Capítulo 2
A Princesa Heroína do Reino Caído
Parte 1 – ~Lillia Asplay~
Lillia Asplay sabe o que é o vazio. Isso porque há quatro anos, quando tinha dez anos, ela o experimentou.
Lillia era uma garota obediente.
Ela ouvia o que os adultos lhe diziam e sorria quando eles queriam, o que era tudo que exigiam dela.
Ela era a princesa do Reino Cavaleiro de Dionne e décima quarta herdeira do trono. Um reino pequeno e idílico, Dionne não tinha interesse nem preocupação com coisas como conflitos ou disputas de poder. Por causa disso, o reino existia sobretudo como um símbolo impecável da paz.
Aqueles que representavam Dionne tinham que ser igualmente puros, e por isso Lillia foi treinada para ser uma boneca que não faria nada além de sorrir docemente. Esse era um dever que a garota, quieta mas inteligente, compreendia e aceitava desde a infância.
Se isso agrada os adultos ao meu redor, então por mim tudo bem, ela pensou. Vou sorrir o máximo que puder.
Seria um mal-entendido chamar essa vida de insuportável. Embora seus pais estivessem ocupados todos os dias, eles ainda dedicavam seus corações e almas à filha. Os nobres que viviam no castelo e os cavaleiros da Ordem eram todos boas pessoas. O sorriso de Lillia não era apenas uma atuação; na maior parte das vezes, ele era muito natural.
No entanto, quando tinha nove anos, seu mundo se transformou completamente.
Existia um tipo de monstro conhecido como Elfo Sombrio. Embora eles se assemelhassem a nada mais do que madeira morta apodrecida, sua velocidade e capacidade de trabalhar em grupos faziam sua aparência despretensiosa mais do que uma piada de mau gosto. Eles pertenciam ao tipo “espiritual” de monstro graças ao seu alto grau de conhecimento e habilidade mágica — embora não existam provas concretas de que sejam capazes de se comunicar com humanos. Os elfos sombrios se desenvolveram no passado, transmitindo entre si história e tecnologia que remonta aos tempos antigos. Consequentemente, dentro das forças armadas, eles passaram a ser chamados de “Raça Fantasma”. Eles raramente se aventuravam para fora de seus domínios, a Floresta Túrbida, mas ocasionalmente se reuniam e atacavam a civilização humana para expandir seu território.
Um dia, Dionne foi atacada por centenas de elfos sombrios.
Eles atacaram antes do nascer do sol, invadindo as terras do reino como uma praga. A fumaça normalmente emitida das casas civis foi substituída por chamas ardentes; os elfos sombrios usaram suas magias de outro mundo para queimar a capital até o chão. Embora houvesse milícia e cavaleiros posicionados em toda a cidade como precaução, os soldados que agora se encontravam enfrentando um inimigo inimaginavelmente poderoso puderam conter os monstruosos elfos sombrios tanto quanto um ancinho poderia empurrar água morro cima.
O reino desapareceu.
Lillia foi um dos poucos sobreviventes, escapando por uma passagem secreta com um oficial leal.
A história de seu passado tornou-se bastante conhecida por todos que a ouviam: Foi quando Lillia Asplay perdeu tudo o que tinha.
De uma perspectiva, isso não estava errado. Ela havia perdido muito naquele tempo.
Mas de outra perspectiva, foi. Em vez disso, seria melhor dizer que, depois daquele dia, Lillia começou a perder tudo o que tinha.
Como protagonista de uma tragédia, ela passou a aceitar várias coisas. Além disso, enquanto sua vida seguia, ela assumiu um papel que nunca teve antes.
Ela havia perdido as coisas que amava. Elas haviam sido arrebatadas pelos malvados elfos sombrios. Ela claramente viu todos, enquanto desapareciam nas chamas. Algo precioso. Algo notável. Coisas que eram insubstituíveis para mim e até coisas que eu queria fazer desaparecer. Todas queimaram até as cinzas.
Então ela deveria sentir tristeza.
Então ela deveria sentir dor.
Então ela deveria sentir desespero.
Então ela deveria sentir raiva.
Então ela deveria sentir ódio.
Não importava quem fosse, todos trataram a princesa do reino destruído como a protagonista de uma tragédia e forçaram-na a assumir seu novo papel: uma garota digna de pena.
Para eles, era semelhante a olhar para fora de uma sala quente separada da neve do lado de fora por uma janela. Veja como ela é azarada, alegra-me por ainda ter sorte. Era assim que eles tiravam satisfação dela.
Mas Lillia é uma garota obediente.
Ela escuta o que os adultos dizem e sorri quando eles querem, o que é tudo que exigem dela.
Para deixá-los ver minha tristeza. Para deixá-los ver minha dor. Para deixá-los ver meu desespero. Para deixá-los ver minha raiva. Para deixá-los ver o meu ódio. Usarei esse meu sorriso exausto para mostrar todos esses sentimentos, assim como os adultos ao meu redor queriam que eu fizesse.
Um dia, na escuridão, ela refletiu: Eu realmente sinto tristeza? Eu realmente sinto dor? Eu realmente sinto desespero, raiva e ódio?
Esses sentimentos existem dentro do meu coração. Mas… de onde eles vieram?
Deve ter sido naquele dia em que Lillia Asplay tinha nove anos de idade. O que ela sentiu quando viu as chamas ardentes?
Não consigo me lembrar.
“Deveria ser assim. Tem que ser assim.” As pessoas ao redor dela continuaram repetindo essas expectativas, cobrindo lentamente os sentimentos e memórias que ela tinha.
Quando ela finalmente percebeu, era tarde demais. A garota que só seguiu os desejos daqueles que a cercavam já havia esquecido de si mesma.
Um ano se passou. Lillia completou dez anos.
Seu guardião, aquele que a salvou, disse-lhe para esperar no pequeno chalé. Ele então saiu com seu companheiro, outro velho cuja idade disfarçava sua força inesperada.
Ela obedeceu e permaneceu em seu quarto. Não era como se ela tivesse outra escolha. Desde criança, ela tinha sido boa em sentar-se direito e ficar quieta. O truque era não se sentir entediada, limpar a mente e apagar seus sentimentos. Depois disso, ela poderia esperar por algumas horas… ou até mesmo por alguns dias, se chegasse a isso.
Por uma razão qualquer, desta vez seu talento falhou.
Distraída por seus pensamentos, Lillia espontaneamente saiu da casa e começou a caminhar pela floresta.
Se você fizer algo que normalmente não faria, verá coisas que, de outra forma, não teria visto.
Em algum lugar dentro da floresta, havia um espaço onde as árvores densas se abriam. Nesse lugar, havia um garoto da mesma idade que ela empunhando um graveto de madeira.
Ele estava cercado por uma camada brilhante de calor, que parecia uma ilusão, mas que era muito real. O garoto estava se exercitando vigorosamente; embora fosse inverno, suas roupas estavam encharcadas de suor e até o chão estava úmido com sua transpiração.
Mesmo que seja só uma brincadeira, ele está bem sério quanto a isso. Lillia se escondeu nas sombras das árvores, preparada para observá-lo por um tempo.
Embora suas ações fossem leves, seus passos eram profundos. Seu centro de gravidade estava posicionado excessivamente alto, mas depois de um golpe ele baixou. Era como se o garoto estivesse brincando, tentando fazer o impossível. Só de observar suas ações desajeitadas, ela já podia entender um pouco de sua personalidade.
O garoto provavelmente estava fazendo alguns exercícios pré-treino antes de aprender a usar diferentes tipos de armas; seus movimentos eram melhores do que uma mera brincadeira, de certa forma imitando a esgrima. Mas quando ela deu uma olhada mais de perto, haviam pequenas mudanças entre cada ação. Só de mudar a posição do punho, um simples bastão podia reproduzir artes marciais exequíveis com todos os tipos de armas — preferivelmente, esse era o nível de maestria que o garoto estava tentando alcançar.
Infelizmente, não importava o quanto ele tentasse, estava claro que o garoto não era habilidoso o suficiente.
O objetivo principal desse treinamento era provavelmente captar o movimento dos dedos de uma pessoa ao usar diferentes armas. Para desferir um golpe poderoso, a chave é aumentar o centro de gravidade enquanto rapidamente corta-se o alvo. No entanto, todo o esforço gasto em acumular energia era desperdiçado nos pisões excessivamente pesados do garoto. Além disso, seu corpo tinha que permanecer leve como uma pena do começo ao fim. Só então seu treinamento poderia ser chamado de “um pouco melhor que brincar de lutar”.
Quanto mais Lillia o observava, mais insatisfeita ela ficava. Quanto mais insatisfeita estava, mais irritada ela ficava.
Mesmo assim, ela não desviou os olhos.
A visão de Lillia embaçou, como se ela estivesse prestes a chorar. Se continuasse assim, poderiam mesmo haver lágrimas. Ela odiava ficar tão emotiva. Ainda olhando para o garoto, ela usou as duas mãos para enxugar as gotas nos cantos dos olhos.
E então — swishh — o garoto perdeu o equilíbrio.
Pânico surgiu em seu rosto, as sandálias desenharam um belo arco enquanto ele dava um semicírculo no ar. Suas costas impactaram o chão com um estrondo. Era menos como se ele tivesse tropeçado e mais como se tivesse se atirado com força. Felizmente o chão era macio, então ele não se machucaria muito.
“Isso dói!”
Ele reclamou em voz alta, provavelmente por amargura, de não poder fazer bom uso de seu próprio corpo. Deve estar faminto por descanso. O menino deitado no chão, com as mãos e os pés estirados, olhava para o céu azul.
“…”
Ele a viu. Seus olhos se encontraram.
O garoto não esperava que alguém o estivesse vendo treinar. O desalento brilhou em seus olhos, lentamente se transformando em vergonha.
“Você… quem você é?”
O garoto ficou vermelho, como aqueles que tinham acabado de fazer exercícios vigorosos normalmente ficavam. Ele saltou às pressas, batendo a poeira de seu corpo e pegando o bastão que tinha jogado para o lado, então posou como se o que ela acabara de ver nunca tivesse acontecido. “Você – você viu aquilo?!”
Eu vi tudo. Lillia quase disse sem rodeios antes de engolir suas palavras. Eu não posso dizer isso. Provavelmente vai esmagar sua autoestima florescente. Dez anos de experiência acumulados de seu nascimento nobre e vida como protagonista de uma tragédia lhe ensinaram muito.
Mas, embora quisesse permanecer em silêncio, o garoto olhou diretamente para ela, como se exigindo algum tipo de reação.
Eu deveria dizer alguma coisa. Repentinamente ansiosa, o julgamento de Lillia caiu em desordem. Seus pensamentos entornaram de sua boca. “Terrível.”
“… terrível?”
“Absolutamente terrível.”
Nesse momento, o tempo parou.
Lillia sentiu que a autoestima do garoto não estava apenas além de ferida, mas agora tinha sido completamente despedaçada.
Essa era a lembrança que a garota chamada Lillia Asplay tinha de seu primeiro encontro com o jovem que seria seu júnior. Embora ele tratasse a todos com gentileza e paciência, Willem Kmetsch sempre considerou sua camarada Lillia uma exceção. Esta era uma das suas razões para tal.
Parte 2 – ~O sol que nunca se põe~
Alguns anos depois daquele encontro fatídico, Lillia estava se arrastando pela neve.
“Não há como evitar, mas que situação absolutamente decepcionante”, ela murmurou para si mesma. “… mesmo assim, ficar irritada prova que eu estava certa. Quando uma pessoa é criticada, não se deve ficar com raiva. Curvar a cabeça e silenciosamente aceitá-la com um “Sim, Sua Majestade” é a resposta correta. Hmph.”
Embora Lillia tivesse se acostumado a viajar sozinha, sua solidão levara à irritante tendência de falar consigo mesma.
