dele flutuou uma criatura estranha… ele não tinha ideia de quando tinha chegado lá, ou talvez estivesse lá o tempo todo. Um grande peixe flutuante, coberto com lindas escamas vermelhas e brancas. Ou pelo menos era assim que parecia. No entanto, isso não poderia estar certo. Parecia que uma imagem separada havia sido pendurada no meio da escuridão; o peixe flutuante se destacava tanto de seus arredores. Sem precisar pensar muito, Willem poderia dizer que tinha que ser uma ilusão ou algo do tipo.

“Não, não, não, você acha que pode se safar dizendo uma coisa dessas? Agora, posso ser um pouco velha demais para ser um representante de uma jovem donzela, e é verdade que às vezes minha superabundância de experiência de vida me impede de comentar o que realmente penso, e é verdade que estou muito ocupada me preocupando com a minha própria família para meter o nariz nos assuntos de alguma garota aleatória, mas, como alguém que já foi uma jovem donzela há muito tempo, não posso deixar esse comentário de agora escapar!”A ilusão começou a divagar sobre algo.

“… uhh…”

“Fique quieta, Carma.”

“Como eu poderia ficar quieta? O que há com esse cara, ele pensa nas garotas que conheceu no passado como já gastas? Que típico pedaço de lixo, isso é muito diferente do que ouvi de Elq, ela realmente admirava esse cara como o herói de uma história, então por que ele é desse jeito, do tipo não consigo me lembrar de você de forma alguma, por acaso você teve sua memória selada ou algo assim, qual é.”

As divagações da ilusão de repente pararam. A coisa flutuou elegantemente em direção a Willem, depois cutucou sua testa com a boca. “Oh, a memória dele está mesmo selada.”

“Eh?” A garota piscou em confusão.

“Além disso, apenas uma parte de sua memória está obstruída. Acho que ainda devem haver alguns lançadores de maldição bem qualificados neste mundo. Este sortilégio é de nível tão alto que pode ser capaz de apagar todo um conceito do mundo se bem usado. Ser capaz de usar isso em um indivíduo com tanta precisão… isso vai além de grandioso e adentra um território de simplesmente assustador”.

“… aparentemente, não serei capaz de manter minha personalidade se lembrar do meu passado. É por isso que ele selou apenas as memórias relacionadas ao meu passado”, explicou Willem.

“Ahh, entendo… espera–” A ilusão deu um passo para trás no ar. “Você consegue me ouvir!?”
“Infelizmente.”

“O que!? Agora mesmo eu só deveria poder ser vista pelo meu hospedeiro!”

“Não é tão difícil de entender”, a menina de cabelos grisalhos disse com os olhos voltados para baixo. “Willem e eu temos uma parte da mesma alma dentro de nós. Eu não sei explicar os detalhes logicamente, mas provavelmente é por isso.”

“Uma alma?”

Sem responder à pergunta de Willem, a menina removeu o tapa-olho que cobria seu olho esquerdo e, muito lentamente, abriu aquele olho anteriormente fechado, revelando uma íris dourada vívida, completamente diferente da de seu olho direito.

“… esse olho.” Instintivamente, a mão de Willem foi para o seu próprio olho direito.
“Esse lado mudou de cor para você, certo Willem?”

“Eu realmente não sei o que está acontecendo, mas você parece mesmo estar familiarizada com a minha situação.” À medida que sua dor de cabeça estava se acalmando um pouco, ainda continuava a agitar seu cérebro. A cada batida do coração, seu cérebro gritava de dor como se estivesse prestes a se romper.

“Willem. Eu tenho um pedido.”

“Eu me recuso.” A essa altura, ele havia descoberto que a garota era alguém importante para ele, e que ele também era alguém importante para a garota, então um grande sentimento de culpa acompanhou essas palavras.

“Ouça. O armazém das fadas vai desaparecer. Eu não sou mais uma fada, mas não sei o que vai acontecer com todas as outras. Nygglatho está mais preocupada do que nunca.”

Outra onda de dor pulsou através da cabeça de Willem. “Eu disse, eu me recuso”, disse ele, mordendo os dentes de trás. “Eu decidi não lembrar do meu passado. Então não posso ouvir o seu pedido.”

“… Willem.”

“Bem, talvez não haja nada que possamos fazer.” O peixe ilusório suspirou apesar da falta de pulmões. “Selar algumas memórias para evitar que a Besta apareça. É fácil falar, mas isso é um feito imprudente. Pode romper na menor oportunidade e, uma vez que isso aconteça, selar novamente é impossível. Dada essa situação, é natural que ele não queira se envolver com o passado.”

“Mas…”

“Qualquer coisa mais é apenas você sendo egoísta, Nephren. Você quer fazer Willem se tornar uma besta completa?”

“……” A garota chamada Nephren ficou em silêncio.

Ela provavelmente ainda tinha palavras para dizer. Sentimentos para extravasar. Mas segurou todos eles dentro de seu pequeno punho firmemente apertado ao lado de seu peito. Desculpe, Willem se desculpou em sua mente. Provavelmente não era o tipo de coisa que um pedido de desculpas resolveria. Se o seu eu do passado o visse agora, provavelmente iria lhe dar um soco com toda a força e mandar sua cabeça voando. Mas ainda assim, seu eu atual já tinha decidido o seu curso.

“Bem, então, Willem. Voltando do passado para o presente, por acaso você sabe de alguma coisa sobre Elq?”

“Sim”, ele respondeu imediatamente. Mais cedo, essa garota Nephren chamou a ilusão de “Carma”. Ele tinha ouvido o nome antes: era o nome do membro da família que Elq disse que um dia viria buscá-la. “Eu estive te esperando. No momento ela está doente, dormindo no segundo andar.”

“Doente? Eh?” A ilusão disse, confusa. “Ela ainda é um cadáver, não é?”

“O cara que selou minha memória disse que quebrou um pouco a maldição lançada no corpo de Elq. Disse que agora ela é um ser imortal infinitamente próximo de um cadáver ou algo assim.”

“O queeee!?”

A partir desse grito desconcertado, Willem inferiu que a situação atual de Elq e os feitos de Nils eram irregulares, mesmo para um ser irregular.

“Leve-a com você. Ela também está esperando por sua família.”

Separador de texto

Com armas apontadas para ele, Willem conduziu Nephren e Carma até Elq. Enquanto as três conversavam, ele esperou do lado de fora do quarto. Ele não tentou ouvir, por isso não tinha ideia do que estavam conversando. Após cerca de trinta minutos, a menina de cabelos grisalhos e Carma saíram.

“Vamos nos despedir hoje.” Carma tinha ficado muito menos falante do que antes.

“Você não vai levá-la com você?”

“Eu gostaria, mas ela me disse para dar tempo a ela. Ela geralmente não é muito egoísta, mas, quando é, ela não ouve mesmo.” O peixe flutuante enorme soltou um enorme suspiro. “Eu sei que não deveria pedir favores quando nos conhecemos pela primeira vez, mas posso deixá-la com você por mais algum tempo?”

“Eu não me importo, mas você tem certeza? Ela não é filha da família que você serve ou algo assim?”

“Uhh, bem, se você colocar em termos realmente grosseiros, então é meio que isso mesmo.”

“Eu me opus”, disse Nephren com um rosto ligeiramente irritado. “Acho que devemos levá-la embora, mesmo que isso signifique envolver uma corrente no pescoço dela.”

“Tenho certeza que você só está com inveja”, disse o peixe em troca.

“Elq é como um gatinho.”

“Você poderia pelo menos tentar negar, poxa.”

Sobre o que elas estão falando? Willem pensou.

“Nós voltaremos de novo”, disse Nephren, então começou a sair da pousada.

“O-Oi! Onde você está indo?” Soldados a seguiram.

“Casa. Não há nenhuma Besta perigosa aqui.”

“Espere, abandonar o nosso posto não será perdoado!”

“Não há trabalho a ser feito aqui. Eu sou a única com autoridade para decidir isso, certo?”

“Isso… droga. O que o oficial está pensando!”

Os soldados seguiram a garota enquanto ela caminhava sem hesitação para longe. E com isso, seus convidados indesejados da noite desapareceram de vista.

Separador de texto

“… então quem eram eles?”, Perguntou Astartus, com a cabeça inclinada em confusão.

“Nossos passados ​​nos perseguiram, ao que parece”, respondeu Willem em tom de brincadeira.

“Tudo bem para você mandá-los de volta para casa?”

“Eu não tenho um passado”, disse Willem com um encolher de ombros. “Claro, não sei sobre a outra.” Ele olhou para o segundo andar.

“Alguém da família dela veio buscá-la, correto? O que a própria Elq disse?”

“Nada. Ela acabou de me dizer “estou cansada por isso saia” e me colocou para fora do quarto.”

“Me pergunto se está tudo bem para ela não ir para casa com eles.”

“Quem sabe. Eu nunca posso realmente dizer o que as crianças estão pensando.”

Isso não era mentira, mas também não era a verdade. A razão pela qual Elq ficou para trás foi provavelmente porque ela não queria deixar Willem sozinho. Ele estava meio convencido disso, mas, em outras palavras, apenas meio convencido disso. Aliás, ele estava profundamente grato por isso.

“Enfim, ela está aqui, então parece que ainda estaremos sob seus cuidados, chefe.”

“Bem, é claro que os recebo de braços abertos, mas…” Astartus fez uma cara confusa. “É difícil pôr isso nas palavras certas, mas, no mínimo, por favor viva de modo que não tenha nenhum arrependimento.”

“Eu farei o meu melhor”, Willem respondeu com algum esforço. Ele não tinha passado. Consequentemente, recusar o pedido daquela garota sem ouvi-lo tinha que ter sido a decisão correta. Mas essa justeza provavelmente pioraria a situação da garota. Por alguma razão, esse pensamento deixou uma sensação amarga dentro de seu peito.

“… isso é só algo que ouvi”, começou Astartus.

“Hm?”

“Nas histórias infantis ou nos contos de fadas, há o final clichê de “viveram felizes para sempre”, certo? Mas isso em si é algo tão distante da realidade, que só é permitido existir dentro de histórias infantis e contos de fadas. Um sonho irrealizável na realidade, semelhante a espadas mágicas ou castelos majestosos e tal. Inconscientemente, todos nós percebemos a futilidade da palavra “para sempre”.”

“Tenho quase certeza que espadas mágicas e castelos existem de verdade, não é?”

“Agora que você mencionou, acho que é verdade.” Astartus pensou por um momento, não parecendo ser interrompido pelo pequeno gancho de Willem. Com o dedo indicador apontado para cima, ele continuou: “Basicamente, nós inconscientemente pensamos na frase “para sempre” como um objeto ficcional”.

“O-Oh.”

“O mesmo tempo não continuará para sempre. Eventualmente, um fim chegará ao mundo inteiro em si. O importante é aceitar que a mudança ocorre e descobrir como melhor utilizá-la amanhã. Não importa quão diferente seja o amanhã do hoje, nós podemos viver com isso. E enquanto vivermos, podemos tentar obter felicidade”.

“… “tentar”, hein. Pelo menos você está sendo honesto.”

“A felicidade não é tão barata que até mesmo aqueles que não tentam podem obtê-la.” Astartus encolheu os ombros. “Não importa quanto tempo você fique aqui, eu não me incomodo. No entanto, se uma oportunidade se apresentar, não hesite em sair. O lugar onde você pertence é onde quer que você esteja naquele momento.”

“Eu sei.”

Claro, Willem sabia por que Astartus de repente tinha começado a falar sobre essas coisas. Ele poderia recuperar suas memórias a qualquer momento, e Elq poderia se tornar um simples velho cadáver a qualquer momento. Por mais que negassem o passado ou se apegassem ao presente, esses dias pacíficos na estalagem provavelmente não continuariam por muito tempo.

Se, quando o fim chegasse, ele ainda não tivesse aceitado esse fato, ele acabaria amaldiçoando o mundo, o destino ou alguma outra força maior. Ele carregaria inimizade não voltada para qualquer pessoa ou coisa concreta, relutando sua incapacidade de simplesmente viver todos os dias de forma normal e pacífica. Ele esqueceria quanto esforço e sacrifício era necessário para tornar tal desejo ganancioso em realidade.

“Eu sei”, ele repetiu.

Estes dias não continuariam por muito tempo. Mas, no momento eles ainda estavam continuando, graças a Astartus, Elq, e também ao desaparecido Nils. Então, no momento, ele só queria ser grato por esse tempo.

Com esses pensamentos passando por sua mente, Willem colocou a boca em sua xícara de chá ainda intocada. Naturalmente, após ficar parada por tanto tempo, tinha ficado incrivelmente amarga.

Separador de texto

Os militares começaram a vigiar a estalagem, rotacionando em três turnos. O número de guardas aumentava e diminuía dependendo da hora do dia, mas geralmente pairava em torno de três ou quatro. Eles ocupavam principalmente dois lugares: a sombra da cerca de pedra da fazenda vizinha e a cabana do vigia na ponte pública um pouco afastada. Ambos estavam separados o suficiente da estalagem para tornar impossível a observação a olho nu, de modo que os soldados provavelmente tinham dispositivos para ver de longe. Eles realmente se esforçaram muito para isso.

Embora isso se provasse ser muito incômodo, caso Willem e Elq apenas ficassem quietos, os guardas não lhes causariam mal algum. Quanto a Astartus, ele adotou a postura otimista, apontando que o exército interviria se algo acontecesse e que forneciam proteção gratuita contra ladrões.

Considerando que, os soldados estavam cuidando deles de certa forma, Willem uma vez tentou oferecer-lhes um pouco de café, apenas para dar de cara com a mais azeda das expressões. Ele planejava iniciar uma conversa e perguntar por que ele e Elq estavam sendo visados, mas o mau humor dos soldados não proporcionava exatamente o ambiente mais propício para isso.

“Acho que não posso torturá-los nem nada.”

Se ele quisesse, no entanto, Willem imaginou que provavelmente poderia. Seu corpo parecia conhecer várias técnicas sem motivo aparente, como massagens e combates de estilo assassinato. Se ele usasse bem suas habilidades, provavelmente não seria muito difícil destruir a vontade e a dignidade de um alvo sem destruir seu corpo.

Claro, fazer isso certamente destruiria seu estilo de vida atual, então não havia sentido. Assim, Willem decidiu continuar vivendo normalmente, tentando o seu melhor para não pensar em quem ele era ou porque estava sendo vigiado pelo exército.

No entanto, a vida cotidiana normal tinha começado a se transformar em algo desconfortável e distorcido. Ele sabia que o fim desses dias gentis estava lento, mas certamente, se aproximando.


Parte 3 – Aquela Manhã

Naquele momento, Nygglatho foi confrontada com uma decisão de extrema gravidade, do tipo que ela só tinha se deparado menos de dez vezes em toda a sua vida: um sanduíche com bacon bem fatiado ou um ensopado de leite com fígado de vaca chamo. Qual deles ela deveria escolher para o café da manhã?

Ela já sabia que o sanduíche de bacon aqui era de primeira qualidade, mas o problema estava no fato de ela nunca ter ouvido falar de uma vaca chamo. Fígado tendia a diferir muito de restaurante para restaurante, então, em essência, pedir o ensopado seria em parte uma aventura.

Comer é viver. Escolher o que comer é equivalente a escolher como viver.

“Ughhh…”

Com um rosto bem sério, Nygglatho olhou para o cardápio do café da manhã.

Separador de texto

Naquele momento, Rhantolk estava mergulhada em pensamentos. Divagando com os olhos na sua Dug Weapon, ela pensou e pensou na tentativa de resolver seus problemas adolescentes. O que elas eram? De onde vieram e para onde iam? E uma vez passado, esse ciclo se repetia uma e outra vez naturalmente. O que devem fazer?

De repente, foi lhe dito que elas eram fragmentos de um deus, ela, é claro, achava difícil de acreditar, e ao mesmo tempo, por algum motivo, extremamente persuasivo. Em vez de adquirir novos conhecimentos, ela sentiu como se algo que tinha estado escondido no fundo de seu estômago por muitos anos tivesse sido traduzido em palavras. Ela não podia negar, mas o que raios ela deveria fazer?

Eu queria ser como Chtholly, pensou Rhantolk pela primeira vez. Chtholly jogou fora coisas como a razão pela qual nasceu como um Leprechaun ou a razão pela qual tinha vivido até agora e manteve sua própria razão para viver. Ela encontrou essa razão e viveu uma vida decente. Rhantolk sabia que não era algo a que aspirar casualmente, mas, ainda assim, não podia deixar de sentir inveja daquela força.

Separador de texto

Naquele momento, Ithea estava lendo um livro. Para ser mais específico, ela estava lendo um romance de ficção barato, sem relação alguma com os livros importantes armazenados na Grande Biblioteca. Ela o tinha comprado em uma livraria na cidade no outro dia. O novo sétimo volume de “Triângulo Rasgado”, assim como as suas prequelas, falava de pessoas dedicando seus corações à traição e ao adultério em nome do amor verdadeiro.

Mas era exatamente em momentos como esse, lendo histórias exageradamente cômicas, que ela podia realmente olhar para si mesma e para as outras fadas objetivamente — isso é o que estava passando pela cabeça de Ithea. Quase todos os relacionamentos românticos que apareciam no livro terminavam em desastre. Um amor em que a felicidade é proibida termina de um modo em que ninguém encontra a felicidade. Ela sentiu uma estranha sensação de proximidade com esse tema.

“Haha.”

A personagem principal feminina encontrou seu sexto parceiro de adultério, contando a partir do primeiro volume. Aconteceu de ele ser um júnior de seu terceiro parceiro e, talvez na tentativa de fazer uma personalidade para si mesmo, sempre colocava um final estranho em tudo o que dizia.

“Sexto cara, hein…” ela murmurou com uma risada. “Se houvesse um pouco mais de tempo, talvez eu pudesse ter entrado também…”

Separador de texto

Naquele momento, Grick estava na costa oeste da 13ª Ilha Flutuante, no distrito portuário da Federação Mercantil de Elpis. À primeira vista, ele estava lá como um piloto contratado por um comerciante influente de Corna di Luce e, em segredo, estava lá para reunir informações sobre os vários grupos de comerciantes e grandes movimentações de dinheiro dentro do país. Alguém no alto escalão da Guarda Alada, aparentemente ainda mais alto que Buronny Maxi, pedira-lhe que fizesse o trabalho. Desde que a jovem de cabelos grisalhos, Nephren, disse que estava bem sozinha, ele não precisava ficar ao seu lado à força, então ele aceitou.

“Embora eu não ache que seja muito adequado para isso…”

Afinal, por que um coletor que dedicou seu coração aos tesouros da terra tem que ficar preso observando um estranho no céu? Ele tinha reclamações, mas, é claro, nenhum homem abandona o trabalho que já aceitou.

Suspirando internamente e dando uma olhada ao redor, ele viu alguns rostos curiosos. Alguns mercadores ricos vindos de Elpis, mas que residiam em Corna di Luce, estavam chegando à 13ª Ilha, todos individualmente.

Poderia estar havendo algum tipo de grande conferência? Não, se esse fosse o caso, mercadores de outras ilhas também estariam aqui. Por que um bando de mercadores da mesma cidade vem aqui como se tivessem planejado se encontrar de antemão… ou talvez eles tenham planejado de antemão.

Os comerciantes quase pareciam pássaros escapando de um navio afundando.

“… não, não pode ser…”

Grick teve um mau pressentimento.

Naquele momento, Nephren estava a bordo de uma aeronave com destino à 2ª Ilha Flutuante.

“Eu conheci sua amiga”, disse um velho sem nem o menor dos sorrisos.

Na reunião com Nygglatho anteriormente, o homem tinha chamado a si mesmo de conselheiro da Guarda Alada. Na verdade, porém, ele não era outro senão o Grande Sábio Suwon Kandel, o criador de Regul Aire e seu eterno guardião. Após algumas considerações, Nephren percebeu o quão incrível era encontrar cara a cara com uma figura lendária. No entanto, sentimentos de admiração não se agitaram dentro dela tanto quanto ela esperava. Isso era provavelmente, ou definitivamente, por causa de Willem. Depois de estar perto dele por tanto tempo, ela se acostumou com a não-incredibilidade das pessoas incríveis e com a incredibilidade das pessoas não-incríveis.

“Amiga?”, ela perguntou.

“Eu não perguntei o nome dela. Ela tinha longos cabelos azuis e parecia forte por dentro.”

“Ah.” Nephren rapidamente entendeu que tinha que ser Rhan.

“Ela era uma boa garota. Estava tentando viver com todas as suas forças.”

“?”
Nephren não entendeu o que o velho estava dizendo. Obviamente, um ser vivo vive com todas as suas forças. Os Leprechauns não eram diferentes, apesar de não estarem tecnicamente vivos.

Ela ouviu que muitas outras amigas dela além de Nygglatho, no momento estavam em Corna di Luce. No entanto, ela acabou aqui nesta aeronave sem ver nenhuma delas.

“Suponho que você queria encontrá-la?” O velho perguntou.

“Claro. Mas compreendo porque você não quer me deixar.”

Agora que o armazém das fadas tinha reunido tanta atenção, se Nephren chegasse perto dele, sua existência irregular seria descoberta por várias partes. Esse vazamento de informações apresentava um grande risco que, sem dúvida, afetaria negativamente os desenvolvimentos futuros. Se ela realmente insistisse em encontrá-las, provavelmente poderia ter ido em segredo. No entanto, deixando de lado Rhan e Ithea, Tiat e Lakhesh não pareciam mesmo ser capazes de ficar em silêncio sobre Nephren para sempre. E, mesmo se o fizessem, ela não queria forçá-las a carregar um segredo tão pesado.

“Se eles estão bem, isso é bom o suficiente”, disse Nephren.

“Ahh, como é forte… acho que vou chorar.”

Nephren afugentou o peixe flutuante que de repente decidiu aparecer.

Do lado de fora da janela, ao longe, Nephren viu um vaso de flores gigante feito de quartzo negro flutuando no ar.

“… poderia aquele objeto interessante ser a 2ª Ilha Flutuante?”

“Exato.”

“A pessoa que você quer que eu encontre está lá?”

“Isso mesmo. Embora ele não seja uma pessoa.”

Nephren uma vez leu em um livro sobre uma das poucas regiões isoladas de Regul Aire. Chamada de Coração da Árvore do Mundo, que supostamente escondia grandes segredos.

“Oh minha nossa, que presença nostálgica. Vejo que ele está escondido em outro lugar grandioso.”

Nephren afastou o peixe flutuante mais uma vez.

Separador de texto

Naquele momento, Willem e Elq estavam fazendo compras.

O bulício matinal começava bem cedo na cidade de Corna di Luce. O mercado da manhã servia como uma das principais causas disso. Numerosas barracas imprensadas em algumas praças, todas exibindo produtos frescos na frente: feijão, legumes, salada, carne, batatas, ovos, pão, gelo, frango, temperos. E finalmente, é claro, as hordas de clientes transbordando de energia.

Willem olhou para sua lista de compras. Hoje, ele precisava comprar um pouco mais de ingredientes do que o habitual, então, tirar um momento para pensar um pouco antes parecia ser muito mais eficiente do que simplesmente vagar pelas barracas sem um plano.

“Ei, ei Willem! O que é aquilo? É comida?” Elq puxou sua manga, apontando para uma barraca com pedras de várias cores em exibição.

“Não é uma comida, é mais como um utensílio. Alguns Reptrace colocam isso em seus estômagos para moer a comida em vez de mastigar com os dentes.”

“Ohh…” Elq fitava com olhos brilhantes, como se as pedras fossem pedras preciosas.

“Não tenha ideias estranhas. Quando se trata de funções corporais, a barreira racial é impiedosamente espessa”.

“Ahhhh…”

Elq parecia desapontada, mas, não importava o quanto ela implorasse, isso era uma coisa que Willem nunca poderia deixá-la tentar. No mínimo, isso levaria a uma bela dor de estômago. Na pior das hipóteses, poderia levar à morte.

“Então… oh, o que é aquilo? Que coisa é essa? Posso experimentar também?”

“É exatamente o que parece: madeira. Não vai muito bem com o seu estômago nem com o meu.”

“Ahhhh…”

Sua voz soou desapontada novamente, mas seus olhos logo começaram a correr pelo mercado, procurando o próximo objeto interessante. Willem achou que seria melhor terminar seus negócios antes que ela achasse qualquer coisa muito estranha.

“Ah.”

“Hm?”

No entanto, logo após esse pensamento passar pela cabeça de Willem, os olhos de Elq pararam. Seu olhar se concentrava não em uma barraca no mercado, mas em uma loja comum, uma antiga chapelaria. Seguindo seu olhar mais de perto, Willem viu que a coisa que lhe chamou a atenção foi um grande chapéu de abas largas através da janela.

“Hm? Você quer isso?” Ele perguntou.

As roupas que Elq usava eram aparentemente aquelas usadas pela filha de Astartus quando era nova. No momento, ela também tinha pegado emprestado um chapéu cuja cor combinava com sua roupa. Willem achou que as roupas pareciam perfeitas para ela, mas, se Elq queria estar mais na moda, então ele não queria impedi-la.

“Eh… n-não–”

“Não precisa se segurar. Não é tão caro assim, vou pegar para você. Como não gasto muito normalmente, eu economizei bastante”.

“Não, eu não quero isso. Sério, é outra coisa!” Elq balançou a cabeça rapidamente.

“Entendo.” Foi um pouco triste, mas ele não teve escolha senão desistir após ouvir tanto a negação dela. “Nesse caso, acho que terminaremos nossas compras sem desvios.”

“Tudo… bem.”

Mais uma vez, ele partiu no meio do mar de pessoas. Elq seguiu logo atrás, contudo uma vez a cada poucos segundos ela se virava. Ela obviamente ainda estava interessada naquele chapéu. Talvez eu devesse comprá-lo em segredo e dar de presente, pensou Willem. Podia ser difícil encontrar tempo para comprá-lo sem Elq percebesse, mas ele achou que valeria a pena.

Então, por um momento, sem nenhum motivo real, Willem olhou para o céu. Ele avistou uma única aeronave de tamanho médio pairando vagarosamente acima. Por si só, isso não constituía uma cena muito incomum. Afinal de contas, Corna di Luce originalmente se desenvolveu como uma cidade comercial, muitas aeronaves constantemente voavam para dentro e fora do distrito portuário. A qualquer momento, dia ou noite, não encontrar nada voando pelo céu provavelmente seria mais raro.

Apesar disso, Willem teve uma sensação estranha sobre aquela aeronave pairando acima. Algo parecia… estranho. Ele não conseguia explicar muito bem. Para dar um exemplo, sua altitude era estranhamente baixa, não baixa o suficiente para se arriscar a colidir com qualquer edifício, mas ainda baixa o suficiente para que Willem pudesse distinguir o nome da organização escrito no casco da nave. Além disso, esse nome dava uma impressão bastante estranha: A Ordem de Aniquilação do Serviço Histórico.

O nome soava tanto como uma piada que Willem não pôde deixar de ler uma e outra vez. Além disso, por algum motivo, ele sentiu como se já tivesse ouvido isso antes. Ele começou a sentir a cabeça doendo um pouquinho também. Poderia ter alguma conexão com o passado dele? Ele queria acreditar que nunca pertencera a uma organização com um nome tão embaraçoso.

“Willem? O que há de errado?”

Um puxão na manga tirou Willem de seus pensamentos e o trouxe de volta à realidade. “Ah, não é nada.” Ele voltou seu olhar do céu de volta à terra. “Vamos indo. Se não nos apressarmos, perderemos toda a carne boa, e Astartus provavelmente ficará desapontado.”

“Não tenho dúvidas disso.”

Os dois riram.

— Boom.

“Hã?”

Instintivamente, Willem voltou seu olhar para o céu. Ele avistou fumaça preta jorrando do fundo daquela aeronave, da área próxima do reator de combustão. Após o atraso de um momento, alguém soltou um grito e, depois de outro momento, um grito coletivo surgiu da multidão. Em poucos segundos, um pânico irrompeu. A aeronave perdeu o equilíbrio, com sua capacidade de manter-se flutuando claramente danificada. Aos olhos de qualquer um no local, era óbvio que a nave logo cairia completamente.

Em meio ao caos, as ondas de pessoas ameaçaram varrer Elq.

“Fique perto!”

“T-Tudo bem!”

Willem estendeu a mão. As pontas dos dedos deles se tocaram, conectando-os enquanto tentavam se envolver.

Então, mais uma vez, ele olhou para o céu. A coluna de fumaça negra só ficou ainda mais espessa, a aeronave inclinou-se para baixo a um ritmo acelerado, e o corpo do navio começou a deformar-se, por não conseguir suportar o peso, enquanto os gritos vindos do chão ficavam cada vez mais altos.

Em seguida, Willem viu. Na parte de trás da aeronave, onde o lastro estabilizador costumava ser amontoado, uma grande ruptura se abriu e, a partir daí, alguma coisa, que obviamente, não era cascalho ou sacos de aniagem, derramou-se no céu.

O que é aquilo?

Devido ao sol, ele não podia vê-la muito bem, mas ele conseguiu distinguir uma silhueta tênue. No geral, os objetos tomavam a forma de fitas ou, para fazer uma comparação, grandes cobras. No entanto, em vez de escamas, inúmeras protuberâncias parecidas com pelos, cresciam de seus corpos. Eles eram animais estranhos. Ou melhor, eram coisas estranhas que ele não sabia se podia chamar de animais ou não. E, por alguma razão, o nome deles surgiu em sua cabeça, como se tivesse subido do fundo de seu estômago.

“Não… não podem ser…”

Aparentemente, Elq tinha visto a mesma coisa e chegado à mesma possibilidade. Willem conhecia muito bem aquelas coisas. Elas lhe deram memórias que ele nunca esqueceria. Mesmo com sua memória selada, sua mente e corpo inteiro estavam tentando se lembrar delas, aquelas coisas que uma vez, em um sonho distante, roubaram toda e qualquer coisa que ele amava.

“Aurora…” ele murmurou, congelado em estado de choque.


Parte 4 – O Caráter de um Bravo

Era senso comum disseminado de que as 17 Bestas ocupavam a posição de maior ameaça a todos os seres vivos, mas a natureza concreta das Bestas não era muito conhecida, principalmente por duas razões. Em primeiro lugar, muitos mistérios as cercavam, de modo que nem os pesquisadores conheciam detalhes. Em segundo lugar, uma vez que, por regra geral, aqueles que encontraram as Bestas nunca voltaram para casa vivos, dificilmente alguém teve de fato qualquer experiência direta com as criaturas.

Em outras palavras, quase ninguém que vivia em Regul Aire havia considerado a possibilidade de um ataque de Besta. Mesmo para os soldados da Guarda Alada, a situação dificilmente diferia. A grande maioria deles nunca tinha visto diretamente uma Besta, então, independentemente da preparação mental, eles simplesmente não estavam acostumados a esses inimigos.

Acima de tudo isso, as Bestas não podiam voar. O Timere até podia flutuar pelo ar sob as condições certas, mas isso era tudo. Como resultado, as chances de encontrar uma Besta diferente da 6ª sem ir até a superfície eram de zero.

Basicamente, Corna di Luce tinha uma letal falta de conhecimento sobre o Aurora.

Separador de texto

O terrível caos desceu sobre a sede de comando da Guarda Alada. Relatórios de danos vieram voando de um lado ao outro. A destruição real causada ​​pelas Bestas ocupava cerca de metade desses, enquanto a outra metade consistia em acidentes ou incidentes causados ​​por cidadãos em pânico. E, provavelmente, a maioria dos eventos relatados em ambas as categorias nunca teriam ocorrido. Informação confiável era um sonho sem esperança no meio do pesadelo que cercava a cidade. Ainda assim, relatos de problemas exigiam ações militares… os soldados sérios que estavam apenas tentando fazer seu trabalho só contribuíam para o caos.

“Acho que é aqui que nós entramos”, disse Ithea com um bocejo enquanto esfregava os olhos.

Sentada no interior, ela praticamente não tinha ideia do que estava acontecendo lá fora. Que Bestas tinham caído do céu e que, com base em informações de testemunhas, o tipo específico parecia ser o Aurora com base na extensão de seu conhecimento.

Se ela se lembrava corretamente, um material relativamente detalhado sobre Auroras havia sido empilhado na sala de referências do armazém das fadas. No entanto, ninguém esperava uma súbita batalha com eles, então esses recursos ainda não tinham sido lidos seriamente. A única exceção, Nephren, que leria qualquer material, não importando o quão entediante fosse, do começo ao fim, não estava mais com eles.

Bem, a falta de informação contra as Bestas tinha sido um fator constante em todas as batalhas anteriores, por isso não apresentava exatamente um grande problema. Contudo…

“Este é um campo de batalha bastante irregular para nós. Me deixa um pouco desconfortável que esta seja a primeira batalha de alguém.”

“Verdade.”

Tiat, completamente vestida de pijama, soltou um suspiro bobo com os comentários de Ithea e Rhantolk.

“Eu também vou! Deixe-me lutar!” Lakhesh levantou a mão com fervor enquanto rapidamente colocava as roupas apropriadas nos braços de Tiat.

“Não.” Nygglatho sacudiu a cabeça. “Sua arma ainda não foi decidida, sabe?”

“Mas nós temos espadas, não temos?”

Nygglatho ficou em silêncio. Elas tinham espadas: Valgulious, Historia, Ignareo e, além dos Carillons das três fadas, mais uma espada que Nygglatho trouxe como amuleto de boa sorte. Ninguém, até onde eles sabiam, era capaz de manejá-la, de modo que realmente não servia a outro propósito além de um amuleto. Mesmo enquanto falavam, o cabo espreitava para fora da mochila grande de Nygglatho.

“Mas…”

“Eu não quero apenas esperar. Eu não vou conseguir ficar parada. Eu quero… talvez eu não seja de muita utilidade, mas pelo menos não vou arrastá-las para baixo!”

Um leve toque de dor atingiu Nygglatho no peito.

“Não, você não pode ir. Não posso expor uma criança que não tenha terminado o treinamento básico de pós-ajuste para tal perigo. Você só usou com sucesso essa espada em um teste. Isso não significa que poderá usá-la em uma batalha real, sabe?”

“Mas!” Lakhesh levantou a voz ainda mais alto. Só então,

“Com licença, senhoritas”, a voz de um homem se intrometeu pela lateral.

Virando-se, Nygglatho viu alguns homens ali de pé, usando ternos novos em folha. Um Orc saiu do meio do grupo e sorriu. Olhando mais de perto, ela notou bandagens enroladas em torno de seu corpo aqui e ali sob o seu terno.

“Você é… aquele de Elpis!” Levou apenas uma fração de segundo para a raiva encher a voz do Nygglatho.

“Ah!?”

“S-Senhorita Nygglatho, que coincidência encontrá-la aqui.” Enquanto o resto dos homens se encolhia de surpresa, o orc conseguiu se manter firme. “Parece que a situação se tornou bastante grave. Embora possa não ter muito a oferecer, cheguei aqui imaginando se poderia ser de alguma ajuda.”

“Como você ousa dizer isso!”

De acordo com o que Nygglatho ouvira, Elpis tinha contrabandeado Bestas para a ilha. Em outras palavras, os homens na frente dela poderiam muito bem ser responsáveis ​​por toda essa bagunça. Mesmo enquanto falavam, dezenas estavam sendo abatidos nas ruas. A Guarda Alada e as forças da cidade provavelmente estavam se movendo em defesa, mas suas armas e canhões comuns teriam pouco efeito sobre as Bestas. Juntamente com a confusão total envolvendo a cidade, ela não via como poderiam fazer muita coisa.

“Parece que temos um mal-entendido. O caos do lado de fora não foi causado por nós. Segundo testemunhas, parece ser um ato da Aniquilação alguma coisa, ou melhor, uma organização criminosa desta cidade.” O Orc continuou a cuspir audaciosamente mentiras descaradas. “Por favor, não faça uma cara tão assustadora. Nós viemos aqui hoje exclusivamente com a pura intenção de ajudar.” Ele acenou com as mãos enfaixadas em uma tentativa de mostrar sua falta de hostilidade.

“Com o poder de fogo que a Guarda Alada pode utilizar formalmente, desculpe minha grosseria, duvido que sejam capazes de enfrentar seus inimigos. No entanto, hoje, aconteceu de termos uma aeronave com nossas armas a bordo ancorada no porto.” Então, como se tivesse acabado de lembrar de algo, ele acrescentou: “Ah, é claro, nós trouxemos as armas aqui seguindo os devidos procedimentos. Desejo utilizá-las para exterminar nossos inimigos”.

“Isso…” Nygglatho entendia a relevância do exército de outra ilha ser posicionado na cidade. Qualquer um que estudasse um pouco da história saberia. “Isso nunca será permitido! De acordo com a Constituição de Regul Aire, isso cai sob a jurisdição da Guarda Alada!”

“Não, não, você está enganada.” Todo o rosto do Orc se mudou para fazer um largo sorriso, como se tivesse vindo até aqui apenas para dizer essas palavras. “Já conversamos com os superiores da Guarda Alada”.

“… eh?”

“Oh, mais uma coisa. Acho que a Orlandri Trading Company entrará em contato com você em breve, mas, por gentileza do meu coração, eu vou lhe dizer agora.” Como se de repente tivesse lembrado de algo, ele acrescentou: “Sobre o seu posto e aquele barracozinho, as coisas já foram decididas, incluindo uma programação concreta. Também incluindo, é claro, o equipamento armazenado lá.”

“M-Mentira”.

“Ahh, não faça essa cara. As expressões faciais dos desmarcados são tão difíceis de ler, mas o rosto que fazem quando contemplam sua impotência é diferente. É tão óbvio que não posso deixar de sorrir.”

O orc abriu as mãos, girou uma bengala e colocou um chapéu de seda, que pareciam ter saído do nada. “Bem, aí está, senhorita Nygglatho. Esta cidade é o nosso palco, por isso seria melhor evitar ações tolas como mobilizar as fadas sem permissão. O tratamento que suas lindas e preciosas bonecas irão receber quando saírem de suas mãos… sendo tão sábia como é, tenho certeza de que você entende a decisão certa.”

Com isso, os homens saíram rumo à sala de comando, liderados pelos Orc, que parou um pouco antes de gargalhar.

Separador de texto

“… caramba, a Guarda Alada é mais podre do que pensei lá em cima”, Ithea murmurou.

“Eh?” Tiat levantou a cabeça.

“É possível que eles tenham sido obrigados a concordar com um contrato antes de saberem que seria em larga escala. É como fazer um pouco de trabalho sujo só para conseguir um dinheiro extra, mas depois perceber que foi longe demais para voltar atrás”, acrescentou Rhantolk.

“Ehh?” Tiat olhou para ela.

“Então, basicamente, Elpis está confiante de que eles podem acabar com as Bestas enlouquecidas por aí e ainda parecerem legais, certo?… É meio frustrante, mas se eles podem fazer isso, então talvez esteja tudo bem”, disse Lakhesh.

“Ehhhhh!?” Tiat gritou. “L-L-Lakhesh, você entendeu toda essa conversa?”

“S-Sim… não as partes difíceis, mas acho que entendi a visão geral, talvez…”

“Só eu que não entendi!?”

“T-Tudo bem, eu vou explicar agora, então se acalme.” Lakhesh empurrou Tiat, que parecia prestes a se agarrar a ela. “Vejamos, você conhece Elpis, certo? Na 13ª Ilha Flutuante, como um país vizinho ligeiramente distante daqui. Bem, tecnicamente uma cidade-estado.

“Sim, o país a que sempre se referem em “As chamas de Elpis e as sombras de Pitos”, certo?”

“Bem, sim, mas esqueça sua impressão dos filmes de cristal. Seja como for, Elpis, uh… isso é apenas um palpite, mas eles provavelmente querem começar uma guerra.”

“Por que”, disse Tiat com uma cara de quem não tinha entendido nada.

Lakhesh olhou para Ithea, que continuou a explicação.

“Veja, a guerra tem esse efeito mágico de poder adiar todos os problemas dentro de um país. Por exemplo, não importa o quanto você e seus vizinhos se odeiem, se alguém com um machado vier e atacar a qualquer momento, você não pode se dar ao luxo de lutar com seus vizinhos, certo? Além disso, mesmo que você esteja pobre ou faminto, em uma situação de matar ou ser morto, não há espaço para reclamações. A existência de um inimigo externo obscurece quaisquer problemas internos”.

Conforme explicava, Ithea fez uma carranca adequada ao assunto desagradável. “Mas quando a paz retorna, o mesmo acontece com todos os problemas que foram varridos para debaixo do tapete. Quando não há caras com machados vindo te atacar, você não pode deixar de lembrar o quanto odeia seus vizinhos. Quando se trata disso, existem duas escolhas, ambas as quais levam ao mesmo resultado. Ou você começa uma guerra com seus vizinhos ou encontra outro inimigo externo para começar uma guerra.”

“… se dar bem com os vizinhos não é uma escolha?” Tiat perguntou timidamente.

“É sim. Você só precisa encontrar seu próximo inimigo. Até recentemente, o Timere servia como inimigo externo, então, em geral, todos em Regul Aire se davam bem. Mas agora que a notícia de que o Timere não aparecerá por um tempo se espalhou, alguns países estão começando a se lembrar de “oh é mesmo, eu costumava odiar esses caras”. E um país dentre esses que agiu imediatamente foi Elpis.