“… bem, isso é uma coisa que posso mudar. Mesmo se estou acostumada a ficar sozinha, é melhor parar de resmungar… ao menos reconhecer isso significa que ainda sou autoconsciente. O problema com tal hábito provavelmente é por ele ser anormal… ou muito embaraçoso… ou talvez diminua o misticismo que cerca os Regal Braves? Sim algo assim.”
Continuando a discutir consigo mesma, ela levantou os olhos. Tudo ao redor dela era de um branco nevado que contrastava nitidamente com a escuridão do céu noturno.
Estava frio. Extremamente, dolorosamente, frio de rachar.
Um famoso poeta que certa vez visitou esta região descreveu-a como uma extensão infinita de deserto, com apenas algumas árvores ocasionais rompendo a neve sem fim. Os ventos constantemente uivantes eram como os gritos dos mortos, condenando os vivos a se juntarem a eles na morte congelada. Se o mundo tivesse um fim, ele estaria sem dúvida aqui.
Naturalmente, tal poema não era uma descrição precisa da realidade. O deserto não era vasto o suficiente para ser chamado de interminável, e as árvores curvadas e tortas eram na verdade muito bem adaptadas às condições locais. Houveram até alguns dias no ano sem nevasca. De acordo com os relatos de aventureiros da fronteira, supostamente havia uma região ainda maior ao norte.
No mínimo, Lillia poderia ao menos concordar com a descrição do poeta dos ventos uivantes. Às vezes soprando rapidamente e às vezes lentamente, o vento sempre parecia cercá-la como uma cacofonia de vozes ricas ao redor. Era como se alguém estivesse tocando um instrumento atrás dela. Independentemente se era obra de espíritos, deuses ou elfos, o vento provavelmente era de origens sobrenaturais–
“Achoo!”
Lillia esfregou o nariz, sentindo o calafrio que penetrava em suas camadas de roupa de inverno. “Está tão frio…”
Ela olhou para a estrada à frente. No centro de seu campo de visão, através de um mundo de plumosos flocos de neve, ela pôde ver inúmeras barracas cinza-chá armadas à distância.
“Deve ser isso!” Sustentada pela visão de seu objetivo, Lillia voltou a carregar a bagagem e avançou mais uma vez.
“A história da humanidade é uma história de conflito com outras raças.” Embora o passado deles não pudesse ser inteiramente resumido dessa maneira, tais conflitos certamente desempenharam um papel substancial.
As raças aliadas em oposição à humanidade eram todas imensamente poderosas. Algumas utilizavam a pura força esmagadora de seus enormes corpos; outras se camuflavam com os arredores e montavam armadilhas; outras ainda lançavam magias estranhas e encantavam seus inimigos. Algumas tinham o impulso primitivo de consumir humanos; outras gostavam de brincar com eles; e ainda mais eram movidas por um desejo distorcido de matar. Desde tempos imemoriais, criaturas de várias raças existiram intimamente ao lado da humanidade desse jeito.
Os humanos, por outro lado, não eram de modo algum poderosos. Seus membros eram finos, corriam devagar e morriam facilmente, quer fossem esfaqueados, queimados, afogados, lançados de uma altura ou esfaimados.
Podia-se dizer que os seres humanos não estavam faltando em um aspecto: seus números. No entanto, só era preciso observar os Orcs, que eram produzidos em massa, para ver que a diferença em termos de capacidade reprodutiva era simplesmente grande demais. Além disso, no que dizia respeito à capacidade de luta, o civil médio não sabia quase nada sobre tal coisa e até mesmo o número de pessoal pronto para o combate não valia nem um olhar.
Os humanos sabiam usar armas e instrumentos, mas perdiam para outras raças em termos de técnica ou números; até mesmo aquelas armas das quais dependiam foram modeladas a partir daquelas usadas pelos Dragões de Terra.
Apesar desses fatores, a humanidade vivia em prosperidade. Através dos processos de eliminar o perigo, abrir novas fronteiras e expandir seu território, a humanidade desenvolveu técnicas que lhes permitiram se igualar ao mais forte dos adversários, dando origem a vários grupos que aperfeiçoavam essas técnicas ao extremo.
Os aventureiros, que buscavam o autoaperfeiçoamento por meio de incessante treinamento. Os soldados do exército, guardando nações com determinação inabalável. Os estudiosos da Torre do Sábio, estudando e transmitindo conhecimento desde os tempos antigos. Os golems que agiam como guardiões usando suas ligações etéreas e seus mestres, os Bruxos.
Finalmente, aqueles santos de aço escolhidos pela Igreja da Santa Luz, as lendas vivas destinadas a conduzir a humanidade à vitória. Os guerreiros conhecidos como Braves.
Eles lutavam para preservar a vida das pessoas comuns. Ou melhor, cada um deles tinha suas próprias razões para lutar, e o resultado de suas batalhas salvava vidas. Por causa deles, a humanidade sobreviveu até os dias atuais.
Ultimamente, um boato estava se espalhando pelo continente.
Um dos Visitantes da antiguidade despertou de seu sono.
Os Visitantes eram os seres transcendentais que haviam criado o mundo. Há muito tempo, eles viajaram pelas estrelas — mas agora só restava um deles. E aconteceu desse Visitante em particular decidir entrar em guerra com a humanidade. Seus subordinados, os três Poteaus observando o mundo, cumpriram suas ordens e se preparavam para atacar os centros da civilização humana. Naturalmente, tal crise era uma enorme ameaça à sobrevivência da humanidade.
No entanto, embora a situação parecesse sem esperança, aqueles que espalhavam o boato não o fizeram em desespero. E daí se um monte de monstros poderosos aparecesse? Monstros sempre apareceram desde eras passadas para ameaçar a humanidade, mas os protetores da humanidade sempre se ergueram para a ocasião. Sempre haveria algum guerreiro inacreditavelmente poderoso para lutar pelas massas.
A raça humana não perderia para coisa alguma — era assim que era, e como continuaria a ser.
Portanto, não havia necessidade de se preocupar com nada.
O ar na tenda de comando era sombrio.
Um mapa de batalha da área circundante foi colocado em uma mesa malfeita, com cavalos de madeira vermelhos e azuis colocados aqui e ali para indicar as posições das forças de ambos os lados. Três homens estavam sentados em volta da mesa, olhando para o mapa. Cada um usava uma expressão que correspondia à atmosfera lúgubre.
“… se continuar assim, não poderemos vencer.” Um dos homens, um conselheiro do Exército do Norte, quebrou o silêncio. “Nós estávamos confiantes demais em julgar a força do inimigo, e a prolongada luta esgotou nossos soldados. Do jeito que está, será tarde demais, mesmo que solicitemos reforços. O curso de ação mais prático… é buscar ajuda da Guilda dos Aventureiros”.
“Mas se fizermos isso, o exército será totalmente humilhado!” Essa objeção amarga veio do general, que detinha a maior autoridade entre os três presentes.
Sua objeção não era surpreendente. Os exércitos eram, estritamente falando, sistemas que exerciam poder através da força. Sem suas responsabilidades para vinculá-los, eles seriam vistos como pouco melhores do que grupos violentos de desordeiros. Por causa disso, a maioria dos exércitos se esforçava para manter uma fachada honrada, colocando muito valor na preservação de sua dignidade. O Exército do Norte não era exceção.
“Você está disposto a permitir que o inimigo arrase suas terras em nome do seu orgulho?” O general se viu incapaz de contestar a pergunta do conselheiro.
O silencioso comandante de campo cruzou as mãos, murmurando algo indistinto.
Na verdade, eles enfrentavam uma situação terrível. O inimigo que estavam combatendo era uma tribo de elfos cujos anciões manuseavam maldições que lhes davam controle sobre a terra e o solo. O território deles, corrompido pelas substâncias púrpuras venenosas geradas por suas maldições, era conhecido como a Floresta Túrbida.
Sabendo disso, poder-se-ia especular como os humanos viam os elfos: temíveis adversários que espalhavam veneno pelas florestas, limpando toda a fauna e flora, apagando qualquer traço de vegetação outrora verdejante.
No entanto, esse palpite estaria errado.
Na realidade, todos os humanos cujas terras foram usurpadas entendiam que as maldições que os Elfos usavam trabalhavam alterando a realidade.
Uma teoria dizia que há muito tempo os ancestrais dos Elfos ajudaram os Visitantes na criação do mundo. Essa era a verdadeira razão por trás de seu título como a “Raça Fantasma”. Acreditava-se que esses ancestrais, tendo estado em contato próximo com os Visitantes, haviam tomado sua magia criadora de mundo para uso próprio.
Os Elfos não requeriam florestas preexistentes nas terras que procuravam ocupar. Quer fosse o alvo uma planície, uma cadeia de montanhas ou até mesmo o mar, eles transformariam o terreno em outra Floresta Túrbida. Durante suas invasões, florestas inteiras de árvores tortas se rasgavam do solo e cresciam rapidamente. Enxames de insetos rastejavam do nada e começavam a construir ninhos, permanecendo teimosamente na terra invadida como se já estivessem lá pelos últimos milênios.
Atacar as florestas sob o controle dos Elfos significava enfrentar um perigo selvagem e anormal muito além da compreensão de qualquer humano. Lançar um ataque nas áreas mais profundas da floresta seria suicida.
O conselheiro falou novamente. “Nossa guerra é fundamentalmente diferente das disputas territoriais travadas entre os humanos. Conceder a derrota significa permitir que esse pedaço de terra se torne um pântano tóxico. Não importa o que, o fracasso não é uma opção.”
“Mas”, respondeu o general, “tem mesmo algum sentido em pedir a ajuda dos aventureiros?”
“O que você quer dizer?”
“Mesmo sozinho, um Elfo Sombrio é mais forte do que qualquer um de nós, e um grupo inteiro deles está escondido neste pedaço de território contestado. Para piorar a situação, eles são Anciãos que provavelmente podem subjugar toda a região com a Floresta. Esses aventureiros são diferentes de nós. Eles lutam apenas por si mesmos e nunca considerariam, por um momento sequer, entregar suas vidas pelo bem maior, correndo para aquela armadilha mortal.”
Ambos os homens caíram em silêncio. O comandante de campo continuou resmungando. Um braço delgado alcançou despercebido a tigela de folhados assados colocada na borda da mesa.
O general continuou. “Francamente, não há muitas pessoas com a capacidade de serem úteis em um campo de batalha como este, mesmo entre os aventureiros. Ainda que houvesse, algum deles estaria convenientemente estacionado tão ao norte?”
“Vamos apenas esperar até morrermos, então?”
“Não, precisamos encontrar uma maneira de sobreviver pelo bem dos outros…”
Mastigando o folhado metodicamente enquanto mexia nas roupas de inverno carregadas de neve, a pessoa sentada ao lado olhou para o mapa da batalha.
“Se nada for feito, nada vai mudar!”
“Como não fizemos nada, não temos mais energia a desperdiçar com essas ações inúteis! Eu já não disse isso?”
Os dois homens discutiam para lá e para cá, incapazes de chegar a um consenso. Suas vozes ficaram mais altas, atolando o debate em confusão enquanto o comandante de campo continuava resmungando para si mesmo.
Outro folhado desapareceu.
Vozes altas se transformaram em súbito silêncio. Os homens agora estavam todos olhando para uma quarta pessoa que parecia ter aparecido do nada.
Ela parou de mastigar o folhado e levantou os olhos. O conselheiro, selecionado como representante dos presentes, perguntou: “Quem é você?”
“Obrigada pelos folhados”, a pessoa suspeita falou em uma voz feminina, removendo seu equipamento de inverno. “Viajar até aqui com esse tempo gelado me deixou muuuuito faminta…”
Ela era uma menina com um cabelo vermelho flamejante que parecia ter cerca de quinze anos e ainda não tinha amadurecido. No entanto, ela usava uma expressão inexplicavelmente relaxada que a fazia parecer mais uma mulher mais velha do que outra de sua idade.
“Olá!” A menina apertou suas bochechas com ambos os braços, tremendo de frio quando cumprimentou os três homens. “Eu sou da Igreja da Santa Luz.”