Eles também escolheram um método bastante perspicaz. Se eles simplesmente atacassem seus vizinhos, seriam reconhecidos como uma ameaça à paz de Regul Aire e transformados em um novo inimigo externo. Então eles mudaram sua abordagem. Chamaram um inimigo de fora e deixaram-no desembestar no quintal do vizinho. Então, tudo o que precisam fazer é entrar no quintal do vizinho e matar os intrusos. Os vizinhos agradecerão e, de bom grado, ficarão sob o controle deles e todos viverão felizes para sempre.” Ithea aplaudiu sarcasticamente.

“Então, basicamente, foram eles que trouxeram os bandidos, mas vão interpretar o herói e forçar os outros a se endividarem com eles?”, Exclamou Tiat.

“Oh, sim, é exatamente isso. Você entende bem rápido, hein.”

“M-Mas, ser o herói é o trabalho da Guarda Alada, certo? Outra pessoa não pode simplesmente pegá-lo.”

“Eles cuidaram disso primeiro. Se a Guarda Alada, que supostamente são os heróis, não podem ser de utilidade alguma, então Elpis pode entrar e salvar o dia, roubando toda a confiança pública que a Guarda Alada construiu ao longo dos anos.”

“Mas… isso é…” Sem perguntas, Tiat ficou em silêncio.

Sem nada mais a explicar, Ithea e Lakhesh seguiram o exemplo.

Separador de texto

“Aí estão vocês.” Com passos leves e rápidos impróprios ao seu corpo gigante, Limeskin veio correndo pelo corredor. “Nygglatho. Retorne as fadas aos seus quartos.”

“… sim, eu sei”, respondeu Nygglatho suavemente.

“Espere um segundo. Não me diga que você está planejando fazer o que eles disseram!” Rhantolk se interpôs entre os dois.

“É exatamente isso. Essas são as ordens dos meus superiores e também um método para acabar com esse perigo com o menor prejuízo possível”, respondeu Limeskin.

“Mas, de forma a não permitir que tenham êxito, precisamos fazer com que as armas deles não produzam os resultados esperados. Além disso, se sairmos agora, poderemos reduzir os danos à cidade, mesmo que só um pouquinho,” protestou Rhantolk.

“E então vocês podem sofrer mais do que apenas um pouco de dano”, disse Nygglatho, sua voz soava quase como a de um gatinho assustado. “Continuamos enviando vocês para lutar todo esse tempo porque não tínhamos outra escolha. Ninguém mais além de vocês poderia ficar naquele campo de batalha. Se esse não fosse o caso, nunca teria deixado que fizessem algo tão perigoso. Mas…”

Força voltou aos olhos de Nygglatho. “Este não é um daqueles campos de batalha. Isso não passa de um campo de caça para Elpis soltar, lutar e capturar suas próprias presas. Não há razão para vocês terem que arriscar suas vidas por isso.”

“Então tudo correrá como eles planejaram, sabe? Você vai ficar quieta e deixá-los esmagar o armazém das fadas?”

“Claro que não. Eu resistirei até o fim. Mas essa é a minha batalha, não é algo para vocês derramarem sangue.”

“Hmph.” Enquanto isso, Limeskin assentiu com um rosto um tanto calmo. “Vou fazer uma pergunta. A orientação do vento alcançou as cavernas de seus corações?”

“… O quê?” Uma frase de lagarto totalmente incompreensível surgiu do nada pela primeira vez em tempos.

“Uma única lâmina não escolhe seu campo de batalha sozinha. Se há um campo de batalha que se deseja, é preciso ser um guerreiro. Nos dedos que seguram o punho, nos braços que sustentam a lâmina, é preciso carregar o vento.”

“… hum…?” Não adiantou. Rhantolk não tinha ideia do que ele estava tentando dizer. “Ithea.” Cutucando a amiga sentada ao lado dela com o cotovelo, ela sussurrou: “Você sabe de um monte de coisas aleatórias estranhas. Você entende o que ele está falando?”

“Foi você quem estudou línguas antigas e coisas assim”, Ithea sussurrou de volta. “Você é mais qualificada do que eu quando se trata de culturas diferentes.”

“Eu só faço isso por diversão, eu não sou realmente boa nisso. Toda aquela leitura não está sendo útil agora.”

“Bem, eu não tenho ideia do que está acontecendo também.”

“… Hum, Primeiro Oficial Limeskin.” Enquanto as mais velhas discutiam entre si, Tiat deu meio passo à frente. “Nós amamos esta cidade. Isso conta como uma razão?”

“Se você tombar aqui, a próxima terra a ser atacada será ainda mais machucada. Você entende isso?”

“Não, não mesmo, senhor.”

“Hm?”

“Mas se Chtholly estivesse aqui, tenho certeza que ela diria isso. Quem se importa com o próximo lugar? Uma soldada fada luta pelo que é importante. Não importa a razão, eu não posso fugir em um momento tão crucial… algo assim.”

Nygglatho engoliu em seco. Ithea fez um barulho estranho. Rhantolk silenciosamente ficou embasbacada com os olhos arregalados. Lakhesh sozinha não mostrou sinais de surpresa.

“Aquele que corre atrás das costas de um guerreiro irá um dia crescer para se tornar um guerreiro também… entendo.” Limeskin, talvez de bom humor, emitiu um som estranho de sua garganta. “Eu lhes concedo permissão para atacar. No entanto, não se esforcem demais.”

“Primeiro oficial!?” Nygglatho exclamou quase como um grito.

“Não há outra possibilidade. Se as forçarmos a ficar, elas podem decidir quebrar as ordens e avançar por conta própria.”

“Isso é… verdade, mas…”

“E mais do que tudo, essa jovem guerreira sem dúvida exibe o vento.” A palma gigante do Reptrace bateu levemente no cabelo de Tiat. “Não é qualquer um que pode amarrar o vento, tampouco são permitidos para tal. Isso é tudo.”

Separador de texto

Como as outras a notificaram de antemão, Lakhesh ficaria para trás. Despedidas pelo rosto pálido de Lakhesh enquanto Nygglatho a abraçava com força total, Rhantolk, Ithea e Tiat voaram para o céu da manhã.

Olhando de cima para baixo, Rhantolk percebeu que nunca tinha voado uma vez sequer desde que chegara a Corna di Luce. Olhar para a cidade de um ângulo diferente deu-lhe uma sensação estranha de excitação, como ser capaz de espiar nos bastidores, ou como devolver um livro à prateleira depois de desfrutar dele, depois dar um passo para trás e olhar para sua lombada.

No entanto, ao diminuir um pouco a altitude, ela pôde ver as feridas que infectavam a cidade. Fileiras e colunas de edifícios caídos, planas como se tivessem sido cortadas em uma só tacada. Uma única aeronave destruída estava bem no centro. E então, aqui e ali, pessoas deitadas no chão, transformadas em fontes de sangue. Algumas tinham sangue vermelho, algumas azuis e outras próximo de incolor. Os cadáveres de várias raças pontilhavam as ruas da cidade como bonecas quebradas.

Colocando de forma objetiva, era uma visão bastante horripilante. Como uma extensão do seu fraco senso de medo, as fadas não tinham uma reação muito forte a eventos ou cenas relacionadas à morte. Alguns cadáveres por aí não seriam suficientes para evocar qualquer pavor ou emoções semelhantes. Dito isto, uma visão tão transbordante de destruição e morte irracional naturalmente a deixou irritada.

“Ah! ali, ali! As novas armas!” Tiat exclamou, todo seu corpo mostrava o entusiasmo por sua grande descoberta.

Virando-se para onde ela apontou, Rhantolk viu um traje gigante de blindagem metálica andando por uma grande avenida abaixo delas. Parecia grande o suficiente para caber dois ou três gigantes do tamanho de Limeskin. Por seus movimentos desajeitados, porém, ela poderia dizer que o que quer que estivesse dentro não parecia ser um Gigante de verdade.

Alguns Auroras notaram a presença da armadura gigante e atacaram. Usando seus incontáveis ​​pelos, rastejaram até os pés da armadura em um piscar de olhos, em seguida, fixaram-se em suas canelas, como sanguessugas em um pântano. No entanto, suas agulhas, supostamente fortes o suficiente para perfurar aço quando endurecidas, ricochetearam na armadura, e as Bestas foram jogadas de volta no pavimento de pedra. Um momento depois, um colossal martelo de guerra as esmagou em pedaços.

“É… um pouco mais forte do que eu esperava”, comentou Ithea.

“Concordo plenamente”, disse Rhantolk.

Até pouco tempo atrás, ela tinha pensado nos caras de Elpis como tolos arrogantes. Ela imaginou que eles realmente não sabiam nada sobre as Bestas e não tinham evidência real para respaldar sua confiança na vitória. No entanto, ela parecia estar enganada.

O traje blindado de metal tinha uma cobertura constante de venenum intensamente inflamado, assim como o martelo de guerra. As Bestas não podiam ser destruídas por meios normais e, além disso, não sofriam qualquer dano significativo de algo que não fosse um ataque de venenum poderoso o suficiente para fazer com que seus sistemas corporais entrassem em desordem. Por essa razão, a combinação dos Leprechauns e suas Dug Weapons foi considerada necessária para derrotar as Bestas. Mas diante dos olhos de Rhantolk, aquele traje de metal continuava a produzir venenum rivalizando com o de um Leprechaun usando um Dug Weapon.

“Esse poderia mesmo ser um trunfo anti-Besta…” ela murmurou.

O que despertou a curiosidade de Rhantolk foi a fonte do venenum da armadura, aquela força no extremo oposto do espectro da vida. Aqueles mais próximos da morte poderiam manejar um venenum mais forte. Se a armadura fosse uma mera máquina sem nada dentro, não deveria nem ser capaz de usar qualquer venenum para início de conversa. Por outro lado, Rhantolk não podia imaginar que uma raça musculosa o suficiente para se movimentar livremente enquanto usasse aquele traje seria suficientemente deficiente em força vital para também poder usar venenum.

Esse poder… ele até rivaliza com o produzido no instante da abertura do portão para a pátria das fadas. O fenômeno conhecido como o portão para o mundo das fadas, um tipo de autodestruição resultante de um leprachaun, uma existência muito instável, inflamando venenum além de seu limite. A quantidade literalmente explosiva de venenum obtida poderia vaporizar instantaneamente qualquer Besta que se banhasse diretamente no calor. Para dizer o mínimo, não era algo que pudesse ser replicado com tecnologia e engenharia.

Como raios… Infelizmente, esse não era o tipo de problema que apenas pensar poderia resolver. Provavelmente, havia alguma tecnologia de ponta incompreensível para uma amadora como Rhantolk em funcionamento. Mas ainda assim, ela não pôde deixar de refletir.

Ela avistou objetos que pareciam gotículas de luz saindo da área ao redor do cotovelo direito da armadura. Pareciam familiares, mas, antes que ela tivesse tempo de lembrar onde tinha visto, uma Besta mordeu o braço direito do traje, transformou seus incontáveis ​​pelos em agulhas, depois perfurou. A defesa de venenum não resistiu ao ataque. Penetrado por miríades de espinhos, o revestimento blindado, provavelmente forjado a partir de aço, enfraqueceu e se partiu.

“Ah…”

O conteúdo do traje blindado vazou. Pairando no céu a alguma distância, Rhantolk ainda via claramente: um grande número das mesmas gotículas de luz de antes, e, dentro delas, algum tipo de objeto macio azulado.

“… eh?”

No instante seguinte após ela ter pensado que as viu, elas desapareceram. Quanto ao traje blindado, mesmo depois de perder um braço, ele não parou de se mover. Depois de reajustar o seu martelo de guerra com a mão direita, ele derrubou e esmagou a Besta que tinha acabado de arrancar seu braço esquerdo com um movimento fluido que quase fez parecer que a ferida não tinha o menor efeito.

“Ainda agora…”

Ela só viu por uma fração de segundo. Naquela fração de segundo, ela pôde supor o que era. Mas essa fração de segundo não era suficiente para ter certeza.

“Não…”

Sem dúvida, servia como a origem da força da armadura. Um segredo confidencial entre os confidenciais. Se o que Rhantolk acabou de pensar fosse verdade, como a armadura poderia inflamar e manipular uma quantidade tão imensa de venenum poderia ser facilmente explicado.

— Não… poderia… ser mesmo isso? Mas não, isso é uma completa violação da Constituição. Mesmo que possam obter essa autoridade em um futuro próximo, eles não têm a permissão agora.

Realidade e imaginação, coisas em que ela queria acreditar e coisas que não, todas se misturavam em uma bagunça confusa em sua cabeça e, por um momento, a mente de Rhantolk ficou em branco.

Enquanto isso, Willem estava situado em um local ainda mais próximo do traje blindado de metal do que Rhantolk, e este lugar também lhe dava uma visão mais clara do braço direito rompido. Como resultado, ele pôde ver tudo o que aconteceu naquela fração de segundo quando aquela coisa na armadura se transformou em luz e desapareceu. Foi o suficiente para saber de tudo.

Dentro do braço direito do traje blindado de metal, havia uma menininha, presa aos rebites da armadura por inúmeros fios. Ela tinha cabelos azuis brilhantes da cor da água. Além disso, sua aparência sem chifres ou presas batia com a de um desmarcado. Devido a uma máscara negra, Willem não pôde ver seu rosto. Seu corpo inteiro estava emitindo uma luz fraca. Seu corpo inteiro também havia sido perfurado pela Aurora. Seu venenum excessivamente inflamado estava se descontrolando. Juntos, esses dois faziam uma combinação fatal. Ele instantaneamente soube que a garota nunca poderia ser salva.

E então, a luz brilhou notavelmente mais forte. Então estourou. E desapareceu. A figura da garotinha não estava em lugar algum. Ela desapareceu do mundo por toda a eternidade. Então, de repente, Willem teve aquela dor de cabeça intensa mais uma vez.

— Se… esta é uma pergunta hipotética, ok?

— Se eu fosse morrer em cinco dias, você seria um pouco mais gentil comigo?

Uma voz. Willem ouviu uma voz que deveria estar trancada em uma caixa e afundada nas profundezas abissais de sua mente.

— Se você fosse morrer… pelo menos não gostaria de desaparecer, certo? Você gostaria de ser lembrado por alguém. Ter uma conexão com alguém

“Ah…”

O nevoeiro cobriu sua memória. Ele não conseguia se lembrar do rosto daquela garota que falou essas palavras. O forte sentimento de que era algo que ele não deveria lembrar impedia que suas memórias fossem totalmente reproduzidas.

— Então, que tal bolo de manteiga?

Cabelo azul. Ela tinha cabelos azuis da cor de um céu claro e sem nuvens. Seus olhos exibiam o azul profundo do oceano. Ela não era honesta de maneira alguma, contudo ao mesmo tempo era, sempre colocava os outros antes de si mesma, contudo era incrivelmente egoísta. Ela tinha esse tipo de contradição, uma personalidade impossível de entender, mas ela também parecia estar confusa consigo mesma, o que significava que havia alguém que recentemente a deixou desse jeito.

— E-Espera! Ai! Isso dói! Não consigo respirar! Isso é embaraçoso! Estou coberta de sujeira e arranhões e não tomei banho e todos estão olhando — você está ouvindo?”

Não. O azul água que Willem viu por uma fração de segundo agora não era o mesmo que o azul celeste de sua memória. Aquela vida que ele acabou de testemunhar desaparecer diante de seus olhos não era dela. Obviamente. Ela já tinha partido.

— Eu consegui… eu realmente consegui…

Willem queria fazê-la feliz. Ele queria se agarrar a esse desejo. Ele queria esquecer aquele passado e pensar apenas no presente e no futuro. Mas então, assim como agora, no momento seguinte após ele ter feito esses desejos, ele perdera tanto o presente quanto o futuro.

— Obrigada.

Aquela azul água não era ela. Não havia nenhuma dúvida sobre isso. Aquela menina era uma fada completamente diferente, mas o gatilho foi forte o suficiente. Ele já havia começado a lembrar. Chtholly Nota Seniorious, a garota que queria ser lembrada por alguém mesmo depois de partir.

“Maldito… seja…”

Uma praga escapou de seus lábios, mas para quem era? Para si mesmo por ter esquecido dela? Para si mesmo por não ter conseguido manter seu corpo sem esquecer dela? Para si mesmo por agora ter passado pelo ponto sem retorno devido aos fragmentos de sua memória emergindo? Ou para todos ao mesmo tempo?

“Willem!” Elq veio correndo.

“Não venha!”

“Está bem. Não há mais nenhuma daquelas Bestas à nossa volta.”

“Não, não essas! Há uma bem aqui!”

Com seus sapatos de couro raspando no chão, Elq parou no meio de sua corrida e ficou parada. “Willem, não me diga…”

“Eu estou bem no limite. Talvez eu ainda possa voltar a esta altura,” ele respondeu com uma voz gemida.

Ele não estava apenas dizendo isso para parecer forte. O selo que Nils Didek, aquele mestre inútil que por algum motivo que Willem não conseguia entender ainda estava vivo, tinha aplicado à sua memória era forte e flexível. Willem Kmetsch estava à beira de se tornar uma simples Besta. Seu espírito, alma ou o seja lá o que for se misturou com a substância que caiu da Chanteur, resultando em uma transformação de seu corpo físico. Sua aparência externa dificilmente tinha mudado, mas, por dentro, ele já havia saído da estrutura de uma forma de vida normal.

O selo de Nils separava essencialmente o chá com leite dentro de um copo em duas seções distintas e estáveis ​​de leite e chá. Sendo estável, algumas chacoalhadas moderadas não seriam suficientes para perturbar o equilíbrio. Enquanto Willem não colocasse uma colher no copo e misturasse tudo, as memórias que tinham ressurgido agora acabariam por desaparecer no esquecimento. Então, uma vez que isso acontecesse, tudo voltaria ao normal. Ele seria capaz de voltar àqueles dias tranquilos na estalagem.

Mas não era tarde demais. Ele ainda podia voltar. Ele só precisava desejar isso.

“Willem.”

“Não venha.”

Ele se levantou e deu uns tapas por todo o seu corpo, verificando sua condição. Não parecia haver grandes problemas. Ele não podia ver muito devido a um olho estar fechado, e sua cabeça como sempre estava tomada pela dor vertiginosa, como se alguém estivesse batendo em um sino gigante lá dentro, mas seus quatro membros se moviam. Ele ainda tinha os ossos e músculos de um Emnetwyte. Ao respirar fundo e expirar ele confirmou que seus pulmões e diafragma também estavam em ordem. Ele ainda podia usar todas as suas técnicas como de costume.

“Espere”, protestou Elq.

“Volte para Carmine Lake, Elq Harksten,” Willem ordenou bruscamente quando se virou de costas para ela. “Eu sou grato por você ter me feito companhia até agora. Agora é hora de você ir para onde pertence.”

“Mas…”

“Por favor, faça o que eu digo.” Ele virou a cabeça para olhar para ela e soltou uma gargalhada. “Eu não posso levar ninguém comigo daqui em diante.”

“Willem!”

Sem responder a esse último pedido, ele se virou para frente mais uma vez.

Separador de texto

O que eu sou? Willem pensou consigo mesmo. Um Emnetwyte. Ex-Quasi Brave. Nenhum Carillon especializado. Segundo Técnico de Armas Encantadas da Guarda Alada. Apenas uma decoração. O gerente do armazém das fadas.

O mundo acabou há muito, muito tempo. A história dos Braves chegou a uma conclusão no passado distante. Então, agora, o que estou fazendo aqui?

Ele não poderia permanecer como ele mesmo por muito mais tempo. Nesse curto intervalo, ele precisava fazer tudo o que podia. Ele não tinha tempo para remoer sobre o passado. As Bestas pareciam ter algum método de compartilhar informações umas com as outras, pois todas vieram de seus lugares originais espalhados pela cidade para se reunir em torno de seu recém-descoberto inimigo, o traje blindado de metal.

Cada vez que a armadura balançava seu martelo, o número de Bestas diminuía em um. Embora houvesse uma grande lacuna nos números, estava claro quem tinha mais força bruta. Não existiam muitos métodos para enfrentar os inimigos esmagadoramente irracionais que as Bestas eram, mas uma quantidade esmagadora de venenum era um deles. Enquanto trabalhasse com força total, esse venenum não só podia ficar frente a frente com as Bestas, mas até mesmo superá-las.

Com o passar do tempo, os Auroras gradualmente desapareceram.

“Isso com certeza é forte”, Willem murmurou.

Ele poderia formar um palpite geral sobre o que, exatamente, a armadura de metal era. Uma nova arma anti-Besta desenvolvida por alguma organização militar, por usar constantemente uma quantidade ridiculamente avassaladora de venenum tanto na defesa quanto no ataque, ela poderia suportar os ataques das Bestas e desferir ataques efetivos por conta própria, sem depender da amplificação de um Carillon. Entendo. Se você conseguir estabilizar isso, será mais fácil de usar do que garotas instáveis ​​empunhando espadas. Era mesmo uma invenção magnífica. Se ele não tivesse visto o que havia dentro, Willem até que poderia querer um para si.

“O desenvolvimento deve ter sido uma dor de cabeça. Se a notícia do que eles estavam fazendo escapasse antes que pudessem se explicar, todos os envolvidos teriam sido enviados diretamente para a prisão.”

Eles devem ter planejado meticulosamente e preparado cuidadosamente, dedicando grandes quantidades de tempo e recursos. Willem lembrou de outrora vagamente ter sido atingido por sentimentos similares de admiração. Naquela época, ele esmagou essa cristalização do trabalho duro e esforço sem hesitação, e desta vez não seria diferente.

“Desculpe, mas não posso deixar armas como você serem usadas.”

Ele arrancou o tapa-olho que cobria seu olho direito e abriu-o, expondo sua pupila dourada. Uma cor cinza pálida cheia de fúria cobriu seu campo de visão.

Parece que minha Besta interior está furiosa, pensou Willem. Destruir apagar retornar enviá-los para casa desmoronar — um intenso desejo de destruir brotou de dentro, junto com um turbilhão infinito de palavras. Mas, desde que ele tinha preparado sua mente de antemão, ele poderia resistir. Por cerca de cinco minutos, ele poderia mover este corpo enquanto mantinha sua própria vontade como Willem Kmetsch.

Ímpeto do Rouxinol Demolidor. Com uma força total descendo para frente, Willem diminuiu a distância entre ele e a armadura de metal em um piscar de olhos. Pela primeira vez eu concordo com essa voz. Vamos reduzir esse cara à areia. O traje blindado, parecendo ter reconhecido Willem como um inimigo, trouxe abaixo seu martelo de guerra com velocidade aterradora e força impensável. Após uma breve pausa, uma violenta rajada de vento seguiu a trajetória do martelo.

Porra, isso é assustador.

Enquanto observava sua franja esvoaçar, Willem deu o último passo para frente. Esse pequeno espaço de pouco mais de meio passo proporcionou a distância perfeita. Jogando o corpo no ar, ele girou uma vez na horizontal para aumentar o impulso, depois bateu com o punho em uma das articulações do traje blindado.

Um ruído como uma placa de ferro batendo contra óleo soou pelo ar. O venenum da armadura, com a pressão elevada explosivamente por um instante, tentou forçar seu punho para longe. Ignorando a dor intensa de sua pele derretendo e sua carne queimando, Willem continuou a empurrar seu punho para frente. Quando o braço dele foi enfiado na armadura até o cotovelo, ele agarrou a coisa no interior, então, conforme tirava incontáveis ​​fios, puxou-a para fora.

Uma jovem garota com cabelo amarelo dente-de-leão saiu. Como Willem esperava, ela já estava em profundo estado de berserk como resultado de inflamar uma quantidade excessiva de venenum. Seu corpo inteiro emitia uma luz fraca. Ela poderia explodir a qualquer momento.

“Você quer que a dor acabe?” Willem perguntou, embora não achasse que ela pudesse ouvi-lo de qualquer maneira.

A garota sorriu ligeiramente, ou pelo menos Willem sentiu como se ela tivesse. Ele colocou o dedo no peito da menina, então, em um intervalo entre os batimentos cardíacos, empurrou levemente para dentro. Seu coração, tendo seu ritmo interrompido em um momento fatal, parou em um instante. Com o fluxo de sangue cessado, o venenum não podia mais continuar a correr furioso. A menina Leprechaun, de nome desconhecido para ele, faleceu em silêncio.

Não mais capaz de adquirir Venom suficiente para operar, o traje blindado de metal parou seus movimentos. Willem tirou mais uma garota de dentro da máquina e pôs fim à sua vida da mesma maneira. Com um pequeno ruído, os dois cadáveres explodiram em grãos de luz e desapareceram. De pé em meio aos grãos enquanto fluíam ao vento, Willem fechou a boca por um momento, como se lamentasse sua perda.

Inalar. Expirar. Ele não as conhecia. Elas não eram do armazém. Em outras palavras, elas apareceram em algum lugar em Regul Aire e foram capturadas e usadas ​​para essa arma antes que pudessem ser trazidas para o armazém. Se a sorte delas tivesse sido apenas um pouco melhor, elas teriam se reunido no armazém das fadas com as outras crianças e viveriam de forma despreocupada… mesmo que  ainda encontrassem o mesmo fim como uma arma, a vida delas até esse ponto teria sido relativamente divertida. Mas as coisas não acabaram desse jeito.

Willem mordeu o lábio. Isso não era nada incomum. Desde o dia em que ele partiu para ser um Brave, esses pensamentos e sentimentos passaram pela sua cabeça uma e outra vez. Sempre que ele encontrava alguém que queria salvar, a situação já havia progredido além de seu controle.

“… faça.” Olhando para os restos do traje blindado de metal com o olho direito, Willem deu permissão para a Besta dentro dele.

Com um grito silencioso de alegria, a parte dele herdada da Chanteur foi liberada. Sua própria existência revertia seu ambiente circundante à sua forma primordial. Em outras palavras, quase qualquer coisa criada após a chegada dos Visitantes voltava a ser Besta, terra ou areia. Uma vez, há muito tempo, os Visitantes, ou mais precisamente o Poteau que os servia, usaram a vasta terra com apenas areia cinzenta como ingrediente básico para criar um mundo fértil. Mas qualquer coisa criada a partir dessa terra fértil ainda poderia ser chamada de volta à sua forma original.

Whoosh.

Com um som pouco dramático, a armadura quebrada se transformou em uma mera montanha de areia cinzenta.

O silêncio desceu sobre a área. Era natural, considerando que ninguém em seu juízo perfeito iria querer ficar por muito tempo em um lugar com uma Besta violenta se debatendo. Os habitantes da cidade haviam evacuado com sabedoria e rapidez. Olhando em volta, Willem só conseguiu identificar uma figura.

“Rhantolk.”

Assim que chamou o nome dela, a garota, como se tivesse reforçado sua determinação, deu alguns passos para mais perto. No entanto, ela não mostrou sinais de diminuir a distância além disso.

O Carillon Historia em sua mão emitia uma luz tênue, sinalizando sua posição de batalha. Willem não esperava menos de Rhantolk.

No geral, as fadas, talvez por causa de sua verdadeira natureza como crianças, tendiam a ser confiantes. Uma vez que se tornavam próximas de alguém, nunca duvidavam desse alguém, não importava o quê. Rhantolk, no entanto, era incomum, pois podia tomar decisões racionais… ou pelo menos é isso que as fracas memórias de Willem lhe disseram. Então agora, mesmo depois de ver o rosto de Willem, Rhantolk não baixou a guarda e notou algo irregular… Willem decidiu não pensar na possibilidade de que ela o odiava desde o começo.

“Já que você está aqui, isso significa que o Plantagenista chegou em casa em segurança, hein. Eu estava realmente preocupado, sabia? O que você está fazendo nesta cidade?”

“Do que você está falando? Eu quem deveria perguntar isso. Há quanto tempo, técnico.”

“Mhm. Você está sozinha hoje?”

“Me pergunto se sim. Talvez outras estejam escondidas por perto.”

Rhantolk não apenas não escondeu sua suspeita, mas também a usou para contê-lo. Willem ficou mais uma vez impressionado com sua capacidade de manter a calma e pensar rápido. Seu eu habitual poderia detectar a presença de uma fada sem problemas. A possibilidade de outras esperando para uma emboscada nas proximidades não teria efeito algum como uma ameaça. No entanto, em seu estado atual, falando enquanto suportava uma dor de cabeça constante, as coisas eram diferentes.

“A conversa sobre o armazém das fadas desaparecer está relacionada a esse cara?” Willem perguntou enquanto levemente chutava a montanha de areia.

“Onde você ouviu sobre isso?”
Ele tinha ouvido isso de Nephren quando ela veio visitar a estalagem. Na época, devido à falta de memórias, ele não tinha pensado muito nisso, mas agora entendia o significado daquelas palavras.

“Muita coisa aconteceu. Bem?”

“Você está certo. A Força de Defesa Nacional de Elpis, planejando roubar a autoridade para lutar contra as Bestas da Guarda Alada, desenvolveu esta arma e a está exibindo como algo mais forte do que nós”.

A resposta de Rhantolk basicamente correspondia às previsões de Willem, mas ao mesmo tempo também as superava. As intenções de Elpis eram fáceis de entender, mas, dado que eles realmente produziram uma arma tão poderosa, era difícil fazer qualquer coisa para detê-los. Espere, não. Havia uma maneira que Willem poderia pensar, embora ele não pudesse exatamente chamar isso de uma maneira sábia de fazer as coisas.

Agh. Sua dor de cabeça continuou a se intensificar. Enquanto ficavam ali conversando, seu tempo restante só diminuia. Não havia tempo para gastar em perguntas e respostas.

“Eu tenho uma pergunta também. Até agora, o que–”

“Desculpe, mas vou ter que recusar quaisquer perguntas longas. Eu vou te contar o que você provavelmente mais quer saber agora.”

“Eh… ah!?” Rhantolk deu um enorme salto para trás. Ao mesmo tempo, uma lâmpada, banco e placa que, até um segundo atrás, estavam nas proximidades onde Rhantolk estava, foram transformadas em areia cinzenta e se desfizeram. “Esse poder… você realmente se tornou uma Besta?”

Willem riu. “Uma subespécie da Chanteur. Provavelmente.”

“Você está brincando.”

“A Besta dentro de mim é um brutamontes com saudade de casa. Ela quer recuperar o mundo em que viveu. E esse desejo leva ao desejo de aniquilar o mundo atual.”

“Mas…”

“Viver em um mundo onde sua cidade natal desapareceu é bastante difícil, sabe?”

Rhantolk engoliu em seco.

“Bem, já basta de perguntas. Vamos começar? Senhorita guardiã de Regul Aire–”

Willem cortou suas próprias palavras e inclinou ligeiramente o corpo. Então, usando o que restava de seu corpo humano em toda sua extensão, começou a “cair” lateralmente em alta velocidade. Ímpeto do Rouxinol Demolidor, um dos pináculos da sabedoria que os Emnetwytes criaram e confiaram seu destino.

Observando a respiração de Rhantolk, ele visou por um momento em que ela não seria capaz de reagir e diminuiu a distância. Ela não consegue reagir a tempo, ela está acabada… ou assim Willem estava convencido. Como sempre, ele parou um pouco mais de meio passo, depois torceu o corpo. Assim como quando ele matou as duas anteriormente, ele mirou no ponto crítico no centro do peito e, passando pelos pontos cegos de Rhantolk, moveu dois dedos para o golpe final–

Ele parou no meio do caminho. Na estreita distância entre Willem e Rhantolk, uma única lâmina grande foi empurrada. Uma pequena explosão de calor percorreu as pontas dos dedos de Willem por uma fração de segundo. A franja de Rhantolk tremulou.

O Carillon, Valgulious.

“Não acha que fazer isso só entre vocês dois é um pouco indecente?” Bem ao lado de Willem, quando ela chegou lá ele não fazia ideia, estava Ithea com seu sorriso habitual. “Posso participar?”

“Tudo bem, mas não posso ser gentil com você, sabe?”

“Haha, essa resposta já é gentil o suficiente.”

Com um movimento de seu pulso, Ithea mandou a lâmina de Valgulious por uma trajetória anormalmente acentuada em direção ao pescoço de Willem. Depois de abaixar-se para se esquivar, a lâmina, que estava a caminho de passar por cima, foi direto para baixo.

“Uou!?”

Rolando para trás, Willem mal se esquivou do segundo ataque.

“Oh minha nossa, esquivando-se disso, hein”, disse Ithea, fingindo estar surpresa. “Não tinha errado uma vez sequer em combate real.”

“Eu posso ver o porquê.” A boca de Willem enrijeceu. Suor escorria pelas suas bochechas. Então ainda posso suar depois de me tornar uma Besta, ele pensou consigo mesmo. “Começando com um ataque surpresa de controle inercial, hein… você não tem mesmo piedade.”

“Bem, verdade seja dita, eu estou bem séria sobre você, técnico.” Mesmo quando respondeu com uma piada, Ithea não descansou e partiu para cima dele novamente. Ele não podia sentir tanta pressão do venenum em sua espada, mas isso não significava que não iria doer.

“E-Espera, o que vocês estão fazendo!?” Após alguns segundos de atraso, Rhantolk soltou um grito.

“Não é óbvio? Estou aceitando o amor do técnico.”

“Isso não é algo para alguém que está na ofensiva dizer!” Willem atirou de volta.

“Eu não quero ouvir piadas!”

“Piadas?” Depois de ter Valgulious bloqueada pelo punho de Willem, Ithea se agachou, então, antes que Willem soubesse, chutou o pavimento de pedra e saltou para trás, abrindo a distância entre eles. “Não estamos brincando, sabe? Rhan, você ainda não entendeu porque ele está fazendo isso?

“… eh?”

“Você não precisa dizer muito a ela”, reclamou Willem.

Ithea, no entanto, continuou, ainda agachada com um joelho no chão. “Ele está nos dando um papel.”

“Eu disse que não há necessidade de contar a ela.”

“As últimas e mais poderosas fortalezas, protegendo Regul Aire da ameaça das Bestas. Esse título nos levou ao campo de batalha, mas ao mesmo tempo nos protegeu. A armadura monstruosa de antes é uma boa prova. Agora vejo claramente como os caras de Elpis querem nos usar.”

Era realmente uma magnífica obra de tecnologia. Conseguia controlar toda a enorme quantidade de venenum resultante de abrir o portão para a pátria das fadas e entrar em berserk. Em vez de terminar em um momento de explosão, o venenum servia como combustível sustentável durante a operação da máquina. As vidas das fadas encontravam o mesmo fim de qualquer forma, mas dessa forma era muito mais fácil usá-las como armas.

“O técnico vai nos dar esse título mais uma vez.” Ithea olhou para baixo um pouco. “Aquele traje gigante não teve chance contra ele — essa Besta. Se pudermos derrotar esta Besta, isso prova que nosso valor no campo de batalha não pode ser ignorado. No mínimo, o plano de Elpis será totalmente arruinado.”

Rhantolk ofegou um pouco antes de cobrir a boca com a mão.

Ithea levantou-se devagar enquanto limpava os olhos. “… ele quer proteger o armazém das fadas. E está dando a vida por isso, esse idiota.”

“Você não precisava…” Willem não precisava que seu plano fosse compreendido. Se ele apenas fizesse o papel de uma Besta maligna que precisava ser derrotada, o resto teria corrido bem. “… então, pessoal. Vocês gostam das pequeninas do armazém?”

“Hã?” Rhantolk, pega de surpresa, arregalou os olhos.

“Hm?” Ithea inclinou a cabeça.

“A razão pela qual você lutam com suas vidas em jogo, é para protegê-las?”

“Q…” O rosto de Rhantolk ficou vermelho brilhante. “Quem se importa com isso?”

Willem começou a rir. “Ha… haha!” Um forte sentimento de nostalgia veio sobre ele. Isso mesmo, ele lembrou. Certa vez, fiz a mesma pergunta a Chtholly. Naquela época, ele ouviu exatamente a mesma resposta que Rhantolk acabou de dar. “Ahh, vocês. Eu realmente… realmente…” Amo vocês. Ele lembrou.

Ele se lembrou do que estava tentando fazer neste mundo. Não havia mais batalhas para ele neste mundo, mas se houvessem pessoas lutando com os mesmos pensamentos e sentimentos que ele e seus companheiros outrora fizeram, então ele queria ao menos apoiá-las. No lugar dele, que não pôde salvar ninguém, ele queria ajudá-las a cumprir seu desejo de proteger aqueles que lhes são preciosos.

“Vamos lá.”

Em seu estado atual, Willem não poderia inflamar Venom. Quanto mais próximo da morte um indivíduo estiver, mais poderoso é o venenum, uma força oposta à vida, que ele pode inflamar. Em troca, a pessoa é arrastada para mais perto da morte a um ritmo acelerado. Do outro lado das coisas, os que estão distantes da morte não combinam muito bem com venenum. Por exemplo, Limeskin e Nygglatho, por nascerem de raças fortes e resistentes, não podiam sequer inflamar venenum em primeiro lugar.

O corpo de Willem já havia deixado de ser um de Emnetwyte. Era questionável se a morte ainda sequer o aguardava no fim da estrada. Por causa disso, ele não podia mais inflamar venenum. Além disso, ele estava desarmado, o que significava que as únicas armas disponíveis para ele eram as técnicas marciais que tinha adquirido ao longo dos anos e sua habilidade como uma Besta para transformar seu oponente em pó. A última, no entanto, provavelmente não funcionaria muito bem contra as fadas, que não tinham estritamente um corpo físico. Suas habilidades humanas eram a única coisa em que ele podia confiar.

Esta será uma batalha difícil, mas farei o meu melhor. Desta vez, com certeza, vou dar um fim a minha luta. Respirando fundo, Willem deslizou seu corpo. Caminhada do Sol Ardente. Detectando o perigo, a espada de Ithea suprimiu o ar circundante com vestígios de relâmpago. Willem deslizou por tudo isso e diminuiu completamente a distância entre eles. Ele viu Rhantolk começando a se mover um pouco depois, mas ela não conseguiria chegar a tempo. O cotovelo direito dele apontava para o queixo de Ithea, enquanto seu punho esquerdo apontava para sua lateral. Ithea soltou Valgulious. Tendo repentinamente soltado o objeto pesado que estava segurando no meio de um balanço, fez sua postura naturalmente entrar em colapso, fazendo com que o cotovelo e o punho de Willem errassem por pouco seus alvos. Ithea estendeu a mão e agarrou o cabelo de Willem, em seguida, puxou cabeça inteira dele em direção ao seu peito. Ele não podia tirar a mão dela, enquanto seu venenum estivesse fortalecendo seus braços.

“Rhan!” Ithea gritou. “Depressa!”

“U–”

Mesmo com dúvidas, Rhantolk começou a se mover para fazer o que era preciso. A ponta de Historia perfurou diretamente o estômago de Willem. A lâmina infundida com venenum afundou cada vez mais em seu abdômen, rasgando a carne no caminho. Sangue vermelho jorrou. O rosto de Rhantolk se contorceu, como se estivesse prestes a chorar, e a força desapareceu de seu braço.

“Ah… ah…”

“Isso é tudo?” Willem pressionou o punho contra o peito de Ithea e desferiu um golpe por cima de sua defesa de venenum. Com seus pulmões esmagados, Ithea silenciosamente se contorceu em agonia e afrouxou seu aperto da cabeça de Willem.

“Há duas coisas que Ithea esqueceu de mencionar. Se vocês não forem fortes o suficiente, então morrerão aqui e fim. Este é um ditado popular, mas é melhor morrer agora do que sofrer mais tarde.” Willem empurrou Ithea para longe e segurou a lâmina de Historia cravada em seu estômago. “Mais uma coisa, eu já sou uma Besta. Meu senso de identidade que me permite falar assim desaparecerá em breve. Se não puderem me derrotar, vão precisar afundar a 11ª ilha.”

O rosto de Rhantolk se contorceu ainda mais de dor. Ela removeu Historia, revelando uma lâmina encharcada de vermelho. Então, deu um grande balanço. Seus movimentos eram lentos. Cheios de brechas. Willem poderia mirar e atacar onde quisesse.

Ela quer que eu ataque? Willem mandou um soco com o punho esquerdo e um chute com a perna direita para ela. Nenhum dos dois pretendiam ser ataques verdadeiros, mas sim contra provocações destinadas a extrair as verdadeiras intenções de Rhantolk. Ela torceu o corpo, evitando as trajetórias de seus ataques, em seguida, colocou todo o seu impulso no balanço de Historia.

Um vento forte carregando a afiação da lâmina de um executor passou rugindo pela cabeça de Willem.

“Entendo”, Willem, que havia surgido por trás de Rhantolk, sussurrou em seus ouvidos. “Fico feliz em ver que suas dúvidas desapareceram. Mas, se isso é o melhor que pode fazer, não tem como–”

“Ahhhhh!!”

Perto, ele ouviu o grito de guerra poderoso, porém fofo de uma terceira fada.

— O que?

Tiat. Ah, é mesmo. Eu tinha esquecido. Mesmo que não tenha sido nenhum outro além de mim que primeiro a trouxe para esta cidade. Essa garota também é uma fada. Um guardião empunhador de Carillon de Regul Aire. Um sucessor adequado para nós, Braves.

— Ignareo!

O Carillon que Tiat detinha, Ignareo, não era de modo algum uma espada de alta classe. Na melhor das hipóteses, era uma espada padrão um pouco melhor que os modelos produzidos em massa. O Talento personalizado não fazia nada mais do que fazer a espada não se destacar.

— Ela já pegou o jeito? Como ela cresceu tão rápido?

Claro, esse era o resultado de Willem devotar toda sua atenção para Ithea e Rhantolk. Sua dor de cabeça incessante provavelmente não ajudava também. Mas mesmo assim, ser capaz de chegar tão perto sem que Willem a notasse merecia alguma admiração.

Em primeiro lugar, o Talento de uma espada não era algo que podia ser entendido imediatamente. Se a pessoa não sentasse sinceramente cara a cara com a espada, seria impossível ter uma ideia do que fazer ou o que iria acontecer. Ela será uma ótima soldada. Willem lembrou as palavras que um médico Kikuroppe mencionou uma vez. Ah, você estava certo. Bem na mosca. Você é um ótimo médico.

No entanto, Tiat ainda tinha um passo sobrando. Willem empurrou Rhantolk e se virou para encarar a recém-chegada. Ela tinha muito impulso e espírito, e nenhuma dúvida ou hesitação entorpecia seus movimentos. Mas ela tinha uma falta crítica de estatura, força física, técnica e experiência. Embora um ataque surpresa completo pudesse passar por ele, dar a Willem Kmetsch tempo suficiente para responder ao ataque significava que não havia esperança re–

“… ah?”

Uma lâmina gigante parecia estar crescendo para fora do peito de Willem. Sua forma parecia familiar para ele. Uma das espadas sagradas antigas de mais alto nível, Seniorious.

— Chtholly? Não, não pode ser.

Pensamentos confusos giravam em sua cabeça, Willem tentou se virar. Seu corpo, no entanto, endureceu. Com um esforço doloroso, ele conseguiu pelo menos girar a cabeça.

“Ah… uh… ah…”

Lá, encontrou um rosto coberto de lágrimas. Era um rosto que ele conhecia bem e também um rosto que ele não estava esperando.

“La… khesh…?”

“Uah, ah… W-Wil… lem…”

Porque ela está aqui? Ela ainda é uma criança… espera, não. Isso não está certo. Crianças crescem. Se você desviar o olhar por um instante, elas mudam bem assim. Enquanto Willem estava fora, novas forças cresciam uma após a outra no armazém das fadas.

“… haha.”

Estou feliz, Willem pensou. As almas semipartidas de crianças que sustentavam este mundo meio quebrado até agora. Como ele pensava, elas eram mesmo fortes. Muito mais fortes que ele, que tinha se perdido no caminho o tempo todo.

Não havia necessidade de se preocupar com o futuro. Mesmo que não estivesse com elas, mesmo que não pudesse fazer mais nada por elas, elas ficariam bem. Ele poderia finalmente colocar o ponto final na história de um Brave fracassado, que continuava até agora repetindo palavras e passagens sem sentido de novo e de novo.

“Nada mau. Quase uma nota de aprovação.” Willem riu. Sangue jorrava de sua boca. “Ahh, mas Lakhesh. Quanto ao uso da Seniorious, você ainda está com falta de pontos completos. Se você for enfrentar um imortal, então use adequadamente essa menina como uma matadora de imortais. É bem incrível. Digo, ela conseguiu selar o Visitante Elq Harksten por quinhentos anos.”

“Eh…?”

“Assista com atenção. É assim que você faz.”

Willem segurou a palma da mão na lâmina. Carillons incrementam seu venenum em resposta à força do oponente. Willem não podia mais inflamar venenum, mas um excesso de poder fluía no interior da Seniorious. Tudo isso era suficiente para ativar o milagre de Seniorious. Uma por uma, ele dedilhou as linhas de feitiço que atravessavam o interior da lâmina. Sons suaves encheram o ar e harmonizaram juntos, fazendo parecer que ele estava tocando uma canção de ninar desajeitada em uma harpa.

Como uma das espadas sagradas antigas de mais alto nível, Seniorious era considerada de qualidade especialmente superior entre o vasto número de Carillons. Como resultado, apenas um número extremamente limitado de pessoas poderia empunhá-la. As condições, quando redigidas corretamente, seriam algo mais ou menos assim. Aquele que não tem lugar para chamar de lar, aquele que desistiu de regressar ao lugar que tanto desejava, aquele que abandonou completamente seu futuro. Só assim poderia estar qualificado para usar Seniorious.

Não apenas aquele cuja vida foi repleta de tragédia. Não apenas aquele que havia conquistado a tragédia. Não apenas aquele que não tinha esperança. Não apenas aquele que descartou a esperança. Apenas aquele que tinha um futuro profundamente desejado, mas que aceitava que tal futuro nunca seria obtido, poderia pegar essa espada e alcançar um futuro diferente.

As fissuras na lâmina grande se alargaram. Uma luz tênue fluía das aberturas. O Talento personalizado de Seniorious, o mais poderoso Carillon do mundo humano, revelou-se. Esse poder, o poder de trazer a morte a toda e qualquer coisa, não aceitava exceções, nem mesmo seres imortais. A fraca luz gradualmente enfraqueceu, em seguida desapareceu.

“Técnico…?” Rhantolk olhou para cima e murmurou baixinho.

“Willem…?” Sem ninguém para fazê-la colocar a Ignareo que ela segurava acima da cabeça para baixo, Tiat chamou vagamente o nome dele.

“Uuu… uaaahh…” Lakhesh simplesmente chorou e chorou.

Idiotas. Willem não podia mais usar sua voz, então riu amargamente em sua mente. Vocês venceram. Derrotaram uma Besta perigosa e salvaram a ilha. Vocês são heróis. Provaram seu valor. Garantiram o futuro de vocês com suas próprias mãos.

Então fiquem felizes. Alegrem-se. Se vocês vão apenas chorar, por que estou aqui no chão prestes a morrer? Isso é tudo culpa de Ithea. Ela estragou tudo, por isso meu plano de me tornar o vilão foi completamente arruinado.

Ah, droga. Um fracasso até o final. Por que nada que tento fazer dá certo?

— Está tudo bem, não está? Sempre tentar desesperadamente o seu melhor, é bem mais a sua cara.

Ele sentiu como se alguém tivesse rido dele. Era uma voz que ele não deveria ser capaz de ouvir. Ele sabia que tinha que ser uma alucinação. Mas ainda assim, ele estava feliz em ouvir a voz dela uma última vez.

Ele tinha muitas palavras que queria dizer a ela. Muitos sentimentos que queria transmitir. Mas ele não tinha nem o tempo nem a compostura para tal.

Muito obrigado.

Tudo o que ele podia fazer era pronunciar aquelas meras duas palavras dentro de sua cabeça.

De repente, seu campo de visão ficou escuro, como se uma cortina tivesse descido sobre ele. Uma sensação flutuante envolveu-o. Ele sentiu como se tivesse começado uma queda eterna em um abismo sem fim. Cada vez mais fundo ele adentrava em uma vasta escuridão.

Separador de texto

Enquanto isso, na 2ª Ilha Flutuante, Nephren se virou abruptamente. Diante dela, havia um jardim verdadeiramente bizarro, no qual as quatro estações haviam sido misturadas. E além disso estava apenas o céu azul, rolando de todas as formas para todo o sempre.

“O que houve?”, Perguntou o Grande Sábio.

Nephren não respondeu. Em vez disso, ela murmurou: “… aquele idiota”.

Uma única gotícula escorreu pela bochecha dela antes de cair no chão.


CAPÍTULO ANTERIORÍNDICEPRÓXIMO CAPÍTULO

Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume 5 – Capítulo 3 (PT-BR)

Capítulo 3

Todos em Nome da Esperança


Parte 1 – Reunião Secreta

“Bem, esta é uma reviravolta muito estranha”, uma voz resmungou, aparentemente despreocupada.

Para Nephren, a dona daquela voz era a coisa estranha de verdade. Olhando para cima um pouco, ela viu um ser que parecia um peixe flutuante coberto de escamas vermelhas e prateadas que nadava no ar sem pressa. Após uma inspeção mais cuidadosa, Nephren poderia dizer que o corpo do peixe era meio transparente, o que significava que tinha que ser algum tipo de ilusão ou fantasma. O único problema era por que essa ilusão ou fantasma ou o que quer que fosse estava neste lugar e ainda conversando casualmente.

“Sabe, eu realmente não posso me dar ao luxo de ir com calma. Preciso me apressar e falar com Ebon Candle e depois procurar uma criança perdida”, disse o peixe.

“Concordo.”

Nephren também não podia se dar ao luxo de ir com calma. Ela não sabia sobre esse Ebon ou o que quer que fosse, mas ela tinha uma criança perdida, ou melhor, um adulto perdido para procurar: aquele Emnetwyte problemático, sempre querendo parecer forte apesar de ser solitário por dentro, tão frágil que poderia quebrar a qualquer momento, Willem Kmetsch.

“– Isso pode soar cruel, mas não há esperança nisso, provavelmente”, disse o peixe voador enquanto deslizava pelo teto.

Apesar de saber que só ela podia ver ou ouvir o ser, Nephren mesmo assim olhou para cima e perguntou ao peixe: “O que você quer dizer?”

“Por Willem você quer dizer aquele cara de cabelos negros e do tipo bonitão, certo? Ele não está mais por perto. Eu o vi deixar de ser humano e voltar a ser uma Besta com meus próprios olhos,” ela respondeu, movendo seus olhos de peixe ao redor. “Ele ainda pode estar vivo, mas estará completamente diferente do Willem que você conhecia. Seria melhor jogar fora quaisquer expectativas estranhas.”

“Eu não me importo.” Nephren sacudiu a cabeça. “Não importa como Willem mude, meu trabalho continua o mesmo. Eu preciso estar ao lado dele.”

Felizmente, a atual Nephren não parecia ser tratada como um inimigo pelas Bestas, por isso, mesmo que Willem tivesse se transformado em uma, Nephren poderia estar ao seu lado. Provavelmente. Não, definitivamente.

“Não importa o quão profundo é o seu amor, ele não vai fazer um milagre acontecer, sabe?”

Nephren não entendeu. Por que o peixe usou a palavra “amor”? Isso era para crianças como Chtholly. Nephren não queria estar ao lado dele por algum motivo ousado como esse.

“… hm? Você disse alguma coisa, mocinha?” O jovem Borgle sentado no sofá ao lado de Nephren perguntou.

“Só falando comigo mesma.”

Claro, isso não era exatamente a verdade. Ninguém, exceto Nephren, podia ver Carmine Lake ou ouvir sua voz, então a conversa naturalmente soava como um monólogo de Nephren. Ela já tinha explicado a existência da misteriosa coisa peixe ilusória, mas não teve vontade de explicar o conteúdo de suas conversas aleatórias também.

“Não se preocupe com isso”, disse Nephren.

“Entendo… bem, posso entender por que você estaria inquieta”, o Borgle, Grick, sem tentar esconder sua irritação, disse enquanto coçava sua careca.

Eles estavam sentados na sala de recepção de uma grande aeronave de propriedade da Guarda Alada. Um grande desenho florido cobria as paredes, um candelabro pendurado no teto alto, as cortinas grossas pareciam ser feitas de tecido caro, a mobília continha grandes quantidades de decoração de ouro… em outras palavras, era uma sala bem chique, o que também a tornava uma sala bastante desconfortável. Como Grick disse, seria difícil para qualquer um permanecer calmo nela.

“Quanto tempo nós temos que ficar presos nesta sala de rico fedida?” Grick reclamou.

“Desculpem pela demora.” Uma pesada porta lentamente se abriu e um soldado entrou na sala. Um Haresantrobos de pelo branco, ele carregava a insígnia de um primeiro oficial em seu ombro. “A Guarda Alada tem estado em uma posição bastante delicada ultimamente. Nós tivemos que lidar com um convidado incômodo.”

“Eu não dou a mínima para os seus negócios”, Grick, claramente com um humor desagradável, cuspiu.

“A Guarda Alada não pertence a uma ilha flutuante específica. Mas isso implica que, para sobreviver, devemos fornecer apoio a todas as ilhas. Ou pelo menos é o que dizemos oficialmente. Ocasionalmente, temos ilhas que tentam usar isso para fazer passar seus pedidos”, explicou o oficial.

“Eu disse que não ligo para isso. Você tem algo mais importante para dizer, não é?”

“Hm.” O Haresantrobos deu um pequeno aceno de cabeça. “Muito bem. É um pouco tarde para apresentações, mas eu sou Buronny Maxi. Como podem ver, sou o primeiro oficial da divisão da polícia militar da Guarda Alada…

“Eu não me importo com quem ou o que você é”, interrompeu Grick. “Só tem uma coisa que eu quero saber. Para onde estamos sendo levados?”

“Eu não me lembro de tê-lo pedido para ficar. A única pessoa que precisamos é a usuária de Dug Weapon, Nephren Ruq Insania.”

Após mencionar seu nome, Nephren se moveu ligeiramente. Não só ela não tinha mais Insania, como um monte de coisas estranhas tinham se misturado dentro ela. Ela não tinha confiança de que ainda era Nephren Ruq Insania. Por isso, ouvir alguém ainda chamando ela por esse nome a deixou um pouco feliz.

“Eu estou te dizendo para calar essa sua boca e liberar essa pessoa!” O punho de Grick bateu violentamente contra uma mesa cara. “Tudo o que ele queria era levar essa garota para casa em segurança! Ele deu a vida por isso! Ela tem família esperando por ela! Por que você não entende isso?”

Grick parecia estar ficando esquentado. Ele é uma boa pessoa, pensou Nephren. Apesar de ser um demônio. Ela podia dizer que Grick estava genuinamente preocupada com ela como uma criança de verdade, mesmo que ela não fosse mais do que uma arma descartável (e já usada).

No entanto, sua preocupação foi um pouco desnecessária. Claro, as fadas no armazém eram como uma família para Nephren, mas alguém não voltar para casa era uma comum e quase rotineira ocorrência. Ela não iria tão longe a ponto de dizer que ninguém estava esperando por ela, mas certamente não havia muito sentido em voltar para casa. Claro, ela não falou nada disso em voz alta. Com esses pensamentos passando por sua mente, Nephren manteve sua usual expressão sem emoções.

“Grick Graycrack.” Buronny Maxi balançou a cabeça em desaprovação. “De acordo com meus dados, você já foi da Guarda Alada. Você saiu depois de meio ano, mas usou suas conexões e recursos para começar a trabalhar como coletor. Eu ouvi que você era bem capaz. É uma pena que tenha largado.”

“Isso foi há muito tempo atrás. Eu já esqueci,” Grick disse desaprovadoramente.

“Não obstante, é um fato que você já usou um uniforme do exército, então pare de fingir que não entende. Fazer isso só fará com que leve mais tempo do que o necessário”.

“É exatamente por isso que eu pulei fora.” Sua insatisfação claramente se mostrava em seu rosto, Grick jogou as costas contra o sofá.

“… espera. Eu também quero perguntar algo.” Nephren levantou a mão. “Onde está Willem? Ouvi dizer que uma estimativa foi feita sobre o seu paradeiro.”

“Ah, sim, sim! Elq também! Pergunte sobre o paradeiro dela também, por favor!” A voz de Carmine Lake, inaudível para todos, exceto Nephren, soou alto em seu ouvido. “Estamos no mundo que Ebon Candle fez, certo? A presença dela está muito dispersa, não consigo captá-la.”

“… também, ouvi dizer que uma criança pequena deveria estar com ele”, acrescentou Nephren.

“Ah, segundo técnico de armas encantadas Willem Kmetsch. Eu não sei sobre essa criança pequena… é isso que a ilusão que você mencionou anteriormente está dizendo?”

Nephren assentiu.

“Não sabemos sua localização com precisão. No entanto, temos um palpite. Nós tínhamos dúvidas sobre eles antes, mas vocês trouxeram para casa provas concretas,” o primeiro oficial respondeu em um tom levemente irritado, seu olhar voltava-se para Grick.

“Hã? Nós?” O Borgle piscou em confusão.

“Você já ouviram falar da Federação Mercantil de Elpis, certo?”

Nephren assentiu.

Grick coçou a cabeça. “É aquele lugar na metade ocidental da 13ª Ilha, não é? Onde eles adoram uma pedra gigante ou algo assim como um deus. A taxa de entrada é muito alta, então nunca estive lá.”

“Sim, esse é o único. Muitas raças diferentes compõem sua população, mas, por ter apenas uma única religião, o país uniu seu povo e obteve um alto nível de ordem pública. Talvez por conta disso, seus residentes tenham um alto nível de patriotismo, e as políticas governamentais sejam bastante agressivas”.

“Beleza. Enfim, e o que tem eles?”

“Os vestígios do acampamento e as latas de rações militares que vocês encontraram no solo pertencem à Força Aérea de Defesa Nacional de Elpis.”

“Ok, mas o que esses caras fizeram? É isso que estou perguntando.”

“Considerando todas as evidências, temos fortes suspeitas de que a Força Aérea de Defesa Nacional de Elpis tenha transportado uma série de Bestas para Regul Aire em uma aeronave disfarçada.”

— Silêncio

“Hã?”

“Hein?”

Nephren e Grick, simultaneamente, soltaram vozes de descrença.

“Desculpe, acho que não entendi muito bem. O que você disse?” Grick perguntou.

“Eu disse, Elpis trouxe Bestas para Regul Aire.”

— Silêncio novamente.

“Por que eles fariam isso?” Nephren, primeira a se recuperar do choque, perguntou. “Trazer uma Besta viola completamente o estatuto de Regul Aire. Eles certamente também entendem o perigo que as Bestas representam. Em primeiro lugar, como alguém simplesmente traz para casa algo que é perigoso até de se aproximar?”

“Simples. Faz algum tempo que eles têm desejado o título de “protetores de Regul Aire” para usar em negociações políticas com as ilhas vizinhas. A fim de obter isso, eles têm tentado constantemente enfiar suas cabeças nas batalhas com Timeres, as quais a Guarda Alada tem mantido o monopólio”, explicou Buronny Maxi.

“Hã??” O rosto de Grick só parecia mais e mais confuso.

“Não é uma ocorrência tão rara. A Guarda Alada, com o seu dever de proteger Regul Aire como um todo, ocupa uma posição privilegiada entre os exércitos de Regul Aire. Além disso, tem o monopólio total das batalhas com as Bestas, as informações que lhes dizem respeito e as armas usadas contra elas. Há muitos que não pensam muito carinhosamente disso. Aqueles na Força Aérea de Defesa Nacional de Elpis não são mais do que membros desse grupo com pavios particularmente curtos.”

“… por que eles escolheriam se envolver com aquelas coisas aterrorizantes?” Grick perguntou.

“Simples.” Buronny Maxi levantou dois dedos e os abaixou um por vez enquanto explicava. “Primeiro, essa natureza “aterrorizante” é precisamente o que levará o lucro para eles. Segundo, devido a Guarda Alada possuir o monopólio de quase todas as informações sobre as Bestas, há muito poucos fora da organização que conhecem esse terror em primeira mão”.

“Sério mesmo…” Não saber é assustador, Grick pensou enquanto olhava para o teto em desespero.

“Um espião nos informou que eles desenvolveram recentemente algumas armas anti-Besta. Entre elas estão novas técnicas de barreira destinadas a capturar e conter. Em outras palavras, eles têm os meios para trazer uma Besta para casa.” Uma das orelhas de Buronny Maxi se dobrou. “É claro que, se a notícia vazar, eles serão, sem dúvida, criticados por violar o estatuto de Regul Aire. Quanto à razão pela qual eles iriam tão longe apesar de conhecer as consequências, não podemos dizer a esta altura”.

“Espere. Isso ainda não é uma explicação. Eu perguntei pelo paradeiro de Willem.”

“Tenho certeza de que você pode inferir com base no que acabei de dizer. Há apenas uma conclusão.”

Por qualquer que seja a razão, a Força Aérea de Defesa Nacional de Elpis trouxe uma Besta que encontraram na superfície para o céu. Willem agora estava transformado em uma Besta. Então, o que isso significa? Ah, entendo. Tudo se encaixa. Realmente há apenas uma conclusão. Nephren levantou do sofá.

“O que há de errado, mocinha?” Grick perguntou.

“Eu estou indo para a 13ª ilha.”

“Antes disso, há outro lugar que você deve ir”, disse Buronny Maxi.

“Mexa-se. Eu não vou pedir para você me levar. Eu irei sozinha.” Nephren inflamou venenum e abriu suas asas.

“Espere, espere, acho que não há necessidade disso”, Grick disse em pânico.

“Elpis é vasta.” A voz de Buronny Maxi permaneceu calma. “Como você planeja encontrar uma instalação secreta do exército em um conjunto de cidades grande o suficiente para ser chamado de país?”

… queimando todas elas?

“Em primeiro lugar, não está claro o que eles planejam fazer com a Besta que trouxeram de volta. Se nos apressarmos e agirmos precipitadamente, isso só atrasará a resolução”.

“Isso é… verdade.” Nephren retraiu as asas e sentou-se no sofá.

“Se o paradeiro do Segundo Técnico for descoberto, reportarei a você também, então espere pacientemente por ora.”

“Está bem…”

“Nós da Guarda Alada também não podemos deixar Elpis para lá. Nós conduziremos uma investigação com o melhor de nossas habilidades. Nesse meio tempo, provavelmente encontraremos informações sobre o Segundo Técnico. No mínimo, deve ser mais eficiente do que você correndo por aí sozinha.”

“Está bem… eu entendo. Obrigada.”

“Não há necessidade de me agradecer.” Buronny Maxi se virou e falou com eles de costas. “Você está em uma condição muito peculiar no momento. Levando em conta os desenvolvimentos futuros, julguei que valeria a pena tentar deliberadamente agradá-la, isso é tudo. Pois bem, com isso despeço-me.” Com o som dos sapatos pressionando o chão, o Haresantrobos desapareceu além da porta, exatamente como havia dito.

“… ele estava tentando me agradar?”

“Como eu vou saber? Pergunte ao seu humor,” o peixe voador retrucou.

“Hmm.” Nephren inclinou a cabeça.

Separador de texto

Nephren fechou os olhos, acalmou sua mente e perguntou a si mesma: Por favor, responda “sim” ou “não”. Você quer destruir Regul Aire?

Depois de um breve pensamento, ela produziu a resposta “não”.

Está tudo bem. Eu estou bem. Eu não mudei para algo que responderia “sim”.

É verdade que ela sentia um certo vazio e sem rumo senso de irritação agitando-se em seu peito, mas não era violento o suficiente para engolir Nephren. Provavelmente, era o resultado de ela ser um Leprechaun tentando replicar um Emnetwyte, e não um Emnetwyte verdadeiro. O impulso dentro dela, que poderia tornar um Emnetwyte numa Besta, ou talvez retornar um Emnetwyte numa Besta, poderia assentar e infeccionar, mas não de fato transformá-la.

No entanto, no caso de Willem, as coisas não eram tão gentis. Ele era um genuíno Emnetwyte puro sangue e, além disso, tinha a mesma quantidade do mesmo impulso despejado dentro dele. Sem dúvida, ele não seria capaz de suportar isso como Nephren.

Eu o vi deixar de ser humano e voltar a ser uma Besta com meus próprios olhos.

Nephren não confiava exatamente nas palavras de Carmine Lake, mas também não podia firmemente duvidar delas.

Não importa no que ele se transformou, tudo que preciso fazer é estar ao lado dele. Isso era parte os sentimentos honestos de Nephren e parte ela tentando parecer forte.

Ela queria que ele ficasse só um pouco mais. Afinal, ele era tão gentil e trabalhador.

Ele não era uma existência solitária destinada a encontrar um fim insignificante desde o nascimento como as fadas.

Então, é por isso que Nephren não pôde deixar de desejar pelo menos um pedacinho de salvação para esse eternamente ocupado Quasi Brave.


Parte 2 – Pegadas do Fim

Alguns convidados bastante incomuns vieram até o armazém das fadas: um Orc vestindo um terno novo e alguns homens fera musculosos, provavelmente seus guarda-costas.

“… posso perguntar quem são os cavalheiros?”

“Minhas desculpas. Aqui está.”

Nygglatho aceitou o cartão de visitas que lhe foi entregue, olhou para ele e apertou a expressão. “Vamos conversar do lado de fora.”

“Oh? Não podemos entrar? Eu ouvi dizer que atualmente você é a única gerente deste armazém. Não há ninguém que possa ouvir nossa conversa, correto?”

“Vamos conversar do lado de fora,” repetiu Nygglatho com firmeza. Ela jogou o casaco de sair ao ar livre sobre os ombros e saiu do vestíbulo, e passou pelo homem orc cedendo os ombros. “Vamos caminhar até a cidade. Tudo bem para você, correto?”

“Claro, se você tiver alguma recomendação.”

“Não há muitas opções aqui fora na zona rural.” Com um rosto calmo, Nygglatho começou a andar, e os homens seguiram atrás dela.

“… isso é suspeito!” Collon, sentada no topo de uma árvore que crescia ao lado do armazém, disse enquanto os observava ir, usando a mão direita como um visor.

“Essa é a primeira vez que vejo Nygglatho fazer essa cara”, murmurou Pannibal, sentando-se a meio caminho da árvore com as costas contra o tronco.

“Eles não parecem tão importantes a ponto de Nygglatho ter que agir de maneira tão formal.”

“Hm. Eu sinto que é outra coisa.”

Collon e Pannibal inclinaram a cabeça em confusão.

“Para baixo, vocês duas… essa árvore é perigosa, então não a escalem, foi isso que nossas veteranas disseram, certo?” Lakhesh, agarrando-se a um galho grande muito mais abaixo, implorou enquanto olhava para a dupla.

“Por ter nascido mulher, eu almejo grandes alturas!” Collon apontou para o céu e fez uma pose provavelmente sem significado.

“Para nós, fadas, manter a agilidade é muito importante. Esta é uma parte do nosso treinamento especial.” Pannibal ao acaso, juntou alguns disparates.

“Esse não é o problema… se alguém nos encontrar, nós seremos repreendidas”.

“Isso seria desfavorável. Se isso acontecer, vamos deixar Lakhesh para trás e fugir.”

“Sim, vamos deixar a limpeza com você!”

“Tão malvadas…” Lakhesh respondeu, metade chorando e metade rindo.

“Ei, vocês duas!!” O berro de Nopht veio de uma janela do segundo andar. “Nada de subir em árvores até que vocês tenham efetivamente o medo de cair! Há quanto tempo estamos dizendo isso?”

“Eu avisei a vocês”, disse Lakhesh, agora quase chorando.

“Para conhecer o medo, precisamos escalar!” Collon declarou com o peito estufado, completamente sem ênfase.

“Nygglatho acabou de sair com alguns convidados.” Pannibal mudou vigorosamente de assunto com a mesma voz indiferente.

“… convidados? Quem?” Nopht perguntou.

“Nunca os vi antes. Nygglatho estava com uma expressão bastante calma e séria, algo incomum para ela.”

“Calma e séria?” Nopht, tricotando a sobrancelha, virou-se para o centro da sala em que estava. “O que você acha, Rhan?”

“Eu não vi o rosto dela, então não posso dizer nada.”

“É verdade, mas isso não faz você se lembrar de algo desagradável?”

“Faz sim.”

Aconteceu em torno de sete ou oito anos atrás. Talvez Collon e as outras não se lembrassem, ou talvez nem soubessem, mas Nopht e Rhantolk se lembravam claramente.

Na época, havia uma organização criminosa de orcs. Então, uma noite, repentinamente ela desapareceu. Nem Nopht nem Rhantolk sabiam de forma concreta o que tinha acontecido. Elas tinham sido ensinadas que crianças precisam dormir à noite e não tiveram coragem de se opor a isso. Caso mergulhassem profundamente em suas lembranças daquela noite, conseguiriam lembrar que o uivar distante das bestas estava mais alto que o normal, e nada mais.

No dia seguinte, a maneira como os moradores da ilha olhavam para Nygglatho tinha mudado completamente. Em vez de vê-la como uma querida vizinha, eles a trataram como um predador feroz. Exatamente o que aconteceu para causar uma transformação tão drástica, Nopht e Rhantolk não sabiam, e tampouco queriam saber.

Rhantolk fechou o livro que estava lendo e suspirou. “Contanto que a história não se repita, tenho certeza de que tudo vai ficar bem.”

Separador de texto

Centro da cidade, no restaurante habitual. Nenhum outro cliente estava à vista.

Depois de trazer todas as bebidas pedidas, o garçom, tremendo violentamente, recuou para trás do balcão.

“Simplificando,” o Orc disse, inclinando-se para frente com um sorriso no rosto. “Srtª Nygglatho. Viemos aqui para roubá-la.”

“… é mesmo”, respondeu Nygglatho silenciosamente e tomou um gole de chá. Amargo e horrível. Resistindo ao desejo de cuspir tudo, ela retornou a xícara para a mesa.

“Eu dei uma olhada no seu histórico. Eu fiquei muito surpreso. O número de qualificações que você obteve na academia em uma idade tão jovem, suas notas… você é uma funcionária de primeira classe, sem dúvida. Mas a Orlandri está desperdiçando um recurso tão precioso nesse lugar no meio do nada.”

“… obrigada.”

Ah, isso mesmo, Nygglatho lembrou. O caminho que ela uma vez estabeleceu foi de um curso de elite. Obter algumas qualificações úteis, conseguir um emprego em uma grande empresa de comércio, progressivamente ganhar eminência, fazer dinheiro, conhecer uma pessoa maravilhosa… ela outrora sonhou com uma vida deslumbrante dessas e chegou a trilhar até metade do caminho. No entanto, ela foi pega em uma pequena disputa de autoridade dentro da empresa e, como resultado, foi enviada para uma posição insignificante nas fronteiras. Depois disso, seu humor tornou-se um pouco instável devido ao choque do descarrilamento repentino de sua anteriormente estável vida. As crianças no armazém na época devem ter ficado com medo de mim, ela pensou com um leve toque de nostalgia.

“Nós somos diferentes. Desnecessário dizer que pretendemos dar-lhe tratamento condizente com as suas capacidades.”

“Bem, obrigada. Mas por que eu?”

“Sendo tão sábia quanto é, tenho certeza que pode adivinhar. Nós particularmente valorizamos muito suas habilidades e experiência na criação dos perigosos leprechauns, as armas supremas da Guarda Alada e da Orlandri.”

Nygglatho concentrou sua força de vontade para reprimir sua mão, que ameaçava atacar a qualquer momento.

“Depois de ver o quartel com meus próprios olhos, minha impressão sincera é… o que Orlandri poderia estar pensando? Parecia quase como um celeiro caindo aos pedaços. Para mim, parece que a Orlandri e a Guarda Alada, apesar de confiar suas próprias vidas aos leprechauns, dificilmente alocam fundos para eles.”

“Tenho certeza de que eles têm suas próprias circunstâncias”, respondeu Nygglatho calmamente.

Naturalmente, Nygglatho conhecia essas circunstâncias muito bem . No entanto, ela não tinha intenção de explicar os detalhes para os homens à sua frente. Além disso, eles provavelmente já examinaram eles mesmos. Não havia necessidade de conversar sobre isso.

“Sim, exatamente como você diz.” O Orc assentiu alegremente algumas vezes. “E devido a essas circunstâncias, eles logo abandonarão seu monopólio dos Leprechauns. O momento em que outras organizações que não a Guarda Alada poderão obter essas poderosas armas está quase chegando. A empresa que cria os Leprechauns de mais alta qualidade liderará essa nova era.” Ele estendeu as mãos, continuando energicamente. “Nós, a Federação Mercantil de Elpis, ocuparemos esse lugar da Orlandri. Você é necessária para isso. Estamos preparados para recebê-la com tratamento de primeira classe.”

“Você me elogia demais. Obrigada,” Nygglatho respondeu casualmente, sem um sorriso amigável no rosto. “A propósito, se eu recusar essa oferta, o que você planeja fazer?”

“Bem, hipoteticamente falando, é claro…” O Orc acariciou seu queixo. Os homens fera sentados à sua esquerda e direita se levantaram bruscamente. “Eles são hábeis em fazer com que as mulheres obedeçam a um desejo. No entanto, pessoalmente não gosto desse método. Por favor, não tome uma decisão tola.”

“Oh?” Nygglatho olhou para os homens fera — então, pela primeira vez no decurso da conversa, ela sorriu. “Me desculpe. Eu não suporto pessoas cuja carne não parece muito saborosa.”

“Façam.”

Em um piscar de olhos, o rosto do Orc ficou sério. Às suas ordens, um dos homens fera começou a se mexer. Ele chutou a mesa, esticando o braço direito, inchado como um cachorrinho gordo, agarrou o pescoço de Nygglatho. Segurando essa posição, ele gradualmente apertou seu punho.

De trás do balcão, o garçom soltou um grito estridente.

“Ah, que rude da nossa parte.” O Orc virou-se para o balcão e encolheu os ombros. “Receio que isso possa ser um pouco barulhento. Pagaremos o custo de qualquer mesa e cadeira quebradas pelo dobro do preço.”

“Que generoso de sua parte”, observou Nygglatho.

“Negócios importantes recebem fundos apropriados. Aqueles que se recusam a se separar de alguns trocados nunca obterão maiores riquezas. Somos diferentes da Orlan… dri?”

O rosto de Nygglatho permaneceu calmo como sempre. O orc finalmente percebeu isso. Isso não poderia ser possível. Como uma delicada desmarcada poderia permanecer calma ao ser estrangulada com a força de um bestial? Sua respiração deveria ter parado, e ela não deveria ser capaz de falar. O olhar perplexo do Orc gritava essas objeções.

“Por que está tão surpreso? Você investigou meu perfil, certo? Deveria saber que sou um Troll.”

“B-bem, sim, mas…”

“Você não sabia que tipo de raça os Trolls são? Você imaginou que eles não poderiam ser assustadores, já que a maioria dos desmarcados tem tipos físicos fracos?” Nygglatho não sabia se o rosto estupefato do Orc estava confirmando ou negando. “Eu pensei que era um fato bem conhecido. Somos apenas um pouquinho mais fortes e resistentes que os outros. Se você está mesmo tentando recrutar alguém, deveria estudar direito, ok?”

Com um sorriso agradável, Nygglatho colocou a mão no braço do homem fera segurando seu pescoço. Seu dedo gradualmente afundou naquela massa de aço muscular. O homem fera soltou um grito.

“… oh, você disse que ia pagar por tudo que quebrasse em dobro, certo?”

“Eh? Ah… eh?”

“Nesse caso, posso ficar tranquila.” Nygglatho virou-se para o balcão, para o garçom tremendo violentamente. Felizmente, ele sabia muito bem que tipo de raça os Trolls eram, então Nygglatho imaginou que ele entenderia. “Diga ao proprietário, quando o novo restaurante ficar pronto, eu virei para celebrar.”

Confusão apareceu nos olhos do Orc. O que você quer dizer com “novo restaurante”? eles pareciam perguntar. No entanto, essa pergunta nunca foi posta em palavras, nem surgiu a necessidade para isso. A resposta se desenrolou bem diante de seus olhos.

Baam. O Troll levemente balançou seu braço. Não parecia que ela tinha colocado muito força no movimento, mas um dos homens fera foi mandado pelos ares, colidindo com outro homem ao lado dele antes de saírem voando juntos. Algumas das robustas e grossas mesas de madeira desabaram e quebraram como se fossem frágeis esculturas de vidro.

“Hã?”

Com uivos ferozes, os outros homens fera pularam no Troll. Suas mentes agora perceberam que a pessoa diante deles não era uma mulher assustada, mas um monstro aterrorizante. Julgando que ela não poderia ganhar de todos eles em termos de força bruta, eles agarraram seus braços e tentaram prendê-la contra o chão. Se conseguissem, ela não seria capaz de sair só com força bruta.

“Oh, quão apaixonado.” O Troll balançou o braço de novo.

Outro homem fera voou, desta vez direto para o teto, de cabeça. Sua diferença no físico. Sua diferença no nível de treinamento marcial. Todos esses elementos que geralmente produzem diferenças drásticas no campo de batalha pareciam ser inúteis para os homens.

“A-Ah…” O Orc amoleceu e caiu no chão.

Olhando para aquela figura, o Troll soltou um simpático, gentil e terrivelmente encantador sorriso.

Um grito. Um berro. Um som de algo sendo quebrado. Um som de algo sendo esmagado. Outro grito.

E assim, naquele dia, um restaurante desapareceu da face da 68ª Ilha Flutuante.

Separador de texto

“Eu ouvi o relatório.” O rosto do Reptrace visto através do cristal de comunicação era tão difícil de ler como nunca, mas ele parecia um pouco enojado. “Parece que você fez uma bela bagunça.”

“A culpa foi deles”, respondeu Nygglatho com indiferença. “Eles trataram nossas preciosas crianças como ferramentas. Isso merece dez mil mortes. Ah, além disso, um bando de homens grandes tentando fazer uma mulher obedecer à força. Se você pensar sobre isso, também é algo digno de um pouco de castigo, não é?”

“Só você pensaria nessa ordem.” Limeskin bufou. “Enfim, há algo que devo lhe contar e algo que devo pedir a você.”

“… hã?” Nygglatho franziu a testa. “Se você tem algo a dizer, ouvirei agora, e se o seu pedido é algo que estiver ao meu alcance, então eu o farei.”

“Nós temos uma praga.”

Praga?… Estamos sendo espionados? Nossa conversa nesse cristal de comunicação? Por quem? Como?

O cristal no qual eles estavam conversando existia com o propósito específico de facilitar o contato importante entre o exército e a companhia de comércio. Se outros pudessem ouvi-lo facilmente, seria um objeto totalmente sem sentido. A interceptação era mesmo possível? Se sim, por quais meios poderia ser feita? Nygglatho não viu nenhum sinal de pânico no rosto de Limeskin (provavelmente). Em outras palavras, apenas ser espionado por si só não apresentava perigo algum para eles.

Então, Nygglatho entendeu. Ah, é isso o que ele quer dizer. Como ela pensou, a linha de comunicação deles não poderia ser facilmente espionada por fora. A resposta, então, era simples: outra pessoa estava ouvindo por dentro. A “praga” pertencia à Guarda Alada e estava bem ao lado de Limeskin. A Guarda Alada não era de forma alguma uma grande mente coletiva. Especialmente quando se tratava dos Leprechauns, as opiniões eram divididas. Mesmo entre seus companheiros na mesma organização, havia aqueles que não podiam ser considerados aliados de Limeskin.

“É algo que podemos deixar para lá?”, Perguntou Nygglatho.

“Eu não sei. Esta decisão não pode estar errada. É por isso que quero pedir algo a você.”

“Entendido.” Nygglatho engoliu em seco. “Você pode falar qualquer coisa. Tudo bem se dificultar a compreensão.” Mesmo ela, após conhecê-lo por tanto tempo, ainda se esforçava para entender o modo peculiar de se expressar de Limeskin. Mas se pudessem utilizar isso, eles poderiam passar pelo bisbilhoteiro.

“Venha para Corna di Luce.”

“Huh?” Agora de todos os tempos, ele declarou seu pedido em termos extremamente simples.

“Sim. Além disso, traga todas as soldadas fadas adultas capazes de lutar com você.”

“Espere um segundo. Essas crianças também? Por que razão?”

“… Eu não tenho um plano. Deixo isso em suas mãos.”

“Espere!”

As fadas eram armas pertencentes ao exército e a Orlandri. Mesmo que existisse a possibilidade de que essa situação mudasse em breve, esse era o status atual deles. As soldadas fadas adultas em particular serviam como pilares da força militar que protegia Regul Aire. Elas não poderiam ser casualmente levadas para qualquer lugar. Precisava haver uma razão adequada, geralmente ordens durante uma operação militar.

Se Nygglatho, uma empregada da Orlandri, deixasse a ilha com Ithea e as outras sem permissão, isso daria a alguns dos sujeitos da Guarda Alada outro argumento a ser usado contra o armazém das fadas. A longo prazo, isso sem dúvida, apenas encurtaria a vida útil do depósito.

“Eu estarei esperando lá também.”

… ah, entendo.

Claro, Limeskin sabia que o movimento produziria resultados desfavoráveis ​​a longo prazo. O fato de saber disso e ainda insistir para que Nygglatho fosse a seu encontro só podia significar que ele julgava necessário. A situação iminente poderia ser tão tensa assim? Já não havia necessidade de pensar a longo prazo? Nygglatho não queria acreditar nisso.

“Entendido. Farei o que puder.” Pedir informações mais detalhadas agora seria inútil. Ela decidiu esperar até que se encontrassem pessoalmente. “… finalmente não precisamos mais falar de batalhas, mas parece que não podemos ter uma conversa agradável.” Ela jogou uma pequena reclamação antes de cortar a transmissão.

“Quando o inimigo diante de seus olhos desaparece, as pessoas procuram por seu próximo inimigo dentre seus vizinhos…” Surpreendentemente, uma queixa voltou em retorno. “Muito provavelmente, todos sabiam sem nem perceber: a paz é o desastre mais aterrorizante de todos.”

Separador de texto

Agora, Nygglatho foi deixada com um problema bastante difícil. Levar junto com ela cada soldada fada adulta com uma espada… o que significava Ithea Myse Valgulious, Rhantolk Ytri Historia e Tiat Siba Ignareo. Nopht era uma soldada fada adulta, mas sua Dug Weapon afiliada Desperatio tinha sido perdida, ela já não possuía uma espada especializada. Nygglatho não se sentia segura em apenas deixar as pequenas por conta própria, então talvez fosse uma boa ideia deixar Nopht que era mais velha com elas… ela também não se sentia particularmente segura em contar com Nopht como a mais velha, mas decidiu desviar os olhos desse fato.