O general parecia cético. “O que? Você está aqui para preparar nossos últimos ritos? Desculpe, mas não precisamos dos seus serviços.”
“Não, não é nada assim.”
“Esta é a linha de frente de uma guerra sem esperança, onde apenas a morte aguarda. Não há lugar para crianças trabalharem para ganhar a vida”, disse o general. Ele estava se referindo aos sacerdotes atingidos pela pobreza que trabalhavam a serviço da Igreja, que eram incapazes de ganhar a vida somente através da realização de cerimônias. Assim, muitos sacerdotes preocupados com as despesas se encontravam indo para campos de batalha terríveis, a fim de coletar dinheiro para realizar ritos fúnebres. “Por favor, saia enquanto pode, a menos que queira ser enterrada conosco.”
“Ah, vamos lá. Não coloque dessa forma.” A garota explodiu a acusação do general e continuou a examinar o mapa de batalha.
“Sua pequena–”
“Oh?” O comandante de campo arqueou as sobrancelhas, interrompendo o general irritado. “Senhorita, posso perguntar o que é esse objeto de aparência pesada que você está carregando?”
“É uma espada.” A garota respondeu sem rodeios.
“Isso não parece um pouco grande demais para ser uma espada?”
“Sim.”
“Por acaso, seria a espada sagrada Seniorious?”
A garota assentiu. “Aham.”
O general congelou, o semblante tenso de seu conselheiro relaxou e a tenda ficou quieta de repente. Uma reação comum, apesar de tudo.
Existia no mundo um grupo de humanos conhecido como Braves, que não juravam lealdade a país algum, mas lutavam pela sobrevivência da raça humana. De qualquer acordo, eles eram indiscutivelmente a maior arma da humanidade contra os Monstruosos. Os Braves empunhavam os Carillons mais poderosos e utilizavam técnicas de combate inigualáveis. Alguns eram ilimitadamente talentosos, alguns guardavam o passado, alguns tinham sangue de heróis e outros vinham de origens trágicas. Sobrecarregados pelas razões de sua força, os Braves eram inquestionavelmente os mais fortes guerreiros, seus nomes falados com um peso que fazia jus ao seus status como lendas vivas.
Dos Carillons criados pela humanidade, Seniorious era considerado o mais poderoso. Tendo visto incontáveis campos de batalha, ele permanecia no topo, mesmo entre as cinco espadas sagradas de mais alto nível do mundo. Seu atual usuário era o Regal Brave de 20ª geração, selecionada pela Igreja da Santa Luz–
“Lillia Asplay…?”
“Como pode ser isso?” O conselheiro balançou a cabeça debilmente. “Lillia, a princesa heroína, é dita ser uma beldade inigualável de cabelos ruivos flamejantes. Ela definitivamente não é essa garota de aparência arrogante!”
“Rumores que as pessoas espalham não são da minha conta…”
“Todos os quadros a reproduzem como uma beldade intensamente trágica!”
“É um incômodo, mas não posso realmente reclamar se as pessoas decidirem fazer figuras minhas baseadas em um tipo de imagem mental.”
“Aqueles quadros foram muito caros, sabia!”
“Umm… lamento pela sua perda, eu acho…?”
O silêncio desconfortável retornou. O comandante de campo manteve as mãos cruzadas, murmurando baixinho.
“Oh, aqui está a prova da minha identidade!” Parecendo que tinha acabado de se lembrar, a menina tirou um distintivo de ouro e cobre do bolso para mostrar aos três homens. Era um meio de proteção que a Igreja dava aos clérigos de alta patente, servindo como prova irrefutável de sua identidade.
“… bem, então, Lady Asplay, o que a traz a este campo de batalha?”, Perguntou o general, relutante. “Se está aqui para ajudar, sugiro que saia o mais rápido possível”.
“Hmm…” Engolindo o que sobrou de seu folhado, Lillia examinou o mapa da batalha mais uma vez. “Uma vez que os elfos estão estacionados aqui, isso significa que a área circundante se transformou em uma floresta, certo?”
“De fato que sim.”
“Você não precisa dizer nada, comandante. Então, se esse é o caso, significa que os elfos da classe Ancião estão perto daqui, e aqui também… a situação parece bem preta.” Ela inclinou a cabeça entre os dois pontos no mapa, fechando os olhos para pensar. “Agora, general, tenho um favor a lhe pedir–”
“Não vou te dar nenhuma das minhas forças”, interveio o general em questão.
“Não se preocupe com isso, mas eu espero que você possa transferir todo o seu exército para longe deste acampamento. A nevasca vai atrapalhar um pouco, mas se você marchar dessa maneira, daqui–” Lillia empurrou uma das peças de madeira no mapa, “–até aqui, essa rota poderia funcionar?”
O conselheiro olhou para as novas posições, mas um segundo antes ele sorriu e zombou. “Não nos venha com essas bobagens.”
“Não, não me venha você com essas bobagens.”
Ele soltou seu sorriso. “Isso não é o mesmo que nos pedir para nos retirarmos do campo de batalha e colocar alguma distância entre o nosso exército e os elfos? Se formos nessa direção, vamos nos retirar de volta para a cidade… O conselheiro fez uma pausa. “Espere, esse também não é o caso. As instruções estão todas erradas.”
“Sim”. Lillia assentiu. “No caminho até aqui, ouvi dizer que a situação na Cidade Represada de Narvant está ficando muito crítica.”
“O que você quer dizer?”
“Os inimigos são principalmente orcs. Apesar de não serem tão fortes sozinhos, há muitos deles e a linha de frente é enorme, por isso tem sido difícil montar uma defesa consistente. Mas para todos vocês, a situação não será mais fácil de gerir comparada à luta contra os elfos aqui?”
“Bem, definitivamente é…” Embora o conselheiro parecesse levar as palavras de Lillia mais a sério, ele ainda discordava da sugestão dela. “Não, esse não é o problema. É impossível para nós desistir dessa luta.”
“Oh, é mesmo? Vocês têm negócios inacabados aqui?”
“Não especialmente, mas não podemos abandonar nossa missão de expulsar os elfos do território deles…”
“Ah, não precisa se preocupar com isso”, respondeu Lillia incomodada, alongando os braços atrás dela. “Eu vou lidar com eles. Deve levar mais ou menos três dias.”
Três dias se passaram.
A caminho de Narvant para um encontro com as tropas de lá, o Exército do Norte recebeu um despacho.
Aquela floresta horrivelmente corrompida, o domínio em expansão dos Elfos, de repente começou a murchar em uma velocidade assustadora.
As notícias logo se espalharam entre os soldados, e com isso vieram aplausos: “É Lillia Asplay!”, Gritou um soldado. “É Lillia Asplay! A Regal Brave conseguiu!”
Em face de um inimigo incrivelmente poderoso, não havia fim à vista para a guerra. Lutas amargas e prolongadas haviam exaurido todos os soldados. Muitos deles tinham visto seus amigos serem consumidos por ácidos corrosivos ou devorados pelos Elfos diante de seus olhos, e constantemente preocupados se seriam os próximos. Na situação desoladora deles, havia muitos que tinham desistido de toda esperança.
Então uma garota correu sozinha e trouxe um fim rápido para a guerra.
Nem todos tinham ficado satisfeitos com isso. “Não consigo encontrar nenhum motivo para comemorar”, o general reclamou amargamente. “Aquela garota terminou a guerra como se fosse brincadeira de criança. Nós entregamos nossas vidas uma após a outra sem chegar perto de alcançar os mesmos resultados. Que significado há, então, para essa guerra– não, para nossa existência?”
Todos, inclusive o general, tinham algum conhecimento básico das existências conhecidas como Braves. Alguns foram ainda mais longe e conduziram investigações, cujos resultados provaram que a força inigualável dos Braves não era infundada. De fato, uma correlação frequentemente surgiu entre os fortes e aqueles que possuíam um passado trágico ou um pano de fundo parecido com uma história.
E aquela garota, a Regal Brave de 20ª geração Lillia Asplay, carregava a tristeza e raiva de perder sua cidade natal. Essas emoções eram o motivo pelo qual a jovem princesa havia se jogado em uma vida de batalha interminável.
Ela nascera da tragédia e encontrara forças para seguir em frente apesar de sua tristeza, para ficar de pé diante do desespero, para superar o ódio que sentia. Assim, ela manejava a força apenas concedida àqueles que atendiam a todos esses critérios. Todas essas qualidades estavam ligadas dentro de seu pequeno corpo, as mesmas qualidades que criaram a arma glorificada pela Igreja da Santa Luz — a arma conhecida como Regal Brave.
O general bufou. “Hmph. Claro que não posso ficar feliz com um resultado desses.”
Em algum outro lugar, o conselheiro confirmou que não havia ninguém o observando. Então tirou um pequeno pedaço de pano do bolso, abrindo-o para revelar o papel escondido no interior. Retratado nele estava uma beldade com cabelo vermelho ardente e um sorriso gentil.
O conselheiro tomou a figura em suas mãos e se preparou para rasgá-la. Ele hesitou, então cuidadosamente redobrou e a colocou de volta no bolso.
“Hmph.” Vestindo o semblante de alguém que tinha sido muito enganado, o conselheiro levantou a cabeça e olhou para o céu.
Não havia neve aqui. Nos céus azuis claros, uma andorinha de cauda longa voou vagarosamente.
Parte 3 – ~A Capital Imperial~
Falar da Capital Imperial era falar de suas grandiosas estruturas.
Provavelmente havia muitas razões para isso. Como uma cidade jovem com pouca herança cultural para falar, a conservação de edifícios históricos era desnecessária. Como o nexo do Império, talvez fosse para que os visitantes da Capital ficassem impressionados com sua magnificência e saíssem com uma impressão da força esmagadora do Império. Outra possibilidade era que o imperador anterior que fundou a Capital fosse uma pessoa extremamente franca que acreditava que maior era sempre melhor e gostava de iniciar projetos de construção em larga escala.
Seja qual for a resposta, significava que o santuário localizado no coração do Primeiro Distrito da Capital Imperial era incrivelmente grande e projetava um ar de extravagância. A luz do sol brilhava através dos altos tetos de vidro colorido do salão cerimonial, o que dava ao seu interior de mármore um brilho ofuscante e iluminava as cenas míticas gravadas nas paredes.
A grandeza desse lugar superava em muito as de atrações turísticas famosas, mas meros plebeus não tinham permissão para entrar nesses salões sagrados. Somente os sacerdotes de alto escalão e aqueles ordenados pela Igreja, como a Regal Brave Lillia e os outros Quasi Braves, podiam admirar seu esplendor.
“Deve ter sido cansativo para você”, um sacerdote vestindo uma túnica roxa de aparência impressionante com um cinto vermelho saiu para recebê-la com um sorriso. “Já recebemos a notícia dos resultados da batalha. Mais uma vez, você trouxe glória ao nome do Regal Brave”.
O sorriso do sacerdote era honesto, desprovido de mentira ou malícia. Dadas as suas experiências, Lillia teria detectado tais intenções facilmente. Aqui estava uma genuína gratidão por ela continuar a cumprir o propósito do Regal Brave de proteger a humanidade.
Ora, ora. Lillia lembrou de como isso a incomodava. Eu odeio esse lugar.
Não havia uma pessoa aqui que não tivesse fé. Eles acreditavam firmemente em tudo que pensavam, sentiam e faziam. Assim, eles se portavam sem dúvida e seus motivos eram puros, o que para eles era algo para ser feliz. Talvez tornar essa felicidade uma realidade era o que significava ser de fé.
Todos os que afirmavam esses princípios chegariam à conclusão de que ninguém poderia seguir um caminho mais correto do que eles e se recusavam a ouvir as opiniões de qualquer outra pessoa em seguida. O hábito de pensar dessa forma continuaria enquanto estivessem perto de outros com as mesmas visões, e eventualmente eles acabariam esquecendo como interagir normalmente.
“Oh? Algo está te incomodando, senhorita Lillia?”