Com isso decidido, tudo o que Nygglatho precisava pensar era em uma desculpa. Ela precisava de algum tipo de justificativa para trazer toda a reserva de força protegendo Regul Aire para Corna di Luce, não importando o quanto isso soasse forçado.

“Hmm…”

Imersa em pensamentos, ela caminhou pelo corredor. Que tal ir às compras? Não, isso não vai funcionar. Que tipo de compras exigiriam uma viagem da 68ª Ilha até a 11ª? Se me dissessem para fazer minhas compras em algum lugar mais próximo, eu não teria uma boa resposta.

Tudo bem, e quanto a passear? Corna di Luce é uma das cidades antigas mais espetaculares de Regul Aire. Há uma abundância de marcos únicos por lá. Impossíveis de serem apreciados em qualquer outra ilha… mas acho que uma permissão para tirar férias não vai passar.

O que mais tem lá? Candidatar-se a uma batalha simulada com os soldados estacionados em Corna di Luce? Não, eu não conseguiria usar essa desculpa até que a solicitação fosse aceita. Tentar forçar uma batalha simulada primeiro e obter a permissão depois? Não, isso só levaria à guerra.

Agh. O que fazer…

Enquanto atormentava sua mente atrás de ideias, Nygglatho entrou na cozinha e se serviu de chá. Que aconteceu de estar bem amargo, talvez porque ela estivesse meio perdida em seus pensamentos enquanto o fazia, mas, bem, era melhor do que o que ela tinha bebido no começo do dia. Decidindo acalmar-se por enquanto, ela começou a tomar um gole quando ouviu uma voz.

“U-Um, agora é um bom momento?” Uma pequena fada de cabelos laranja, Lakhesh, estava ao seu lado.

“… ah, desculpe. Eu só estava pensando em algumas coisas.”

“Oh… ok, desculpe.” Os ombros de Lakhesh caíram. “Eu volto mais tarde.”

“Aaah, espere um segundo. Desculpe. Eu baguncei minhas prioridades.” O sentimento de culpa jorrou de sua acelerada boca. “Colocar vocês em segundo lugar não dá… o que houve?”

“Ah, está mesmo tudo bem?”

“Claro. O que foi desta vez? Collon quebrou outra janela ou algo assim?”

“Não, desta vez é sobre mim.”

“Oh?”

Isso é incomum, Nygglatho pensou. As fadas jovens eram, no geral, todas inocentes e diretas, simplesmente enérgicas e nada mais. Lakhesh, no entanto, era uma das poucas exceções. Ela acompanhava as outras enquanto corriam selvagens e assumia o papel de controlá-las… ignorando ou não se realmente conseguia fazer isso, ela pelo menos tentava controlá-las. Nygglatho não podia se lembrar de uma vez sequer em que Lakhesh chegou a relatar algo sobre si mesma.

“O que aconteceu? Você quebrou um vaso de plantas ou algo assim?”

“Não, hum, não é nada do tipo.” Depois de murmurar evasivamente, Lakhesh pareceu fortalecer sua determinação. “Eu tive um sonho.”

“… hm?” Por um momento, Nygglatho não entendeu o que ela queria dizer.

“Eu tive enquanto estava cochilando mais cedo. Eu estava em um lugar realmente escuro, cercada por todos os tipos de luzes. Essas luzes eram como livros… eu podia lê-las e… ah, eu não consigo explicar muito bem.”

Umm, oh. “Poderia ser aquele “sonho especial”?”

“Ah, sim!” O discurso de Lakhesh ficou um pouco mais enérgico. “Não há dúvidas sobre isso. Quando acordei, soube imediatamente. Foi isso que aconteceu.”

Quando as fadas jovens crescem até uma certa idade, sem falha, elas têm um certo sonho. Nele, elas iam a lugares que nunca tinham ido antes, viam visões que nunca tinham visto antes e conversavam com pessoas que nunca haviam conhecido antes. Esse tipo de sonho. No entanto, dentro desse mundo ilusório, eles sentiam uma estranha e forte sensação de realidade. E no momento em que acordavam, sem nenhum motivo aparente, elas se convenciam: o sonho era especial e nele elas tinham se conectado a algo muito importante. Esse sonho sinalizava o fim de seus dias de juventude e o início do caminho para se tornar uma fada adulta.

“…”

Uma jovem teve um sonho especial. O que tinham que fazer a seguir? Tratamento. Para que ela se tornasse uma fada adulta, eles precisavam coletar dados e mexer com seu corpo.

“Ah.”

“Ah?”

E para tal, Lakhesh precisava ser levada para a instalação de tratamento em Corna di Luce. Acompanhá-la estava, obviamente, relacionado ao dever de Nygglatho como gerente do armazém das fadas. Em outras palavras, ela agora tinha uma justificativa.

“É isso!” Dominada pela emoção, Nygglatho deu um salto para frente e abraçou Lakhesh.

“Hia!?”

É claro que um abraço com força total partiria o corpo de Lakhesh ao meio, então Nygglatho abraçou-a gentilmente, como se estivesse tocando um marshmallow, mas com firmeza o suficiente para não deixar sua presa escapar. O abraço definitivo, uma habilidade que Nygglatho adquiriu depois de muito sangue, suor e lágrimas.

“Lakhesh, você é mesmo uma menina atenciosa! Eu te amo!”

“Eh? Eh? Eh?” Lakhesh caiu em profunda confusão.


Parte 3 – O Homem Sem Um Passado

Uma sensação de como tentar sair de uma poça de lama grudenta e pesada. Conforme ele levantou seu corpo, alguma substância negra cobrindo sua pele lentamente fluiu. No entanto, não saiu completamente. Ela se reuniu em seus pés, recusando-se a ir embora.

— Foi o que ele sentiu no momento em que acordou.

“Ung…”

Gradualmente, ele abriu os olhos. Uma única fenda horizontal de luz perfurou seu campo de visão. Centímetro por centímetro se alargou, até que finalmente se transformou no rosto de uma menina pequena olhando para ele de uma distância extremamente próxima.

“… eh.”

“Ah.”

Seus olhares se encontraram. Os olhos escarlates da garota piscaram uma vez. Sua expressão séria transformou-se lentamente em um largo sorriso.

“Wi…”

Wi?

“Willem, você está acordado!”

“… Hã?”

Sua cabeça não parece estar funcionando bem. Pensamentos aleatórios de origem desconhecida giravam no interior de seu crânio, tornando-o incapaz de sequer tentar lembrar de alguma coisa. O que é “Willem”? A palavra parecia muito familiar, mas ao mesmo tempo tinha uma espécie de toque desconfortável.

“Nils, vem cá! Willem acordou!” A garota se virou e, enquanto pulava para cima e para baixo no lugar, chamou por alguém em voz alta. Seu cabelo vermelho longo e macio sacudia sem parar.

“Ah, eu posso ouvir. Não grite, você vai incomodar os vizinhos.” Um homem exausto entrou na sala, coçando a cabeça lentamente.

Quarto. Ele olhou em volta mais uma vez: um quarto bem limpo e mantido, provavelmente parte de uma estalagem. A mobília, incluindo a cama em que ele dormira, não era luxuosa nem de má qualidade. Ele calculou que a taxa noturna estaria em torno de trinta bradals, ou talvez um pouco mais, já que ele poderia dizer o quão bem o lugar foi limpo com um breve relance.

Bem, isso não importa agora. Uma dor maçante atormentava a área em volta de sua testa. Seus pensamentos se recusaram a entrar na linha. Reflexões inúteis vieram à tona enquanto as coisas importantes permaneciam ignoradas.

“Ei, Willem.” O homem, agora de pé ao lado de seu travesseiro, cumprimentou-o com um sorriso que ocultava qualquer sentimento verdadeiro que estivesse por baixo dele.

“… Willem?” Ele perguntou.

“Exatamente. É o seu nome. Você esqueceu?”

Willem. Willem. Entendo. Este é meu nome. Seus ouvidos certamente pareciam sentir algum tipo de proximidade com ele. No entanto, se tiveram que lhe dizer seu próprio nome…

“Eu perdi minha memória?” Ele perguntou.

Assim que as palavras saíram de sua boca, ele percebeu o quão estranha sua pergunta deveria ter soado. Só ele saberia se suas memórias tinham desaparecido ou não. No mínimo, não era algo para perguntar aos outros.

“Aham”. Contrário às suas expectativas, o homem deu uma resposta afirmativa. “Para explicar de um jeito simples, algo muito ruim está assombrando sua memória e personalidade no momento. Se essa coisa emergir e permanecer sem controle, seu corpo estará acabado. É por isso que usei minhas ótimas habilidades para colocar diretamente uma tampa na maioria das suas memórias e selá-la dentro. Foi um tratamento de emergência improvisado, mas, sendo meu trabalho e tudo mais, não se quebrará facilmente. Me agradeça depois que terminar de chorar.”

“Que parte disso foi simples?”

“Cale-se. Quem foi que apareceu na minha frente sofrendo de uma condição tão difícil?”

Ele não teve um retorno para isso. “… suponho que você está falando de mim? Embora eu não me lembre.”

“Você e essa aqui. Vocês dois me trouxeram uma verdadeira dor de cabeça.” A larga palma da mão do homem deu à garota de mais cedo um leve tapinha na cabeça.

“Au! Ai!”

“Não se preocupe com isso, você não vai morrer de novo de algo assim.” Ele bagunçou o cabelo da menina.

“Não! Ai! Pare!”

“Hahaha, tudo bem, tudo bem.”

Willem, ainda na cama, levantou a metade superior de seu corpo. Seu braço se moveu a uma velocidade indetectável aos olhos. Ele afastou a mão do homem e puxou a garota para perto de si. O pequeno e leve corpo da garota pousou sobre o peito de Willem.

“Ah!” Um pequeno grito.

Ela está fria, pensou Willem. Normalmente, crianças desse tamanho tinham temperaturas corporais bastante altas. “Eu não sei o que está acontecendo aqui, mas você deveria parar. Ela não parece gostar disso.”

“… tudo bem”, respondeu o homem, ligeiramente desnorteado. Por alguma razão, seus olhos mostraram um olhar gentil, quase como se ele estivesse sentindo algum tipo de nostalgia na troca de palavras deles.

Enquanto isso, a garota nos braços de Willem tinha ficado sem palavras, parado de respirar e começado a corar e piscar rapidamente. Ela não parecia ser particularmente contra, então ele achou que poderia continuar nessa posição por mais um tempo.

“Bem? Pelo que você disse antes, suponho que fez algo com essa criança também?”

“Não faça essa cara assustadora. No mínimo, eu não fiz nada de que ela não gostaria.”

“Do que você está falando? Você estava batendo nela agora mesmo.”

“Aqui foi só um carinho amigável na cabeça. Não precisa ficar todo desconfiado.”

“Levando em conta que você era o único sorrindo, não tenho certeza se me convenço disso.” Willem olhou para o homem.

“Você não muda mesmo…” o homem disse por alguma razão. “Bem, tanto faz. Ela é um cadáver ambulante. O que é chamado de fantasma de baixa classe, acredite ou não.” Ele apontou para a garota.

“Hã?”

“Originalmente o corpo dela deveria ser imortal, mas por causa de uma maldição irritante, agora é praticamente um cadáver normal. Eu usei meus poderes super especiais para quebrar diretamente apenas uma pequena parcela dessa maldição, permitindo que sua alma partida pela metade escapasse pela fenda. Então, basicamente, uma leve reanimação, com cerca de um por cento de seu corpo e metade de sua alma.”

“Eu não tenho ideia do que você está dizendo.”

Cadáver? Fantasma? Corpo imortal? Alma? Essas não são palavras que você ouve todos os dias… provavelmente (Ele não podia dizer ao certo devido à falta de memórias). No mínimo, nenhuma dessas palavras parecia ser muito apropriada para a garotinha em seus braços.

“Se não acredita em mim, dê uma olhada. O corte no coração dela ainda não curou.”

“Hã?” Do que diabos esse homem está falando? Willem pensou, mas decidiu fazer como o homem lhe disse de qualquer modo. Dando a área do pescoço da camisa da garota um leve puxão para frente com seu dedo, ele espiou pela fresta. Um grande ferimento de espada profundamente esculpido no peito da garota encontrou seus olhos. Era sem dúvida fatal. Nenhum ser vivo decente seria capaz de se mover enquanto sofria com isso. “O q…”

“Viu? Eu te disse. Às vezes eu digo a coisa errada, mas nunca conto uma mentira.”

Willem não achou que era algo para se declarar com orgulho, mas deixou esse assunto de lado por enquanto. O que raios está acontecendo aqui? Ele deu outra olhada no peito da menina. Hm? Ele olhou de volta para o rosto dela, que de alguma forma tinha ficado vermelho, apesar da falta de um coração funcional para bombear o sangue. Lágrimas surgiram em seus olhos, prontas para cair a qualquer momento. No momento em que Willem percebeu o motivo, já era tarde demais.

“Pervertido!!”

As mãos da garota desceram em ambas as suas bochechas de uma só vez.

Separador de texto

De lado, o homem ria vigorosamente.

“O que é tão engraçado”, Willem retrucou.

“Seu rosto agora mesmo, óbvio. Está vermelho como um pimentão. Você devia se olhar no espelho.”

Willem podia imaginar, então não sentiu a necessidade de verificar. Em vez disso, ele olhou para a porta na qual a garota saíra correndo. Pensando melhor na situação com uma mente calma, ele reconheceu seu erro. Mesmo com uma criança tão pequena, ou talvez especialmente com uma criança tão pequena, garotas ainda são garotas. Ele deveria tê-la tratado com mais cuidado.

Espera, não, é por que ela ainda é um cadáver apesar de ser garota? Ou é por que ela ainda é uma garota apesar de ser um cadáver? Em primeiro lugar, por que um cadáver está se movendo? O que diabos é um corpo imortal? Droga, não tenho ideia do que está acontecendo.

“… bem, deixando isso de lado por enquanto, está na hora de uma conversa séria.” O homem diminuiu o tom de sua voz. “Quanto você se lembra de si mesmo e de qualquer outra coisa?”

“Sobre mim…”

Willem pensou um pouco. Com base no fato de que estavam conversando no momento, aparentemente ele não tinha esquecido a linguagem comum de Regul Aire. Dando uma olhada em volta, ele confirmou que não tinha problemas em lembrar os nomes dos vários objetos no quarto.

No entanto, ao se tratar de informações sobre si mesmo, sua mente ficou em branco. Onde ele morava? Com quem? Fazendo o que? O que ele gostava e desgostava? Nenhuma informação desse tipo apareceu em sua cabeça. Quando ele tentou se forçar a lembrar, parecia como se estivesse caminhando através de um pântano sem fundo. Ainda assim, ele forçou a mão para baixo nas profundezas daquele pântano — alguém olhou de volta para ele com um sorriso solitário.

“Ah?!” Ele pressionou a mão contra a testa, suprimindo a dor de cabeça repentina.

“Pare com isso. Eu as selei de propósito. Melhor não tentar forçar,” o homem disse com um suspiro. “Agora você está na linha entre ser e não ser capaz de permanecer como você mesmo. Se der um passo à frente, você tropeçará e cairá. O que uma vez foi você irá desaparecer. Se isso acontecer, nem eu vou poder fazer alguma coisa. Ouviu? Se quer viver, não lembre de nada.”

“… pode ter alguma coisa que eu deveria fazer.” Conforme Willem continuou a pressionar a testa com os dois olhos bem fechados, sua dor de cabeça gradualmente enfraqueceu.

“Desista.” O homem encolheu os ombros. “Eu não estou só tentando te irritar, sabe? Eu não sei o que você está tentando lembrar, mas no instante em que o fizer, você não se tornará você. E um você que não é você não conseguirá realizar o que quer que seja que tenha lembrado. Em outras palavras, seja como for, você não será capaz de dar continuidade.”

O raciocínio do homem fazia sentido. Exceto por uma reação emocional, Willem não via como contra-argumentar. No entanto, essas emoções não vieram. Ele não podia fazer nada.

“… ahh.” Por alguma razão, Willem sentiu um pouco de alívio. Talvez ter sido informado de que não precisava se lembrar de seu passado, de que não precisava assumir aqueles fardos esquecidos, concedeu a alguma parte dele salvação.

A dor de cabeça havia desaparecido, mas sua cabeça e estômago ainda pareciam pesados. Ele jogou a cabeça de volta no travesseiro. “Vou seguir suas palavras. Eu não lembro o que aconteceu, mas parece que você cuidou de verdade de mim.”

“Por ora, apenas descanse um pouco mais. Da próxima vez que acordar, aposto que sua cabeça bagunçada estará se sentindo um pouco melhor.”

Uma desorientação de repente tomou conta de Willem. “… ok”, ele respondeu fracamente. “Ah sim, há algo que esqueci de perguntar.”

“O que é?”

“Seus nomes. O seu e o da criança.”

“Hm… sim, isso mesmo. Esqueci completamente”, o homem disse enquanto coçava a cabeça. “Eu sou Nils. A pequena é Elq. E você é Willem.”

Nils e Elq.

“Ambos os nomes soam familiares. Nós já éramos conhecidos?”

“Exatamente. Você uma vez me adorou e me chamou de mestre,” o homem disse com o peito exageradamente estufado.

“Não, não acho que acredito nisso.”

“Por que não!? Eu não estou mentindo!”

“Não, não, é inacreditável demais. Quero dizer, você não parece o tipo de pessoa que ensinaria qualquer coisa a alguém.”

“É a verdade! Por que essa é a única coisa em que você não acredita?

“Virtude humana.”

“Como você conhece esse seu velho ditado? Sua memória está mesmo selada?”

O próprio Willem achou isso estranho. Ele reconheceu que sua atitude não era apropriada para uma primeira reunião, mas alfinetar para lá e para cá entre si desse jeito pareceu estranhamente confortável, como se ele tivesse retornado à sua distante terra natal após uma longa ausência.

“Ao invés de um mestre, você parece um velho pai estragado.”

“… céus, você realmente…” Nils suspirou profundamente. “Deixa pra lá. Eu vou dar uma saída por isso descanse bem.”

“Obrigado, por tudo.”

“Se você vai se desculpar, faça isso primeiro, caramba…”

Mesmo que ele só pudesse ver suas costas, Willem sabia que o homem estava sorrindo amargamente. A julgar pelo fato de que ele não se virou, talvez estivesse até mesmo envergonhado.

“– Ah, é mesmo.” De pé ao lado da porta, Nils acrescentou. “Não use muito o seu olho direito. Meu selo só funciona nas partes da sua mente que se transformaram, não nas partes do seu corpo. Se você deixar a coisa tomar conta de você, o selo vai se soltar.”

“Olho direito?”

“Veja você mesmo. Tem um espelho bem ali.”

A porta se fechou e os passos de Nil desapareceram ao longe. Onde ele fez um último gesto com o queixo antes de sair, Willem encontrou um pequeno espelho, do tamanho da palma de sua mão, em pé sobre uma mesa. Do que ele está falando? Willem resmungou para si mesmo, mas ele não podia ignorar algo assim. Ele arrastou seu corpo ansioso para dormir para fora da cama, pegou o espelho e virou-o para seu rosto.

“…”

O rosto de um jovem de cabelos negros que parecia não ter qualquer ambição se refletia nele.

Ponto de nota número um: inchaços vermelhos em forma de pequenas palmas em cada bochecha.

Ponto de nota número dois: seu olho direito, e somente ele, brilhava com uma cor dourada feroz, como a de uma besta selvagem. Como seu olho esquerdo compartilhava o mesmo preto de seu cabelo, Willem percebeu que seu olho direito nem sempre fora assim. Provavelmente, servia como prova do que Nils estava falando.

“… entendo.”

Só de olhar para aquela cor dourada, a ansiedade o dominou. Isso definitivamente não significava nada de bom. Tendo se convencido disso, ele fechou o olho direito, recostou-se nos cobertores e depois fechou suavemente o outro olho também.

Separador de texto

“Se você está procurando por Nils, ele saiu cedo hoje de manhã”, o proprietário da estalagem — um homem desmarcado, por incrível que pareça — contou a Willem na manhã seguinte.

“Hã?”

“Ele deu uma saidinha para um passeio, aparentemente. Disse que não sabe se vai ou não voltar. Também disse para se manterem saudáveis.”

“Espere um segundo. Eu não ouvi nada sobre isso.”

“Ele é do tipo que sai assim que entende a ideia. A julgar por suas palavras, ele pode voltar por um capricho, mas quem sabe quando.”

“Espera, espera, espera, como é?”

Que tipo de vagabundo é esse cara? Talvez Willem, como aquele que foi salvo, não tivesse o direito de dizer qualquer coisa, mas ele queria de verdade que Nils pensasse um pouco mais sobre aqueles que deixou para trás. Willem não tinha lembranças de seu próprio passado nem possuía nenhum tipo de patrimônio. Normalmente, não se deixa um cara que não sabe discernir esquerda da direita e cima de baixo sozinho. Ou pelo menos, Willem estaria com muito medo de fazê-lo. Aparentemente, ele outrora havia chamado aquele homem de mestre, mas Willem ainda não acreditava nisso. Ele não conseguia se imaginar admirando um homem tão irresponsável.

“Ah, parece que sua companheira também está acordada.”

Quem? Willem pensou e se virou. Ele viu a garota de cabelos vermelhos, Elq, espiando de um canto no corredor.

“Companheira?”

“Isso é o que me disseram.”

Entendo. Foi assim que Nils explicou. Sem eu saber. Sua irritação em seu suposto salvador só aumentava, Willem casualmente gesticulou para a garota. Após uma ligeira hesitação, Elq saiu de trás da parede e correu até ele.

“B-Bom dia…” ela disse.

“Desculpe por ontem.” Willem inclinou a cabeça em desculpas.

“Ah… t-tudo bem. Contanto que você entenda… quero dizer, eu não estou mais com raiva…” ela murmurou, claramente afobada.

“Entendo. Você é uma menina gentil.” Willem levantou a cabeça e sorriu. Por alguma razão, Elq gemeu baixinho e deu meio passo para trás. “O que há de errado?”

“N-Nada”.

Willem raramente via um “nada” tão pouco convincente. Ele pensou em prosseguir com o assunto, mas decidiu parar, imaginando que tais artimanhas fossem imaturas demais. Aparentemente, os dois tinham sido encontrados próximos um do outro. Então, ambos foram salvos da mesma forma por Nils, e então deixados para trás da mesma forma por Nils. Ele não fazia ideia de quanto tempo ficariam juntos, mas achou que seria melhor se darem bem. Provavelmente.

Primeiro vinham os preparativos para viver uma nova vida. Willem precisava descobrir o que ele era e não era capaz. Então, precisava procurar trabalho. Por Elq ainda ser muito nova, ele precisava de alguma forma ganhar o suficiente para sustentá-la também. Além disso, Willem decidiu que, se Nils voltasse, ele jogaria uma queixa ou duas em seu caminho.

“A propósito, ainda não recebi a tarifa do seu quarto da noite passada. Como você vai pagar?”

Willem ligeiramente revisou seu pensamento anterior. Se Nils chegasse em casa, além de uma queixa ou duas, ele também o daria um soco.

“… tem alguma ideia de um lugar por aqui que contrataria um desmarcado que não sabe quem ele é?”

“Vejamos… há um lugar que me vem à mente.”

Há mesmo? Willem realmente não esperava uma resposta.

“A propósito, o trabalho oferece três refeições por dia e a mocinha pode acompanhá-lo também.”

“O que…?”

“Eu sou Astartus, o dono desta estalagem. Somos um lugar pequeno, mas há muito trabalho a ser feito, por isso, prepare-se.” O homem estendeu a mão direita, pedindo por um aperto de mão.

Aquele bastardo. Ele nos deixou enquanto tinha tudo isso planejado. Willem lamentou que não tivesse escolha a não ser concordar com a gentil oferta do homem.

“… tudo bem. Eu farei o meu melhor.” Lutando contra o impulso de profundamente ceder seus ombros, Willem segurou a mão do homem em retorno.


Parte 4 – A Velha Capital e as Fadas

O armazém das fadas estava localizado na 68ª Ilha. Por outro lado, Corna di Luce localizava-se na 11ª. Simplificando, uma ficava perto da borda externa de Regul Aire, enquanto a outra bem no meio. Naturalmente, uma distância considerável separava as duas. Além disso, devido à falta de uma rota direta conveniente entre elas, era preciso estar pronto para uma jornada tortuosa envolvendo baldeações entre mais do que algumas aeronaves.

É claro, conseguir que um navio de patrulha do exército passasse por ali teria resolvido o problema, mas eles geralmente eram muito apertados, não tinham amortecedores de vibração, então o balanço ficava fora de controle, as janelas eram pequenas e estar no mesmo navio o tempo todo dava uma sensação meio depressiva. Por estas, entre outras razões, Nygglatho rapidamente recusou. Escusado será dizer que não houveram objeções. E assim, elas passaram um dia inteiro em aeronaves, sendo balançadas para frente e para trás pelo vento.

“Oohh…” Lakhesh, após desembarcar, olhou em volta com um largo sorriso. “I-I-Incrível! Ei, Tiat, olha, olha!

“Sim, incrível, incrível. Agora me solte.” Tiat, com os ombros sendo chacoalhados por Lakhesh, lutou para se libertar.

“Mas olhe! É a verdadeira!

“Eu sei, eu sei que é a verdadeira, por isso me solte.”

“Uaaaauu…”

Lakhesh entrara completamente em transe. Bem, Rhantolk podia entender. Afinal, elas estavam em Corna di Luce. A arca do tesouro do céu. A frigideira de sonhos e romance. Geralmente, as fadas não tinham permissão para deixar livremente a 68ª Ilha, então as histórias de livros e filmes de cristal forneciam seus únicos meios para aprender sobre outras ilhas. Servindo como o cintilante palco central de inúmeras histórias não tinha sido outra senão Corna di Luce. Bem aqui nesta cidade, “Second Mantle” roubou um milhão de bradals dos vilões, “Rust Nose” encontrou o verdadeiro amor, a família “Minchuet” passou por momentos de grande tumulto… por anos, as fadas viram todos esses contos com olhares de admiração. Só fazia sentido que Lakhesh, pisando nesse palco com os próprios pés pela primeira vez, se sentisse tão incrivelmente feliz. Para ser sincera, a própria Rhantolk estava muito animada, embora não fosse a primeira vez.

“… então, para onde vamos agora?” Pensando que era vergonhoso deixar a emoção se mostrar, Rhantolk respirou fundo e calmamente perguntou a Nygglatho.

“Vejamos, precisamos terminar na sede de comando, mas antes disso precisamos deixar Lakhesh no local do meu veterano.”

“Veterano?”

“Ele cuidou de vocês também quando amadureceram. O doutor Kikuroppe grandão. Ele era meu veterano na faculdade de medicina.”

“Um combo bem aterrorizante, hein? Aposto que seus colegas de classe ficaram com medo o tempo todo até a formatura.” Ithea se aproximou do lado.

“Que rude. Nós não fazíamos coisas perigosas com frequência.”

Uma negação que não era bem uma negação voltou como resposta. Rhantolk imaginou que seria melhor não se debruçar sobre o assunto. “… vamos lá, Lakhesh, Tiat. Vamos indo.” Ela agarrou a agitadora e a agitada. “Nós não viemos aqui para passear. Vamos fazer o que precisamos fazer.”

“Ah… d-desculpe.” Lakhesh saiu de seu transe e se desculpou.

“Ooo, a ilha está girando…” Enquanto isso, os olhos de Tiat giravam descontrolados. Rhantolk imaginou que ela se recuperaria mais cedo ou mais tarde.

“Bem então, vamos indo,” disse Nygglatho, então reajustou a enorme mochila que carregava.

Do alto daquela robusta mochila de couro, alguns objetos pontiagudos embrulhados em um pano esticado. Dentro havia quatro Dug Weapons… Valgulious de Ithea, Historia de Rhantolk, Ignareo de Tiat e, como um amuleto de sorte, mais uma espada sem dono. Todas juntas, o peso equivalia ao de um pequeno guarda-roupa (cheia de roupas), mas a forma como Nygglatho carregava não mostrava nada disso.

“Comportem-se, vocês duas. É uma bela caminhada até onde precisamos estar, então não saiam olhando para as coisas e se perdendo, ok?”, Disse Rhantolk.

“E-Entendido. Farei o meu melhor”, respondeu Lakhesh.

O fato de ela ter de dar o melhor de si deixou Rhantolk um pouco inquieta, mas ela gostou da atitude.

“… nem mesmo alguns desvios? Tem muitos lugares que não consegui ver da última vez…” Tiat disse.

Rhantolk desejou que essa outra tentasse um pouco mais. “Não me faça repetir. Não viemos aqui para passear,” ela disse em um tom mais forte com a mão nas costas de Tiat.

Tiat imediatamente ficou em silêncio. Rhantolk se perguntou se foi longe demais, mas ela não tinha conseguido pensar em nada para dizer. Bem, já que Tiat agora era uma verdadeira fada adulta, Rhantolk imaginou que ela poderia ao menos se conter… provavelmente.

“Aaaah, a-aquela é a Praça Falsta? A coisa no meio é a estátua do Grande Sábio, certo? Podemos ir dar uma olhada mais de perto?”

Rhantolk se virou para olhar. Uma larga praça aberta com uma fonte. Inúmeros casais e uma estátua imponente de um velho vestindo um capuz. O Grande Sábio, a figura lendária que liderou a fundação de Regul Aire e ainda continuava a apoiá-la… de alguma forma, sua estátua ganhou a reputação de ter o poder de fortalecer os laços entre um casal. A verdade disso permanecia incerta, mas, aparentemente, os amantes tampouco se importavam. Em toda a praça, casais de várias raças sussurravam palavras de amor uns aos outros. Mesmo sem a proibição de desvios, Rhantolk teve a sensação de que não seria um bom lugar para levar crianças pequenas de qualquer jeito.

“Eu também quero ver! Quando vim aqui antes, Willem não me deixou!” Tiat exclamou, aproveitando a situação.

Rhantolk baixou levemente o punho na cabeça de Tiat. “Eu te disse, não foi? Sem olhar em volta ou desvios. Vamos nos apressar.”

Lakhesh e Tiat caíram em desespero.

Separador de texto

Trinta minutos depois.

A situação piorou. Limpando o suor frio em sua mente, Rhantolk olhou ao redor. À direita, várias pessoas e barulhentas carruagens de cavalos iam e voltavam ao longo de uma larga avenida alinhada com prédios de pedra. À esquerda, um vasto e bem cuidado jardim espalhava-se atrás de uma interminável cerca de ferro preto. A primavera ainda não havia chegado, apenas um verde claro o cobria. Em menos de um mês, todo o lugar certamente floresceria com cores vivas. Não ser capaz de ver isso pareceu um pouco infeliz, mas agora não era a hora de pensar nisso.

Escusado será dizer que ambas as vistas eram desconhecidas para Rhantolk. Além disso — o verdadeiro problema em questão — ela não conseguiu avistar ninguém com quem veio: Nygglatho, Ithea, Tiat ou Lakhesh.

“Bem, isso é mau”, ela murmurou, fechando os olhos e pressionando a testa.

Ela pensou nos eventos que levaram a isso. Era simples: enquanto caminhava pela cidade, uma construção visível à distância repentinamente capturou seu olhar. Era a torre de uma famosa igreja sobre a qual ela lera em um livro, uma das grandes estruturas construídas por um arquiteto genial de trezentos anos no passado, das quais apenas sete existiam em toda a região de Regul Aire. Foi escrito que suas silhuetas únicas captavam os corações de qualquer um que olhasse, mesmo de longe. Agora Rhantolk sabia que o livro estava certo. Depois de avistá-la, ela foi atraída apenas um pouquinho (ou pelo menos foi o que disse a si mesma) e, logo em seguida, ela se separou de suas amigas.

Que vergonha, acabar assim logo depois que avisei as mais novas para não olharem para as coisas e se perderem. Rhantolk nunca pensou que estragaria tudo tanto assim. O destino delas era a instalação de tratamento aqui em Corna di Luce, o lugar onde uma vez ela foi quando amadureceu. Suas lembranças eram um pouco confusas, mas ela provavelmente poderia lembrar o caminho. Na pior das hipóteses, ela poderia simplesmente ir para o céu e verificar as direções de cima. Ela queria evitar chamar a atenção, mas seria melhor do que atrasar sua reunião.

“Se bem que acho que vou só caminhar.”

Felizmente, Corna di Luce sendo uma cidade comercial com laços com muitas outras ilhas, desmarcados como as fadas andando pelas ruas não eram incomuns. Contanto que não fizesse nada particularmente incomum, ela não se destacaria. Simplesmente passeando, ela poderia se misturar com a paisagem da cidade. Pensando dessa maneira, ela foi capaz de esquecer sua situação e aliviar um pouco seus passos.

Separador de texto

Sete minutos depois.

“… ahh.”

Mais uma vez, Rhantolk realmente sentiu o quão aterrorizante era a cidade de Corna di Luce. Depois de alguns minutos de caminhada, ela se deparou com algo intrigante. Quer se tratasse de um edifício famoso, um curioso pequeno beco, ou uma estátua de bronze aparentemente aleatória bem no meio da estrada, ela nunca deixava de se surpreender com o repertório abundante da cidade. Por estar sozinha, ela não pôde evitar parar toda vez que via algo.

Isso não é bom. Se ela não tentasse avançar um pouco mais a sério, o sol iria se pôr. Com esse senso de urgência empurrando suas costas, Rhantolk correu por uma larga avenida, virou uma esquina e…

“… ahh.”

… encontrou outro prédio magnífico. A Grande Biblioteca Central de Corna di Luce. Não só era uma das estruturas mais antigas ainda existentes na cidade, como também ostentava a maior coleção de livros de Regul Aire. Aquela graciosa torre branca, ainda continuando a alcançar as alturas após atravessar séculos de história. Apesar de seu suposto foco, Rhantolk se sentiu completamente prisioneira àquela visão no momento em que a viu. No entanto, suas pernas, estimuladas pelo senso de urgência, continuaram a se mover. Como resultado…

“Ah!”

“Hmph.”

Ela esbarrou em algo que parecia uma parede e quicou, aterrissando no chão.

“Au…”

“Oh, a culpa foi minha. Eu estava um pouco distraído.”

“Ah, não, eu não estava vendo por onde estava indo…” ela respondeu.

Aparentemente, a coisa que Rhantolk esbarrou não era uma parede, mas um velho desmarcado com cabelos loiros, cabelo facial loiro e um físico robusto como uma rocha. Devido ao brilhante manto de puro branco que usava, ele se destacava, e não de um jeito bom. Ele parecia visivelmente flutuar acima do cenário de Corna di Luce, a cidade que aceitava toda e qualquer raça. Ainda assim, depois de vê-lo com seus próprios olhos, Rhantolk pensou por um momento que talvez a coisa em que ela se deparou realmente fosse uma parede afinal. Ela não sabia o porquê, mas um tipo de força pesada e misteriosa exalava do velho.

“Você se machucou?”

Mesmo em suas palavras de preocupação, uma espécie de pressão esmagadora enchia sua voz. Acho que em uma cidade tão grande e histórica, você vê pessoas estranhas assim andando pelas ruas como se fosse normal, pensou Rhantolk.

“Ah… eu estou bem, obrigada.”

Timidamente, ela segurou a mão estendida a ela e se levantou. Um sorriso gentil apareceu no rosto do homem, mas falhava em esconder o olhar afiado e penetrante de seus olhos. Mesmo sendo uma soldada experiente, Rhantolk sentia como se suas pernas fossem ceder se ela não conscientemente mantivesse sua mente focada.

“Ah… a propósito, mocinha. Essa troca de palavras deve ser algum tipo de destino. Você me ajudaria um pouco com as direções?”

Um breve silêncio.

“Hã?”

“Bem, é um pouco embaraçoso, mas, a verdade é que estou um pouco perdido”, disse o homem enquanto coçava sua bochecha. O gesto não combinava com ele. “Eu pensei em perguntar a alguém na estrada, mas… bem, falar com estranhos passando não é o meu forte.”

“Ah…”

Isso faz sentido, pensou Rhantolk. Só de ficar ali parado, seu enorme senso de presença parecia dominar o ambiente. Ela imaginou que seria um pouco impróprio para casualmente perguntar a alguém por direções.

“Eu não me importo, mas não sou daqui, então não posso dizer que estou familiarizada com as estradas. Não sei se posso ser de ajuda.” Rhantolk deixou de fora o fato de ela mesma estar um pouco perdida. “Bem, para onde você está indo?”

“Um restaurante. Ouvi dizer que é perto da instalação de tratamento geral.

Que coincidência, pensou Rhantolk. “Também tenho negócios lá. Se você quiser, podemos ir juntos.”

“Oh, isso seria ótimo.”

O velho sorriu. Ou pelo menos, rugas apareceram em seu antigo e envelhecido rosto feito árvore e formaram o molde de um sorriso. O sorriso tinha tanta força por trás que provavelmente faria uma criança pequena chorar. Ainda bem que sou uma adulta, pensou Rhantolk, levantando ligeiramente as pontas dos lábios.

Separador de texto

“Eu vim para esta cidade antes, então recusei uma oferta de instruções, dizendo que já sabia o caminho”, disse o velho enquanto andavam.

Seguindo ao lado dele, Rhantolk se sentiu um pouco como uma criada cuidando de seu mestre. “Oh”, ela respondeu apática.

“Mas quando comecei a andar, percebi que as estradas mudaram completamente.”

“Ah…”

Isso não pode estar certo. Corna di Luce era uma cidade histórica. Talvez várias definições de “cidade histórica” existissem, mas uma delas era a de que muitos edifícios antigos ainda existiam na cidade. Então, naturalmente, as estradas não poderiam ter mudado completamente. Até onde Rhantolk sabia, a área ao redor da Grande Biblioteca não tinha recebido grandes reformas nos últimos cento e poucos anos. Bem, ele é um pouco velho. Não seria surpreendente se sua memória tenha começado a ficar um pouco bagunçada. Pensamentos rudes passaram pela cabeça dela.

“Como essa é uma oportunidade tão rara, achei que seria bom desfrutar um pouco do turismo enquanto estou por aqui, mas não gostaria de manter a pessoa que tenho que encontrar esperando para sempre.”

“Ah…” Um espinho invisível perfurou o peito de Rhantolk.

“Ainda assim, seria uma pena só andar pela cidade. Acho que vou ter que voltar como turista um dia.”

“A sua residência habitual fica em uma ilha distante?” Rhantolk perguntou.

“Hm, certamente fica bem longe, contudo mais problemático que a distância é–” De repente, o velho olhou para cima.

Rhantolk seguiu seu olhar. “Ah”

Do outro lado da rua estava Nygglatho. Ela subiu cerca de uma cabeça mais alto do que os pedestres que passavam, tornando-a extremamente fácil de detectar. Notando Rhantolk, ela começou a cruzar a avenida.

“Finalmente te encontramos! Nós estávamos preocupadas com você!”

“Me desculpe.” Rhantolk, sem justificativas, pediu sinceras desculpas.

“Estava me perguntando se você tinha esbarrado em uma carruagem ou algo assim, sabe? Vocês são fortes quando lutam, mas em ocasiões normais não são tão resistentes assim.”

“Bem… ah…”

Cerca de metade da força dos Leprechauns durante a batalha se originava de seu venenum aceso, e quase toda a outra metade vinha das Dug Weapons que usavam. Em outras palavras, no dia a dia, elas não tinham quase nada do poder que possuíam no campo de batalha. Além disso, a maioria dos seres vivos, não apenas Leprechauns, provavelmente não ficaria bem após esbarrar em uma carruagem. Bem, é claro, Nygglatho não pertencia à “maioria dos seres vivos”.

“Mesmo se for virar carne moída, você teria um gosto melhor se usasse uma máquina especializada para tal.”

“Um… o quê?”

Rhantolk começou a perder a noção do que Nygglatho estava dizendo. De qualquer forma, parecia evidente que Nygglatho estava preocupada com ela… provavelmente. Ela já tinha se desculpado apropriadamente e agora precisava refletir sobre seu comportamento.

“Ah, desculpe interromper a sua conversa, senhorita.” O velho se juntou a ela. “Por favor, não repreenda demais a criança. Eu era um turista de passagem e estava perdido. Ela teve o coração bondoso de me mostrar o caminho.”

“Eh?” O que esse vovô está falando assim de repente?

“Se isso te incomoda de alguma forma, permita-me compensá-la por isso. Apesar de como posso parecer, tenho um pouco de autoridade. Então, por favor, não seja muito dura com a sua irmãzinha.”

“Oh, minha nossa.” Nygglatho parecia um pouco confusa. “Foi isso que aconteceu?”

“Uh… bem, claro?” Rhantolk respondeu hesitante. Sim, eles andaram juntos sob o pretexto de que ela estava mostrando ao velho o caminho. No entanto, pouco antes disso, ela que tinha sido a pessoa perdida, e isso era completamente sua culpa, sem espaço para desculpas. Além disso, ela e Nygglatho não eram irmãs…

“Bem, tudo bem.” Nygglatho suspirou com um leve toque de orgulho. “Ninguém mais sabe, e isso não causou problema algum. Eu também não quero te dizer para não ser legal com os outros. Mas da próxima vez, me avise, ok?”