“Não – bem, sim.” Lillia inclinou a cabeça e furtivamente colocou a língua para fora. “… de qualquer forma, como está Narvant? O conflito chegou a uma conclusão? Alguns reforços devem estar a caminho no momento.”
“De acordo com o relatório da noite passada, a situação atual é bastante grave. Três cidades já caíram e os soldados estão todos extremamente desgastados. Embora não tenhamos confirmado ainda, podem haver Demônios entre a força de ataque.”
Espera um segundo. “… então, não seria melhor se eu tivesse ido com os reforços?” Ela lutou para evitar que sua irritação transbordasse.
“Você não precisava. O Carillon Seniorious só pode mostrar sua força esmagadora contra um único inimigo. Em um campo de batalha caótico, ele não pode ser empunhado de forma flexível.”
“Essa não é a questão. Independentemente dessa justificativa estúpida, mesmo que eu fosse desarmada, ainda seria capaz de manter o número de baixas a um mínimo.”
“Seniorious está cheia de maldições élficas, por isso precisa de manutenção. Além disso, você terá que começar a se preparar para uma nova batalha. O Visitante Elq Harksten logo será oficialmente reconhecido como um inimigo. Quando chegar a hora, você será a única pessoa que pode liderar o grupo para derrotá-lo.”
Eu quero mesmo dar uma surra nele. Lillia usou o sorriso para cobrir os punhos enrolados.
“De qualquer forma, já enviamos alguns reforços para lá. Avgran T. Lontis, o brave que empunha Purgatorio, deixou a capital na semana passada e se dirige para essa região enquanto falamos”.
“Bem, então…” Lillia relaxou, afrouxando os punhos.
Embora apenas um Regal Brave pudesse ser reconhecido por vez, sempre haveria um pequeno número de guerreiros que estavam próximos desse nível em qualquer período de tempo. Estes guerreiros não tinham sido formalmente nomeados e meio que não tinham o mesmo reconhecimento e força que o Regal Brave detinha, mas suas qualificações e poder não podiam ser ignorados pela Igreja, que lhes conferia o título de Quasi Brave e os usava como santos de igual modo.
Atualmente, os Quasi Braves enviados para vários campos de batalha eram cerca de trinta. Lillia não tinha certeza do número exato, e ela só tinha conhecido cerca de dez deles. Avgran era um desses dez.
“Aquele cara…”
“Preocupada com ele?”
“Nem. Não há ninguém mais adequado para se jogar entre dois exércitos…”
Purgatorio não era um Carillon de alto nível. Sua saída de venenum era medíocre, tornando-o inadequado para lutar contra inimigos fortes como Dragões ou Elfos de classe ancião. No entanto, sua habilidade especial era extremamente poderosa quando usada na situação certa.
Para utilizá-la da melhor maneira possível, o usuário deve encontrar um local com vista para o campo de batalha, identificar e visar aqueles vistos como inimigos ou pecadores. Posteriormente, enquanto o usuário ainda estivesse no campo de batalha e continuasse inflamando venenum, os alvos seriam incapazes de escapar do ataque de Purgatorio. A pessoa continuaria lutando até que suas presas fossem eliminadas. Em um campo de batalha caótico, onde era difícil distinguir o amigo do inimigo, nenhum Carillon era mais confiável do que Purgatorio.
Além disso, Avgran era realmente digno de ser chamado de Brave. Ele era extrovertido, de coração puro, valente e dedicava-se de todo o coração a lutar pelos fracos. Ele agia como se possuísse reservas ilimitadas de força no campo de batalha e não tivesse que temer qualquer ameaça. Enquanto Avgran tivesse alguém que precisava proteger, ele nunca recuaria.
“Você parece aliviada agora. Não te preocupes; você só precisa cumprir sua missão,” o padre cortou os pensamentos de Lillia com um sorriso radiante. “Descanse bem e prepare-se para sua próxima batalha. É nisso que você deve se concentrar no presente.”
“Certo, certo…” Sem querer prolongar a conversa, Lillia acenou com a mão e se afastou.
“Onde você vai?”
“Vou dar um passeio lá fora.”
“Por que não volta para seus aposentos?”
As instalações de grande escala da Igreja eram compostas principalmente de quartos para os seus santos viverem. Como seu principal santuário na Capital, os alojamentos do Regal Brave seriam naturalmente em suas instalações, e nenhuma despesa seria poupada em seus muitos aposentos. Assim, para eles, não fazia sentido a maioria dos quartos do santuário ficar desocupado.
Lillia sabia muito bem disso, mas independentemente, ela não gostava muito de nenhum dos quartos. “Eu voltarei mais tarde ou algo assim.”
Ela viajava diariamente entre vários campos de batalha no continente e não tinha raízes para falar. Ela normalmente ficaria grata por uma cama na qual dormir profundamente, e o santuário de mármore branco da Igreja, com suas paredes adornadas de carmesim e seus quartos finamente decorados, seria mais do que suficiente.
No entanto, Lillia não estava disposta a chamar isso de casa.
“Finalmente livre!” Ela alongou os braços enquanto saía do santuário.
O edifício estava localizado na ilha artificial construída no meio do rio Mercela, aparentemente para separar os terrenos sagrados da Igreja do resto da Capital. Para entrar, primeiro era preciso atravessar as três pontes construídas no rio.
Lillia também não gostava dessas pontes. Esta é sem dúvidas a forma errada de gastar dinheiro. Provavelmente foi construída por capricho de algum rico idiota. Uma ponte simples, sem enfeites, seria igualmente encantadora. Ela permaneceu perdida em pensamentos, pisando sobre os azulejos meticulosamente colocados.
Ah, deixa pra lá. Ela não queria esmiuçar demais. Além disso, ela estava de bom humor após ter completado sua missão e ficado livre da Igreja por um tempo.
“Eu vou fazer um lanche ou algo assim.” Ela tentou pensar nas lojas que frequentava, embora não houvessem tais lugares.
Um Regal Brave era opressivamente poderoso. As pessoas normais eram completamente incapazes de prestar qualquer tipo de assistência e poderiam até ser passivos na pior das hipóteses. Ninguém conseguia acompanhar a força dos Regal Braves, por isso eles sempre lutavam sozinhos.
Naturalmente, ela estava acostumada a uma vida de relativa solidão.
No entanto, mesmo que ela estivesse longe do campo de batalha como agora, ela ainda ansiava por conversar com aqueles que conhecia e, se possível, com um certo alguém–
“Ei.” O coração de Lillia acelerou quando ela sentiu uma mão em seu ombro.
“… Willem.” Ela escondeu sua surpresa com autocontrole sobre-humano. “Você tem essa maneira realmente irritante de aparecer aleatoriamente, sabe.”
Ela virou a cabeça, usando a mesma expressão que sempre usava e falando com ele como sempre falava.
“Vamos lá, o que eu fiz para merecer isso? Eu só queria conversar.” Um garoto de estatura média, com olhos e cabelos negros, estava atrás dela.
O garoto não era refinado demais, contudo ainda parecia relativamente decente. Ele não era muito musculoso, mas também não era magro demais.
Se houvesse alguma característica digna de nota, seriam os olhos dele, que o faziam parecer bastante cheio de si. No entanto, muitos rapazes da sua idade tinham essa aparência. Simplificando, ele era um adolescente comum que poderia encontrado em qualquer cidade.
“Acabei de terminar de fazer meu relatório de missão”, Willem Kmetsch apontou para trás de si no santuário da Igreja. “Aqueles carecas me disseram que você tinha acabado de sair, então corri atrás de você.”
“Por que, com pressa para ver meu rosto de novo? Minha nossa, será que você se apaixonou?”
“Isso é impossível.” Lillia se sentiu um pouco ferida pela rejeição direta de Willem. “Enfim, agora é uma oportunidade perfeita para comermos alguma coisa juntos. Comer junto com alguém é melhor do que sozinho, mesmo que eu tenha que comer com você.”
“Hã?” Lillia estreitou os olhos, infeliz. “Que arrogante da sua parte chamar uma garota para sair desse jeito!”
“Medirei minhas palavras quando estiver chamando uma garota para sair da próxima.”
“Espere aí, quem você pensa que eu sou?”
“Você é Lillia.”
Ela pensou nas palavras de Willem por um momento. “… ei! O que isso deveria significar?”
Garotas podiam ser encontradas em qualquer lugar. No entanto, em todo o mundo havia apenas uma pessoa a quem Willem tratava tão irritantemente — Lillia Asplay.
Mesmo assim, ela não se importava que ele a tratasse assim. Pensando nisso, Lillia se sentiu um tanto desamparada.
Eles caminharam por algum tempo em direção à Rua dos Estudantes, que tinha lojas populares entre os jovens. Poderia se ter uma refeição decente por aqui, mesmo se a pessoa estivesse com a grana curta. Além disso, os dois não se destacariam muito com sua aparência jovem.
Era natural para um Brave sentir fome depois de sua missão. Willem e Lillia sentaram-se em uma mesa destinada a cinco pessoas, pediram um monte de pratos de carne e se serviram. Enquanto comiam, eles conversavam sobre suas missões.
“O quê?” Willem perguntou, com os olhos esbugalhados e um pedaço de carne grelhada na boca. “Você está dizendo que aquelas tribos élficas… com aqueles elfos da classe ancião entre seus números… foram todos aniquilados? Só por você? E só levou três dias?!”
“Aham.”
Ouvindo isso, ele engoliu o pedaço de carne e pôs para baixo com um gole de água, em seguida encolheu os ombros.
“O que há com essa reação?”
“Como um colega do sexo masculino, gostaria de dar a esse general minhas mais profundas condolências”.
E o que você quer dizer com isso? “Você acha que eu não deveria ter ajudado eles?”
“Claro que não. Você tinha que ajudar de qualquer maneira, mas poderia ter sido um pouco mais sensível.”
“Não houve realmente nenhuma oportunidade para esse tipo de coisa na hora. Por mais talentosa que eu seja, você não pode esperar que eu cuide dos sentimentos de todos enquanto luto contra os elfos.”
“Eu não quis dizer isso…” Willem murmurou, mordendo outro pedaço de carne.
Willem Kmetsch era o discípulo sênior de Lillia e um tanto desrespeitoso. Ambos foram ensinados o mesmo estilo de esgrima pelo mesmo mestre. Ser capaz de dominar as técnicas usadas pelos Braves mais poderosos significava ser capaz de manejar um poder inigualável. Claro, Lillia completou seu treinamento com facilidade, enquanto Willem nunca conseguiu atingir o nível dela, não importa o quanto ele tentasse.
Esse garoto é irremediavelmente sem talento. Seu mestre uma vez comentou.
Alcançar um nível de maestria que superasse o dos lutadores normais seria suficiente para a maioria das pessoas. No entanto, Willem se recusou a parar de treinar.
Mesmo que alguém implacavelmente tentasse se fortalecer, só poderia fazê-lo como um humano. A força que alguém maneja está ligada aos limites de sua própria humanidade. Não importa quanto tempo e esforço fossem gastos, ainda se permanecia humano.
Se você quisesse viver como um humano, isso seria algo para se sentir afortunado. No entanto, para utilizar plenamente as técnicas de luta com espadas ensinadas pelo mestre deles, era preciso abandonar sua humanidade. Com base apenas nesse pré-requisito, a humanidade de um indivíduo seria vista como uma maldição em vez de uma bênção e o motivo de sua própria falta de talento.
“Por que continuar ensinando ele?” Lillia perguntara uma vez a seu mestre.
“Ele não quer desistir”, respondeu o mestre, como se estivesse falando para si mesmo.
Ah. Lillia entendeu, assentindo sabiamente. Willem definitivamente não desistiria. Mesmo que parecesse impossível ou trivial para os outros, ele continuaria sempre a avançar. Apesar de suas circunstâncias irremediáveis ou da natureza cruel da realidade, ele nunca abandonaria a esperança em seu coração e continuaria a se esforçar para alcançar alturas ainda maiores.
Willem nunca trairia seus próprios sentimentos, nem perderia de vista seu objetivo, mesmo que sentisse desespero ou arrependimento. Ele lutava inteiramente para proteger as coisas que amava.
E aconteceu de o modo de vida dele ser o oposto do de Lillia.
“Ahh, finalmente cheia! Estou satisfeita agora.” Depois da refeição, os dois saíram para a Rua dos Estudantes.
“Acho que comemos demais. O garçom até pareceu um pouco assustado quando nos viu comer.”
“Digo, nossos corpos ainda estão crescendo! Além disso, comer muito é normal para crianças da minha idade, não acha? Eu acho que você até que comeu muito pouco, Willem!”
“Você deveria se desculpar com todos os jovens catorze e quinze anos de idade do mundo.”
O sol continuou a se pôr, mas o fluxo de pessoas nas ruas nunca diminuiu, algumas carruagens puxadas a cavalo misturavam-se entre a multidão. Esbarrar em alguém ou ter a carteira roubada eram ocorrências comuns aqui.
“Oh?” Uma rajada de vento veio do nada, soprando um pedaço de papel na direção deles. Lillia agarrou-o antes que acertasse seu rosto. “Hmph, que perigoso. O lixo pertence ao lixo.”
Ela olhou por cima do seu conteúdo. Era uma página de um artigo de notícias. Este método de divulgação de informação rapidamente cresceu em popularidade após a invenção da imprensa. Sua audiência era o público, e era impresso e distribuído em massa. Eventos importantes no continente eram geralmente detalhados de maneira risível nesses ditos relatórios.
Os olhos de Lillia se fixaram na manchete impressa em negrito: “A Trágica Bela Princesa Esmaga os Exércitos dos Elfos Mais uma vez!”
Ha. Ela bufou.
“Que há com você?”
“Venha e dê uma olhada nisso. É uma obra-prima!”
Willem se aproximou para dar uma olhada. “Não parece haver muita diferença em relação aos anteriores…”
“É tão irritante. Vamos lá, esse é ainda mais exagerado que os anteriores.”
Esbarrando sua cabeça contra a de Lillia, ele olhou para o artigo.
“As fronteiras ocidentais do Império foram atacadas pelos Elfos, cujos números chegavam a dezenas de milhares. As tropas lá estacionadas estavam completamente indefesas diante das maldições dos Elfos e foram todas transformadas em sapos.”
“Havia mesmo tantos assim deles?”
“Nem mesmo cem.”
“Todos eram elfos sombrios?”
“Eu cruzei espadas com alguns elfos de classe ancião, mas a maioria era normal.”
“Os soldados foram realmente transformados em sapos?”
“Algumas pessoas têm imaginação vívida.”
Eles continuaram. “A inigualável Bela Princesa, Lillia Asplay, foi para as terras fronteiriças. De seus lábios um vento gentil e suave era soprado, que rejuvenescia os soldados e transformava os afetados pelas maldições élficas de volta em humanos.”
“E quanto a isso?”
“Mesmo que eu seja incrível, não posso fazer milagres.”
“Depois disso, ela desembainhou Seniorious e ergueu-a para o céu e preparou-se para entoar um lendário encantamento sagrado. A Verdadeira Sangrenta Onda de Sangue Vermelho Carmesim da Destruição Flamejante Suprema é um feitiço proibido mais catastrófico capaz de dividir a terra e rasgar os céus em pedaços, um feitiço tão poderoso que o mestre de Lillia proibiu seu uso–”
“Hahahahaha!” Lillia apertou seu estômago, dando uma gargalhada. Foi tão hilário que seus olhos estavam começando a lacrimejar. “Oh, vamos lá, eu não sei de nenhum feitiço com um nome enorme desses! Sério, é completamente impossível que aquele meu mestre tenha criado tal feitiço!”
“É mesmo tão engraçado?” Willem parecia um pouco aflito. “Embora os relatórios possam ter o efeito pretendido de aumentar o moral, eles estão ficando cada vez mais absurdos.”
“Isso não é uma coisa boa? Não tem problema, desde que ajude as pessoas, certo?”
“Não tente agir como uma santa, isso não combina mesmo com você…”
“Olha quem fala.” Tanto o Regal Brave quanto o Quasi Braves eram parecidos com santos reconhecidos pela Igreja da Santa Luz. “Além disso, nem é grande coisa, então por que se preocupar com isso?”
“Se continuar assim, o seu verdadeiro eu não irá desaparecer?”
“O que você quer dizer?”
“Para essas pessoas que vomitam bobagens regularmente, o que você faz realmente não afeta as reportagens. Eles ignoraram completamente você — o Brave que abateu gradualmente menos de cem elfos ao longo de três dias, Lillia Asplay — para que pudessem distorcer os fatos.”
“Eu suponho que você esteja certo.” Lillia sorriu, acenando com a cabeça. “No entanto, vou deixar o passado no passado. Como Braves, nosso trabalho é lutar para que as massas possam continuar sua vida cotidiana pacífica. Não é mesmo?”
“Esse não é o seu trabalho.”
“Não, mas esse é um dos deveres de um Brave.”
“Mesmo assim…” Willem parecia infeliz por algum motivo. “Não é o seu trabalho”, ele silenciosamente, mas com firmeza, protestou.
“Não seja tão cheia de si, Quasi Brave.” Lillia deu uma risadinha para encobrir as lágrimas no canto do olho, enxugando-as sem que Willem percebesse.
Eles decidiram usar a rara oportunidade para passear pela capital.
O Império havia aumentado seu território engolindo países vizinhos cujos recursos tinham sido gastos em guerras contra os Monstruosos, e a Capital era o centro de seu governo. Era uma cidade próspera onde pessoas de muitas culturas e línguas diferentes coexistiam juntas. Pode-se dizer que dar uma volta pelo mercado da Capital era semelhante a uma viagem pelo continente.
O segundo e o quarto distritos da capital eram conhecidos por suas muitas oportunidades de turismo e compras. Lillia arrastou Willem junto com ela, caminhando entre a absurdamente longa Rua do Grifo e a Rua da Salamandra.
“Impressionante! O que é isso?” Os olhos de Lillia se arregalaram quando eles pararam em uma loja dirigida por comerciantes de Garmond do Norte. Na vitrine, haviam vestes exóticas feitas de um tecido tão fino que era quase transparente. “Uau, todas as pessoas de Garmond usam roupas tão reveladoras?” Lillia levantou um canto do tecido. “Isso nem cobre as pernas!”
“Bem, o país de Navrutri fica na mesma região.”
“Ah! Isso explica tudo.”
Navrutri Teigozak era um Brave do sexo masculino nascido em Garmond Ocidental que ambos conheciam de perto. Um mulherengo, toda vez que Lillia o via, ele estava perseguindo ou sendo perseguido por mulheres — mais frequentemente a segunda. Por causa dele, Lillia ficou com a impressão de que os moradores locais eram bastante mal-educados e tinham uma propensão a causar conflitos internacionais menores… mas pondo isso de lado.
“Hmm… se eu usar isso, não pareceria muito apropriado…” Lillia levantou o tecido mais alto, revelando a perna branca arqueada do manequim de pedra por baixo. Voltando-se para Willem, ela fez uma pergunta: “O que você acha?”
“Não é muito bom? Mesmo que não seja do tamanho certo por causa de algumas diferenças na altura do corpo, é assim que é feito”, respondeu Willem sem rodeios.
“Nossa. Você aceitou tão facilmente.” Ela deixou a roupa cair. “Você não deveria estar desviando o olhar ou corando, ou gritando “Que sem vergonha!”? Eu estava ansiosa para esse tipo de reação.”
“Vamos lá”, Willem suspirou. “Quem você pensa que eu sou?”
“Um cara simplório e ingênuo que não sabe lidar com garotas.”
“Eu não posso negar a segunda parte, mas você está errada sobre a primeira.” Willem resmungou. “De qualquer forma, você não se sentiria envergonhada por usar isso? Você é uma garota, afinal… biologicamente, pelo menos.”
“Com licença, mas como sou uma excepcional membra do sexo feminino, não haverá problemas. Cuidado, eu poderia estar me preparando para usar isso para seduzir os caras no futuro.”
“Você vai ganhar o coração de um cara com base nisso?”
“Bem, saberemos quando chegar a hora. Deve-se levar a sério os passos dados para garantir um futuro promissor, tá ligado?”
Willem parecia um pouco desconcertado. Ha. Willem Kmetsch ficando infeliz com o pensamento de algum homem aleatório ficando íntimo com Lillia Asplay no futuro? Que piada.
“Ei.”
“Sim?”
“Os elfos sombrios que atacaram o território de Dionne foram todos exterminados?”
Lillia não se surpreendeu; não seria a primeira vez que seu imensamente irritante discípulo sênior, mudara aleatoriamente o assunto no meio de uma conversa. Depois que os elfos no controle do antigo território de Dionne foram exterminados, a área passou a pertencer ao Império. Ficava bem longe da Capital, mas não muito.
“Você não sente vontade de voltar?”, Perguntou Willem.
“Eu visitei no ano passado. A grama cresceu bem rápido perto do antigo castelo. É horrível.”
“Não é isso que eu quero dizer. Você sabe do que eu estou falando.”
Lillia sabia. Willem estava se referindo a restaurar Dionne à sua antiga glória, chamando as pessoas para lá reassentarem. Retomar o berço de Lillia Asplay, rompendo com uma vida de constante batalha. Deitando Seniorious, reivindicando seu status como realeza, e se tornando uma princesa mais uma vez.
O que Willem falou soou como um sonho fantasioso. No entanto, se ela realmente quisesse fazê-lo, provavelmente poderia se tornar uma realidade. Embora não fosse exatamente o mesmo, ela poderia reconstruir o Reino Cavaleiro de Dionne.
“Bem…” Lillia enfiou a mão nos bolsos, trazendo o artigo de antes. Nele foram escritas muitas linhas floridas e poéticas. Lillia Asplay luta por sua casa. Ela luta para recuperar o território, os cidadãos, a glória de Dionne — todas essas coisas que lhe foram tiradas. Olhando para aqueles olhos tristes, só se poderia ver–
“Eu provavelmente não tenho esses sentimentos”, ela respondeu com sinceridade, fechando os olhos. “Todos os meus inimigos já foram derrotados em algum outro lugar. Além disso, esse não é o território do Império agora? E uma das linhas de frente na guerra contra os Orcs, ainda por cima.”
Ela coçou a bochecha. “Além disso, eu realmente não quero ser uma princesa novamente…”
“Você é tão superficial.”
“Hah, talvez…”
Os sentimentos de Lillia eram bastante superficiais. Além disso, ela não tinha realmente levado a melhor sobre suas emoções ainda. Raiva, ódio, frustração — ela não tinha certeza se realmente sentia essas emoções em seu coração.
Eu devo estar perdendo algo muito importante como pessoa. Mas o que? “… de qualquer forma, é por ter sentimentos tão superficiais que não tenho muito interesse no passado!” Lillia riu. Eu devo estar carecendo de alguma forma de sentir vontade de rir.
Lillia começou a andar de blusa em blusa, olhando para cada uma delas. “Essa também é decente, acho que posso usá-la facilmente. Parece perfeita para ocasiões formais–” Uma recordação piscou em sua mente. “Oh! A propósito, recebi um convite para a celebração de inverno do Imperador. Não posso acreditar que esqueci completamente! É hora de pensar sobre o que vestir.”
“Vamos. Você não pode fazer uso dos luxuosos guarda-roupas de Sua Majestade? Basta perguntar com jeitinho ou algo assim.”
“Sim, eu fiz isso no ano passado. Mas então a notícia se espalhou, e o que eu usei no ano passado ficou realmente na moda. Todos queriam vestir o mesmo estilo que o grande Regal Brave”.
“Delírios são assustadores assim, hein…”
“Não vamos falar sobre isso. Eles não deveriam ter convidado você também?”
Willem encolheu os ombros. “Eu recusei. Vou passar a noite do Festival de Inverno com a minha família.”