“Ah… tudo bem, entendi.” Rhantolk, indo junto com o fluxo, assentiu.

“Você também, senhor.”

“Hm?”

“Tenho certeza de que você estava ansioso, perdido enquanto passeava pela cidade, mas não é bom conversar com uma moça aleatória e andar por aí com ela. As pessoas podem pensar que você está sequestrando ela, sabia?”

“Ah… o-oh, sim. Acho que você tem razão.”

“Sequestros de turistas não são raros em Corna di Luce. Se você precisar de instruções, pode perguntar aos golems que o departamento de turismo preparou, certo?” Nygglatho falou numa voz suave, porém severa, como se repreendesse uma criança por pregar uma peça.

Depois de um momento de silêncio, o velho, parecendo totalmente desnorteado, de repente soltou uma gargalhada explosiva. Cada pessoa que caminhava ao longo da rua se virou, os pombos descansando em cima das lâmpadas voaram para longe, e um cavalo puxando uma carruagem ao longe começou a se debater.

“… você está bem?” Rhantolk perguntou.

“Sim, minhas desculpas.” O velho reprimiu sua risada e enxugou as lágrimas dos olhos. “Ninguém toma uma atitude dessas comigo há muito tempo. Também foi refrescante e nostálgico ver uma jovem não estar intimidada em minha presença. Isso me fez sentir jovem de novo.”

“Uh.” Certamente, ele tinha uma cara assustadora, um físico assustador e um ar misterioso assustador sobre ele, mas Rhantolk não podia imaginar todos com quem ele falava tendo medo dele.

“Bem, daqui eu posso encontrar o caminho eu mesmo. Não quero tomar mais do seu tempo, então acho que é hora de eu ir.”

“… você tem certeza de que está bem?”

“Não se preocupe, da próxima vez que me perder, posso perguntar a um desses golems, certo?” O velho disse com uma piscadela, e uma bem habilidosa. “Obrigado pela conversa divertida.”

Enquanto observavam o velho se afastar, Rhantolk e Nygglatho inclinaram a cabeça em confusão.

“Eu sinto que já o vi antes… recentemente”, Nygglatho murmurou.

Agora que ela mencionou, Rhantolk se deu conta do estranho sentimento que se contorcia dentro de sua mente. “Mas se eu o conheci antes… sinto que não seria capaz de esquecer alguém com uma impressão tão forte.”

“Hmm, se nós duas nos lembramos de tê-lo visto, então isso significa… na 68ª Ilha? Mas não pode ser…”

Falhando em conseguir uma resposta, elas continuaram a inclinar suas cabeças. Perto dali, ao lado da rua pela qual tinham passado, na grande Praça Falsta, ficava a estátua de pedra do Grande Sábio, a figura mais proeminente de toda Regul Aire.

Separador de texto

“Ok então, a garota que teve o sonho, venha por aqui.”

“Sim! Estou indofsgs!

Lakhesh, conduzida por um grupo de enfermeiras em trajes brancos, partiu para se tornar uma soldada fada adulta, estremecendo com a dor de ter mordido sua língua com firmeza.

Separador de texto

“Eu duvido que ela esteja muito longe”, disse Nygglatho com um rosto preocupado, depois saiu em busca de Rhantolk. “Se algo acontecer com ela, vou ter que dar-lhe um grande abraço como punição por me deixar preocupada”, brincou ela.

A propósito, diz-se que os abraços com força total de Nygglatho poderiam quebrar rochar.

Separador de texto

Agora isso nos deixa com mais duas. Elas estavam sentadas em uma sala de espera simples dentro da instalação de tratamento, tendo sido instruídas a aguardar até as próximas instruções. No entanto, elas não receberam nenhum comentário sobre quando as próximas instruções viriam.

“Me pergunto para onde Rhan foi”, Ithea murmurou com um olhar entediado em sua face.

“Ela com certeza foi ver o Túmulo do Perjuro!” Tiat respondeu enquanto pulava para cima e para baixo perto da parede, tentando ver a paisagem da janela ligeiramente alta. “Passamos bem pertinho, e é um local popular que você definitivamente não pode perder ao visitar Corna di Luce. Não é justo!”

“Rhan não é como você quando se trata dessas coisas, sabe?”

“Rust Nose disse que a beleza seduz o coração!”

“Tem certeza de que ele disse isso no contexto que estamos falando?” Ithea inclinou sua cabeça. “Seja como for, isso com certeza é chato. Que tal jogarmos um jogo ou algo assim?”

“Não é chato! Estou muito ocupada agora!”

“Entendo.” Ithea jogou a cabeça na mesa diante dela e assistiu as costas de Tiat saltarem para cima e para baixo. Claro, Tiat poderia simplesmente ter acendido venenum e voado, mas ela não pareceu notar, e Ithea não teve vontade de apontar.

“Ahh, só mais um pouco, pernas! Todo aquele treinamento físico foi para este momento!”

“Que criança despreocupada…”

Olhando para a janela em questão a partir de sua posição, Ithea só via o céu azul se espalhando do outro lado, o mesmo velho céu que a fitava de volta com o mesmo rosto quer ela olhasse na 68ª ou a 11ª Ilha. Só então, houve uma batida na porta.

“Talvez estas sejam as próximas instruções.” Ithea olhou para cima e a porta se abriu.

“Com licença…” Com uma voz hesitante, quem entrou não foi Nygglatho, nem um médico, nem um soldado, mas uma jovem dama Lucantrobos com um pelo de aparência macia.

“Hm? Você é…”

“Firu!? Há quanto tempo!” Aparentemente, Tiat lembrou o nome da recém-chegada antes de Ithea.

Phyracorlybia Dorio, a filha do prefeito. Alguns meses atrás, Ithea e Tiat foram passear pela cidade sob suas orientações — ou, mais precisamente, sob as maquinações de Willem. Para os Leprechauns, que geralmente não tinham quase nada a ver com nada fora da 68ª Ilha Flutuante, foi uma experiência inesquecível e peculiar.

“Ithea… Tiat…” Por alguma razão, o rosto de Firu endureceu quando ela murmurou seus nomes e olhou ao redor da sala. “Elas não estão aqui. Chtholly e Nephren.”

“Firu?”

“Minhas desculpas.” Depois de entrar no quarto e fechar a porta atrás dela, Firu caiu no chão. “Eu não sabia. O que vocês garotas eram. Cujos sacrifícios mantém a vida cotidiana que assumimos como garantida”.

“Hã?” Os olhos de Tiat se arregalaram.

“Ah — já entendi.” Ithea, entendendo o significado dessa súbita desculpa, coçou a parte de trás de sua cabeça. “Você ouviu de alguém, hein? Sobre nós.”

“Sim. Eu ouvi por acaso o tio e o pai conversando.”

O “tio” de que ela falava se referia ao Primeiro Oficial Limeskin, de quem ela era muito próxima desde criança, e o “pai” se referia a Gilandalus Dorio, o prefeito de Corna di Luce. Ithea não sabia como os leprechauns apareceram em uma conversa entre os dois, mas, por enquanto, parecia evidente que Firu sabia sobre a natureza delas como armas secretas.

“Enquanto todas vocês estavam arriscando suas vidas no campo de batalha, eu estava lutando para decidir qual geleia colocar no meu bolinho para o lanche. Passei todos os dias assim, sem saber a verdade ou a lástima. Agora, me sinto tão envergonhada…” ela confessou, com a cabeça abaixada, soando quase à beira das lágrimas.

“Uh, umm…” Tiat se atrapalhou com as palavras.

“Ah, bem, eu sou grata pela nova resposta, mas… Firu”, Ithea começou.

“Sim?”

“Não precisamos falar sobre como somos armas descartáveis ​​e tudo mais. Você tem uma forte consciência, foi criada em um ambiente de classe mais elevada e é do tipo que acredita que há mais coisas boas do que ruins no mundo. Não vou tentar dizer a alguém como você para concordar com o que fazemos.

Então quero que você pense dessa maneira. Nós secretamente colocamos nossas vidas em risco para que todas as pessoas normais em cada ilha flutuante possam continuar vivendo sua vida cotidiana em ignorância.”

“Vida cotidiana… ignorância…”

“Isso mesmo. Então não fique envergonhada por não saber sobre nós. O tempo que você passou na ignorância é exatamente pelo que lutamos… é como se fosse nosso orgulho ou algo assim.”

“Oohh…” Tiat parecia estar impressionada. Permanecia a dúvida se ela sabia ou não que Ithea também estava falando sobre ela.

“Olhe para cima, Firu. No mínimo, nós não arriscamos nossas vidas esse tempo todo para ver nossos amigos chorarem.”

“I… thea…”

Só então, a porta se abriu novamente. Desta vez, uma fada de cabelos azuis, Rhantolk, apareceu.

“Desculpe por fazer vocês se preo–” A desculpa de Rhantolk parou abruptamente. Ela olhou em volta da sala: Ithea com os cotovelos apoiados em uma mesa, Tiat pressionada contra a parede com apenas a cabeça virada para a porta, e uma Lucantrobos desconhecida caída no chão. “–  O que está acontecendo aqui?”

“Essa é uma pergunta bastante difícil…” Ithea disse com um semblante preocupado, então riu. “Espera. Rhan, você está sozinha? Pensei que Nygglatho tinha ido te buscar.”

“Sim, ela estava bem aqui quando um mensageiro do Primeiro Oficial Limeskin a abordou”, disse Rhantolk, apontando para a entrada da instalação de tratamento. “Eles saíram novamente. Disseram-me para esperar aqui com vocês.”

“Saíram? Para onde?”

“Eu não sei, mas não acho que precisamos nos preocupar.”

“Bem, isso é verdade.”

Ithea e Rhantolk assentiram.

“… hum?” Firu, incapaz de acompanhar a conversa, inclinou a cabeça em confusão, com os olhos ainda marejados.

“Então o que você viu? O Túmulo do Perjuro!? Ou um pouco além do Mercado Barley!?” Tiat, enquanto isso, estava sendo seu eu habitual.

Separador de texto

“Por aqui, senhorita Nygglatho.”

“O que?”
“O Primeiro Oficial Limeskin lhe aguarda.”

Um pequeno Reptrace mostrou-lhe uma porta… ou talvez ele fosse mediano, já que as alturas individuais dos Reptraces variavam drasticamente devido a seus períodos de crescimento variáveis, mas Nygglatho, acostumada a ver a figura gigante de Limeskin, não pôde deixar de pensar nisso.

“Você sabe que acabei de chegar aqui, eu realmente poderia usar esse tempo para algum descanso…”

O mensageiro não respondeu. Ele parecia bem militaresco, sem dizer nada desnecessário.

“Todos já está aguardando.”

“Quem você quer dizer com todos…”

Sem resposta. Bem, Nygglatho previu isso.

Separador de texto

Conduzida pelo mensageiro, Nygglatho saiu pela porta dos fundos da instalação de tratamento e entrou num beco pequeno e escuro preenchido com o fedor de detergente e de escoamento. Olhando para cima, notou cordas penduradas através da rua, de janela à janela oposta, com uma abundância de roupas penduradas nelas.

Me pergunto aonde estamos indo, ela pensou. A julgar pela atmosfera de silêncio que o mensageiro parecia exalar, Nygglatho não achava que conseguiria uma resposta se perguntasse. Desde que só eu fui chamada, provavelmente não é uma coisa boa que eles queiram que as crianças ouçam. Pensando nisso, seu humor afundou um pouco.

Só então, o delicioso cheiro de carne tostada flutuou pelo seu nariz. Olhando para cima, ela avistou uma pequena placa indicando a entrada dos fundos de um restaurante. Ah sim, o que vou fazer para o jantar? Enquanto ponderava, o mensageiro abriu a pequena porta e entrou no restaurante.

“Aqui?” Ela perguntou, mas, como esperado, não recebeu resposta. O Reptrace simplesmente virou-se brevemente, gesticulou para ela seguir, depois continuou pelo corredor estreito. Ao entrar, Nygglatho teve um vislumbre do interior elegante. “Essa não, me pergunto se minhas roupas não são adequadas para o código de vestimenta.”

Ela olhou para si mesma. Agora, ela estava usando roupas fofas, pelos seus padrões, mas, ainda assim, era uma roupa casual. Além disso, após de ter sido sacudida em uma aeronave durante um dia inteiro, ela não podia dizer exatamente que sua aparência era muito refinada. Apesar de suas preocupações, as costas do Reptrace se afastaram cada vez mais. Ele podia falar comigo pelo menos um pouquinho, ela reclamou dentro de sua cabeça enquanto o acompanhava.

Eles pararam em frente a uma porta pesada. A mão com garras do mensageiro bateu duas vezes em rápida sucessão, seguida de uma terceira batida após uma breve pausa.

“Entre”, uma voz baixa disse de dentro.

Oh nossa, uma batida secreta, pensou Nygglatho quando a porta se abriu. Uma grande mesa estava no centro da sala, infelizmente sem comida. Em volta da mesa havia alguns rostos familiares e outros nem tanto.

“… eh?”

Contra a parede estava Limeskin em seu uniforme do exército. Bem, foi ele quem convocou Nygglatho, então não era nenhuma surpresa. Ao lado dele estava um soldado Haresantrobos. A insígnia em seu ombro mostrava um escudo e uma foice, o que significava que era parte da Polícia Militar, se Nygglatho lembrava corretamente.

Um homem Lucantrobos de meia-idade, sentava-se à mesa. O primeiro novo rosto. Ele vestia um terno que parecia ser de alta qualidade e um monóculo da moda. Sua aparência de cavalheiro combinava com o restaurante chique mais do que a de Nygglatho, pelo menos. Próximo, por algum motivo, havia o velho em um manto branco que ela tinha acabado de se separar mais cedo. A julgar por seu rosto surpreso, ele provavelmente não esperava a reunião deles também.

Havia uma última pessoa na mesa, uma pessoa com um rosto muito especial, tão especial que os rostos de todos os outros presentes pareciam voar completamente para fora da cabeça de Nygglatho. Uma jovem garota com cabelos grisalhos. Seu olho esquerdo estava bem fechado por algum motivo, mas não havia dúvida: ela era a soldada fada supostamente perdida em batalha na superfície.

“Neph… ren?”

“Nn.” Nephren inclinou a cabeça.

“É você… de verdade?”

“Cerca de metade”.

Nygglatho recebeu uma resposta bastante intrigante, mas ela mal podia ouvir de qualquer maneira. Ela queria correr até ela. Abraçá-la. Esfregar suas bochechas contra as dela. Chorar e lamentar. Esses impulsos dispararam em sua cabeça, incharam e explodiram. Nygglatho desabou no tapete.

Separador de texto

“D… Desculpem por causar uma cena tão embaraçosa…”

Nygglatho sentou-se como sugerido, depois pegou Nephren e a fez sentar em seu colo contra sua vontade. Os olhares divertidos dos homens ao redor da mesa eram um pouco ásperos, mas ela não tinha intenção de deixá-la ir.

“Acho que você ainda está causando uma cena embaraçosa”, disse Nephren.

“Quieta.” Nygglatho também não tinha intenções de ouvir reclamações.

“… bem, então, permita-me que eu me apresente.” O homem Lucantrobos, ainda sentado, assentiu ligeiramente. “Meu nome é Gilandalus Dorio. Eu sou o prefeito desta cidade, eleito por seus cidadãos”.

“Eh.” Nygglatho congelou. “Ah, hum, sou Nygglatho, da Orlandri Trading Company.”

“Prazer em conhecê-la, Nygglatho. Por aqui nós temos…”

“Coincidências são coisas assustadoras. Acabamos de nos conhecer mais cedo, jovem senhorita,” o velho de manto branco disse com uma piscada, interrompendo o Sr. Dorio. “Minhas desculpas por não me apresentar mais cedo. Meu nome é Suwon. Eu sou algo como um conselheiro para a Guarda Alada.”

“Ah… prazer em conhecê-lo mais uma vez.” O prefeito e um velho aposentado do exército. Por que essas pessoas estavam se reunindo em segredo e, além disso, por que ela foi chamada para essa reunião secreta? Nygglatho não entendeu. “Hum, é que… eu não tenho ideia do que se trata… o que está acontecendo? Por que Nephren está aqui? Poderia ser que–” Willem também está seguro? Ela começou a perguntar, mas fechou a boca. “– outra pessoa também foi salva na superfície?”

A atmosfera ao redor da mesa pareceu ficar um pouco mais pesada. Ninguém falou. Talvez ela não devesse ter perguntado.

“Posso explicar a situação?” O soldado Haresantrobos deu um passo à frente enquanto reajustava os óculos.

“Eu vou deixar com você.” O velho de manto branco concordou.

“Primeiro oficial Buronny Maxi. Prazer em conhecê-la”, disse o Haresantrobos após um leve aceno.

“Ah, prazer em conhecê-lo…” Primeiro oficial… isso quer dizer que ele é tão importante quanto Limeskin?

“Primeiro, vamos esclarecer um mal-entendido. A coisa que você está segurando no colo não é a fada que você conhece. É outra coisa, algo cujo corpo e mente foram transformados após serem poluídos por uma besta na terra.”

“Uh…” Mais palavras enigmáticas. Nygglatho tentou dar uma cutucada na bochecha de Nephren com a ponta do dedo. Carne macia. O tipo de maciez que a fazia querer fervê-la e comê-la imediatamente. Aquela textura que Nygglatho conhecia muito bem não tinha mudado nem um pouco. O que ele disse? Poluído por uma fera?

“Próximo… acho que você já sabe que neste momento não há ataques de Timere previstos…”

Claro que ela sabia. Nygglatho assentiu.

“Nós identificamos a causa disso. Chtholly Nota Seniorious.”

Eh?

“Em primeiro lugar, para um Timere nos atacar no céu, ele precisa ter um corpo grande o suficiente, então dividir esse corpo e fazer com que os fragmentos voem ao vento até que pousem em uma ilha flutuante. Em outras palavras, um número grande o suficiente deles deve se reunir para poder fazer qualquer coisa.

Chtholly Nota Seniorious destruiu um número incrível de Timeres durante a batalha nas Ruínas K96-MAL. Além disso, aqueles que antes estavam dormindo no subsolo vieram à superfície e encontraram a aniquilação”.

“Chtholly…?”

“O número de Timeres no solo no momento está drasticamente diminuído. Embora eles possam não estar extintos, provavelmente precisarão de um período de tempo considerável antes de poderem atacar o céu de novo”, continuou o Haresantrobos.

“A menina jogou fora sua vida… não, usou sua vida até o final para proteger Regul Aire.” Limeskin disse, mas as palavras falhavam em ser assimiladas.

Sacrificar-se para salvar uma ilha. Esse era o dever original das fadas. Chtholly lutou e voltou para casa viva porque queria se libertar dele, mas, no final, ela o cumpriu de qualquer maneira.

“… ela era mesmo desajeitada.”

Nygglatho não queria chamar sua morte de destino. Chtholly lutou por vontade própria até o último suspiro por suas pessoas amadas, ou talvez simplesmente por aquele que amava. Regul Aire só aconteceu de ser ajudada como resultado. Ela preferiu pensar sobre isso desse jeito.

Ou talvez os “Braves” de que Willem falava outrora tivessem sido assim também. Eles lutavam apenas por si mesmos, mas sua luta era distorcida por palavras como destino ou dever em uma luta pelo mundo.

Não haviam mais batalhas para lutar. O perigo havia partido. A situação deveria ter deixado Nygglatho feliz. Ela deveria estar orgulhosa. No entanto, por algum motivo, ela se sentiu um pouco frustrada.

“Esta informação é de conhecimento não só da Guarda Alada, como também de várias organizações em toda Regul Aire com alguma habilidade em coletar inteligência. Assim que descobriram, todos concordaram em um ponto: agora é a hora de Regul Aire como um todo repensar sua estratégia contra as Bestas”, explicou o Harensantrobos.

“E é por isso que eles tentaram colocar as mãos em nossas… usuárias de Dug Weapons, hein”, disse Nygglatho.

Os olhos de Limeskin pareciam estar dizendo “você é a única que está colocando as mãos nelas”. Nephren olhou para Nygglatho com um rosto que perguntava “o que você quer dizer?” Muita coisa aconteceu, mas de todo modo eu afastei os vilões, então está tudo bem. Claro, ela não podia dizer isso em voz alta, então ao invés disso ela apenas fechou o punho em um soco. Talvez isso transmitisse a mensagem.

“Além disso, mais uma coisa”, disse o Haresantrobos.

“… que?”

“O que eles estão exigindo da Guarda Alada é a liberação da autoridade para lutar contra as 17 Bestas. Especificamente, os direitos de desenvolver armas, mantê-las e usá-las em tempos de necessidade. As Dug Weapons não são mais que uma parte disso.”

Demorou um pouco para Nygglatho entender. “As Bestas são inimigos poderosos e misteriosos. Pedir permissão para desenvolver e manter o poder de fogo para lutar contra elas significa… ” Ela engoliu em seco. “… A mesma coisa que pedir permissão para expandir suas forças militares sem limites”.

“Exato. Se eles não puderem avaliar quanta força é necessária para combater a Besta, isso permite que digam que todo e qualquer poder “pode ​​ser necessário”. A ética e a Constituição de Regul Aire não serão nada diante de tal justificativa.”

Uma grande variedade de raças vivia em Regul Aire, até mesmo algumas que estavam originalmente em relações de predador e presa. Ao longo dos séculos, todos gradualmente aprenderam a conviver pacificamente, mas isso não mudava o fato de que todos ainda tinham valores diferentes.

Naturalmente, conflitos, grandes e pequenos, nunca cessaram completamente. Uma grande guerra envolvendo muitas ilhas flutuantes ameaçou ocorrer mais do que apenas uma ou duas vezes. A Constituição de Regul Aire existia com o propósito de parar tais conflitos. Escrita pelo lendário Grande Sábio nos primeiros anos de Regul Aire, servia como a mais alta lei, aplicando-se igualmente a todas as raças e lugares. Não matar. Não roubar. Não portar armamento desnecessário. Todos aqueles que quebram regras como estas recebem um julgamento apropriado pelos governos locais das várias ilhas, ou pela Guarda Alada, quando não for possível.

“Nosso assunto real é daqui em diante”, disse o Haresantrobos.

“… ainda tem mais?”
“Eles estão solicitando a autoridade para usar armas anti-besta sempre que julgarem necessário. O que isso significa?” Ele olhou para Nygglatho, como se estivesse esperando por uma resposta.

Nygglatho não sabia. Ela não era um soldado, apenas uma funcionária de uma companhia comercial. Embora não fosse completamente ignorante sobre esses tipos de tática, ela não podia dizer que era erudita.

“Em qualquer lugar onde uma Besta surgir, eles podem lutar com tanto poder de fogo quanto quiserem”, disse Nephren suavemente.

“Exatamente.” O Haresantrobos assentiu.

“… por que isso importa? Nenhuma Besta além do Timere pode voar, então não importa agora, certo?” Nygglatho perguntou.

“Sim, à primeira vista. Mas, se uma Besta aparecesse em uma ilha flutuante, eles seriam capazes de lutar como quisessem”, respondeu Nephren.

“Mas isso não deveria ser possível…”

“Desculpe. Permita-me juntar-me à explicação daqui.” O prefeito Dorio, que estivera silenciosamente observando a conversa até então, interrompeu, suas orelhas pontudas de Lucantrobos balançavam para frente e para trás. Depois de olhar para todas as pessoas importantes alinhadas na sala, ele começou. “Isso aconteceu há cerca de meio mês. Uma aeronave caiu nesta ilha. Foi registrada nos documentos como uma nave de coletores civil, mas agora sabemos que isso era só um disfarce. O nome verdadeiro dela era “Ávido pelo amanhã Nº 7”, uma nave de expedição terrestre extraoficialmente mantida pela Força Aérea Nacional de Elpis.”

“A nave estava em pedaços após a queda, mas os depósitos foram vigorosamente construídos e mantidos intactos em suas formas originais”, acrescentou o velho de manto branco, Suwon. “Dentro havia vestígios de técnicas de barreira de grau bastante alto.”

Do que essas pessoas estão falando? Nygglatho não entendia. E também nem queria. Infelizmente, ela compreendeu o suficiente da conversa para pensar nisso. “Técnicas de barreira…?”

“Boas o suficiente para ganhar minha aprovação. E boas o suficiente para conter até mesmo uma Besta…” Suwon disse.

“… hum.” Nygglatho não sabia o que a aprovação do velho deveria implicar, mas ela imaginou que apenas uma conclusão poderia se seguir a partir das explicações deles. Parecia tão surreal que ela mesma não podia acreditar. “Você está dizendo que… Elpis trouxe uma Besta para Regul Aire?”

Nygglatho desejou que todos dessem gargalhadas com sua pergunta ridícula. No entanto, nem uma única pessoa fez isso. Ela sentiu Nephren se mexer ligeiramente em cima de seu colo.

“Claro, não é mais do que uma possibilidade. Não há provas concretas. Não há vestígios de uma Besta escapando do navio caído, e não houve relatos de ataques. É por isso que acabamos chamando as soldadas fadas aqui da forma que fizemos”, disse Limeskin.

“Há relatos de que muitos soldados de Elpis se infiltraram na ilha. Não há erro, eles estão tentando fazer algo acontecer em breve”, acrescentou o Haresantrobos.

“… mas… por quê? Por que fazer uma estupidez…”

“Não importa quão irregular o comportamento possa parecer para nós, eles o executaram e devemos responder. Por favor, fique um pouco nesta cidade e prepare-se para o pior.” O prefeito Dorio fez uma reverência.

Nygglatho olhou para os soldados, que assentiram silenciosamente. A Guarda Alada atualmente não tem os meios para solicitar formalmente que as fadas sejam estacionadas em Corna di Luce. Eles precisavam de Nygglatho para fingir que ela havia trazido todas por conta própria.

“… entendido.” Sentindo algo amargo em sua garganta, Nygglatho assentiu. Depois de ouvir tudo isso, não havia como ela balançar a cabeça. “Mas, hm, permitam-me adicionar uma condição.”

“Certamente. Se for algo de que somos capazes,” o prefeito respondeu imediatamente.

Parte de Nygglatho não se sentia bem em utilizar de sua posição, mas ela também não queria desperdiçar a oportunidade. Ela faria qualquer coisa para ajudar aquelas crianças, até mesmo se tornar um demônio. Bem, ela era um demônio de qualquer forma, mas… após se decidir, Nygglatho falou.

“Vocês podem dar às crianças permissão para ter tempo livre?”


Parte 5 – O Homem Chamado Willem

O sol poente escarlate que brilhava através das cortinas de renda iluminava levemente a sala apertada. Dentro havia apenas um jovem casal.

“Ah… ah…” Em cima dos lençóis desordenados, uma jovem mulher Turturel respirava rapidamente. “Isso foi… muito gostoso…” Batendo levemente suas bochechas coradas, ela se sentou e reajustou suas roupas desgrenhadas. “Onde quer que seus dedos toquem, esquenta como uma lareira. É como se eu estivesse perdendo o controle do meu corpo.”

“Bom saber.” Sentado na beira da cama, Willem desviou o olhar na direção oposta.

Ele ainda não conseguia lembrar muito sobre si mesmo, mas, no mínimo, estava claro que ele era um homem jovem e saudável. Quanto a Turturel, excluindo as poderosas asas cinza-claras em suas costas, sua aparência externa se parecia muito com a de um desmarcado. Sua pele era macia, quente e suave ao toque, e toda vez que ela soltava ruídos estranhos, bem, ele não conseguia impedir que seus pensamentos fossem para direções estranhas.

“Seus músculos estavam enrijecidos de formas estranhas em alguns lugares, então relaxei todos eles.” Ele respirou fundo, tentando desesperadamente acalmar seu coração excitado para esconder a resposta de seu corpo. “Se você não colocar um pouco de tensão no seu corpo por um tempo, a inflamação não ficará pior. Você deveria tomar um banho quente e dormir cedo hoje.”

“O que há de errado? Você parece tão distante agora que acabou.”

“Nada.”

“Mentiroso. Suas orelhas estão bem vermelhas.”

“Se você percebeu, então não fale nada!” Willem disparou de volta, ainda de costas. No calor do momento, o remendo que cobria seu olho direito se deslocou ligeiramente para fora da posição. Ele o consertou com pressa. Ainda não acostumado a usá-lo, a sensação de que o remendo estava lá ainda não estava totalmente imersa em seu corpo.

“Ah, desculpe. Eu senti que poderia deixar escapar esses tipos de sons enquanto você estava fazendo as suas coisas. Foi muito estimulante?”

“Não. Eu não sou criança. Eu não reajo a tudo desse jeito.”

“Adultos reagem a coisas assim, não crianças, sabia?”

“Eu não preciso de você me corrigindo!” Ele resmungou novamente, ainda de costas.

“Haha, que fofo”, disse a mulher com uma risada infantil. “Willem, não é? Você parece estar agindo todo adulto e tal, mas você é bem jovem, certo? Quantos anos você tem?”
“Eu não me lembro.” Ele disse a verdade.

“Você acabou de começar a trabalhar na estalagem do Astartus recentemente, certo?” O que estava fazendo antes? Estudando medicina em Corna di Luce ou algo assim?”

“Como eu disse, não me lembro.” Mais uma vez, a verdade.

De acordo com o que Willem tinha ouvido, Corna di Luce era uma cidade grande a pouca distância que ostentava uma grande população e a mais longa história de Regul Aire. Claro, muitas academias de medicina conhecidas estavam localizadas lá. Naturalmente, haviam muitos que porventura estudavam medicina nessas escolas. No entanto, ele de alguma forma teve a sensação de que não era um deles. O que quer que ele tenha estudado, provavelmente não era medicina ou algo assim. Ele não estudou teoria da massagem agradável, mas algo mais, algo mais coberto de sangue e sujeira. Ele não conseguia explicar o sentimento muito bem.

“Ahh, meu corpo está tão leve! Acho que vou poder voar por aí amanhã!” A mulher levantou-se e espreguiçou-se.

“Você estava bem tensa. O seu trabalho é tão desgastante assim?”

“Eu entrego para o correio. Alguns dias eu carrego coisas bem pesadas. É mesmo uma pena que eu tenha que ganhar esses músculos…” ela disse enquanto girava seu ombro ao redor.

“Não se esforce. O que fiz não passou de tratamento de emergência. Um movimento errado e você pode acabar caindo de novo amanhã.”

“Isso não seria legal… espere, você já vai para casa?”

“Sim.”

“Por que tanta pressa? Que tal uma xícara de chá pelo menos?”

“Não, obrigado. Alguém está esperando por mim.”

“… ah, a criança de mais cedo?”, A mulher Turturel deu uma risadinha. “Estou desapontada por não conseguir atrair você, mas acho que não podemos deixar essa garota sozinha. Que pena.”

“Fico feliz em ver que entende. Bem, então estou saindo.”

“Tuuudo bem. Dê um olá para Astartus e sua pequena companheira por mim.”

Separador de texto

Quem sou eu? O jovem pensou. Seu nome era Willem, aparentemente. Ele só sabia porque os outros lhe contaram. Ele não conseguia lembrar seu nome ou qualquer outra coisa sobre si mesmo.

Toda vez que ele tentava se lembrar de seu passado, uma dor lancinante dilacerava sua cabeça. Sempre que ele tentava suportar essa dor, por algum motivo, Elq, outra sobrevivente do mesmo acidente aéreo, parecia sentir dor por si própria. Como resultado, ele não quis testar mais isso.

O que se foi se foi. Preciso me concentrar no que está diante de mim, não me perder no passado e perder de vista o presente. Com isso, o jovem partiu para viver uma nova vida.

Separador de texto

Estrelas preenchiam o céu sem nuvens até a borda, parecendo que poderiam vazar a qualquer momento. O puro ar frio dava uma sensação refrescante na pele do rapaz, acalorado pelo dia de trabalho duro.

“Ah… estou exausto.”

Ele era funcionário de uma estalagem, então, é claro que, seus bicos de massagem itinerante não faziam exatamente parte de seu trabalho. Apesar de sua cabeça não conseguir lembrar de nada, seus dedos pareciam lembrar-se de muita coisa. A princípio, começou como um serviço adicional para os clientes habituais da estalagem, mas, de alguma forma, as notícias começaram a circular, e agora as pessoas de todo canto estavam chamando por ele diretamente.

Quase todos os seus clientes eram homens fera de meia-idade. Por causa de sua grande quantidade de músculo inato, a deterioração pela idade ou a falta de exercício os afetava particularmente. Eles também tendiam a pensar em si mesmos como ainda jovens, o que os levava a superestimar a quantidade de tensão que seus músculos poderiam suportar. No entanto, de vez em quando, como hoje, ele recebia chamados de mulheres jovens.

“… Willem, muito promíscuo.” E todas essas ocasiões deixavam Elq com um humor rabugento no caminho de casa. “Você fica tão fraco contra qualquer adulta um pouco bonita.”

“Não, não fico”, ele gemeu de volta.

“Infiel.”

“Não sou. Eu não posso nem trair, porque não estou em um relacionamento… oh, espere.”

Pensando nisso, ele percebeu que, com suas memórias perdidas, ele não tinha ideia sobre o relacionamento de seu antigo eu com mulheres. Certamente era possível que ele tivesse uma namorada ou até uma esposa.

… Nah. Ele rapidamente descartou a ideia. Ele simplesmente não conseguia se imaginar sussurrando palavras de amor para uma garota, portanto era difícil pensar que ele alguma vez teria entrado em um relacionamento especial com uma. Certamente, ele era solteiro e não merecia nenhuma acusação de infidelidade.

“Ah!”

Elq tropeçou em uma pedra, provavelmente como resultado de olhar para as estrelas enquanto caminhava por uma estrada escura à noite. Assim que estava prestes a cair, ele a agarrou pela nuca.

“Tome cuidado. A estrada aqui é um pouco irregular.”

“O-Ok…”

“Devemos dar as mãos?”

“Eh? Uh… mas…”

Ela parecia hesitante, mas, sem se importar, ele agarrou a mão dela de qualquer modo. Gelada. Então, ele notou: suas alturas eram muito diferentes para andar assim.

“M-Me solte, é embaraçoso”, Elq protestou.

“Por que você se transforma em uma adolescente assim de repente?”

“Eu te disse, eu não sou uma criançaafgh!?”

Eles não podiam andar de mãos dadas, mas Elq não poderia andar em segurança sozinha. Era sem dúvidas um problema complicado, mas uma solução existia. Ele levantou o pequeno corpo da menina inteiramente do chão e colocou-a em seus ombros. Um passeio de cavalinho.

“Uah…”

“Tenha cuidado, vai ser mais do que apenas doloroso se você cair.”

“Uau, eu estou tão alto! Eu posso ver tanta coisa!” Ela não parecia estar ouvindo. “As estrelas! É como se eu pudesse alcançá-las!

Elq estendeu a mão para o céu com toda a força. Claro, não havia como ela alcançar as estrelas. Mas ainda assim, ela teve a sensação de que podia. Então continuou se alongando cada vez mais. Ele entendia esse sentimento muito bem. Ele não sabia o porquê, mas entendia.

“Se segure em alguma coisa, ok? Cabelo ou o que for, não importa.”

“E-Eu sei!”

Apesar de receber talvez o tratamento mais infantil possível, Elq não parecia se queixar.

“Ei, Elq. Você me conhecia antes de eu perder a memória, certo?”

Ele sentiu a presença em seus ombros tremer. “… eu não sei.”

“Mesmo? Mas…” Ela parecia bastante informada sobre Willem. Ele ouviu o nome “Willem” pela primeira vez quando ela o chamou por ele. E também… “Você parece estar muito confortável comigo, se éramos totalmente estranhos antes. Bem, isso tem sido de grande ajuda, mas…”

“Isso é, hum… apenas como as coisas acabaram, sim.” A resposta de Elq parecia bastante incerta. Era óbvio que ela estava escondendo alguma coisa. Bem, Willem imaginou que não precisava insistir. “Carma saiu para algum lugar, e, bem, eu sou uma adulta, mas é minha primeira vez vivendo minha própria vida, então não queria ficar sozinha.”

“Carma?”

“Ela cuidou de mim desde que nasci. Junto com Ebo e Jay.”

“Hmm?”

Um monte de nomes saíram de sua boca. Willem imaginou que eram servos de sua família ou algo assim. Nesse caso, ela devia ser de uma família bastante proeminente. Está tudo bem para ela ficar passando seus dias comigo? Me pergunto se a casa dela está em grande pânico agora mesmo…

“Está tudo bem para você não voltar para casa?”

“Sim. Eu não tenho mais uma”, Elq respondeu casualmente. “Se eu esperar, tenho certeza de que Carma acabará me encontrando. Quando isso acontecer, procuraremos Ebo juntas.”

“Hm.” Procurando por seus antigos servos espalhados por aí, hein? Eu realmente não entendo, mas espero que corra bem.

“Então é por isso que estar com você agora é apenas como as coisas acabaram. Tenho certeza que terminará logo. Isso é apenas um… r-relacionamento casual?”

Elq parecia estar usando palavras sem realmente saber o significado delas. “Usando mais palavras adultas, entendo.”

“Eu sei, certo?” Willem ouviu um hmph orgulhoso de cima. “– Além disso, só uma pequena adição à nossa conversa de antes.”

“Hm?”

“Chtholly sou eu. Mas eu não sou Chtholly.”

— Eh?

“Chtho… lly?”

Um nome pouco familiar. Um nome que ele não lembrava. Um nome que puxava suas cordas do coração.

“Então é por isso que não vou me apaixonar por você. Sinto que isso seria bem injusto — Willem?” Notando seu comportamento estranho, Elq agarrou seu cabelo. “O que houve? Não está se sentindo bem?”

“… estou bem”, ele respondeu, forçando o impulso crescente de vomitar para dentro dele. “Não é nada. Apenas perdi o equilíbrio um pouco. Acho que não tenho me exercitado o suficiente.”

“Mesmo?”

“Mesmo.” Seu corpo parecia estar acostumado a fingir de forte na frente de crianças. Aparentemente, ele também era bom em contar mentiras. Ainda reprimindo uma dor de cabeça e náusea, Willem conseguiu dar um sorriso natural. “Tudo bem, vamos correr o resto do caminho para casa. Correr é o melhor para consertar a falta de exercício.”

“Eh? E-Espere, então eu vou descer.”

“Eu não vou deixar! Segure firme para não cair!”

“Eh? Eh, eh, eh?”

Willem ignorou as vozes de confusão por enquanto, então, como prometido, começou a correr pela estrada noturna.

“Ah, ah, ahhh!!”

Como esperado, em cima de seus ombros, Elq balançou violentamente. Suas pequenas mãos seguraram o cabelo preto de Willem como se sua vida dependesse disso. Doeu um pouco. Mas ele saudou esse tipo de dor. Ela aquecia seu coração, ao contrário de uma dor de cabeça aleatória.

“Não fale, você vai morder sua língua–”

“Me deixe descer! Aaaahhh!”

Acho que não tem jeito. “… ei, Elq.”

“O-O que?!”

“Eu te amo.”

“…….” Um longo silêncio. “Você está me tratando como uma criança de novo”, reclamou Elq.

“Haha, como você descobriu.”

Ele sentiu um forte abraço ao redor da parte de trás de sua cabeça.

“Não há como você dizer isso a sério. Eu sei porque Chtholly, e talvez Lillia também, sofreram com isso.”

Uma dor aguda atingiu sua cabeça de novo. E desta vez, seu peito também, por algum motivo.

Separador de texto

Elq Harksten estava morta, aparentemente. Ela era originalmente um ser imortal, mas uma etiqueta dizendo “isto é um cadáver” tinha sido colada nela. Tanto o mundo quanto o próprio corpo da Visitante acreditavam no rótulo. O mundo a tratava como um cadáver e seu corpo agia como tal. E se todo mundo acha que algo é um cadáver… então é um cadáver. Dessa forma, a etiqueta substituiu a realidade.

No entanto, há poucos dias atrás, Nils fez uma pequena ferida nessa etiqueta, fazendo com que perdesse uma pequena quantidade de persuasão. Então, isso, por sua vez, fez com que o cadáver se tornasse um “não cadáver” apenas um pouco. Elq transformou-se de um cadáver completo em algo confuso com apenas um pouquinho de carne imortal misturada.

Willem realmente não entendia a lógica, e ele provavelmente não precisava. O importante é que o corpo atual da garota era inconfundivelmente quase um cadáver. Em cima disso, entretanto, mesmo que fosse apenas um pouquinho, ela estava viva. Ela estava aproveitando cada dia ao máximo, agindo toda adulta e ainda assim ao mesmo tempo se comportando como uma criança.

E, finalmente, ao contrário dele, que tinha perdido seu passado, ela tinha um lugar para ir. Ela tinha alguém para encontrar. Coisas que precisava fazer. Mesmo assim, estava escondendo todas essas coisas e ficando na estalagem com ele. Ele sabia o motivo: ela tinha receio de que não poderia deixá-lo sozinho em seu estado atual.

Separador de texto

Dentro da panela, carne de javali fervia ruidosamente. Atraído pelo cheiro delicioso, suas mãos ameaçaram atacar por conta própria, mas um olhar de Astartus as deteve. Willem sabia muito bem que, se uma pessoa quiser comer a carne mais deliciosa, não deve ir contra as instruções de um Troll. Como sempre, porém, ele não tinha ideia de por que sabia disso tão bem. Meu passado com certeza é misterioso, ele pensou casualmente.