“Família? Você quer dizer Aly e as outras crianças? Então você está voltando para a Gomag?”
Gomag era a cidade natal de Willem, onde estava localizado o orfanato que ele viveu, e ficava nas fronteiras do Império. Partindo da Capital, levava muito tempo para viajar de ida e volta.
“Eu já organizei para tirar todo o meu tempo disponível de uma só vez. Então, vou sair em missões sem parar a partir de amanhã.”
“Mesmo?”
Os Monstruosos estavam atacando cada vez mais frequentemente. A Igreja definitivamente não permitiria um Quasi Brave como Willem viajar para tão longe tão facilmente. Mas conhecendo Willem, ele teria insistido, e eles o teriam taxado com muito mais missões em troca.
“Se você está cansada das celebrações de Sua Majestade, por que não me acompanha?”
Ouvindo Willem estender um convite tão naturalmente a ela, Lillia só pôde responder com surpresa. “Hã? O que, eu?”
“Sim. Tenho certeza que Aly e os pequenos ficarão felizes em conhecê-la.”
“Uh…” O que diabos ele está dizendo? O Quasi Brave Willem Kmetsch e a Regal Brave Lillia Asplay deixando a Capital ao mesmo tempo certamente causaria um alvoroço. Se tal coisa realmente acontecesse, provavelmente alguns sacerdotes da Igreja da Santa Luz perderiam suas cabeças. Ele deve estar brincando comigo.
… Willem sinceramente me convidou para sua reunião de família. Além disso, ele entende muito bem as implicações de seu convite. Os dois deixando o Capital significaria uma queda notável no poder de sua força defensora. Em resposta, a Igreja provavelmente solicitaria o retorno deles e tentaria recuperá-los a todo custo. Tomando todas estas coisas em mente, Willem ainda assim casualmente jogou o convite para ela.
“Esqueça isso,” disse Lillia. “Mesmo não sendo mais uma princesa, eu não perdi meu gosto por festas de gala!”
Seria fácil para ela concordar com o pedido de Willem. Mas fazer isso colocaria todo tipo de carga extra sobre ele, e ela não poderia aceitar isso.
“Então é assim…” Olhando para o rosto de Willem, Lillia pensou ter visto um lampejo de desapontamento. Willem provavelmente esperava que ela concordasse com o convite dele.
Ela se lembrou daquele inverno fatídico quando viu Willem pela primeira vez praticando naquela floresta. Olhando para seus movimentos brutos e desajeitados, Lillia se sentiu revoltada. Naquele momento, ela não tinha prestado atenção a suas palavras e seus pensamentos entornaram de sua boca.
Embora Lillia não pudesse vê-lo, agora ela podia imaginar. Willem lutou com todas as suas forças para se tornar mais forte. Ele tinha suas razões. Na esperança de se tornar mais forte, ele se reerguia toda vez que desmaiava de exaustão. Lillia podia ver isso claramente observando suas sessões de prática.
E então ela pensou: Posso realmente fazer a mesma coisa?
Teria sido fácil para Lillia copiar os métodos de treinamento de Willem. Teria sido fácil para ela desejar se tornar mais forte. Então ela ficou confusa.
E se eu, Lillia Asplay, continuasse experimentando um fracasso constante, mas continuasse lutando? O que seria de mim quando me tornasse forte? Mesmo se eu continuasse caindo e tropeçando, eu seria capaz de me levantar e continuar? Eu seria?
… isso seria impossível.
Ela havia perdido sua casa e sua família. Naquele instante, Lillia Asplay — a garota que só seguia os desejos daqueles que a cercavam, dizendo-lhe para sentir tristeza e ódio — percebeu pela primeira vez que era uma concha vazia.
Lillia ficou furiosa, sua inveja e ciúmes inchavam. Como uma moça, ela era incapaz de controlar muito bem esses sentimentos e assim–
“Absolutamente terrível”, ela cuspiu.
E assim, daquele momento em diante a relação entre Lillia Asplay e seu discípulo sênior Willem Kmetsch se tornou bastante complicada.
Parte 4 – ~Isso deve ser amor~
A Igreja da Santa Luz não era nem compreensiva nem complacente para com Willem Kmetsch. O caprichoso Quasi Brave havia pedido por um longo período de licença de suas funções oficiais em um momento importante, deste modo fora sobrecarregado com um monte de missões em troca.
“Me dá um tempo!”, Ele gritou, correndo para fora da Capital.
Às vezes indo para o leste e às vezes para o oeste, ele viajava entre vários campos de batalha dia após dia. Normalmente, tal arranjo teria sido absurdo de aceitar, mas ele não poderia deixar passar uma oportunidade de passar a noite do Festival de Inverno com seus entes queridos.
Mesmo que seja assim… tanto faz. Lillia não se importava com o que quer que seu discípulo sênior fazia. O Willem que ela conhecia superaria qualquer dificuldade para se reunir com seus entes queridos naquela noite especial. Vou deixá-lo estar. Preocupar-se com ele é inútil de qualquer forma.
Ela voltou sua atenção para o problema com Seniorious. Por ela ter lutado contra um bando de Elfos que protegiam seus corpos com maldições protetoras, as linhas de feitiços do Carillon tinham sido levemente danificadas.
É claro que ela não era tão fraca que poderia quebrar por causa de algumas maldições, mas também não poderia ser deixada para lá. Ao contrário de Mourunen, que era impossível de parar assim que começava a matar, ou Zermelfiore, que gradualmente consumia seu portador, Seniorious permanecia o melhor trunfo da humanidade. Como o maior de todos os Carillons de elite, ela tinha que manter seu bom estado o tempo todo para que pudesse ser usada em qualquer situação inesperada. Consequentemente, Seniorious tinha sido enviada para as oficinas para uma manutenção completa.
Lillia abriu uma fresta da porta da oficina, espreitando dentro de uma sala espaçosa e sem janelas, com diagramas complexos inscritos nas paredes, usando o que parecia ser uma tinta à base de pó de ferro. Um bando de talismãs de aparência familiar flutuava no ar e cerca de vinte feiticeiros estavam em volta da sala entoando. A miríade de talismãs mudava de posição continuamente, fracas linhas de luz se lançavam entre pares de talismãs combinados e ligavam-nos por um instante.
Esse é um ritual bem estranho que estão realizando.
“A manutenção não pode ser concluída em uma noite?” Lillia perguntou a um feiticeiro próximo que ela conhecia, um que ostentava uma barba impressionante.
“É delicado o suficiente como já é”, o jovem feiticeiro respondeu seriamente, enxugando o suor. “Você sabe muito bem que esses Carillons são feitos como intrincadas obras de arte.”
De sua parte, Lillia sabia que eles eram compostos de muitos fragmentos diferentes de metal, conhecidos como Talismãs, unidos por uma rede de linhas de feitiços. Seu poder misturava-se e fundia-se de maneiras intricadas, eventualmente se estabilizando para formar a espada conhecida como Carillon. Por causa da perícia estelar que formava cada Carillon, havia um equilíbrio quase miraculoso entre os vários talismãs. O sistema inteiro poderia entrar em colapso se fosse mexido mesmo que levemente, resultando na perda da maior parte do poder da espada.
Por outro lado, os processos envolvidos na elaboração e manutenção dos Carillons eram muito estranhos para ela. No entanto, ela se lembrou de uma vez ter visto–
“Se bem que Willem não já fez isso antes? Ele apenas dividie os Talismãs com um whoosh, termina a manutenção em um piscar de olhos, e o Carillon fica tão bom como novo depois de alguns floreios.”
“Isso é o quão anormal ele é…”
Ah, então é isso. Eu pensei que poderia ser esse tipo de coisa.
“Nenhum ser humano poderia fazer o que aquele cara é capaz de fazer.”
Aham, eu contava com isso.
“De qualquer forma, isso é apenas uma rápida manutenção de emergência. Ela não consegue lidar com alguns dos problemas mais delicados que um Carillon pode ter, nem pode reparar Carillons já danificados…” o feiticeiro tagarelou sem parar. “… e usar qualquer talismã velho para reconstituir um Carillon definitivamente não funcionaria! Essas excentricidades problemáticas dele podem ser úteis no campo de batalha, mas na verdade ele está apenas consertando parcialmente e adicionando alguns de seus estranhos hábitos à mistura!”
“Oh?” Embora Lillia não tenha ouvido nada além de reclamações sobre Willem do feiticeiro, ela viu que ele falava com um olhar carinhoso.
Ela tinha ouvido que as chamadas excentricidades de Willem tinham sido polidas durante longas horas de prática na oficina. Willem era o tipo de pessoa que envolvia todos ao seu redor perseguindo seus objetivos, então os feiticeiros aqui cuidaram bem dele. Ele provavelmente aprimorou suas habilidades o máximo possível, aprendeu tudo o que pôde e depois se recusou a se juntar aos seus números no final e foi direto para o campo de batalha. Assim, no final das contas ele era visto como um aprendiz um tanto irreverente a quem eles ainda se lembravam com carinho.
Embora Willem fosse um excelente aprendiz, e eles o tratassem com carinho, não podiam elogiá-lo genuinamente. Meu Deus, eles são todos tão desonestos consigo mesmos.
“Pois bem, quanto tempo até terminar?”, Perguntou Lillia, espiando a oficina mais uma vez.
“Pelo menos dez dias”, o feiticeiro respondeu.
Ser incapaz de usar Seniorious não causaria muita dificuldade a Lillia, já que não precisava ser usada com muita frequência. Na verdade, a humanidade teria sido eliminada há muito tempo se inimigos que apenas a Seniorious pudesse derrotar continuassem aparecendo. O problema agora era que, como a Regal Brave, ela geralmente não recebia nenhuma missão de longa distância enquanto Seniorious estava em manutenção.
“Que saco…”
Sem nenhum passatempo, Lillia não tinha certeza do que fazer com todo o tempo livre que tinha, então se viu passeando pela Rua do Grifo mais uma vez.
Desta vez, havia mais barracas ao longo das margens da estrada, com uma seleção maior de itens em exibição. Lillia se viu interessada nas mercadorias exóticas à venda, mas logo ficou entediada. Depois de um tempo, ela já não se sentia atraída pela novidade das várias bugigangas fofas, vestes exóticas e decorações de diferentes cores que continuava a ver.
Como o Regal Brave, ela estava acostumada a viver sozinha. No entanto, ela não tinha o hábito de fazer compras sozinha e não se dava ao trabalho de parecer alegre. Não há sentido em fazer isso se não houver ninguém por perto.
“Hmph…” ela suspirou para si mesma, parando debaixo de uma árvore para descansar. “Estou tão entediada…”
Talvez eu deva tentar contar o número de nuvens no céu. Ou eu poderia tentar contar os tijolos que cobrem as ruas, depois checar os registros oficiais para ver se eles batem? Tanto faz. Lillia estava confiante de que poderia pensar em um monte de atividades inúteis para fazer.
O que todos os meus colegas Braves estão fazendo agora? Estão eles lutando em algum campo de batalha distante, ou reunidos com seus entes queridos? Alguns provavelmente estão lutando ao lado de seus companheiros, alguns felizes ao lado de sua família, outros procurando pelo amor–
“Achoo!” Um espirro aleatório tirou Lillia de seus pensamentos. “Está tão frio…”
Mesmo que esteja de volta à Capital, tenho sido um pouco descuidada ultimamente. Eu deveria ter usado uma camada extra ou algo assim quando saí.
À noite, Lillia foi a um restaurante perto da Rua dos Estudantes.
“Eu vou mergulhar de novo no labirinto amanhã!” Kaya Cultrun declarou, drenando sua caneca de cerveja em um só gole.
“Mesmo? Você não acabou de voltar ontem?” Lillia perguntou, colocando seu copo de cobre cheio de suco.
Uma mulher esbelta em seus trinta anos com uma estrutura enorme e musculosa, Kaya era um aventureira. As chamadas aventuras que eles geralmente iam eram apenas trabalhos em que lidavam com situações moderadamente perigosas, como quando a ameaça representada por monstros não era tão alta que um Brave era necessário no local. No entanto, eles não tinham uma renda estável. Monstros não apareceram o tempo todo para ameaçar a humanidade, os aventureiros nem sempre eram capazes de derrotá-los, e uma vez que um monstro era morto, era impossível encontrar o mesmo novamente.
Para estabilizar sua renda, os aventureiros recorriam aos labirintos: estruturas subterrâneas em sua maioria inexploradas, repletas de monstros perigosos e tesouros raros. Quanto mais fundo se fosse, mais — e melhores — tesouros seriam encontrados.
“Você tem certeza de que está tudo bem em mergulhar no labirinto repetidamente desse jeito?” Lelia perguntou. “Ah, e você está mesmo descendo para a camada mais profunda? Eu ouvi que ela está repleta de maldições realmente horríveis, sabe?”
A camada mais profunda de um labirinto continha muitas camadas naturais de maldições, e permanecer dentro por um período prolongado de tempo faria com que o corpo da pessoa apodrecesse lentamente. Para evitar isso, era preciso usar talismãs para proteger contra nove camadas de maldições. Era melhor não ficar no subterrâneo por muito tempo, se possível, para ir à superfície periodicamente para descansar e limpar as maldições que se instalaram no corpo.
“Eu realmente não quero ir”, Kaya respondeu. “Vou ter que comprar mais alguns Talismãs defensivos, o que pode ser muito caro, e também não tenho muita energia de sobra.”
“Apesar de tudo isso você ainda vai voltar, hein?”
“Com certeza. Algo surgiu recentemente, então tenho que ganhar mais dinheiro em vez de fazer a pausa habitual.”
“Eu acho que a saúde pessoal é mais importante que o trabalho…”
“Uma colônia de coelhos dentes de sabre apareceu perto da minha cidade natal.”
“Ugh!” Lillia exclamou em desgosto.
Coelhos dentes de sabre eram um tipo de monstro de classe baixa que ostentavam dentes anormalmente longos capazes de perfurar armaduras. Indo pelo sistema de níveis que os aventureiros eram classificados, essas criaturas perigosas estariam em torno do nível 11; uma quantidade igual de aventureiros com a média desse nível seria necessária para lidar com eles sem problemas. No entanto, a ameaça deles não estava apenas em sua força.
“Se não exterminarmos completamente essas coisas, elas começarão a se reproduzir novamente e vão aparecer de outra saída da toca, então preciso reunir alguns aventureiros e lidar com eles rapidamente.”
“Você não pode se livrar deles por conta própria, senhora Kaya?”
“Talvez se fosse um monstro grande, mas estamos falando de coelhos. Preciso de cerca de vinte aventureiros poderosos para ajudar. Mesmo assim, teremos que nos preparar para um mês de trabalho árduo, ou pior… então, se é isso que estaremos fazendo, vai custar algum dinheiro.” Kaya esfregou o polegar e o indicador juntos.
Matar um coelho era fácil. Matar dez ainda era factível. No entanto, exterminar centenas de coelhos dentes de sabre que se reproduziam continuamente e tentavam fugir exigia grandes quantidades de mão de obra e recursos. A esse respeito, os coelhos eram mais irritantes que os elfos. Pelo menos os elfos poderiam ser lidados de maneira simples e elegante, usando uma força esmagadora para afastá-los.
“E pensar que vou para o subterrâneo por uma mera cidade quando a humanidade está sendo ameaçada pelos Monstruosos! É estranho estar discutindo essas ninharias com você, Lillia.”
A proficiência de combate, geralmente bastante difícil de quantificar, era medida pelos aventureiros usando o sistema de níveis. A maioria dos civis seria considerada de nível 2 ou 3, enquanto soldados treinados estariam mais ou menos no nível 10. O nível mais alto que a maioria dos humanos normalmente alcançaria era de 30 ou pouco mais. Kaya, considerada um ás experiente e veterana de muitas batalhas por sua guilda, estava no nível 39.
“Muitos outros pensam da mesma maneira?”
“Cada vez mais ultimamente.” Kaya sorriu fracamente. “Se nós simplesmente formos e armarmos a maior confusão na linha de frente, menos soldados teriam que morrer! – ou algo assim.”
“Você deve estar brincando comigo…”
Ah bem. Eu não deveria estar tão surpresa. Afinal, havia muitos tipos de pessoas no mundo. Algumas pessoas só podiam justificar as vidas trágicas que levavam denunciando aqueles à sua volta como malfeitores de algum tipo. Frequentemente reclamavam mais alto, criticando quem quer que quisessem em nome do povo.
“Isso é totalmente irracional da parte deles! Eles não sabem que os Talismãs que usamos são feitos principalmente daqueles fragmentos cinzas que aventureiros como você trazem do subterrâneo? De certo modo, todos vocês estão contribuindo para o esforço de guerra também!”
As maldições eram semelhantes a poderosos conceitos distorcedores da realidade. Por exemplo, se uma criança ouvisse repetidamente que ela era uma imbecil, ela certamente cresceria para se tornar uma tola. Por outro lado, uma garota se tornaria uma pessoa mais bonita se lhe dissessem repetidamente que ela era bonita. Uma vez que um resultado fosse exibido, ele poderia afetar e alterar objetos materiais.
No entanto, as numerosas maldições presentes nas camadas mais profundas de um labirinto ocorriam naturalmente. Ficar armazenada no subterrâneo por um longo tempo sem quaisquer alvos para afetar invariavelmente alterava a natureza de tais maldições, distorcendo suas qualidades originais. Para dizer de outra forma, uma maldição de labirinto era como uma tela manchada que tinha sido completamente branqueada, permitindo adicionar uma nova tinta com facilidade. Esse traço particular permitia que os humanos utilizassem os fundamentos das maldições para sintetizar talismãs. Assim, os antigos fragmentos cinzas usados como ingredientes para talismãs eram vendidos por preços elevados na superfície.
Kaya sorriu debilmente, suas bochechas coraram pela bebida pesada. “É bom ouvir isso da pessoa na vanguarda das batalhas da humanidade.”
Como uma aventureira que fundamentalmente explorava a subterrâneo, ela não teve nenhuma oportunidade de receber palavras de elogios de outras pessoas, então naturalmente ela notaria o comentário improvisado de Lillia. Isso não é uma coisa ruim, no entanto…
“De qualquer forma, aquela cidade…” Lillia fez uma pausa, preparando-se para fazer uma pergunta desagradável, “… realmente precisa da sua ajuda?”
“O que você quer dizer?”
“Eles podem lutar eles mesmos ou juntar dinheiro para contratar alguns soldados, não podem? Se não conseguirem sequer fazer isso… bem, não vão durar muito tempo contra aqueles coelhos dentes de sabre.”
“Sim. Eu também acho.”
“Então por que–”
“Aquela cidade é o meu lar”, Kaya respondeu com naturalidade, quase falando para si mesma. “É a cidade natal do meu marido e dos meus filhos. Para mim, é um lugar com muitas lembranças, então é claro que não posso deixar para lá.”
Embora Lillia tivesse esperado esse tipo de resposta, ouvi-la a fez sentir-se um pouco solitária.
“Você não pensa da mesma forma?” Kaya perguntou. “Se algo acontecesse com Gomag — cidade natal de Willem — você também não ficaria sentada só assistindo.”
Lillia riu. “Essa é uma pergunta engraçada.”
“Oh? estou enganada?”
“Não só está enganada, como parece que você entendeu mal o nosso relacionamento.”
“Ah, bem. Que pena.” As duas sorriram timidamente, levantando os copos uma para a outra.
Cinco minutos depois, uma voz soou. “Já tive o suficiente! Estou terminando com ele!” Emissa Hodwin bateu com a palma da mão na mesa, sacudindo os pratos e as xícaras e imediatamente focalizando a atenção de todos no restaurante. “Já que eles já estão assim, eu não me importo mais!”
Embora Emissa fosse uma aventureira, ela era fundamentalmente diferente dos mais normais; Sua aparência como uma mulher bem-educada em seus vinte anos desmentia sua especialidade como caçadora de poderosos monstros.
“De novo?” Kaya perguntou indiferente. “Quantos dias até você decidir voltar?”
“Desta vez é pra valer! Eu não vou perdoá-lo, não importa o que aconteça!” Emissa retrucou, emborcando o copo de cerveja de frutas em um só gole.
“Uhh…”
“Oh, desculpe. Você não está acostumada com isso, certo?”
Emissa foi direto para a mesa delas depois de entrar no restaurante, se jogando no banco ao lado de Lillia e imediatamente pedindo o que parecia ser uma cerveja destilada muito forte. Em seguida, ela continuou com um discurso de bêbado, deixando Lillia um pouco estupefata enquanto Kaya silenciosamente enchia sua caneca.
“É o de sempre. O namorado dela é bonito e tem personalidade para combinar, então ele atrai as garotas facilmente.”
“Entendo…”
Lillia ouvira dizer que Emissa nasceu em uma família de proprietários de terras. Graças ao venenum transbordante que possuía, ela estava propensa a mandar tudo pelos ares em suas birras. Por causa disso, ela foi trancada em uma masmorra subterrânea, incapaz de ver ou tocar qualquer coisa durante seus anos de adolescência.
Eventualmente, Emissa foi resgatada por um aventureiro adolescente que estava na vizinhança por razões próprias. Na época, ele era apenas nível 9, então sua guilda teria colocado restrições nas áreas em que ele poderia se aventurar ou no tipo de missões que poderia realizar, proibindo-o de lutar contra monstros excessivamente poderosos. Ele sentiu a garota trancada em uma masmorra próxima, encontrou-a e a levou para a luz do dia.
Claro, isso não resolveu nenhum dos problemas que Emissa tinha. Só depois de passar por dificuldades inimagináveis e com grande esforço ela foi capaz de controlar seu próprio poder. Os dois haviam se apoiado naqueles tempos difíceis, prometendo forjar um futuro juntos como aventureiros… ou assim esperavam.
“Há uma enorme diferença de poder entre Emissa e o namorado dela, certo? Ele está apenas no nível 17, mas ela já está no nível 61.”
Ser um aventureiro de nível 17 não era ruim; pode até se dizer que está ligeiramente acima da média. Ele podia aceitar missões para derrubar monstros mais poderosos e era permitido descer até a quinta camada de um labirinto. Foi um aumento de nível fenomenal para alguém que tinha sido apenas nível 9 há poucos anos atrás. No entanto, Emissa detinha o segundo nível mais alto de todos os aventureiros ativos com o Nível 61 — uma designação que significava que ela era capaz de destruir um exército sozinha.
A realidade era que a diferença de poder entre eles era simplesmente grande demais. Se Emissa trouxesse seu namorado junto nas missões que normalmente aceitava, ele morreria quase imediatamente. Por outro lado, o namorado dela não poderia levá-la em um trabalho de aventureiro de nível 17, uma vez que ela usava livremente o seu poder, independentemente da destruição que desencadeava, a tal ponto que as paisagens circundantes eram completamente alteradas. Assim, os dois eram incapazes de ir em missões juntos, em vez disso, naturalmente, gravitavam em direção a campos de batalha mais adequados às suas habilidades individuais.
“Ele salvou alguma donzela aleatória em perigo de novo! Além disso, ela se apaixonou por ele!”
Vamos lá, isso está destinado a acontecer. “Isso não é… uma grande coisa, é?” Lillia perguntou, percebendo por que Kaya estava tão quieta. Começando a rir irremediavelmente, ela brincou: “Se ele dá tanta dor de cabeça, por que não tenta prendê-lo?”
“Eu queria mesmo!” Emissa gritou quando Kaya sorriu para Lillia. “E além de tudo, a mulher também é bonita!”
“Seu ciúme está te fazendo imaginar coisas.” Lillia pegou um pedaço do peixe frito de seu prato e colocou na boca. Delicioso.