Astartus, o dono da estalagem, era um troll. Uma espécie de Ogro, eles tinham o costume perturbador de entreter os convidados apenas para comê-los mais tarde. No entanto, com o assassinato de formas de vida inteligentes proibido por lei, Astartus não poderia manter esse costume. Tentando pelo menos satisfazer o instinto de entreter convidados, ele abriu sua estalagem… aparentemente.

“Há muitos trolls que escolhem esse estilo de vida. Nós temos nossas próprias aldeias, mas apenas metade de nós vive nelas. O resto está em vários lugares vivendo uma vida parecida com a minha”, explicou Astartus enquanto olhava para a carne na panela com um olhar bastante gentil. “Eu tenho uma filha, mas ela se mudou para alguma ilha para cuidar de crianças pequenas. Eu sei que pode não significar muito vindo do pai dela, mas ela é mesmo uma boa garota, então acho que o trabalho é perfeito para ela.”

“Entendo…” Willem respondeu, então um pensamento repentino o atingiu. “Então, se sua filha já é adulta… a propósito, quantos anos você tem?”

“Eu passei dos cinquenta pouco tempo atrás.”

“… você não parece ter essa idade”, Willem murmurou, então deu outra olhada no rosto de Astartus.

Suas características faciais por si só não revelavam sua idade. Embora ele tivesse muitos cabelos brancos e rugas em suas bochechas, Willem não teve uma impressão envelhecida. Dito isto, ele não parecia exatamente jovem também. Não importa a idade que ele dissesse, provavelmente não soaria certo para Willem de primeira.

“É assim que os Trolls são. Não é como se não envelhecêssemos, mas não é muito perceptível. Ah, parece que a carne está pronta.”

“Estou com inveja”, Willem respondeu casualmente enquanto tirava a carne da panela e se empanturrava. “… delicioso.”

“Hehe, certo?” Astartus sorriu alegremente.

“Q-Q-Quen ahdg…”

Enquanto isso, Elq parecia estar tendo algum problema, então Willem lhe deu água. “Não force se não puder lidar com comida quente.”

“Achei que estaria bem”, Elq fez beicinho com lágrimas nos olhos.

Willem entendeu que ela estava tentando crescer, mas ela claramente não estava sendo nem um pouco honesta consigo mesma.

“A propósito, você já se acostumou a morar aqui?”, Perguntou Astartus de repente. “Corna di Luce é bem perto daqui, e estamos ao lado da rodovia. Pessoas de todas as raças vêm e vão. Bem, mesmo com vocês sendo desmarcados, não acredito que isso deva causar muitos problemas.”

“Oh não, sem problemas”, respondeu Willem. “Estou grato pelo que você fez. É muito confortável, sinto que sempre estive aqui.”

“Bem, isso é bom de se ouvir. A princípio, era só para ser até Nils voltar, mas, se quiser, pode ficar até depois disso também.”

“… ah, como posso dizer isso…”

“O que?”

“Nas histórias com um amnésico, normalmente não é uma moça que vive sozinha que diz essa frase?”

“Haha, bem, então eu posso perguntar, por que você, que entrou na casa de um cara que vive sozinho, não é uma moça?”

Entendo. Isso é verdade, nós dois quebramos o clichê.

“Eu sinto que estou sendo ignorada”, reclamou uma garota, jovem demais para contar como uma moça.

“Bem, deixando a ficção de lado, acho que vou aceitar sua oferta por um tempo”, disse Willem ao colocar parte de uma cenoura no prato de Elq. Ela fez uma careta. “Não seja exigente com a sua comida. Desse jeito você não vai poder crescer.”

Após terminar de falar, ele lembrou que ela de alguma forma (ele não entendia o raciocínio) deveria ser um cadáver. Nesse caso, não importava o que ou quanto ela comesse, um futuro de crescimento não a aguardava. Em primeiro lugar, por que ela estava comendo?

“Ugh…”

Com lágrimas nos olhos, Elq jogou o pedaço de cenoura em sua boca. Depois de mastigar um pouco, ela engoliu. Aparentemente algo deve ter ficado preso em sua garganta, porque ela imediatamente pegou a água, a emborcou e depois bateu no peito. Após uma breve pausa, ela sorriu orgulhosamente. Vendo a falta de uma resposta, ela se aproximou do rosto de Willem, então sorriu orgulhosamente mais uma vez.

“Ah, boa menina, boa menina.” Ele jogou alguns elogios em sua direção.

“Aham”, ela disse com entusiasmo.

E ela me disse para não a tratar como uma criança…

Willem fechou os olhos e desejou que esses dias pacíficos, tão delicados que quase pareciam artificiais, continuassem pelo menos um pouco mais.


CAPÍTULO ANTERIORÍNDICEPRÓXIMO CAPÍTULO

Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume 5 – Capítulo 2 (PT-BR)

Capítulo 2

O Nevoeiro no Céu


Parte 1 – Visitante Elq Harksten

Ela só queria ser “alguém”. Isso é tudo o que ela desejou a princípio.

Uma criança repousava em sono profundo dentro de uma pequena e sólida barreira. Em termos simples, a barreira criara seu próprio mundinho isolado do exterior. A criança nunca havia dado nem um passo sequer para fora dessa barreira durante toda a sua vida.

“Vocês Visitantes têm uma presença tão grande que, só por existirem, sobrecarregariam as mentes de todos os seres vivos do mundo exterior.” Um dos membros da família da criança, Ebo, disse a ela uma vez.

“Quase todos os seus pais e outros anciãos tiveram que quebrar suas almas em fragmentos minúsculos para viver nesta terra. Mas não queremos que você siga o mesmo caminho. Você é nosso último mestre. Nós queremos que você fique assim para sempre.” Essas foram as palavras de outro membro da família, Carma.

“Nós três Poteaus existimos para guiar os Visitantes — ou, agora que quase todos eles deixaram este navio, nós existimos para guiar só você. Vamos arriscar nossos corpos e almas para protegê-la de qualquer um que possa lhe fazer mal, mestra Elq Harksten.” Essas palavras vieram de outro membro da família, Jay.

A partir do momento em que a criança, Elq, ganhou consciência, esses três sempre estiveram ao seu lado. Eles gentilmente a apoiaram. Ensinaram-lhe muitas coisas. Ouviram seus desejos, com exceção, no entanto, de apenas uma coisa. Eles nunca lhe deram permissão para sair da barreira, para ver o mundo exterior com seus próprios olhos.

Um dia, Jay desapareceu.

Então, até Ebo parou de aparecer.

Quando Elq perguntou a Carma para onde eles foram, ela nunca deu uma resposta adequada.

“Quando completarem suas missões, eles voltarão para casa”, ela dizia, depois desviava os olhos.

Missão? O que isso poderia ser? Elq pensou. No entanto, sua ignorância impediu-a de ponderar mais sobre a questão, e sua juventude impediu-a de pensar sobre sua ignorância.

Em pouco tempo, Carma foi embora também, deixando Elq sozinha na pequena barreira. Ela não sentia ansiedade nem perplexidade, apenas tédio. No entanto, aqueles dias de tédio continuaram por muito mais tempo do que ela esperava. Dentro de seu mundo em miniatura sem sol e sem lua, ela simplesmente esperava o retorno de sua família.

Elq logo ficou sem brinquedos para brincar em sua barreira. Todos os seus bichos de pelúcia se desgastaram por seu tratamento áspero, então ela os colocou na parede e os deixou para lá para evitar mais danos. Assim que Jay voltasse, ele certamente os consertaria.

Quando a parede externa da barreira quebrou, fez um barulho ensurdecedor de ruptura. O que foi isso? Elq pensou. Certamente não foi Ebo e os outros. Eles não causariam um tumulto desses ao entrar. Mas quem mais poderia ser?

A resposta logo apareceu na frente dos olhos de Elq. Uma humana de cabelos vermelhos, dezesseis anos de idade, empunhando uma estranha e grande espada que parecia ser feita amarrando muitos fragmentos de metal. Chamada Lillia Asplay, ela era um tipo de arma, chamada Regal Brave, enviada pela Igreja da Santa Luz para matar o tremendamente poderoso Visitante Elq Harksten.

“… Agh…”

Lillia não tinha muito mais tempo. Feridas cobriam seu corpo. Sangue escorria por sua armadura. Inúmeras fendas afligiam suas roupas e por baixo de sua pele. Qualquer uma delas poderia facilmente ter se transformado em uma ferida fatal com um movimento errado.

“Quem é você?” Elq enviou uma pergunta simples na forma de um pensamento.

Sua pergunta não continha hostilidade, mas, por mais inocentes que fossem suas intenções, ela carregava uma enorme quantidade de poder. O pensamento liberado por Elq ecoou rapidamente pelo interior fechado da barreira e ferozmente golpeou a mente de Lillia.

Lillia se contorceu em agonia, soltando os gritos de um pássaro estrangulado. Ebo não estava exagerando. Quando uma baleia gigante simplesmente vira seu corpo, faz com que o peixinho próximo seja varrido. Contra a imensa alma de Elq, a alma humana insignificante de Lillia não passava de uma partícula de poeira.

Os joelhos de Lillia dobraram e ela quase desabou no chão. No entanto, usando sua espada, o Carillon Seniorious, como uma bengala, ela conseguiu por pouco se sustentar. Um pequeno passo de cada vez, como se arrastasse os pés, ela avançou para frente.

Elq não sabia o que pensar. Ainda jovem, ela ainda não compreendia o conceito de morte. A realidade da situação ocorrendo diante de seus olhos, Lillia estando à beira da morte, devido a ninguém menos do que a própria Elq, superou completamente os limites de sua compreensão. Mas, precisamente por não entender, Elq ficou interessada. O que no mundo está acontecendo? O que ela está tentando fazer?

“O que você está fazendo aqui?” Elq enviou outro pensamento.

Esse segundo impacto mandou Lillia voando contra a parede. Ainda assim, enquanto seu sangue sujava as paredes e o chão, ela se ergueu mais uma vez.

Uau. Eu não sei o que está acontecendo, mas isso é incrível. O interesse de Elq só se intensificou ao ver tantas coisas novas pela primeira vez. E sua excitação só fez suas ondas de pensamento ainda mais fortes.

“Eu…” Lillia começou, mas depois parou para tossir o sangue jorrando de sua garganta. “Eu sou Lillia Asplay. Eu sou só um Brave que vai te matar e salvar o mundo.”

“Isso soa como um monte de problemas.”

O corpo inteiro de Lillia tremia como se tivesse sido atingido por um raio. Mas ainda assim, ela conseguiu dizer as palavras: “E é.” Enquanto sangue escorria das bordas de seus lábios, ela sorriu destemidamente.

Elq não entendia os conceitos de morte, dor ou sofrimento. Olhando para Lillia, no entanto, Elq podia sentir a quantidade de determinação que ela carregava enquanto estava ali. Ebo, Jay e Carma, sendo todos muito poderosos, nunca mostraram a Elq esse tipo de emoção.

“Por que você quer salvar o mundo?”, Perguntou Elq.

“… ah–”

Agarrando-se à sua espada por apoio, Lillia levou um momento para pensar. Bem, acho que se for para eu ser honesta, poderia muito bem ser agora, ela murmurou silenciosamente para si mesma. “Há alguém que eu amo.”

A expressão de Lillia naquele momento. O sorriso dela. Seu sorriso gentil e deslumbrante. Ao ver isso, Elq de repente quis ser como ela. Uma semente de aspiração criou raízes dentro de Elq.

“Eu sei que é uma razão estúpida para matar um deus, mas o que eu devo fazer? Ele é ainda mais estúpido. Se eu não agir estupidamente primeiro, ele irá. Willem é mesmo idiota, afinal.”

Os efeitos dos impactos se sobrepuseram, trabalhando para destruir a consciência de Lillia. Seus olhos pareciam estar perdendo o foco, como se entrassem em um sonho, mas ela continuou andando para mais perto, um passo de cada vez. Eventualmente, ela chegou bem na frente do rosto de Elq.

“Bem, então, pequeno deus. Eu não tenho nada contra você, mas boa noite. Espero que você tenha bons sonhos.”

Lillia ergueu a espada e, devagar e de forma limpa, atravessou-a no peito de Elq. A lâmina perfurou o pequeno corpo de Elq suavemente, como se estivesse acariciando a cabeça de um bebê.

Elq piscou em confusão. Os Visitantes, sendo imortais, não podiam encontrar a morte exceto em sua terra natal, e a estrada havia sido perdida há muito tempo. Então, mesmo que pudessem sentir dor, seus corpos não podiam reconhecê-la como perigosa. O sangue fluiu da ferida.

As rachaduras que corriam pela lâmina se alargaram ligeiramente, e uma luz fraca começou a sair das aberturas, significando a ativação do Talento de Seniorious, o Carillon de mais alta classificação já feito pela humanidade. Sua capacidade de converter qualquer ser em um mortal não admitia exceções.

Após um breve período, a luz tênue enfraqueceu e desapareceu completamente.

Lillia, com seu coração e mente completamente dizimados, finalmente ficou sem forças e fechou os olhos.

Hã?

A visão de Elq de repente ficou negra, como se uma cortina tivesse descido diante de seus olhos. Uma sensação flutuante envolveu seu corpo. Ela parecia estar caindo para todo o sempre. Para baixo, para baixo em uma vasta escuridão. Ela foi cada vez mais e mais a fundo. Com isso, o jovem Visitante caiu no longo sono conhecido como morte.

Separador de texto

Os Braves conseguiram derrotar os Visitantes maléficos, eliminando a grande ameaça pairando sobre o mundo. Assim como em todos os contos de heróis, a justiça prevaleceu e os fortes protegeram os fracos.

Infelizmente, vidas foram perdidas, mas certamente não em vão. Seus sacrifícios permitiram que a humanidade sobrevivesse. Toda morte tinha significado. A única coisa que restava a fazer era celebrar este maravilhoso final feliz…

Mas enquanto todas as massas se alegravam inocentemente, uma noite, o Quasi Brave Navrutri Teigozak roubou o cadáver do Visitante Elq Harksten de seu cofre de armazenamento selado e o levou em segredo. Os fragmentos das almas dos Visitantes não só serviram como um dos ingredientes que criaram a humanidade, mas também como a chave para salvar a humanidade da destruição. Com o objetivo de abrir a porta para a salvação, a Mundo Verdadeiro extraiu a alma do cadáver que Navrutri trouxe e tentou quebrá-la em pedaços.

No entanto, não deu muito certo. Haviam muitas razões para isso. Na época da batalha decisiva, ninguém sabia o paradeiro do fundador da Mundo Verdadeiro, Nils D. Foreigner. Uma associação de médicos roubou uma série de pesquisadores da organização, percebendo que o trabalho deles poderia levar a avanços no tratamento de muitas doenças. Além disso, grupos de aventureiros atacaram a organização, alimentados por seu senso de justiça e convicção de que a Mundo Verdadeiro era um grupo maligno que representava uma ameaça ao império.

Todas as várias razões interferiram umas nas outras de maneiras complexas para produzir o resultado inevitável. A alma, que precisava ser esmagada em pedaços tão finos quanto grãos de areia, conservava quase a metade de sua forma original, enquanto a outra metade desmoronava em pedaços do tamanho de seixos. É claro que isso não foi suficiente para ser a chave para a salvação.

Os contos de heroísmo já não tinham mais utilidade alguma. Ninguém rezou por um milagre ou tentou reverter a situação. A antiga sabedoria capaz de resolver tudo nunca despertou. Então, naturalmente, a humanidade permaneceu em seu curso original para a devastação.

Três coisas foram deixadas para trás no rescaldo.

As terríveis Bestas que carregavam um ódio profundo por toda a vida e continuavam seus violentos ataques até que nenhuma presa permanecesse à vista.

Os poucos refugiados que mal sobreviveram ao primeiro ano antes de buscar segurança no céu.

E finalmente, os fragmentos estilhaçados da alma de Elq Harksten, abandonados sem ter para onde ir.

Separador de texto

“Eu tive outro sonho sobre a terra no céu.”

Dentro de um espaço ilusório criado pela Chanteur, uma garota ruiva falava ao vazio na frente dela com um bocejo.

“Aquela fada de novo? Aquela que arrastou uma criança fera para um lago?” Fora daquele vazio, um grande peixe voador apareceu.

“Não, essa foi punida logo em seguida. Este sonho foi sobre umas diferentes. Um monte de fadas se reuniu dentro de uma floresta e causou um tumulto. Elas não conseguiam falar, mas choravam, riam e gritavam.

“Soa como uma perturbação da vizinhança.”

“Sim, os outros ficaram irritados”, a garota de cabelos vermelhos disse, e o peixe assentiu em aprovação. “… Me pergunto quem elas eram.”

“Hmm? O que você quer dizer?”

“Quando sonho, estou em um lugar nostálgico. Dentro daquela pequena barreira, numa época em que Ebo e Jay ainda estavam lá.”

“Ah, nosso navio, hein.”

“Lá, é como se houvessem histórias espalhadas. Em buracos nas paredes, ou presas entre armários, nas gravuras de livros ilustrados… quando as encontro, aprendo sobre essas crianças. O que fazem, o que pensam, o que sentem… assim como ler um livro, posso ler suas vidas ”.

“Esta barreira em que estamos já é como um sonho, mas acima de tudo você ainda está tendo sonhos? Eu acho que você está chegando naquela idade…” o peixe comentou, mas a garota realmente não entendeu. “Essas crianças são todas você, Elq.”

“Eu?”

“Aqueles idiotas que esmagaram sua alma não tinham muito poder ou habilidade. Basicamente, eles não terminaram o trabalho. Os fragmentos eram todos de tamanhos diferentes, e eles ainda permaneciam conectados uns aos outros. Essas fadas em seus sonhos são os resultados de partes de sua alma… como o cabelo que você cortou há muito tempo ou algo assim. Como você não morreu adequadamente, esses fragmentos da sua alma não podiam ficar parados. E através dessa conexão, você está vendo as vidas delas como sonhos”.

“Então, meus sonhos estão mesmo acontecendo, fora deste mundo barreira?”

“Isso mesmo.”

“Aquelas garotas pregando peças, sendo punidas e causando confusão… tudo isso aconteceu de verdade?”

“Mhm”

Ah, entendo, Elq pensou. Isso é interessante. O mundo barreira criado pela Primeira Besta em que ela residia proporcionava a ingênua Elq entretenimento mais do que suficiente, contudo as vidas efêmeras daquelas fadas no céu forneciam um tipo completamente diferente de estímulo. Ela gostava de seus sonhos, ou melhor, das vidas dos fragmentos de sua própria alma, como uma espécie de diversão que lhe permitia vivenciar histórias curtas e agradáveis.

Depois disso, o tempo passou.

Dentro do mundo criado pela Chanteur, no entanto, a passagem do tempo não tinha significado. Cada dia passava exatamente da mesma forma que o anterior. O senso comum de que a cada ciclo do nascer e do pôr do sol o amanhã se torna o hoje e o hoje se torna o ontem, não se aplica. Um constante hoje simplesmente continuava para todo o sempre.

Em meio a essa monotonia sem fim, os sonhos de Elq mudaram pouco a pouco. Ilhas flutuantes caíram pelas mãos de Timeres vagantes. Algumas fadas impediram esses ataques, fazendo o seu Venenum se descontrolar. Algumas pessoas notaram isso e tiveram a ideia de usar as fadas, que antes não eram nada além de perturbações da vizinhança que viviam dentro das florestas, como armas para proteger as ilhas.

“Recentemente, meus sonhos têm sido um pouco perturbadores”.

Ver as fadas se dedicando a perseguir suas ambições tornou os sonhos de Elq divertidos, mas recentemente ela quase não conseguia mais ver isso. Agora, ela só via fadas se matando para salvar a vida dos outros, como se fossem meras ferramentas.

Mais tempo passou.

Como sempre, quando a noite chegava, Elq via a vida das fadas. Ela assistiu as fadas aprenderem a língua das pessoas da ilha, receberem espadas e se tornarem soldados enquanto ainda eram tratadas como armas.

Nesse ponto, algumas das fadas começaram a ter uma identidade e o desejo de viver. Por alguma razão, Elq não podia ver essas fadas por algum tempo após o nascimento. Só depois que cresciam suas histórias se conectavam com seus sonhos. Segundo Carma, esses fragmentos, depois de passarem por tantas reencarnações, aproximaram-se da existência independente, enfraquecendo sua conexão com Elq no processo. Isso significava que as histórias divertidas de Elq eventualmente desapareceriam por completo. Ela não ficou muito feliz ao ouvir as notícias.

Então, um dia, uma fada em particular apareceu nos sonhos de Elq. Essa fada tinha cabelos da cor de um límpido céu azul e olhos da cor de uma calma superfície oceânica. Ela tinha grande força e, além disso, o uso dessa força já estava firmemente decidido. Ela usaria o Carillon Seniorious e derrotaria um Timere especialmente grande, descartando sua própria vida no processo. Ela existia para esse único propósito.

Ah, isso de novo não. Só de ver o começo daquela história simples e de final fechado, Elq ficou com um humor deprimido. Aquela fada seria exatamente igual a todas as outras. Jogaria fora sua curta vida sem nunca conhecer diversão ou felicidade. Elq facilmente previu a conclusão.

Sua previsão teria sido certeira, se não fosse por três pontos decisivos. Primeiro, a fada de repente teve o desejo de passear em uma cidade estrangeira. Segundo, um gato travesso pegou seu precioso broche e saiu correndo. E terceiro, depois de cair de um prédio alto, ela caiu em cima e quase esmagou um jovem de cabelos negros.

Você se machucou!? Está vivo!? Algum órgão esmagado!? E–”

Os dois correram por toda a cidade, depois se separaram e se encontraram novamente.

Bem então, prazer em conhecê-lo, Sr. Supervisor.

Eventualmente, a fada notou os sentimentos dentro de si.

… se eu pedisse um beijo ou algo assim. O que você faria?

Com sua determinação para morrer desfeita, ela caiu em um redemoinho confuso de ressentimento, mas ainda assim, ergueu sua cabeça e decidiu perseguir suas aspirações.

Elq ficou absorta na história daquela fada, aquela vida que uma vez fora parte dela. Ela sentiu que aquela fada tinha tomado algo importante dela, mas não sabia o que.

A fada amava alguém e desistiu de sua própria felicidade por aquela pessoa. Ela foi sem hesitação para um campo de batalha onde a morte certa a esperava. Ah, é mesmo. Elq percebeu: a menina a lembrava de Lillia, a humana Regal Brave que uma vez matou Elq Harksten. Elq morreu enquanto desejava se tornar como Lillia. Ela levou essa admiração para o túmulo.

Esse desejo se tornou realidade. Todas as fadas dos sonhos de Elq jogaram suas vidas fora sem um único pensamento sobre sua própria felicidade. Ela nunca prestou muita atenção a esses elementos, já que ela mesma não entendia muito bem os conceitos de amor ou a própria felicidade. Seus sonhos haviam se tornado chatos recentemente, mas agora Elq percebeu que isso resultava de seu próprio desejo. Ela queria interagir com o mundo exterior. Ela queria agitar uma espada grande e se sacrificar como Lillia. O tempo todo, aqueles desejos infantis dela tinham sido cumpridos repetidas vezes, consumindo incontáveis ​​vidas no processo.

Mas agora, essa garota de cabelos azuis… Chtholly Nota Seniorious quebrou o padrão. Em vez de simplesmente seguir os desejos de Elq, ela tinha suas próprias aspirações. Ela amava alguém e não escondia esses sentimentos. Ela queria trazer felicidade para aquela pessoa e também encontrar a sua própria. Ela se dirigiu para uma batalha perigosa, apesar do medo e confusão dentro de si.

Dentro dos sonhos dela, Elq não passava de uma criança sentada dentro das ruínas do velho navio dos Visitantes. Ela não entendia o que tinha feito, nem sentia nada. No entanto, quando ela despertou no mundo barreira, ficou com raiva de si mesma. Como ela poderia ter sido tão má? Ela queria vomitar. A Igreja da Santa Luz tinha razão. Elq Harksten era um deus perverso que merecia ser morto.

“Você não deveria se preocupar com isso”, disse Carma casualmente. “Todas aquelas garotas morrendo e nascendo são você, então você não está realmente prejudicando ninguém. Além disso, aquelas ilhas no céu estão sendo protegidas com o seu poder, certo? Você está fazendo uma coisa boa.”

Não, Elq pensou. Chtholly pode ser eu, mas eu não sou Chtholly. Embora as fadas fossem todas partes de Elq, cada uma delas mantinha suas antigas personalidades e aspirações. Elq não estava lutando desesperadamente por algo como elas. Ela não podia. Ela só podia assistir de longe e admirar aqueles que podiam.

Tempo passou.

Elq assistiu Chtholly quebrar por dentro durante a batalha. No início, seus sonhos não eram nada mais do que uma forma de diversão onde ela podia experimentar histórias curtas e agradáveis. Eles não passavam de uma maneira de obter estímulo que ela não conseguiria encontrar no mundo barreira. Então por quê? Por que isso estava acontecendo?

“Eu tenho um desejo. Este provavelmente será o meu último”, disse Chtholly.

Eu sei, Elq pensou.

“Não me lembro precisamente, mas sinto que há alguém que quero salvar. Há sentimentos que quero transmitir.”

Eu também sei disso. Eu não sou você, mas você é eu. Eu assisti você correr atrás de Willem esse tempo todo.

“Eu entendo tudo agora. Mas ainda assim eu te peço.”

Imaginei que você diria isso.

Elq não conseguiu dizer a Chtholly que queria que ela parasse, que vivesse um pouco mais, que deixasse Elq ver um pouco mais de sua história. Então ela simplesmente a viu partir uma última vez.

Elq não derramou uma única lágrima em seu sonho. Mas ainda assim, não conseguia desviar os olhos da história da garota de cabelos azuis e do jovem de cabelos negros até o final.


Parte 2 – O Que Uma Vez Foi Nephren

Cutuca Cutuca Cutuca.

Ela sentiu algo pequeno e macio cutucando repetidamente suas bochechas. Extremamente cansada, sem motivo aparente, ela apreciaria bastante um pouco mais de sono.

“Ei acorde.”

Cutuca Cutuca Cutuca Cutuca.

Por ela ter ignorado, o gesto só acelerou. Suas bochechas macias saltavam para cima e para baixo. Não doía, mas com certeza era irritante. Ela rolou para o lado, tentando afastar o incômodo.

Um pequeno respingo soou nas proximidades.

“Vamos lá, você poderia acordar logo?”

Cale a boca e vá embora! Eu já disse… ou talvez ela não tenha dito nada ainda, mas de qualquer forma, ela estava cansada. Ela queria dormir mais, muito mais.

“Se você continuar dormindo aqui, vai pegar um resfriado, sabia?”

Agora que esse incômodo havia mencionado, ela notou pela primeira vez o frio que a rodeava. Parecia que todo o seu corpo estava encharcado de água gelada. Não era uma sensação muito boa. Ela queria um cobertor macio e um travesseiro quente.

Com pensamentos de uma cama confortável ​​correndo por sua mente, Nephren lentamente abriu seus–

Destruir destruir destruir destruir destruir destruir reaver–

“– Ah!?”

Subjugada pelos súbitos impulsos destrutivos que ameaçavam roubar sua consciência, ela fechou os olhos novamente em pânico. A tempestade de impulsos diminuiu gradualmente. O que foi isso? O medo racional tomou conta de Nephren no lugar da torrente irracional de emoções. Alguma coisa desconhecida tinha entrado dentro dela. Ou não, era mais como se ela tivesse se transformado em algo desconhecido.

“Minha nossa, olha o que aconteceu com você”, disse uma voz desconhecida. Parecia pertencer a uma mulher de meia idade.

“… Quem é você?”

“Falaremos sobre isso mais tarde. Primeiro de tudo, tente abrir apenas o olho direito ”.

“Mas…”

“Está tudo bem. Confie em mim.”

Nephren sabia que não devia confiar em estranhos, mas ela não detectou qualquer hostilidade na voz, e certamente não podia continuar tremendo com os olhos fechados para sempre. Preparando-se para o pior, ela cautelosamente fez como a voz lhe disse. Pouco a pouco, seu campo de visão se ampliou. Bem na frente dela, um peixe escarlate flutuava.

“…… um…”

“… você está bem? Pode ver?”

“Meus olhos estão quebrados. Parece que um peixe está voando por aí.”

“Oh, então seus olhos devem estar normais. Olhe, você pode ver minhas lindas escamas, certo?”

O peixe deu uma cambalhota no ar. Suas escamas vermelhas e prateadas brilharam intensamente. Como prometido, elas criaram uma visão fantástica e maravilhosa.

Quanto àqueles impulsos estranhos de antes, eles não desapareceram completamente, mas pareciam estar muito mais silenciosos. Os impulsos constantes roendo a parte de trás de sua mente eram irritantes, mas não um grande problema.

Onde estou? Nephren deu uma olhada ao redor. Paredões de terra a rodeavam de todas as direções, elevando-se para o céu como penhascos. Uma piscina rasa de água limpa se juntara a seus pés, submergindo cerca de metade de seu corpo. Bem acima, um grande rasgo atravessava o teto, expondo o céu azul além.

“Nós caímos de lá de cima?” Nephren perguntou.
“É o que parece”, respondeu o peixe.

“Está frio”, disse ela com um tremor.

“Eu te disse que pegaria um resfriado dormindo daquele jeito… bem, você provavelmente não terá que se preocupar com isso pelo resto da vida.” O peixe estranho disse algumas coisas estranhas.

“O que você quer dizer?”

“Bem… falaremos sobre isso mais tarde. Primeiro vamos procurar uma saída. Ficar aqui para sempre não seria muito divertido, e estou começando a sentir falta do sol. Esta área estava originalmente cheia de buracos, e o solo deve ser frágil. Foi assim que esse buraco enorme veio a existir. Se tentarmos todos esses caminhos, tenho certeza que eventualmente sairemos.”

“Nn…”

Com o olho esquerdo bem fechado, Nephren inflamou venenum. Asas cinzentas brilhantes brotaram de costas. O venenum fez o seu trabalho sem problemas, ou talvez até mais suave que o normal. O corpo de Nephren flutuou do chão.

“… ei, por que você não me disse que podia voar antes?”

“Eu vou na frente.”

Com um bater de suas asas ilusórias, Nephren partiu para a superfície.

Separador de texto

Por que ainda estou viva? Nephren se perguntou. Naquela batalha no Plantagenista, ela recebeu feridas fatais e caiu no chão. Então, nos poucos segundos antes de sua morte, ela e Willem ficaram presos em algum estranho mundo barreira. Quando eles finalmente destruíram o tal mundo, ela pulou nessa estranha coisa negra engolindo Willem, e cerca de metade da coisa entrou nela.

Não importa como ela pensasse sobre isso, qualquer fada normal teria morrido cerca de três ou quatro vezes durante tudo isso. E Nephren Ruq Insania, não tendo nenhuma habilidade especial como alguém como Chtholly, era uma fada muito normal.

Olhando para o seu corpo, Nephren viu que seu uniforme do exército estava esfarrapado e dificilmente lembrava sua forma original, mas ela não viu nenhuma ferida. Dado o curto período de tempo que passou e a gravidade das lesões que ela sofreu durante a batalha, uma recuperação natural teria sido impossível. Quase parecia mais provável que de alguma forma a consciência dela tivesse se mudado para um novo corpo. No entanto, ambas as explicações pareciam totalmente ridículas.

De pé na superfície do solo, Nephren notou a falta de vento. Olhando para o alto, o mesmo céu azul que ela via em Regul Aire a saudou. No entanto, ao contrário de Regul Aire, uma planície cinzenta se estendia em todas as direções até onde a vista alcançava.

“… realmente não há nada aqui…” o peixe flutuando ao lado dela disse.

Ignorando sua companheira, Nephren procurou a figura de uma certa pessoa, mas sem sucesso. “Willem não está aqui.”

Eles estavam juntos o tempo todo. Quando entraram na ilusão, e quando destruíram, Nephren sempre esteve nos braços de Willem. Mesmo que algum tipo de impacto tivesse empurrado Nephren para longe, não poderia ter colocado tanta distância entre eles.

“Eu não vejo minha companheira em lugar algum também. O corpo dela ainda não está em condições de se movimentar… me pergunto para onde ela desapareceu.”

Virando-se para o lado dela, Nephren examinou o estranho peixe mais uma vez. Grande. Essa foi a primeira palavra que surgiu em sua mente. Embora não fosse grande o suficiente para engolir Nephren inteira, o peixe certamente poderia estrangular Nephren até a morte se a envolvesse. Escusado será dizer que peixes geralmente vivem na água. Ela havia lido sobre peixes voadores em livros antes, mas eram todos pequenos peixes que nadavam pelo ar em grupos. Ela nunca tinha ouvido falar de um peixe voador tão grande antes, muito menos um que fala.

“… então, quem é você?”

“Hmm… acho que é hora de me apresentar. Meu nome é Carmine Lake. Como pode ver, sou o Poteau que governa os ventos e a chuva.

“… Hã?”

Poteau. Nephren leu sobre eles em um livro antes. Eles eram deuses que serviam aos Visitantes e os responsáveis ​​pela criação direta do mundo. Em outras palavras, seres muito poderosos. No entanto, isso era difícil de digerir. Quero dizer, se alguém de repente lhe dissesse que era um deus, você provavelmente estaria pelo menos um pouco hesitante em acreditar nele. Além disso, “como pode ver”? Tudo o que Nephren podia ver era um peixe voador falante suspeito. Certamente, o peixe não era normal, mas ela também não podia sentir exatamente algum tipo de ar de divindade.

“Entendo…”

“Sim”. O peixe dançou alegremente. “Oh, mas não tenha a ideia errada ou algo do tipo. Eu nem sempre fui assim. Eu costumava ter uma forma física super bonita, graciosa e magnífica.” Ignorando o rosto totalmente desinteressado de Nephren, o peixe prosseguiu: “Eu a perdi há quinhentos anos atrás. Desde então, não consigo manter minha presença sem residir na consciência de alguém. Eu fui reduzida a essa forma ilusória e lamentável”.

Forma ilusória. Nephren nunca tinha ouvido o termo antes, mas podia inferir o que isso significava. “Então, em outras palavras… esse seu corpo não é real?”

“Exatamente. Só você pode me ver, e só você pode ouvir minha voz. Bem? Não se sente sortuda por ter tais privilégios exclusivos?”

“… de forma alguma.” Em primeiro lugar, já que ninguém mais parecia estar por perto, essa exclusividade não tinha exatamente nenhum significado. “Então, por que um deus está rondando à minha volta?”

“Sim, é exatamente disso que precisamos falar!” O peixe ergueu a voz e bateu as barbatanas da cauda. Irritante. “Eu tinha uma hospedeira adequada antes de você. Eu estava com ela o tempo todo dentro daquele mundo barreira.”

Mundo barreira. Aquele eterno jardim em miniatura que Almaria, a Chanteur, criou ao prender todos os residentes de Gomag dentro dele.

“Mas então vocês vieram e esmagaram o mundo barreira. O impacto naquele momento me tirou da consciência da minha hospedeira. E acima de tudo, perdi ela de vista…”

“Eh…?”

“Por um segundo eu entrei em pânico, pensando que iria simplesmente desaparecer, mas depois te encontrei nas redondezas. E foi assim que acabei com você.”

Espera, espera… Aquele mundo era uma prisão e uma especial, prendendo grandes quantidades de Emnetwytes. Levando isso em consideração, este auto-proclamado Poteau também ter sido preso particularmente não surpreendeu Nephren. Contudo…

“Há quanto tempo você estava lá?” Nephren perguntou.

“Muito tempo.”

“Se você já tivesse perdido seu corpo físico, no momento que sua consciência fosse jogada para fora da barreira, você não deveria ter sido capaz de viver.”

“Mhm, é por isso que eu estava em apuros antes de te encontrar.”

“Não, não isso. Você disse que tinha uma hospedeira. Ela está bem?”

“Minha nossa, se preocupando com alguém que você nunca conheceu? Que gentil da sua parte. Ou será que você percebeu que minha hospedeira não é uma completa estranha para você?”

Acho que esse peixe está fugindo do assun– espera, o que? As palavras surpreendentes do peixe fizeram com que Nephren abrisse acidentalmente de leve seu olho esquerdo.

Destruir destruir destruir destruir destruir–

“Agh…”

Ela fechou imediatamente. Foi apenas por uma fração de segundo, no entanto, a dor intensa permaneceu em sua cabeça, como se alguém tivesse batido nela com um martelo gigante. Ela se agachou na areia e suportou a agonia.

“Tome cuidado, ok? Um movimento errado e essa coisa poderia lhe possuir,” avisou o peixe.

“… O que você quer dizer?”

“A alma de Chanteur provavelmente está dentro de você, semelhante a como eu estou dentro de você. Bem, Bestas não têm um senso de identidade, então é mais como um pacote de desejos e impulsos.”

Desejo. Impulso. Nephren certamente sentia aquela fúria dentro de si. “Vou me tornar uma Besta como aqueles Emnetwytes?”

“Ah… não, provavelmente não. Mesmo que não seja uma forma física, estritamente falando, seu corpo ainda é fundamentalmente seu.”

“Fundamentalmente?”

“Ele tornou-se infinitamente próximo de um ser humano após tantas reencarnações, mas não completamente humano. Então, mesmo que sua mente seja perturbada, não acho que seu corpo será tomado. Provavelmente.”

… eu não entendo isso.

Separador de texto

Depois de um pouco de caminhada, elas se depararam com os vestígios de um acampamento. Um anel de pedra rodeava uma pilha de lenha queimada. Ao lado, havia várias caixas de madeira e latas enterradas na areia.

“Que bando de turistas indelicados. Esta terra não é uma lata de lixo,” Carmine Lake comentou casualmente. Nephren começou a perceber que ela não precisava acompanhar toda a conversa fiada do peixe.

Estas ruínas provavelmente marcavam o acampamento de alguns coletores. Talvez eles tenham encontrado mais tesouros do que o esperado em sua expedição e acabaram tendo que abandonar cargas desnecessárias da aeronave. Nephren pegou uma lata próxima. Era pequena o suficiente para ela poder carregá-la com um braço. Seu conteúdo já havia sido esvaziado. Do lado, a areia quase apagou a escrita, mas Nephren ainda conseguiu distinguir as letras.

“Provisões do Exército Padrão Tipo L7 – M”

“Provisões do exército…”

Por um momento, a possibilidade de que as ruínas pertencessem à Plantagenista cruzou a mente de Nephren. No entanto, ela logo desconsiderou isso. Depois que a aeronave partiu, Chanteur apareceu. Na presença de tal poder, o poder de transformar tudo e qualquer coisa em areia, meras latas não teriam sobrevivido. O acampamento tinha que ser de algum momento após Willem ter matado Chanteur e quebrado o mundo barreira.

“Quanto tempo eu estava dormindo no subsolo?” Nephren perguntou.

“Cerca de dez dias”, o peixe respondeu casualmente.

“… embora eu não esteja com fome.”

“Bem, a presença de uma Besta eterna está dentro de você. No entanto seu corpo ainda não foi tomado.” Outra resposta casual. “Hmm… agora, você se transformou só um pouquinho em uma Besta. Incapaz de envelhecer ou de morrer… pensando nisso dessa forma, deve ser mais fácil de entender, certo?”

Certamente, isso tornou muito mais fácil para Nephren entender por que não estava faminta. No entanto, ela não queria exatamente entender isso.

“Então eu sou… imortal?”

“De certa forma. Você não é indestrutível, então há algumas maneiras para que isso aconteça. “

“Entendo.” Que irônico, Nephren pensou. Ela tinha se preparado para a morte. Ela a tinha aceitado, além disso, esteve apenas a um passo dela várias vezes. Mas agora, as coisas tinham de alguma forma, acabado exatamente no oposto do que ela havia preparado.

“… Acho que agora não tenho mais um lugar para regressar.” Nephren murmurou.

Só um pouquinho ou não, uma Besta ainda é uma Besta. Ela não seria muito bem-vinda em Regul Aire. Aqueles dias no armazém das fadas, aquela vida lenta e despreocupada, agora pareciam imensamente distantes.

“Você está bem?” O peixe perguntou.

“Nn.” Nephren deu um grunhido que não confirmou nem negou seu bem-estar. Afinal, ela mesma não sabia a resposta. Ela puxou um pedaço de tecido vermelho de uma das caixas de madeira enterradas na areia e envolveu-o no lugar de seu uniforme do exército esfarrapado.

Separador de texto

Elas caminharam pela areia por dias. Sob a influência da Besta dentro de si, o corpo de Nephren já não sentia exaustão. Ela poderia andar para sempre se quisesse. No entanto, ela nunca se sentiu assim. A cada poucas horas, paravam e descansavam em algumas rochas próximas. Quando a noite chegou, ela se deitou na areia e fechou os olhos. Felizmente, seu corpo não tinha esquecido como dormir. Ela já não se cansava, mas ainda assim conseguia dormir. Ela poderia sonhar. Suas memórias um dia desapareceriam na areia cinzenta, mas, por enquanto, ela ainda podia aquecer seu coração com recordações do passado.

Certa vez, elas encontraram um grupo de Bestas. No topo de um suave declive arenoso, cerca de dez Auroras estavam banhando-se ao sol, com seus corpos como cordas descansando verticalmente e suas muitas agulhas retraídas para dentro. Quando Nephren se aproximou, elas não mostraram resposta. Mesmo que ela as cutucasse, apenas torciam seus corpos para longe em aborrecimento, mas ainda assim não atacavam.

Acham que sou uma delas?

As Bestas quase imortais não precisam de comida. Assim, elas não atacam umas as outras. Eles não param por nada para destruir todas as outras formas de vida, mas em um lugar com apenas Bestas, elas se comportam de maneira incrivelmente calma, contraditória à sua reputação usual.

Ou talvez fosse assim que as Bestas originalmente deveriam ser. Talvez seu forte desejo por esse estado pacífico seja precisamente o que as leva a eliminar os seres estranhos que perturbam seu tranquilo repouso. Talvez isso seja tudo o que elas estão tentando fazer, e quando não há estrangeiros por perto, eles simplesmente passam seu tempo relaxando.

Nephren pegou uma Aurora relativamente pequena e tentou dar-lhe um abraço. Ela se contorceu em resistência, mas não a cutucou com suas agulhas.

“Bem, isso não é bom”, murmurou Carmine Lake. Sua personalidade não combinava muito bem com a de Nephren, mas nessas vazias planícies arenosas, o peixe acabou sendo um precioso parceiro de conversa. “A presença de Elq está muito distante. Não só isso, ela parece estar no céu.”

“… Sua antiga hospedeira que você mencionou antes?”

“Sim sim.”

“No céu, você quer dizer Regul Aire?”

“Esse pode ser o caso…” O peixe estremeceu quando se empinou ao redor. “Nephren, você pode voar até lá?”

“… até que eu poderia.”

Normalmente, isso teria sido uma proposta ridícula. Dada a distância e a altitude, isso não seria possível para as asas de uma fada normal. No entanto, Nephren já não era mais uma fada comum. Agora que seu corpo não conhecia mais a exaustão, ela podia voar continuamente sem dormir pelo tempo que quisesse.

No entanto, ela hesitou em fazê-lo. Claro, Nephren sabia o que aconteceria se ela, uma quase Besta, se aproximasse de Regul Aire. Ela e os outros Leprechauns existiam com o único propósito de proteger Regul Aire da ameaça das Bestas. Ela imaginou Ithea e Rhantolk com suas asas ilusórias bem abertas, apontando suas Dug Weapons diretamente para Nephren.

“… eu não quero.”

“Vamos lá, por favor?”

“Não. Se quiser ir, vá sozinha.”

“Se eu pudesse, já estaria lá! Mas não posso! Eu só existo dentro da sua cabeça!” Carmine Lake dançou em exasperação. “Ugh, finalmente saímos daquela barreira estúpida e agora veja que confusão isso se tornou! Aposto que Ebon Candle e Jade Nail estão em algum lugar enrolando e se divertindo muito… venham me buscar, seus idiotas!”

Me pergunto onde Willem está, Nephren pensou, ignorando as reclamações barulhentas do auto-proclamado Poteau. Ela não sabia sobre a pessoa de nome Elq, mas Willem definitivamente tinha que estar em algum lugar no chão. Claro, ela não era otimista o suficiente para acreditar que Willem ainda era seu antigo eu. Ao contrário de Nephren, ele era um puro Emnetwyte. Depois que a coisa negra, a alma de Chanteur, entrou nele, ele não teria sido capaz de manter seu senso de identidade. Ela não achava muito difícil imaginar que a Besta tivesse assumido tanto a mente quanto o corpo, e que ele havia se transformado em um ser completamente diferente.

Mas ainda.

Almaria estava contando com ela.

Nephren queria estar ao lado de Willem. Mesmo se ele agora fosse uma Besta, ela queria se aconchegar nele. Encalhada na vasta terra cinzenta, Nephren não conseguia pensar em nenhum outro desejo que tivesse para o futuro.


Parte 3 – Um Retorno Indesejado

Havia um cara mau. Então um cara forte vinha e dava uma surra nele. O mal desaparecia do mundo e todos ficavam felizes.

Muitas histórias começavam dessa maneira e muitas outras terminavam assim.

A história deles, infelizmente, não seguia esse padrão. Eles não tinham nenhum mal colossal sobre o qual culpar toda a miséria do mundo, nem tinham a força para galantemente esmagar tal maldade. Sua história começava em um lugar um pouco estranho, e certamente seguirá seus passos enquanto vagam pela escuridão antes de alcançarem seu destino final.

Separador de texto

No céu acima da 11ª Ilha Flutuante, uma aeronave com a aparência de um navio civil regular de expedição terrestre voou dentro de uma espessa camada de nuvens de trovoada. No geral, o navio mostrava sinais claros de desgaste. As placas à prova de poeira desenvolveram um padrão manchado peculiar depois de receber o tratamento necessário para descer à superfície tantas vezes. As hélices da esquerda e da direita eram ligeiramente diferentes, e as persianas pendiam em muitas das janelas de vidro ao lado do navio, devido às inúmeras rachaduras nelas. Em seu casco, o rosto de um gato preto e as palavras “Companhia Aventureira Batou” tinham sido pintadas de maneira desleixada.

Se uma pessoa instruída visse essa nave de perto, no entanto, notaria algumas coisas estranhas em sua aparência externa. Por exemplo, apesar da imundície extrema em geral, as placas à prova de poeira pareciam quase novas, sem sinais de danos. Além disso, o voo da nave parecia relativamente estável, apesar de todas as suas partes parecerem incompatíveis e montadas às pressas. As persianas penduradas nas janelas laterais pareciam tão resistentes em contraste com quase todo o resto. E mais do que tudo, o estrondo produzido obviamente pertencia a um grande reator de combustão de feitiço, completamente impróprio para um pequeno navio civil.

Em outras palavras, ao contrário de sua aparência, este não era um dirigível civil comum. Seu nome oficial era “Ávido pelo amanhã Nº 7”, e pertencia à frota da Força Aérea de Defesa Nacional de Elpis na 13ª Ilha Flutuante.

Dentro do cockpit, um soldado Frogger verificava os numerosos medidores e indicadores na parede com seus olhos redondos. Todos eles encararam de volta mecanicamente, exibindo seus números estáveis ​​e habituais. Navegação suave. Nesse ritmo a aeronave chegaria ao Primeiro Distrito Portuário da 11ª Ilha Flutuante antes do amanhecer. Depois disso, eles seriam capazes de entregar seus novos espólios aos pesquisadores do Exército da Defesa Nacional.

“Com licença, oficial.” O Frogger virou a cabeça. “Eu realmente acho que devemos nos livrar daquela bagagem. Isso vai contra nossas ordens, fora que é simplesmente muito perigoso”.

“Hmph. Você pegou a doença dos covardes?” o oficial Lucantrobos disse em um tom zombeteiro, mostrando suas presas.

“Não, é só… um pouco desagradável. Especialmente as da segunda e terceira salas de carga. Nunca ouvi falar de Bestas que pareçam daquele jeito.” O Frogger estremeceu. “Não sabemos que tipo de desastre isso pode causar.”

“Não há nada a temer. Só precisamos confiar no comandante assistente e no plano dele.”

À menção do comandante assistente, os olhos do Frogger estremeceram ligeiramente. “Não, não é como se eu estivesse duvidando dele, é só que…”

“Em primeiro lugar, aqueles que dizem que as Bestas são tão perigosas são os caras da Guarda Alada. E eles estão sendo pagos para combater essas coisas “perigosas”. Seria tolice confiar na palavra deles.”

“… O que você quer dizer?”

“Ao declarar que o inimigo deles é muito perigoso, eles podem tirar mais dinheiro dos patrocinadores. E como eles têm o monopólio no campo de batalha, ninguém pode expor suas mentiras. Em outras palavras, eles estão exagerando a força das Bestas para seu próprio lucro.”

“Não pode ser!” A voz do Frogger tremeu. “Ilhas já foram afundadas, sabia? Minha casa ficava na 15ª ilha!”

“Claro. Se fizerem parecer que estão vencendo sem dificuldades, isso arruinaria todo o plano deles. Ao ocasionalmente permitir alguns sacrifícios de propósito, eles aumentam a credibilidade desse rótulo “perigoso”. É chamado de atuação.”

“Mas isso–”

“Com relação aos coletores sendo mortos lá embaixo, o que mais você esperaria de civis não treinados? Não há razão para que soldados experientes como eu ou você as temam mais do que o necessário.”

“Ah…”

“Mesmo se fossem perigosas, nossas técnicas de barreira atualmente fazem com que fiquem impotentes. Nós já refutamos a mentira gigante de que elas não podem ser controladas”.

O Frogger ficou em silêncio.

Com um bufo, o Lucantrobos prossegui. “Entendo que você está preocupado com o futuro de Regul Aire. Também entendo que está preocupado em trazer objetos proibidos para a populosa 11ª Ilha Flutuante. No entanto, você precisa pensar de maneira mais simples”.

“Mais simples?”

“Lembre-se das palavras do comandante. Nós devemos lutar e reivindicar nosso futuro com nossas próprias mãos. Há algo de errado com as palavras dele?”

“Ah… n-não.”

“Claro que não. Essa é a verdade. Essa é a justiça. Destarte não há verdade nem justiça com a Guarda Alada, que monopoliza a luta com as Bestas ”.

“Isso–”

“Para exercer a justiça, sacrifícios às vezes são necessários. Essa é a realidade da qual não devemos desviar nossos olhos. E assim devemos seguir esse caminho até o fim com bravura. Essa é a responsabilidade e o orgulho de todos os soldados da Força de Defesa Nacional de Elpis. ”

“Isso…”

Isso não pode estar certo, pensou o Frogger. Ele sentiu algo de errado com o argumento do oficial. No entanto, não conseguiu identificar exatamente o quê. Se ele não conseguia encontrar nada de errado, então talvez estivesse correto afinal, e sua hesitação não passava de um comportamento vergonhoso decorrente de sua covardia.

“E-Entendido. Por favor, esqueça o que eu disse antes.”

“Eu farei isso. Fico feliz em ver que a chama da bravura foi acesa em você.” O Lucantrobos deu um aceno satisfeito.

Separador de texto

As salas de carga de um a quatro daquele navio pareciam quase como fortalezas por si só. Múltiplas camadas de chapas de aço com um fino revestimento de prata encantada no lado de fora serviam de paredes. Incorporados ao chão, madeira, minerais e fragmentos de ossos de várias cores formavam três círculos concêntricos. Eles representavam o sol, a terra e a vida, criando todos juntos uma réplica em miniatura do mundo.

Esses anéis formavam uma barreira simples, mas com múltiplas camadas. No seu âmago, técnicas de barreira referem-se à capacidade de criar e manter uma parede que separa uma parte do mundo em si. Assim que uma barreira é concluída, o interior se torna um mundo completamente diferente do lado de fora. Isso causa uma ligeira variação nas regras dos dois reinos, o que, por sua vez, proíbe qualquer cruzamento entre eles. As paredes feitas desta maneira não se quebram, não importa quanta força física se aplique a elas. E assim como um lobo em uma pintura não pode saltar para fora e atacar o artista, qualquer coisa contida dentro da barreira não pode machucar nada do lado de fora.

Dentro de uma dessas barreiras em uma das salas de carga, algo estava encolhido no chão, algo que assumia a forma de um rapaz desmarcado de cabelos negros.

“Uu…”

Ele emitiu um grunhido baixo, quase como um grito. Ele provavelmente percebeu que estava preso, e que não seria capaz de sair facilmente. Deixado sem outra escolha, enrolou seu corpo e suportou sua angústia dentro de seu pequeno mundo fechado.

Separador de texto

— Um impacto súbito sacudiu violentamente o navio.

“O que? Não me diga que isso foi uma pedra de dragão flutuante”, o oficial Lucantrobos disse com uma carranca.

“Não, foi só uma pedra velha comum. Não a vi com todas essas nuvens carregadas ao nosso redor”, disse o Frogger. Apesar da situação, sua voz não mostrava sinais de nervosismo. Ele checou todos os indicadores com seus grandes olhos, depois disse: “Sem grandes problemas. Este é um navio do exército, afinal. Um impacto desse calibre não nos afundará. Parte da pintura exterior pode ter saído e a manutenção talvez reclame disso mais tarde, mas isso é tudo.”

“Entendo. Isso é lamentável. Agradá-los leva mais do que uma quantidade normal de álcool. E se trouxermos essas receitas de volta, a gerência ficará aborrecida”.

“Bem, tenho certeza que você pode dar um jeito… hm?”

Os dedos do Frogger passaram por cima de um dos medidores. Ele mostrava uma ligeira irregularidade no grau de inclinação sendo monitorada em vários lugares ao longo do navio.

“O que há de errado?”, Perguntou o oficial.

“Ah… a estrutura do navio provavelmente está um pouco torta. Para um civil, custaria uma boa quantia para consertar, mas já que somos o exército, deve ficar tudo bem.”

“Não, não, isso significa que vamos precisar de mais álcool para os caras de manutenção.”

“Tenho certeza que você encontrará um–” O Frogger olhou para cima. “Você acabou de ouvir alguma coisa?”

“Hm? Do que você está falando?”

“Eu pensei ter ouvido algum tipo de batida vindo de lá.” O Frogger virou o olhar para uma porta. Além daquela porta e abaixo do corredor, ficava a segunda sala de carga.

“Tem certeza de que não foi só a sua imaginação?”

“Hmm talvez.”

A avaliação do Frogger sobre a situação estava correta. O impacto que abalou o navio foi devido a nada mais do que uma pequena rocha flutuante, não um bombardeio de um navio inimigo escondido entre as nuvens, nem por um espião a bordo começando a destruir o navio, nem pela bagagem na sala de carga entrando em fúria.

Seu julgamento do dano também estava correto. O impacto deformou ligeiramente a quilha do navio, causando pequenas distorções estruturais em todo ele. Nenhum grande problema de alteração de voo poderia ser causado por tais danos leves. Na verdade, se um navio civil recebesse tal dano, os custos de reparo provavelmente superariam os méritos obtidos com o conserto.

Tudo isso estava correto. No entanto, o Frogger não entendia muito bem as técnicas de barreira usadas nas salas de carga. Ele não sabia que a Defesa Nacional de Elpis não poderia produzir com segurança barreiras de pequena escala com sua tecnologia atual. Ele não estava ciente de que a barreira que estava sendo usada na sala de carga atrás dele era meramente um protótipo, sem garantias de suporte para uso real. Ele não entendia a implacável delicadeza necessária para criar e manter um mundo inteiramente novo.

O Frogger tinha lido os documentos. Ele tinha conhecimento das técnicas de barreira. No entanto, ele ainda não as entendia de verdade. Bem, mesmo se entendesse, o resultado não teria mudado.

Repentinamente, um terço inteiro da popa da aeronave do exército, Ávido pelo amanhã Nº 7, literalmente desapareceu. Em um instante, o que uma vez foi um navio simplesmente se desintegrou em areia cinzenta antes de fluir para as furiosas nuvens de tempestade e desaparecer.

Com seu equilíbrio perdido, o navio inclinou com força para a frente. As partes não afetadas pela explosão inicial começaram a se desfazer sob seu próprio peso. Incapaz de suportar o torque destrutivo aplicado a ela, uma das hélices se separou do navio e saiu voando. O reator de combustão, tendo perdido sua descarga de pressão, começou a expelir chamas explosivas.

Os gritos e berros dos passageiros duraram apenas um momento antes de desaparecerem na chuva torrencial.

E então, o Ávido pelo amanhã Nº 7 começou sua descida.

Separador de texto

“Olha, uma estrela cadente.”

Na parte sudoeste da 11ª Ilha Flutuante fica a grande cidade de Corna di Luce. Apesar da forte tempestade, ainda havia algumas pessoas olhando para o céu densamente encoberto. E aquelas poucas pessoas viram: uma bola de chamas colossal resplandecendo o suficiente para perfurar as nuvens.

“Um desejo, um desejo, um…”

Uma estrela cadente de verdade não seria visível sob as nuvens escuras. No entanto, nenhuma das poucas pessoas olhando para o céu percebeu isso. Elas simplesmente comentaram sobre o quão brilhante era, ou quanto tempo estava durando.

Uma dessas pessoas, um jovem menino Ayrantrobos tendo dificuldades para dormir, apressadamente fez um pedido enquanto olhava com admiração a estrela cadente através da janela do seu quarto.

“Espero que a Regul Aire continue pacífica para todo o sempre.”

Separador de texto

Um ruído estrondoso expandiu-se pelo ar, seguido por uma onda de choque explosiva. Árvores caíram como meros dominós, enquanto terra e pedregulhos eram violentamente arrancados do chão. Uma enorme coluna de fumaça negra subiu no escuro céu tempestuoso acima. Apesar da chuva, as chamas não mostravam sinais de enfraquecimento.

“Uu…”

Um pouco longe dos destroços em chamas de uma aeronave, um jovem, ou melhor, algo que se assemelhava a um jovem pousou no chão. Ele se contorcia de dor, não apenas do impacto de cair de um lugar tão alto, mas também dos impulsos destrutivos que jorravam de dentro de seu corpo.

“Bo… para a borda…”

Esticando os braços trêmulos, ele avançou lentamente arrastando o corpo pelo chão. Ele sabia que não poderia estar ali. Mas nenhum raciocínio poderia suprimir os gritos internos de seus instintos. O desejo de devolver tudo e todos no céu para a areia cinza queimava dentro de si. Ele podia sentir esse desejo gradualmente devorando sua mente. Ele precisava se jogar da borda da ilha o mais rápido possível.

Incerto da resistência de seu corpo, ele sabia que uma queda no solo de tal altura poderia muito bem significar a morte. No entanto, se ele morresse, nunca mais seria capaz de ascender ao céu, e isso era mais importante que qualquer coisa.

Ele não sabia em que direção ficava a borda. A chuva gelada e a escuridão espessa envolviam seus cinco sentidos tornando-os completamente inúteis. Ele simplesmente rastejou adiante um golpe de braço por vez sem pensar.

“… ei.”

A voz de um homem se misturou com o som da chuva constante. Virando-se para a fonte, ele avistou um homem corpulento segurando uma tocha incrivelmente brilhante. O homem carregava outra pessoa menor nas costas.

Destruir.

Impulsionado pelo instinto, ele agarrou um galho de uma oliveira próxima com a mão direita com um estalo. No instinto seguinte, ele não sentiu mais nada em seu punho cerrado. Ele soltou seu aperto, e um punhado de areia misturada com a água da chuva foi derramada no chão. Então, após um pequeno intervalo, a oliveira, cujo tronco fora meio arrancado do chão, caiu com um som de rangido que lembrava um grito doloroso.

“Não… venha…”

Sempre que alguma coisa vinha à vista, a vontade de destruí-la tomava o controle de sua mente. Ele cobriu ambos os olhos com a mão esquerda na tentativa de resistir.

“Corra… é muito… perigoso!” Incapaz de ver, ele simplesmente gritou na direção em que o homem costumava estar de pé.

“Uau, você é mesmo o Willem, hein.” A voz do homem parecia estar se aproximando, não se afastando. Ele ouviu claramente os sons de grossas botas de couro pisando no chão lamacento se aproximando. “Bem, não é como se eu duvidasse disso. Só que é meio difícil de acreditar assim de repente… quero dizer, são quinhentos anos chorando em voz alta.” O homem parecia estar conversando casualmente com a pessoa em suas costas.

O que você está fazendo? Corra e fuja. Nesse ritmo, você não conseguirá a tempo.

“Não… se… aproxime!”

“… espera, Willem, você ainda tem parte da sua consciência?”

Sim. Mas não por muito tempo. Ele não tinha forças para dar essa resposta, nem compostura para reconhecer a estranheza na pergunta do homem.

“Por pouco, hein. Vejo que você continua tão assustadoramente durão quanto antes,” o homem disse com uma risada assim que chegou bem diante dos olhos dele.

“Sim, eu sei, eu sei”, disse ele para a pessoa atrás. “Não é como se eu quisesse abandoná-lo também. Mas isso seria mesmo o melhor para ele? Você sabe que isso pode apenas fazê-lo sofrer ainda mais, certo?” Um breve silêncio seguiu-se enquanto o homem esperava pela resposta de seu companheiro. “Bem, isso é verdade. Tudo bem, vou ceder desta vez, princesa egoísta.”

Então, com um rosto e um tom calmos, o homem se virou para falar de novo. “Sejam gratos. Meu poder secou há muito tempo, mas já que sou um professor tão bom, vou fazer meus milagres mais uma vez por vocês.” Ele gentilmente colocou a palma da mão na testa da coisa que se assemelhava a um jovem. “Esta é a primeira e última vez que vou lidar com uma Besta. Este é um tratamento especial. Só você pode ser colocado para dormir pelas minhas mãos.”

Ele não entendeu as palavras do homem, mas finalmente percebeu uma coisa: ele conhecia o dono daquela voz. Houve uma vez, há muito tempo, em algum lugar, ele conversara muito intimamente com aquela voz. Uma vez em sua vida, ele tinha olhado para o dono daquela voz com admiração, e talvez essa admiração ainda permanecesse mesmo agora de certa forma. Dizendo para si mesmo repetidas vezes para nunca se tornar esse tipo de adulto, ele manteve essa admiração em sua mente.

“Olhe para a lua em uma noite sem estrelas.” O homem falou com uma entonação peculiar, quase como se estivesse recitando um antigo poema.

Ele sentiu algo estranho saindo da palma da mão do homem enquanto ele falava aquelas palavras. Sua intuição dizia que algo estranho, ou até mesmo perigoso, estava acontecendo. No entanto, ele não se mexeu.

“Deixe o lodo da noite envolver seus olhos”, o homem entoou baixinho, como se estivesse dando uma ordem.

Então, no instante seguinte, a consciência do jovem escureceu.


Parte 4 – Fim da Batalha

Devagar e sempre o tempo fluiu. O verde das gramas na beira da estrada escureceu-se e as árvores pareciam estar competindo entre si sobre qual desabrocharia suas flores primeiro. O vento assobiando parecia um pouco mais suave e quente a cada dia que passava.

Com a mudança das estações, o armazém das fadas ganhou duas novas moradoras. Uma veio de uma floresta na 26ª Ilha Flutuante e a outra surgiu perto de um lago na 40ª Ilha. A agência de busca da Guarda Alada apanhou-as e levou-as ao armazém. A princípio, Almita e suas amigas, a geração mais jovem até então, se alegraram e causaram uma grande comoção ao ouvir as notícias. Tiat, no entanto, pôs um fim nisso, repreendendo-as a se comportarem como adultas, já que iriam se tornar irmãs mais velhas.

Por outro lado, felizmente, nenhum atual residente foi perdido durante esse período. Nem um único ataque de Timere ocorrera desde então, então ninguém precisava partir para a batalha e sacrificar sua vida. Chtholly. Nephren. Willem. Desde aquele dia em que o armazém perdeu aqueles três rostos insubstituíveis, os tempos pacíficos continuaram, exatamente como esses três sempre desejaram.

“Como de costume, não houveram previsões de batalhas”, disse o Reptrace gigante do outro lado do cristal de comunicação. “Se houver um ataque de Timere no futuro, certamente será capturado pelo olho prateado. Embora possa ser uma breve pausa, parece que os soldados podem continuar a descansar suas lâminas.

“… Entendo.” Nygglatho deu um suspiro de alívio.

Era um evento periódico, mas, ainda assim, Nygglatho sempre ficava nervosa durante suas conversas com o Primeiro Oficial Limeskin. No entanto, a culpa não era necessariamente dele. O tópico não fazia exatamente um bate-papo relaxante. Seu coração nunca poderia permanecer calmo com o pensamento de enviar as preciosas crianças do armazém para o campo de batalha.

Mas por as conversas deles sempre terem sido muito estressante, momentos em que Limeskin relatava que nada tinha acontecido faziam Nygglatho ainda mais feliz. Só em tempos como esses ela se sentia grata pelas habilidades de previsão supostamente 100% precisas do Prima de olhos prateados. Como declararam que não haveriam batalhas, um ataque surpresa seria inconcebível. Os dias calmos no armazém continuariam por mais algum tempo.

“Fico feliz em ouvir isso”, disse ela do fundo do seu coração. “Este período de paz está se tornando bem longo. Antes, haveriam dois ou três ataques por mês… mas não houve nada durante os últimos.”

“Mu”. O Reptrace deu um grunhido indecifrável antes de cair em silêncio.

Nygglatho ignorou e continuou, alimentada pela felicidade sem fim emanando dela. “Eudea e as outras estão se saindo muito bem. Sabe, as mais novas que vieram no mês passado. Apesar de que elas parecem ter medo de dormir sozinhas, por isso fico com elas todas as noites. Ahh, seus rostos quando dormem são tão fofos que me dá vontade de devorá-las, sabe?”

“Eu… entendo…” A voz do Reptrace ao murmurar uma resposta indiferente parecia um pouco mais sombria do que o habitual.

Nygglatho percebeu claramente que havia algo de errado. “Qual é o problema?”

“Ah… não é um assunto fácil de discutir.” Limeskin parecia estar vacilando, algo muito incomum para ele.

“Oh, você está falando sobre aquilo? Depois que a Chanteur desapareceu, uma expedição para a superfície foi enviada às pressas, certo? Eles encontraram alguma coisa?”

“Não, não é isso. Os relatórios da expedição estão sendo ocultados por alguém com uma posição maior que a minha.”

“Eh?”

Limeskin era um primeiro oficial. No momento, Nygglatho não conhecia a estrutura da Guarda Alada com muitos detalhes, mas ela entendia que primeiro oficial era uma posição bastante elevada. Certamente, informações serem retidas dele não poderiam ser consideradas uma ocorrência normal. Em outras palavras, aquela expedição encontrou algo lá embaixo, e esse algo tinha que ser tão significativo que nem mesmo um Primeiro Oficial poderia saber sobre. Isso intrigou um pouco Nygglatho, mas aparentemente Limeskin tinha outro tópico em mente.

“É sobre as previsões das batalhas”, continuou ele.

“Sim?”

“Não apenas hoje ou amanhã. Absolutamente nenhuma visita de Timere foi prevista daqui para frente.”

O que? Nygglatho deu ao cristal de comunicação um olhar confuso.

“Por pelo menos alguns anos. Ou talvez pela eternidade. Isso é por quanto tempo esta paz durará.”

“Pelo menos alguns anos… eternidade…” O que? Nygglatho repetiu essas palavras em sua cabeça algumas vezes. “Sério!?”, Ela indagou, inclinando-se contra o cristal, empurrada para frente por sua alegria transbordante.

Eternidade provavelmente era um pouco demais de se esperar, mas se ela não tivesse que fazer aquelas garotas lutarem por mais do que alguns anos, não poderiam haver notícias mais felizes. Ela não queria continuar sentindo tanta dor e tristeza, e ela não queria que ninguém mais as experimentasse também.

“Uaah. Uaah. Uaaah.” Sons estranhos começaram a sair da boca de Nygglatho. Ela suprimiu desesperadamente o impulso de pular alegremente pela sala.

“… em relação a essa notícia, as opiniões dos generais, o posto acima dos oficiais, estão divididas.” Limeskin continuou na mesma voz. Nem um único fragmento de felicidade apareceu em suas palavras ou em sua expressão. “Atualmente, não tenho escolha a não ser dizer que o vento está soprando em uma direção desfavorável”.

“Eh? O que você quer dizer?”

“Muitos estão dizendo que devemos eliminar o armazém das fadas.”

Nygglatho ficou boquiaberta. “P-Por quê?”

“Para que um guerreiro permaneça um guerreiro, é necessário um campo de batalha. Um guerreiro que perdeu seu campo de batalha e inimigos não pode mais reunir a veneração e oblação das pessoas”, explicou o lagarto gigante em uma voz que soava casual demais para Nygglatho. “Quando o vento para de soprar, até mesmo a maior das bandeiras deixa de tremular.”

“Por que…” As palavras do Reptrace provaram ser mais enigmáticas do que nunca, contudo Nygglatho havia se acostumado a conversar com ele ao longo dos anos. Então, infelizmente, ela entendeu perfeitamente bem o significado por trás daquelas palavras.

Nem a Guarda Alada nem a Orlandri Trading Company eram simples mentes coletivas. Muitos de seus membros não pareciam muito favoráveis ao uso de Leprechauns e Dug Weapons. Nygglatho certamente poderia entender o porquê. Afinal, eles estavam tomando emprestado o poder deixado pelos Emnetwytes. A sobrevivência de Regul Aire literalmente estava inteiramente nas mãos de um grupo de desmarcados, que usavam armas cuja estrutura e lógica não eram compreendidas por ninguém. Fantasmas estavam encarregados do destino dos vivos. Muito ódio era direcionado para aqueles monstros que assumiam a forma de crianças. Para não mencionar, a compra e coleta de Dug Weapons custava uma quantia astronômica…

Seja como for, havia uma infinidade de razões. Diversas pessoas com diferentes valores encontraram suas próprias razões para se opor à existência dos Leprechauns. As meninas continuaram a ser usadas apesar de toda a resistência simplesmente porque eram necessárias. Regul Aire não poderia continuar flutuando sem seus sacrifícios. No entanto, se essa necessidade desaparecesse, as coisas mudariam. Uma vez que os ataques de Timere parassem, todas essas pessoas não iriam continuar caladas. Elas jogariam os argumentos e reclamações que carregaram esse tempo todo contra as meninas.

Deve ser sobre isso que Limeskin está falando. Começando com sua instabilidade, os Leprechauns têm muitos problemas associados a eles. Então agora que a ameaça do Timere se foi, as pessoas da Guarda Alada estão dizendo para se livrarem deles. Mas então…

“Se isso acontecer, o que será das meninas? Elas não vão ser simplesmente… soltas, não é?”

Nygglatho sabia muito bem que isso nunca aconteceria. No seu cerne, as meninas não passavam de bombas ambulantes vestindo roupas. E como ninguém menos que Nygglatho estava colocando as roupas, se o depósito das fadas desaparecesse elas seriam apenas bombas ambulantes sem sequer usar roupas… bem, de qualquer maneira, elas nunca seriam soltas na natureza sem qualquer supervisão.

“Alguns exércitos municipais estão dizendo que querem afiar suas presas contra as bestas.” Limeskin disse a cruel verdade. “Eles já expressaram suas preocupações sobre deixar todos os combates com as Bestas apenas nas mãos da Guarda Alada e dos Leprechauns. Para eles, esta é uma oportunidade perfeita para conseguir o que querem”.

“Então eles querem que outros exércitos sejam autorizados a manter Leprechauns? Em vez de a Guarda Alada juntar todos como estão fazendo agora?”

“Ah. Há mais do que algumas poucas vozes de acordo dentro da Guarda Alada também.”

Entendo. Só de perder sua posição como as armas decisivas anti-Timere, os Leprechauns se transformaram em nada mais do que “bombas poderosas e instáveis”. Não é surpresa que existam alguns membros da Guarda Alada que não querem lidar com a sua manutenção.

E também não é surpresa que existam outras pessoas querendo colocar as mãos nelas. O poder faz com que as pessoas que o detenham se sintam seguras e aquelas que as rodeiam desconfortáveis. Regul Aire não é um grande país. O Império das Asas Nobres, a Federação Mercantil Elpis, o Condado do Chá de Elmwood, o Bosque Boreal… não faltam ilhas e cidades que desejam poder político e militar para dominar seus vizinhos. Mas isso significaria…

“De forma alguma entregarei nossas preciosas crianças para alguma outra organização”.

Claro, Nygglatho não podia ter certeza de que todos esses lugares eram terríveis. Uma vida maravilhosa poderia estar esperando as garotas em algum lugar. No entanto, nenhum desses lugares teria alguém que pudesse depositar tanto amor nas meninas quanto Nygglatho. De jeito nenhum. A enorme quantidade de tempo que ela passou no armazém e os muitos litros de lágrimas que ela derramou permitiam Nygglatho declarar isso com confiança. Ela não entregaria suas garotas para ninguém.

“Ainda não foi decidido ao certo ainda. Não tome conclusões precipitadas,” advertiu Limeskin.

“Mas é um resultado muito possível, não é?”

“Não seja precipitada. Há muitas vozes de dissidência, incluindo a minha,” ele respondeu acentuadamente. No entanto, ele tinha mais a dizer. “Apesar de tudo, seria melhor se preparar.”

Nygglatho de repente se recordou de uma memória de seus dias de escola. Se ela lembrava corretamente, ocorrera durante uma palestra de história. Seu professor Armado estava falando em sua costumeira voz murmurante difícil de ouvir.

Conflito é o destino natural de todos os seres vivos. A paz não é natural e, portanto, é valiosa. Aquilo que não é natural não pode ser obtido simplesmente ficando de braços cruzados. Somente depois de despender o esforço necessário e de pagar os sacrifícios necessários para suprimir o instinto e buscar a razão, finalmente poderá ser obtido. Precisamente por conta de sua dificuldade de ser obtida, a paz é vista como uma coisa tão bela.

Ah, entendi, Nygglatho pensou depois de ouvir isso. É preciosa porque não existe naturalmente. Temos que construí-la através de nossos próprios esforços… agora que penso nisso, o mesmo pode ser dito para quase tudo. A paz não é uma exceção mágica.

No final da aula daquele dia, o professor acrescentou uma última linha, como se tivesse acabado de lembrar. Coisas não naturais sempre vêm com dificuldades intransponíveis. Evidentemente, tentar manter algo com dificuldades intransponíveis resulta necessariamente em grande perda. Pode parecer estranho, mas o preço da paz é muito maior que o da guerra. É mais difícil ver de onde vêm os custos. Essa é a razão pela qual desde os tempos antigos as pessoas sempre buscaram a paz, mas nunca conseguiram mantê-la por muito tempo.

Separador de texto

“… por que tem que ser assim…”

Depois de cortar o cristal de comunicação, Nygglatho se jogou de bruços na mesa. Ninguém além dela estava no quarto. Usando isso como uma desculpa, ela enterrou o rosto na manga e deixou as lágrimas fluírem.

“Se elas não precisam mais lutar, então por que não deixá-las descansar? Se podem viver em paz agora, por que não deixá-las? Por que não pode ser tão simples assim…”

Se fosse um conto de fadas, uma vez que os malvados fossem derrotados e o mundo voltasse à bondade, esse seria o fim. O mundo chegaria ao fim com todos vivendo felizes para sempre, e o futuro além disso permaneceria sem ser escrito. Infelizmente para Nygglatho, o mundo real é um pouco mais complicado do que nos contos de fadas. Mesmo depois que uma história termina, o tempo continua fluindo em frente. Aquela felicidade arduamente conquistada se desvanece e se dispersa. Nada termina quando ainda em sua plena beleza.

“… Willem, seu idiota…” Seus soluços se transformaram em queixas dirigidas a uma certa pessoa ausente. “Não foi você quem disse que é doloroso carregar esse sentimento sozinho… você não prometeu compartilhar entre nós dois…”

Nygglatho percebeu o quão lamentáveis eram suas queixas, mas ela não tinha capacidade para se importar. Ninguém além dela estava no quarto. Suas reclamações não incomodariam ninguém, nem chegariam aos ouvidos da pessoa para quem foram direcionadas.


Parte 5 – Encarando o Passado

Ultimamente, Nygglatho tem agido de forma um pouco estranha. Olhando fixamente para fora de uma janela, parecendo estar prestes a chorar, enterrando a cabeça nos braços, repentinamente saindo para caçar ursos nas montanhas… bem, não, ela sempre faz essas coisas, mas… mas mesmo assim, algo parece errado com ela ultimamente. É difícil de colocar em palavras, mas algo está sem dúvidas acontecendo.

Deixando isso de lado por enquanto, Rhantolk Ytri Historia atualmente estava enfrentando um problema próprio.

Ela assou um bolo de libra. Ela esmagou grãos de café e amassou na massa, adicionando um pouco de conhaque para dar sabor e algumas nozes torradas para textura. Fazer sobremesas sempre foi um dos hobbies de Rhantolk. No passado, muitas vezes ela tomava emprestado um canto da cozinha e preparava todos os tipos de doces para uma mudança de ritmo em dias sem treinamento. Ela até se interessou mesmo nisso por um tempo. No geral, ela tinha uma boa quantidade de fé em suas habilidades.

Depois de terminar este bolo, Rhantolk estava quase certa de seu sucesso. Ela teve que lutar muito para evitar que um sorriso desleixado se espalhasse pelo seu rosto. Com expectativas de ávidos louvores, ela distribuiu porções para todas as pequenas.

Depois que todas tiveram a chance de provar a primeira mordida, rostos pouco entusiasmados encheram a sala, como se alguém tivesse estampado a exata mesma expressão em cada uma das garotas.

“Tem alguma coisa um pouco errada”, Tiat murmurou.

“Tem gosto de uma imitação.” Pannibal atingiu um ponto doloroso.

“É amargo!” declarou Collon com migalhas espalhadas pelas bochechas.

Comentários negativos unânimes. Rhantolk logo percebeu a causa de seu fracasso. O sabor que ela queria provar era diferente do sabor exigido pelas pequenas. Ela havia esquecido de levar em consideração um fato tão simples. Se ela tivesse pensado pelo menos um pouco nas pessoas que de fato comeriam sua criação, ela teria evitado tal erro de principiante. Sentindo-se um pouco sobrecarregada por sua incompetência, Rhantolk se jogou no chão.

“Ah, eu acho que está muito bom! Tem um sabor adulto!” Lakhesh levantou-se da cadeira e tentou desesperadamente defender o fracasso de bolo.

Lakhesh era mesmo uma boa garota, sempre sendo atenciosa com os outros. Rhantolk queria dar-lhe um abraço. No entanto, essa gentileza doeu um pouco no momento.

Separador de texto

Rhantolk tentou participar dos jogos com bola das criancinhas. A tendência do momento parecia ser um novo tipo de jogo desconhecido para ela, então primeiro ela teve que aprender as regras. O jogo envolvia duas equipes competindo para colocar a bola no gol da equipe adversária. Para vencer, uma equipe tinha que obter um certo número de pontos no total ou fazer com que todos os membros da equipe pontuassem pelo menos uma vez.

“Willem nos ensinou esse jogo. Ele disse que seria uma boa prática para lutar em equipe.”

Ouvir isso ligeiramente irritou Rhantolk, mas ela não deixou transparecer em seu rosto. Ela não queria que ninguém soubesse o quão consciente desse segundo técnico ela era, então ela se segurou. Em vez disso, resolveu dissipar essa frustração dominando o jogo.

No entanto, acabou por não ser tão simples. Sendo uma soldada fada adulta, as habilidades físicas de Rhantolk superavam em muito as das pequenas. Então, naturalmente, ir com tudo contra adversários com uma desvantagem inerente tão grande assim seria muito imaturo. Ela pensou que se não pegasse leve com elas, o jogo não seria divertido.

As crianças foram com tudo. E Rhantolk sofreu uma derrota miserável. O motivo era claro: uma pessoa sozinha não podia pontuar para cada membro da equipe. Além disso, força e velocidade sozinhas não ajudavam muito todos os companheiros de equipe a pontuar. Habilidades como o trabalho em equipe e a capacidade de acompanhar tudo o que acontecia de uma só vez entravam em jogo, e Rhantolk acabou não sendo páreo para as criancinhas nesses aspectos.

“A teoria é guardar os melhores pontuadores para a metade posterior do jogo. No primeiro tempo, eles podem apenas jogar na defesa”.

“Além disso, a habilidade de ajudar um companheiro de equipe a pontuar é mais valiosa do que a de pontuar por si só.”

“Espírito de luta e coragem!”

Palavras que soavam como conselhos empilhavam-se no alto da soldada derrotada. Rhantolk se jogou no chão.

“T-Tudo bem. Tenho certeza que você vai ficar boa rápido!”

Como de costume, Lakhesh tentou animá-la. Ela era mesmo uma boa garota. Mas, novamente, essa gentileza doeu um pouco.

“Que tá fazendo?” Ithea perguntou, colocando a cabeça para fora da janela da sala de jogos.

“O que estou fazendo… eu realmente me pergunto…” Rhantolk apoiou suas costas contra uma parede próxima e respondeu com uma voz exausta.

Apesar de sua personalidade, Rhantolk ainda tinha um certo orgulho de ser uma das mais velhas do armazém. Como alguém que cresceu ali e servia como guia para as pequenas, ela não podia perder para um sujeito que de repente veio do nada. Com esse raciocínio, ela declarou uma guerra silenciosa contra um certo alguém ausente, mas obviamente acabou em uma terrível derrota.

“Ainda não consegue tirar o técnico da cabeça? Não adianta lutar com alguém que nem tá aqui, sabe?”

“Não, não é isso”, Rhantolk fez beicinho e olhou para longe.

“Haha”

“… que? Eu disse algo engraçado?”

“Ah, só que isso me recordou de umas coisas. Quando ele veio aqui pela primeira vez, Chtholly teve uma reação parecida.”

Espere um segundo, não vou permitir uma coisa dessas, eu definitivamente não tenho os mesmos sentimentos por aquele técnico que Chtholly tinha, na verdade é mais como o exato oposto de nossas reações acontecerem de ser coincidentemente parecidas, então você não pode nos agrupar desse jeito…

“Entendo”, Rhantolk respondeu calmamente, reprimindo o desejo de gritar seus verdadeiros pensamentos.

Os sons de Nopht alegremente chutando a bola foram trazidos a Rhantolk em uma brisa suave. A julgar pelos gritos de guerra, Nopht rapidamente pegou o jeito do jogo e estava acompanhando as pequenas. Em outras palavras, isso fez de Rhantolk a única falha. Dominada por uma desamparada sensação de derrota, Rhantolk deslizou mais e mais abaixo na parede até sentar no chão.

“… a propósito, Ithea. Você não esteve na sala de leitura recentemente,” ela disse no lugar de um suspiro pesado.

Até o outro dia, Ithea Myse Valgulious estava enfurnada na sala de leitura e de referências, concentrando-se em algum tipo de pesquisa. Rhantolk não a viu do lado de fora dessas duas salas, exceto para comer, tomar banho ou dormir.

“Você terminou de pesquisar o que queria saber?”

“Hmm não terminei realmente, mais como o oposto…” Ithea cruzou os braços no parapeito da janela, apoiou o queixo em cima deles e soltou um longo suspiro. “Percebi que há um limite para o quanto posso encontrar aqui”.

“Para recursos relacionados a nós e Dug Weapons, se você pedir a Nygglatho, a Companhia pode enviar para cá. É algo diferente?”

Uma vez que o armazém das fadas era uma instalação de pesquisa de Leprechauns e Dug Weapons, ao menos no papel, a administração permitia que alguns fundos fossem gastos em livros especializados e afins, mesmo aqueles de relevância duvidosa. Os livros de pesquisa que Rhantolk usou quando se dedicou à língua antiga, as palavras que os Emnetwyte uma vez usaram, por pouco tempo originalmente pertenceram a Nephren, o monstro de leitura do armazém.

“O assunto em si não é o problema. Se eu pudesse comprá-los os teria imediatamente, mas aparentemente é um livro precioso com apenas cinco cópias em toda Regul Aire. Você não precisa só de dinheiro, mas também de permissão especial apenas para que lhe seja mostrado.”

“Bem… acho que não há muito o que você possa fazer então.”

“Sim. Absolutamente nada.”

Rhantolk e Ithea soltaram simultaneamente um suspiro pesado. Sendo armas, Leprechauns não tinham permissão para sair do armazém e passear livremente. Escusado será dizer que ninguém confiaria neles o suficiente para mostrar-lhes um livro tão valioso.

“Eu ainda não acho que somos iguais”, disse Rhantolk.

“Tá falando de que?”

“Chtholly e eu. Ela não desistiria tão facilmente.”

“Ah, é verdade.”

Se Rhantolk se lembrava corretamente, esse é o tipo de garota que Chtholly Nota Seniorious era. Não que fosse tão burra a ponto de não conseguir entender o conceito de impossível. Ela entendia perfeitamente bem e o aceitava. No entanto, ela era péssima em conseguir que a verdade funcionasse bem com seus sentimentos. Seu raciocínio e emoções colidiam de frente, e no final ela sempre acabava de repente fugindo para algum lugar. Rhantolk nunca viu isso como uma maneira muito inteligente de viver, mas ocasionalmente pensava que parecia uma forma divertida de viver.

Não acho que seria capaz de viver assim. Bem, não é como se eu quisesse de qualquer maneira, pensou Rhantolk, fingindo não notar a dor aguda em seu coração.

“Bem? O que você estava pesquisando afinal?”

“Hm, você quer saber?”

“Acho que sim…” Claro que Rhantolk queria saber. Só nunca encontrou o momento certo para perguntar. Após perderem suas boas amigas, ver Ithea segurar as lágrimas e silenciosamente se limitar à sala de referência, Rhantolk achou difícil se aproximar dela. “Tudo bem se eu perguntar?”

“Não é nada que valha a pena esconder. Só queria saber exatamente o que somos.”

“… filosofia, hein?”

“Não, não nesse sentido. Em um sentido mais prático… ou físico. O técnico disse que os Leprechauns existem há muito tempo, mas costumavam ser bem diferentes de nós agora”.

“Diferentes?”

“Aparentemente eram menores e não pensavam muito.”

Rhantolk olhou para o campo. Ela viu pequenas fadinhas que não pareciam estar pensando em muita coisa cobertas de lama e correndo animadamente. Além disso, Nopht se misturava perfeitamente com elas.

“Ah, diferente delas também”, disse Ithea. “Pequeno tipo pequeno o suficiente para sentar na palma da mão de um Emnetwyte. Uma vez que eram uma espécie de fenômeno natural resultante dos fragmentos da alma de uma pessoa morta que erroneamente tomavam forma física, eles eram quase como ilusões, difíceis de até serem tocados”.

“Uh…”

Leprechauns eram um tipo de fantasma, fenômenos naturais que resultavam de uma alma que não conseguiu entender sua própria morte e começou a vagar pelo mundo. Rhantolk já sabia disso. Com base nessa suposição, também fazia sentido que não tivessem um corpo estável ou senso de identidade. Parecia mais natural que tais almas aparecessem como nada mais que espíritos efêmeros, assim como os antigos Leprechauns os quais Ithea acabara de falar, e que Willem Kmetsch uma vez falou.

“A materialização de uma alma. Aparentemente, por si só não é um fenômeno tão raro assim. No entanto, a alma de qualquer animal comum é tão pequena que não pode formar nada além de uma fina névoa”, continuou Ithea.

“… isso é estranho.” Rhantolk agora estava um pouco interessada. “Então, se as fadas não são nada mais do que isso, como podemos nos explicar?”

“Sim, essa é a questão. Somos fantasmas, mas temos carne de verdade em nossos corpos… bem, não muita em alguns casos,” Ithea, olhando para a área do peito de Rhantolk.

Ei! Você tem muito menos do que eu, comparado a todas as outras fadas eu até que tenho uma boa quantia, espera, não é hora de falar sobre isso…

“Seja como for, eu examinei alguns livros de pesquisa recentes, mas eles não diziam nada muito diferente. Fadas são fantasmas e fantasmas têm uma massa física muito próxima de zero. Sua forma materializada é instável e eles tendem a simplesmente desaparecer no ar”, continuou Ithea.

“Bem… faz sentido se você pensar sobre isso. Este armazém é como um depósito para relíquias não analisadas do passado. Nós somos medonhas e podemos explodir a qualquer momento, então fomos empurradas para esta 68ª Ilha no quinto dos infernos.”

“Isso é verdade. Embora houve alguém que propôs uma nova hipótese. Ele era um gerente anterior daqui.”

Imaginando se poderia conhecê-lo, Rhantolk começou a investigar suas memórias, mas logo percebeu sua futilidade. Quase todos os gerentes enviados para o armazém cumpriram todo o seu mandato sem nem comparecer ao local. Obviamente, ela não se lembraria de nenhum deles. Apenas um rosto surgiu com a menção do título de gerente do armazém das fadas, ou segundo técnico de armas encantadas.

“Ele disse que se a alma de qualquer animal comum é muito pequena, então assumir que o ser original devia ter uma alma ridiculamente grande resolve a contradição e explica a existência dos Leprechauns”, explicou Ithea.

“Hein?” A reação inicial de Rhantolk saiu de sua boca. “Que tipo de raciocínio é esse? Mesmo que a contradição desapareça, qualquer senso de credibilidade acabou de voar pela janela.”

“Quero dizer, estamos falando de almas e fantasmas. Não faz sentido discutir se é realista ou não neste momento.”

“Estamos falando de nós e nós somos reais! Claro que precisa ser realista”.

“Bem”, disse Ithea com uma risada alegre. “Somos fantasmas e monstros… em outras palavras, estamos trabalhando com a suposição de que não somos reais”.

Mas…

“Se você diz… então não há sentido algum para tudo isso, não é?”

“O breve sonho de uma criança que morreu jovem. Isso é o que somos. Não há motivos para desviar nossos olhos desse fato.”

Isso… pode ser verdade, mas…

“A propósito, a minha… uh, a vida passada de Ithea também foi um Leprechaun. Ela viveu aqui há cerca de dez anos, brandiu a Dug Weapon Pacem, e morreu aos dezoito.”

“… o quê?” Rhantolk olhou para Ithea, apenas para ver seu habitual sorriso difícil de ler.

“E essa hipótese que acabei de mencionar não contradiz com as minhas memórias. Se um Leprechaun é o fragmento de uma alma gigantesca, então preenche as condições para servir de ingrediente para um novo Leprechaun”.

“Ithea…”

“Ah, mantenha isso em segredo de todas as outras, ok? Eu vivi por um tempo relativamente longo, mas só contei isso para você e Chtholly,” Ithea disse, então riu sua risada habitual.

Rhantolk pensava que talvez Ithea tivesse esquecido a expressão apropriada para fazer em tempos como estes.

“Claro, não podemos pular para a conclusão de que todas as nossas vidas anteriores foram Leprechauns. Mesmo se toda reencarnação resultar na mesma espécie, deve haver algo diferente se você voltar longe o suficiente. O que quer que esteja lá, é isso que eu queria saber.”

Rhantolk não conseguia pensar em nada para dizer de volta.

“Bem, desde que não fui muito longe, não há mais nada a dizer. Se o técnico ainda estivesse por perto, aposto que poderia me dar alguns conselhos, mas ele não está. Eu originalmente comecei a pesquisar para ver se havia alguma forma de ajudar Chtholly. Como pode ver, eu não consegui a tempo, então agora não há muito sentido.”

Ithea riu novamente. Desta vez, no entanto, em vez de uma máscara que escondia todas as suas verdadeiras emoções, foi um sorriso melancólico, que quase fez Rhantolk querer chorar só de olhar para ele.


Parte 6 – Expedição Terrestre de Emergência

O rugido de um reator de feitiço e o som sibilante de hélices ecoavam ruidosamente ao fundo. O ar, perturbado pelas lâminas giratórias, explodia descontroladamente de todas as maneiras. Enterrada em uma camada de nuvens em forma de seda fina, muito acima das planícies arenosas, uma aeronave pairava no lugar.

As caixas de madeira que eles jogaram para propósitos de observação alcançaram a superfície sem nenhum problema. Ao puxá-las de volta com cordas e verificar as leituras, a tripulação não encontrou anormalidades. Em outras palavras, a área diretamente abaixo deles ainda não havia entrado em contato com a Chanteur, que instantaneamente reduzia qualquer ser que se aproximasse a areia.

“Nenhum vestígio em lugar algum… a este ritmo não podemos descartar o boato de que a Chanteur de repente colapsou e morreu”, um jovem Borgle murmurou enquanto coçava sua careca. “Na verdade, eu realmente espero que o boato seja verdade. Se ainda estiver viva e se esgueirar para algum lugar, não saberemos quando poderá atacar novamente.”

“Hehe. Superar a ansiedade e o medo com razão e tecnologia é o que significa ser uma forma de vida inteligente”, disse um Gremian, agitando os dedos. O ombro de seu uniforme do exército exibia a insígnia de um primeiro técnico. “Colocamos caixões de pólvora em uma ampla área ao nosso redor. Eles foram especialmente encomendados, projetados para produzir um grande som em caso de danos causados ​​por algo mais que um simples impacto. Aquele poder de desintegração da tal Chanteur ou o quer que seja é ativado o tempo todo, certo? Então, se essa coisa aparecer, vai definitivamente detonar um de nossos caixões. Tudo o que temos a fazer é tranquilamente nos afastar se ouvirmos um barulho.”

“Isso com certeza parece conveniente, mas e se o inimigo se arrastar bem embaixo de nós?”

O Gremian, que estava orgulhosamente estufando o peito, vacilou. “… essa Besta escava por baixo da areia?”

“Bem, eu não sei, mas quando se trata desses caras, não me surpreenderia se pudessem. A Chanteur é especialmente envolta em mistério”.

“N-Não podemos esperar estar preparados para isso também. A tecnologia existe para responder a problemas que entendemos concretamente”.

“Se você diz, por mim tudo bem.” A aeronave lentamente começou sua descida. Colocando os óculos de proteção, o Borgle olhou para as planícies cinzentas que se estendiam abaixo. “Os problemas não vão apenas vir e gentilmente apresentarem-se a nós. Se a situação nos pegar desprevenidos, aquele em pânico vai ser você.”

“Ah…” O Gremian provavelmente queria dizer algo em troca, mas há poucos meses atrás, ele havia sido pego completamente desprevenido pela situação e expôs publicamente um lado vergonhoso de si mesmo. Refletindo sobre essa experiência, ele ficou em silêncio.

“Seja como for, não baixe a guarda. Não vou te dizer para se preparar para qualquer resultado possível, mas pelo menos esteja pronto para agir.”

“… eu farei o meu melhor”, o Gremian resmungou amargamente.

Parece que ele está melhorando, o Borgle, Grick Graycrack, pensou.

Até recentemente, esse primeiro técnico não era o tipo de pessoa que prestava atenção às palavras dos outros. Agora, Grick ainda podia ver alguma resistência nele, mas as palavras de Grick pareciam ao menos entrar em um ouvido e continuar por lá, em vez de sair direto pelo outro. A julgar pelo fato de que o Gremian aceitou o papel de comandante desta expedição, Grick imaginou que os eventos daquele dia deviam ter sido uma profunda experiência de aprendizado para ele.

Naquele dia, quando um grande enxame de Timere atacou e quase afundou o Plantagenista, eles perderam muito. Perderam muitas vidas, sofreram muitas feridas e, mais do que tudo, depois de ver aquelas garotas lutando, perderam o precioso patrimônio conhecido como ignorância.

O tempo todo eles tinham sido protegidos. Seus dias pacíficos foram pagos em sangue por aquelas fadas. Eles tinham vivido em cima dos cadáveres daquelas garotas que morreram às dezenas sem pensar duas vezes. Uma mistura de culpa e desamparo encravou-se profundamente em seus estômagos. Uma vez que soubessem, nunca poderiam voltar à ignorância.

Grick agora entendia dolorosamente bem porque a Guarda Alada mantinha em segredo os Leprechauns e as Dug Weapons. Quanto menos pessoas tivessem que carregar essas emoções, melhor. Mesmo ele, como alguém apenas sendo protegido, sentia isso. Ele não podia nem começar a imaginar o que Willem, aquele impotente Emnetwyte que desejava proteger aquelas garotas, sentia.

“… isso é estranho.” Algumas anormalidades chegaram à vista de Grick enquanto ele olhava para a superfície.

“O-O que é? Uma Besta?”

“Não.” Grick balançou a cabeça. Definitivamente não eram os traços de uma Besta. Na verdade, parecia o oposto: pequenas pedras empilhadas em círculo, madeira queimada e caixas de madeira espalhadas à sombra de uma pedra. “São os restos de um acampamento.” Tais traços bem preservados nas planícies revoltas significavam que não poderiam ser muito antigos. “Parece que alguém farejou o desaparecimento da Chanteur e desceu antes de nós. Eu não sei quais coletores poderiam ter sido, mas devem ter um olfato aguçado.”

“O que?” O Gremian apertou seus pequenos olhos sem sucesso. A visão deles não era tão eficaz em distâncias como a dos Borgles. “Você não acha que eles mexeram nas coisas, não é?”

“Me pergunto.” Grick tirou o par de binóculos pendurados no pescoço e os entregou. O Gremian pegou-os sem uma palavra de agradecimento e olhou para baixo, quase se inclinando para fora da janela.

“As Ruínas K96-MAL. Vestígios de Emnetwytes tão bem preservados são certamente raros, então é um ponto muito bom para os coletores… mas…” Grick cruzou os braços e franziu as sobrancelhas — ou melhor, apenas franziu a testa já que ele não tinha sobrancelhas. “Agarrar a oportunidade rápido desse jeito logo após ouvir que uma Besta desapareceu… parece um pouco estranho.”

“Você está dizendo que as verbas não compensariam?”

“Não, não é isso… bem, na verdade…” Grick começou a negar, mas, pensando bem, percebeu que o Gremian tinha razão.

Para os coletores, apenas descer para a superfície por si só era uma aposta enorme. Atravessar a barreira envolvendo Regul Aire custava bastante. O combustível e alimentos necessários para uma viagem de ida e volta também não eram baratos. Caso contratassem alguém de fora do grupo, precisariam lidar com o possível risco. Alguns contratos exigiam que os coletores entregassem dinheiro de antemão a um escritório especializado para pagar à família do falecido se algo acontecesse.

É claro que, mesmo depois de desembolsar grandes somas de dinheiro para chegar lá, a renda não era garantida. Não havia como saber o que você encontraria — esse era o romance que os coletores buscavam, mas ao mesmo tempo também a dura realidade. Algumas viagens renderam tesouros espetaculares, e outras não renderam absolutamente nada de valor. Escusado será dizer que as estatísticas favoreciam esta última.

Então, por causa de tudo isso, todos os coletores, incluindo Grick, tinham personalidades bastante peculiares. Eu poderia encontrar algo bom… talvez. Algo bom pode acontecer… talvez. Mesmo quando confrontados com informações tão incertas como essas, eles entusiasticamente sentiam a necessidade de descer e verificar por si mesmos. Qualquer um que se intitulasse coletor tinha esse mau hábito, mas…

“Eles se moveram rápido demais. O fato de que vieram antes de nós significa que eles estavam observando esta área com mais força até do que vocês da Guarda Alada”, disse Grick.

“Hm?” O Gremian não parecia estar entendendo.

“Isso custaria uma bolada. Neste negócio, onde você não tem ideia do que vai encontrar, atirar fundos tão repentinamente assim não é natural.”

“Hmmm?”

“Em primeiro lugar, vir aqui logo após a Besta ter desaparecido por si só é estranho o suficiente. Risco enorme e sem retorno. Tudo o que eles conseguiram foi surrar os outros coletores daqui… ah, entendo. Eles passaram por todos esses riscos e custos precisamente para dar o primeiro passo. Em outras palavras, eles acreditavam que poderiam recuperar suas perdas… ”

“Hmmmmm?” A pequena palma do Gremian deu ao Borgle um forte tapa nas costas.

O impacto levou Grick para frente, quase empurrando-o para fora da janela. “Au!?”

“Você me deixa para trás e vai para o seu próprio mundinho. De qualquer forma, esqueça isso. Está preparado?”

“… preparado?”

“Para descer é claro. Nós não podemos simplesmente ficar de braços cruzados aqui e assistir para sempre. Voamos todo esse caminho mais uma vez para voltar à terra.”

Ah, isso mesmo, lembrou-se Grick. As Ruínas K96-MAL. Um lugar onde muitos Emnetwyte viveram, agora nada mais do que uma aldeia adormecida. Nós temos negócios aqui.

“Oh, acho melhor verificar antes de fazermos isso. O que você acha, assessor? Você acha que está tudo bem em irmos até lá?”, Perguntou o Gremian.

“Nn… a-ah. Parece que está. Não vejo problemas no momento.”

“Entendido. Diga ao gestor de sistemas: recolha a segunda e a sexta ala de controle e prepare-se para a descida! Desligue o reator de combustão auxiliar por ora, mas deixe-o pronto para reativação a qualquer momento!” Gritando para os tubos de transmissão de voz, o pequeno Gremian correu pelo corredor estreito.

Na verdade, ter seu aconselhamento solicitado foi algo bastante desconfortável, mas Grick manteve isso para si mesmo. Ele olhou para a superfície.

“… Hã?’

Ele viu um ponto vermelho. Esforçando seus olhos não ajudou muito, então ele colocou seu par de binóculos nos olhos. Agora ele podia ver claramente: era uma menina jovem com um grande pedaço vermelho de tecido enrolado em volta do corpo.

“…… Hã?”

Grick inclinou a cabeça em confusão. Ele tirou os binóculos, checou para ter certeza de que eles não estavam quebrados, então olhou mais uma vez para a garota caminhando pela terra.

“… A-A garota do cabelo cinza!?!?”


CAPÍTULO ANTERIORÍNDICEPRÓXIMO CAPÍTULO

Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume 5 – Capítulo 1 (PT-BR)

Capítulo 1

Para quem é essa bravura?


A longa jornada teve um grande impacto em suas memórias. A terra natal deles se distanciava cada vez mais e suas lembranças dela se tornavam cada vez mais frágeis. A passagem das eras já não detinha mais noção de tempo significativa para eles.

Eles partiram em sua jornada por causa de alguma guerra ou desastre, cujos detalhes só podiam lembrar vagamente. Expulsos de sua terra natal, eles navegaram através da miríade de estrelas em um barco. Eles visitaram muitos mundos ao longo do caminho, apenas para deixá-los logo depois.

Por fim, perceberam que haviam perdido o caminho de volta para casa. Olhar para trás, apenas revelava um vasto mar de escuridão, sem nenhum traço do rastro de seu navio. E no exato momento em que a grave verdade se instalou, o desejo deles de voltar para casa inchou em seus corações pela primeira vez. Mas esse desejo, não tendo caminho para a realização, logo se tornou nada mais do que uma fantasia selvagem.

Tudo o que podiam fazer era simplesmente continuar a relembrar, esperar e rezar. Eles não tinham mais nenhuma lembrança de sua cidade natal. Para compensar isso, eles leram e releram os registros antigos esculpidos nas paredes de seu navio e ansiavam pelas visões inspiradas por essas palavras.

Suas vidas desconheciam o fim conhecido como morte. Depois de uma eternidade de perambulação, eles finalmente desistiram de encontrar sua casa. Em vez disso, construíram um jardim em miniatura, modelado de acordo com sua terra natal, para dormir pela próxima eternidade.

E assim terminou uma história, mas outra começou.

Esses viajantes das estrelas mais tarde ficaram conhecidos como os Visitantes.

Separador de texto

Lillia Asplay havia se preparado de antemão, mas ouvir o discurso de seu mestre provou ser muito mais doloroso do que ela esperava.

“Então esta é a verdadeira história da criação do mundo? Isso soa como uma espécie de fantasia delirante que um adolescente inventaria! Vamos lá, você não acha que é um pouco velho demais para isso, mestre?”

“Esse é o tipo de atitude que o atual Regal Brave deveria ter? Em primeiro lugar, nunca digo uma mentira.”

“Eu sei, eu sei, só que é meio difícil ouvir isso com uma cara séria.”

Com um leve sorriso, Lillia tomou um grande gole de hidromel.

Os dois estavam sentados em um bar barato localizado em algum canto do 6º Distrito da Capital Imperial. Apesar de ser tarde da noite, as lamparinas do bar brilhavam como sempre, e os cigarros e a carne crepitante produziam fumaça suficiente para ofuscar a visão de Lillia. O lugar não podia ficar mais longe da limpeza e da elegância, mas a comida em si mais do que satisfazia seu estômago. Por sua escolha de restaurante, Lillia acrescentou um ponto à reputação de seu mestre em sua cabeça.

“Seja como for, de acordo com a sua história, os Visitantes enterraram suas almas neste mundo de jardim em miniatura que eles criaram? A palavra “alma” parece bastante duvidosa e ocultista para mim, mas deixarei isso pra lá por enquanto.

Depois disso, apenas dois Visitantes foram deixados vivos. Um deles é Elq Harksten, o que vamos matar amanhã. E o outro–” Lillia apontou o garfo para a frente, para seu mestre sentado do outro lado da mesa. “– é o nosso próprio “Estrangeiro” Nils.”

“Não aponte para as pessoas com utensílios. É rude.”

“Bem, você é um deus, não uma pessoa.”

“Também não aponte para deuses com utensílios. Ainda é rude.”

Lillia girou o garfo e enfiou a carne ainda presa na ponta em sua boca. Os sucos transbordantes e as marcas esturradas na superfície combinaram-se para produzir um sabor verdadeiramente de outro mundo. Virando-se, ela gritou para a cozinha: “Isso é bom, coroa! Mais um prato!”

“Além disso, sou completamente diferente de Harksten e dos outros. Nossas pátrias e as jornadas em que embarcamos foram diferentes. Só aconteceu de eu vir parar no mesmo mundo que eles.”

“Como um ser humano normal deste mundo, isso não parece ser uma grande diferença.”

“Eu não sou tão divino como Harksten e os outros. Não sou onisciente ou onipotente. Eu tenho magia estrangeira, mas ela vem com limites estritos de uso. Mais duas vezes e vou ter que me despedir desse mundo. Embora, é verdade que sou especial. Eu sou super forte, super inteligente e super bonito. Mas não posso ser mais nada além disso.”

Eu pensei que você nunca contasse uma mentira, Lillia pensou em dizer, mas decidiu guardar para si. Infelizmente, seu mestre, Nils D. Foreigner, era mesmo muito forte e inteligente. Ela não podia realmente comentar sobre a última parte, mas, bem, talvez algumas pessoas o tenham visto assim. Afinal de contas, a beleza assume muitas formas, e quem Lillia era para julgar.

“Então, temo não ser de muita ajuda na próxima batalha de vocês. Eu vou deixar você Braves serem o centro das atenções enquanto eu limpo algumas coisas chatas nos bastidores.”

“… entendo.” Lillia mastigou alguns vegetais. “Essa coisa chata está relacionada a Mundo Verdadeiro?”

“Sim, algo assim”, Nils respondeu vagamente, em seguida, esvaziou a garrafa de cerveja em sua frente. “Sabe, a princípio, eu a criei como uma sociedade secreta cujo único propósito era proteger a humanidade. Até passei dois anos pensando cuidadosamente em um bom nome.”

“Hã?” Dois anos? Dois anos para isso!?

“Mas depois a deixo pra lá por apenas oitenta anos e veja que confusão se tornou.”

“Hããã?” Apenas oitenta anos! Acho que isso que é ser um imortal…

“Depois de fazer isso e aquilo por tanto tempo, o tempo começou a se esgotar. A destruição da humanidade agora está se aproximando na escala de segundos. Mas como se o grupo já não fosse uma bagunça suficiente, houve uma divisão interna e estamos sendo forçados a trabalhar em sigilo. Não podemos fazer muito nesse estado, mas entrei em contato com os líderes e lhes dei algumas ordens diretamente. As pistas que te levaram até mim provavelmente foram daquela vez.” Nils fez uma pausa e estreitou os olhos.”Lillia. Você acredita em mim até este ponto?”

“Bem, eu realmente não quero acreditar, mas você não está mentindo, certo?” Um aceno de cabeça. “Nesse caso, existem duas possibilidades. Ou você enterrado até o pescoço em seus delírios malucos, ou tudo que disse é verdade… pessoalmente, eu realmente prefiro a primeira, mas…” Lillia suspirou. “Se eu fizer isso, você provavelmente vai chorar, e isso seria muito irritante também”.

“Esse jeito de falar… você e Willem são mesmo parecidos.”

“Isso porque nós dois somos como você, mestre. Você é responsável por contaminar nossas mentes jovens e inocentes.”

“Ei, você que queria ser minha discípula, eu não te convidei”, reclamou Nils, mas Lillia não parecia estar ouvindo. “Bem, deixando isso de lado.” Depois de enfiar um pedaço de alguma coisa, se era carne ou gordura, ele não sabia dizer, em sua boca, Nils endureceu sua expressão. “Lillia. Não vá para a batalha de amanhã.”

“Não fale de boca cheia.”

“Nn? Ah.” Nils fez uma pausa para engolir. “Lillia. Não vá para a batalha de amanhã”, repetiu ele. “Elq Harksten ainda é jovem. Ela não tem consciência para declarar um expurgo da humanidade por si mesma. Um dos Poteaus deve estar por trás de sua ofensiva… suponho que seja Jade Nail.”

“Como você sabe?”

“Eu o conheço há tanto tempo quanto os humanos existem.”

Eeeh?

“Eu também não o vejo há tanto tempo quanto os humanos existem.”

Eeeeh?

“A destruição do mundo está próxima”, Nils continuou assim que começou uma nova garrafa de cerveja. Lillia sentiu que a bebedeira dele estava um pouco mais rápida do que o normal, mas aparentemente, com um corpo imune a todos os venenos, ele não conseguia ficar bêbado. “Para pará-la, precisamos do cadáver de um Visitante. Ou mais precisamente, sua alma. Depois disso, precisamos do conhecimento e das habilidades para processar a alma e estabilizar a maldição original. Se não tivermos tudo pronto em breve, a humanidade irá devastar este mundo num futuro não muito distante”.

“Por quê?”

“Vai demorar muito para explicar. Apenas aceite isso por ora. Então, de qualquer maneira, o raciocínio do Poteau é bem simples. Eles não querem que ninguém prejudique a preciosa alma de Elq, então eles vão esmagar a humanidade primeiro.”

“Espere um segundo”, Lillia cortou seu mestre. “Isso soa como uma situação de perder ou perder. Se vivermos, o mundo é destruído. Se morrermos, então a humanidade já era.”

“Não necessariamente. Eu tenho o conhecimento e as habilidades para trabalhar na maldição. Já terminamos de construir secretamente instalações para processar a alma sob alguma cidade. Tudo o que resta é uma alma de Visitante…”

“Eu me recuso”, disse Lillia bruscamente.

“… eu nem terminei de falar ainda.”

“Eu posso dizer para onde isso está indo. Se eu puder matar Elq, então tudo vai dar certo. Ou você conversou com a Igreja, ou um dos nossos camaradas está com a Mundo Verdadeiro. Seja como for, você recupera a alma e faz o que quer que seja com essa maldição. Eu suponho que esse era o plano original.

Mas desde que me disse para fugir, isso significa que agora você está planejando pegar a alma de algum outro lugar. Provavelmente porque aconteceu de eu aparecer hoje à noite e suas emoções ficaram no caminho.” Lillia pegou a garrafa de cerveja de Nils e a esvaziou. “Você vai usar sua própria alma, não é? Como esse não era o plano original, acredito que as chances de sucesso não sejam muito altas. ”

Sem resposta. “Eu não vou deixar isso acontecer. Como o Regal Brave, é meu trabalho sacrificar-me pelo mundo. ”

“Lillia…”

“Eu sei. Eu não poderei derrotar os Visitantes sem usar a Seniorious em sua força total. Matá-los provavelmente não será um problema, mas a probabilidade de eu voltar para casa em segurança é de quase zero.” Lillia sorriu. Ela tinha confiança em sua habilidade de atuação. “Mas o mais importante, se eu ir com tudo, posso definitivamente vencer. Minha vida e determinação não serão desperdiçadas.”

“Não há motivo para você lutar tanto”, disse Nils com um rosto amargo. Lillia lembrou-se com carinho de ouvir isso uma vez antes, de um certo colega discípulo sem talento em algum campo de batalha anos atrás. “Você carrega a tristeza de perder sua terra natal, mas não tem raiva. Você não assumiu o destino de um Brave ou o peso de um Carillon por seu próprio desejo.”

“É verdade.” Exatamente como na vez anterior, Lillia assentiu em concordância, mas suas próximas palavras foram diferentes. “Mas não há nada que eu possa fazer sobre isso. Se eu fugir, Willem ainda insistirá em lutar, mesmo que sozinho. E ele realmente iria sozinho, sabe?”

Lillia pegou uma batata frita e jogou na boca. Enquanto mastigava, ela começou a declarar o que havia percebido há algum tempo.

“Os Regal Braves são fortes. Nenhuma técnica marcial nem magias podem tocá-los. Nenhum monstro é páreo para eles. Então, se eles lutam, eles sempre ganham. Por que isso?” Nils ficou em silêncio. “Todos os Regal Braves têm um passado trágico similar. Eles carregam juramentos semelhantes e desejos semelhantes. Sem essas circunstâncias, uma pessoa não pode se tornar um Regal Brave. Somente aqueles com um passado saído de uma história podem alcançar a vitória certa similar às histórias. Eu não entendo o raciocínio por trás disso. Estou simplesmente declarando minhas impressões sobre os Regal Braves, mas tenho confiança de que estou certa–

Basicamente, Regal Braves não são nada mais que cópias da vida de um herói protótipo que uma vez existiu.”

Nils continuou em silêncio.

“Nós não estamos vivendo nossas próprias vidas. Estamos apenas seguindo alguém cuja vida foi conveniente para todos, com pequenas modificações. Para derrotar um inimigo que apenas um “herói” pode derrotar, tudo o que precisam é de alguém que tenha vivido uma vida semelhante a um “herói”.

Portanto, nós, como colegas “heróis” somos parecidos, empunhamos um poder maior do que qualquer outro, assim como o “herói” já fez. Assim como ele, quando lutamos, sempre vencemos. E…”

Ah não. Lillia sentiu o perigo se aproximando: seus olhos estavam ficando mais quentes. Ela decidiu que não iria mais chorar. Ela decidiu que sempre esconderia suas verdadeiras emoções, que sempre seria aquela garota chata que nunca se abre para ninguém. Ela jurou para si mesma, mas… mas… ela não conseguia parar.

“Assim como o “herói” costumava… nós nunca seremos capazes de salvar as pessoas que queremos salvar de verdade… nós nunca seremos capazes de regressar para o lugar que desejamos… não é verdade, Regal Brave da 18ª Geração, Nils Didek Foreigner?”

Nils, o homem sentado do outro lado da mesa, que viveu uma vida muito mais complicada e problemática do que Lillia, desviou os olhos. “Não é exatamente uma regra nem nada.”

“Você acabou de dizer isso antes, sabia?” Lillia deu um sorriso vago. “Embora não seja uma regra expressamente declarada, você ainda não pode negar que as coisas geralmente acabam desse jeito.”

Sem resposta.

“Bem, estou contente. Minha determinação não foi em vão. É verdade que não sinto raiva alguma por ter meu país de origem e pais roubados de mim, e que não acho que meu destino como um escolhido por um Carillon seja tão importante, mas, ainda assim, não é como se eu não tivesse motivo algum para jogar minha vida fora lutando”.

Chegou ao ponto em que ela não podia mais tentar escondê-las, por isso Lillia usou os dedos para enxugar levemente as lágrimas. Então, ligeiramente entretida com seu próprio comportamento inapropriado, ela soltou uma risada quieta.

“Willem tem um lugar para onde quer voltar. Ele tem pessoas que quer salvar. Eu sou diferente. E acho que você também é, mestre.” Com uma voz trêmula, Lillia orgulhosamente declarou: “Eu nunca vou deixar Willem se tornar um Regal Brave. Isso é motivo suficiente para eu lutar. Eu continuo com o título de Regal Brave apenas por esse propósito e, amanhã, vou derrotar os Visitantes apenas por esse propósito.”


CAPÍTULO ANTERIORÍNDICEPRÓXIMO CAPÍTULO

Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume 4 – Capítulo 5 (PT-BR)

Capítulo 5

O que você está fazendo no fim?


Ithea Myse Valgulious é uma garota bastante suspeita. Ela sempre usa aquela risada artificial para esconder suas verdadeiras emoções. Quando seus amigos se machucam, ou até mesmo quando ela os perde de uma vez por todas, ela nunca remove aquela máscara vaga de um sorriso.

Como resultado, muitas das pequeninas que não a conhecem direito a confundem com alguém de sangue frio. Por ela continuar sorrindo, não importa o que aconteça, elas têm a impressão de que no fundo ela não se importa com ninguém além de si mesma.

Agora, essa mesma Ithea estava na sala de leitura, fazendo algumas pesquisas. Ela puxou livros grossos das prateleiras, estendeu-os sobre a mesa, folheou as páginas, abaixou a cabeça, murmurou “não”, depois os colocou de volta.

“Eu sabia desde o começo, mas o que que você pode aprender com essas coisas é mesmo limitado”, ela disse com um suspiro.

“Você quer saber de algo que não pode aprender aqui?” Rhantolk de repente disse por trás, fazendo Ithea pular com um grito. “Livros de teologia? Você não parece o tipo que lê essas coisas.”

“O-O-O que você está fazendo aqui Rhan? Não me surpreenda por trás desse jeito!”

“Como eu deveria vir pela frente quando você está com o rosto na mesa?… você parece bem imersa nesta pesquisa. ”

“Ah, haha, embora pareça que não estou chegando a lugar algum.” Ithea disse com uma risada enquanto coçava a parte de trás de sua cabeça.

“… meu quarto fica bem ao lado do seu.”

“Hã? Ah, sim, tem razão.”

“Eu admiro sua força para nunca chorar na frente dos outros, mas, se for fazer isso em seu quarto, por favor, mantenha o volume um pouco abaixado. Essas paredes são muito finas, então eu posso ouvir.”

“Sério!?” Ithea parecia genuinamente em pânico, uma visão que Rhantolk não via há algum tempo. “Uh… ah, vou tomar mais cuidado daqui em diante, então apreciaria se você pudesse esquecer que ouviu alguma coisa…”

“Eu não ia contar a ninguém de qualquer maneira. Não vou deixar todo esse esforço que você põe em sua máscara de riso ser desperdiçado.”

Chtholly e Nephren.

Pouco mais de meio mês se passou desde que elas perderam duas companheiras — não, duas amigas. Todas sabiam que já era hora de superar. Elas sabiam, mas isso se provou ser muito difícil.

Além disso, Rhantolk ouviu que, até recentemente, um homem chamado Willem Kmetsch também morava no armazém. Só de andar, ela encontrou vestígios dele em todos os cantos, quer ela quisesse ou não. Um cabide para um uniforme masculino do exército. Uma navalha para barbear pelos faciais. Botas grandes. Frascos de especiarias. Alguns novos pontos-chave foram adicionados à lista de regras de banho. Na parte inferior do menu da lanchonete, um novo item “Sobremesa do dia” foi adicionado e depois riscado.

O armazém das fadas era o lar delas. O lugar onde pertenciam. Seu berço efetivo. No entanto, nos dois meses que se passaram, um completo estranho apareceu e transformou este lugar precioso. Por que elas tinham que suportar sentimentos de alienação e desconforto no único lugar no mundo que lhes trazia paz e nostalgia?

Rhantolk não pôde aceitar. Aquele homem foi o inimigo delas o tempo inteiro.

“Você conheceu e conversou com ele, não foi?”, Perguntou Ithea. “Você deveria ter sido capaz de dizer que tipo de pessoa ele é. Ele não pode esconder nada para salvar sua vida.”

“Infelizmente, só vi os lados habilidosos e devotos dele.” Rhantolk sacudiu a cabeça. “Receio não conseguir tirar conclusões sobre tais informações preconceituosas”.

“Você é mesmo um incômodo… bem, eu sempre soube disso.”

Cale-se.

Separador de texto

“Os melhores sempre morrem primeiro. É o que Grick falou,” disse Nopht, tirando as mãos do velho piano em sua frente.

Desde que Chtholly levou Desperatio para baixo junto com ela, Nopht agora era temporariamente uma fada sem espada. Além disso, em uma nota talvez não relacionada, desde aquele dia, há meio mês, ela não tinha cortado o cabelo. Estava lentamente começando a alcançar o das outras garotas.

“Então, tenho certeza que aquele Emnetwyte deve ter sido um cara legal.”

“Essa lógica é cheia de buracos, mas, considerando que Ithea e eu somos as únicas usuárias compatíveis restantes, é bastante persuasivo”, disse Rhantolk.

“Ei, conte com Tiat também.”

“… oh, tem razão.”

Para ser honesta, Rhantolk só via Tiat como uma fadinha que nunca fez nada além de correr atrás de Chtholly. Ela nem sequer pensou no fato de que Tiat um dia lutaria ao lado delas. Mas, no final, a vida é assim. O tempo nunca para de se mover e nada para de mudar. Aqueles que ficam parados são deixados para trás ou empurrados pela corrente que nunca para de fluir.

“Além disso, eu não estou acabada ainda. Minha vida foi salva e não vou desperdiçá-la”, disse Nopht assim que começou a tocar outra música.

Uma melodia de ritmo alegre e ligeiramente rápido soou do piano. A música refletia o humor do Nopht? Ou ela a escolheu para tentar fazer Rhantolk se sentir melhor?

“Parece que desistir do passado e viver uma nova vida seria muito mais fácil”, resmungou Rhantolk, depois deitou a cabeça na mesa e apreciou a música confortável.

Separador de texto

Em uma vasta planície cinzenta, Willem abriu os olhos.

“… uuh…”

Ele rapidamente fechou-os novamente. Seus sentidos pareciam estranhos. Ele não conseguia ver corretamente. Nem podia ouvir, sentir ou fazer qualquer outra coisa corretamente. Era quase como se seu corpo tivesse se transformado em uma criatura completamente diferente. Seus sentidos e consciência não pareciam estar trabalhando muito bem uns com os outros. O desconforto quase o fez querer vomitar.

… não, não “quase como”. Eu fui transformado.

Em algum lugar no fundo de sua mente, um objeto semelhante a chamas queimava continuamente. Era raiva. Era ódio. Um misterioso e aterrorizante desejo de dizimar qualquer coisa cheia da força desprezível conhecida como vida.

Ah, então é isso que as bestas carregam. Ele agora entendia por que elas destruíram o mundo.

Ainda havia pessoas que não foram abatidas, coisas que ainda não foram esmagadas em pedacinhos. Esse mesmo fato ocupou a vanguarda de sua mente como um pecado imperdoável. Elas não eram nada além de partículas de imundície na grande mãe terra cinzenta. Elas não poderiam ser autorizadas a existir. Elas precisavam ser expurgadas.

Este impulso foi, sem dúvida, esculpido em algum lugar no fundo de seu ser. Se ele quisesse resistir, o único jeito seria se prender em um sonho.

Lentamente, ele abriu os olhos mais uma vez.

Ele levantou-se.

As planícies de areia cinzenta espalharam-se eternamente sob o céu estrelado.

Ao mesmo tempo, sentimentos de alegria e serenidade por finalmente voltar para casa se espalharam de seu coração.

Envolta na escuridão da noite, cercada por vastas extensões de cinza, uma Besta emitiu seu primeiro urro.

『FIM DO VOLUME 4』


CAPÍTULO ANTERIORÍNDICEPRÓXIMO CAPÍTULO