“Não há necessidade de se preocupar com Emissa, sabe”, Kaya sussurrou baixinho para ela. “Desde que passou sua infância no escuro, ela age como uma criança e quer toda a atenção do namorado. É porque o cavaleiro de armadura brilhante dela não está ao seu lado que ela está tão irritada.”
Acho que ela está compensando o desenvolvimento saudável de que sua infância careceu, Lillia pensou, balançando a cabeça e mastigando a comida. “Ah, entendi.”
“Você não se identifica com ela?”
“Por que você diz isso?” Ela decidiu ignorar a brincadeira de Kaya.
Aqueles que não eram aventureiros ainda poderiam ter sua capacidade de combate avaliada por uma guilda de aventureiros, organizando uma luta juntamente de seus membros. Lillia estava no nível 77, um número muito acima dos limites terrenos. A maioria das pessoas ficaria tão surpresa com o poder do Regal Brave que desistiriam antes de tentar desafiá-la. Willem também teve seu nível avaliado, atordoando a todos quando descobriram que ele estava no nível 69.
Qualquer que fosse o caso, Lillia não era particularmente próxima de Emissa e até a achava irritante.
E assim, mais cinco minutos se passaram.
“… é por isso que… ei, Lillia, o que há com esse olhar no seu rosto? Como estão as coisas com você e Willem esses dias, hã?” Emissa abruptamente perguntou, seus olhos começavam a perder o foco.
“Eu gostaria de saber também”, Kaya se intrometeu, seus olhos brilhavam.
“Quaisquer que sejam as ideias que vocês possam ter, nós não temos mesmo nada entre nós”, Lillia respondeu sem rodeios. “Ele sempre foi e sempre será apenas um discípulo sênior irritante.”
“Por que falar assim?” Kaya perguntou. “Eu pensei que você não o odiava.”
“Para dizer a verdade, eu realmente o odeio.”
“Pelo amor de Deus, por que você é desse jeito? É insuportável para todo mundo assistir vocês dois, sabia! Se você odeia mesmo ele, então por que… não o ataca?!”
Oh. É isso o que ela quis dizer.
“Você é mais forte do que Willem, afinal de contas, então você deveria ser capaz de roubá-lo, hein?”
“Bem… não posso dizer que não estou confiante sobre isso…”
Lillia realmente não se importava com a imagem mítica dela que havia sido espalhada pelos contos do lendário Regal Brave. Ainda assim, essas histórias tinham que ter alguma base na realidade, então sua aparência não podia ser tão ruim assim. Embora ela não fosse a beldade deslumbrante como era retratada, ela também não parecia esfarrapada demais. Sua figura estava longe de ser desenvolvida, mas ela ainda tinha muito tempo para cultivar mais curvas. Eu ainda estou passando pela puberdade, então devo ser capaz de compensar tudo o que me falta agora, certo? Mais importante ainda, Lillia estava extremamente confiante de que sua figura ainda cairia na faixa que Willem gostava.
Apesar de Willem Kmetsch possuir uma quantidade sinceramente incompreensível de autocontrole, ele ainda era um adolescente, então devia certamente fantasiar sobre garotas da sua idade. Além disso, Lillia podia ouvir a contradição na voz de Willem durante suas conversas. Se alguém fosse destruir o relacionamento existente entre eles e reconstruí-lo novamente, Willem definitivamente a trataria como uma garota adequada. Lillia tinha certeza disso. Mas…
“Tudo bem”, encorajou Emissa. “Eu estou te dizendo, se você apenas o empurrar para baixo, ele não resistirá!”
“Eu não diria que, você sabe…”
Como o Regal Brave, Lillia conhecia várias técnicas fundamentalmente usadas para subjugar um oponente, uma das quais poderia deixá-lo completamente paralisado por um período de tempo. Se ela usasse toda a sua força, ela tinha certeza de que seria capaz de imobilizar até mesmo o inabalável Willem. Eu poderia brincar com ele o quanto quisesse. Essa é uma ideia tentadora… espera, o que estou pensando?!
“Ser capaz de fazer alguma coisa e realmente fazê-la são coisas completamente diferentes”, disse Lillia, tentando tirar seus pensamentos de uma trilha estranha. “Se ele soubesse que eu iria fazer algo assim, nossa batalha provavelmente acabaria destruindo a Capital…”
“Uau, isso é uma analogia assustadora.”
“Como devo dizer isso, então?!” Ela estava ficando nervosa. Tentando resolver sua bagunça de sentimentos, ela disse: “Acho que é mais como… uma flor que cresce em uma montanha bem alta.”
“Entendo.” Emissa assentiu.
“Se você ficasse de longe e olhasse para aquela flor solitária balançando ao vento, você provavelmente pensaria: “Isso é tão bonito” ou algo assim, certo?”
“Mm-hmm.”
“E então, você iria querer arrancar aquela flor e colocá-la em sua mão, não é?”
“Hã?” Emissa inclinou a cabeça, parecendo confusa. “Que tipo de comparação é essa?”
Ah, essa é uma reação normal, não é? Acho que foi uma analogia ruim, embora isso não possa ser evitado. Eu não consigo encontrar um nome para o que estou sentindo agora…
“Ah, credo! Pare de cuspir essa besteira enigmática, Lillia! Não posso ouvir algumas fofocas suculentas que não me envolvam para variar?!”
Você está falando com a pessoa errada, Lillia pensou em silêncio.
Kaya colocou um pouco de cerveja no copo de Lillia. “No momento você tem catorze anos, não é?”
“O que– sim, eu tenho.”
“E Willem quinze, certo?”
“Sim.”
“Ora, ora… tenho certeza que vocês não têm idade suficiente para entender os sentimentos um do outro. Você deve saber que nós adultos podemos ver como você realmente se sente, hein?”
“Senhora Kaya…” Lillia suspirou. “Você está tão bêbada assim?”
“Oh, você notou?” Kaya riu como uma criancinha.
Lillia Asplay gosta de Willem Kmetsch?
Aham. Eu não posso negar isso.
Mesmo que ela nunca confessasse isso, ela gostava dele à sua própria maneira. Ela achava a força de seu coração reconfortante, admirava a maneira como ele vivia e invejava a profundidade de seu amor. Todos esses sentimentos, agitados em seu coração, eram a soma de sua afeição por ele.
Lillia Asplay odeia Willem Kmetsch?
Aham. Absolutamente.
Ela decidira não esconder isso. Ela achava que ele vivia perigosamente demais, invejava sua determinação e odiava como ele amava tão profundamente. Todos esses sentimentos, agitados em seu coração, eram a soma de seu ódio por ele.
Alguém disse certa vez que o amor e o ódio eram dois lados da mesma moeda. Atualmente, a moeda no coração de Lillia não estava girando, e estava com o ódio voltado para cima.
Parte 5 – ~Estimado sangue~
Sete dias se passaram.
A situação de Lillia não havia mudado. Seniorious ainda jazia em pedaços por toda a oficina de manutenção, e Willem ainda estava correndo pelo continente em missões. A partir dos relatórios vindos dos vários campos de batalha, não parecia que o curso da guerra tinha mudado para melhor ou para pior.
O tempo estava tão agradável que uma pessoa até poderia esquecer que era pleno inverno. Os raios quentes do sol brilhavam nos olhos de Lillia. O vento suave, cheirando a feno, acariciou sua pele.
“Você está atrás da minha cabeça, não está?”
A pergunta, tão repentinamente feita a ela, enviou uma onda palpável de desconforto percorrendo a platéia de cavaleiros carrancudos.
“Hmm…” Lillia balançou a cabeça. “Não entendo o que você quer dizer. Se eu tomasse a vida de um velhote triste, eu não poderia exibi-la ou comê-la. Não haveria benefício algum em matar Sua Majestade, não é? Apesar…“
Ela sentiu a mudança de humor do platéia novamente. “Se você tem algum outro benefício em mente que eu não conheça, eu posso até considerar dependendo do que você está pedindo.”
Um dos cavaleiros mais velhos ficou vermelho de raiva e saiu da linha, mas foi impedido pelo olhar de seu lorde.
“Entendo. E a sua resposta é séria?”
“Não tenho motivo algum para mentir”, Lillia levantou a espada e brandiu-a, testando a sensação da lâmina. Era o tipo de arma tipicamente usada para duelo; um florete cego, grosso como um dedo, com uma ponta em forma de bola que quase o fazia parecer cômico. Muito leve como uma arma, mas será suficiente como um brinquedo.
“Sua terra natal, Dionne, foi destruída sob circunstâncias suspeitas. Tem havido rumores de que o reino de Dionne encontrou o seu fim de forma um tanto… não natural, por assim dizer.”
Lillia se aproximou da borda da arena, erguendo a cabeça.
“O Reino Cavaleiro de Dionne foi criado por Abel Melkera, um dos principais Regal Braves que possuía inigualável destreza em combate. Mesmo se fossem atacados por aqueles horríveis Elfos Sombrios, o reino não deveria ter tombado tão facilmente — pelo menos é o que as pessoas dizem.”
“Então, alguém planejou o colapso de Dionne, é isso que você está dizendo?”
“Isso é o que muitos acreditam. Além disso, entre aqueles que mais se beneficiaram com a destruição de Dionne, seria natural pensar no Império que atualmente está assimilando o antigo território de Dionne. Mais especificamente, seu líder…”
O imperador abriu os braços, sua capa esvoaçou no ar. “Eu.”
Havia um certo ar bobo sobre toda a situação, o que deu a Lillia um momento de pausa. Ela exalou um pouco, esfregando a parte de trás da cabeça. “Essa não é uma afirmação um tanto ousada?”
“As massas aceitarão melhor o que é mais fácil de entender. É por isso que ações audaciosas podem trazer rumores bastante interessantes.”
“Sinto que estou em uma aula de Estudos Imperiais tendenciosa. Você está suspeitando de que fui persuadida por esses rumores também, não é?”
“Lillia Asplay, atual Regal Brave… peço desculpas se seu humor foi estragado.” O imperador estreitou os olhos ligeiramente. Tendo recebido uma espada larga embotada de forma semelhante à arma de Lillia, ele assumiu uma postura de luta.
Entendo. Então ele não nega, afinal. Sob o olhar do imperador, Lillia também ergueu a lâmina. Ela deslocou seu corpo para um lado, abaixando ligeiramente o ponto da lâmina. Uma onda aguda de nervosismo passou pelos cavaleiros circundantes, com alguns deles alcançando os punhos de suas espadas.
“E depois? Você me convocou para confirmar meus verdadeiros objetivos depois de ouvir que o Regal Brave com intenções assassinas voltadas para o imperador estava de volta à Capital? E mesmo com as celebrações de inverno próximas, você decidiu montar esse duelo com o pretexto de praticar por algumas rodadas?”
“Essa seria a essência da questão, sim.”
Cada um dos dois duelistas assumiu o Núcleo do Trovão, uma postura de esgrima tradicional amplamente conhecida. O pé esquerdo posicionado ligeiramente à frente do direito, enquanto a parte superior do corpo e a ponta da lâmina ficavam diretamente para frente. Não era apenas uma posição prática adequada tanto para ataque quanto para defesa, mas também uma forma de mostrar respeito pelo adversário no contexto de um duelo.
Que saco.
“Comecem!” O árbitro presidindo floreou a mão.
Lillia deu um passo à frente, levando em conta os passos maiores de um homem adulto. Ela ergueu a espada ligeiramente leve, chicoteando-a para o lado direito do estômago do imperador.
Eu realmente não suporto isso.
Seu oponente respondeu ao seu movimento, dando seu próprio passo para frente. Familiarizado quando se tratava de lutas de espadas, ele realizou um golpe de prática diretamente voltado para o pescoço de Lillia. Ela se esquivou agilmente para a esquerda e eles acabaram trocando de posições.
Lillia resmungou internamente. O primeiro ataque do imperador foi razoável para um duelo, mas inadequado para lutar contra adversários reais. Embora fosse a melhor maneira de marcar um ponto em alguém que carecia de intenção de matar era imprudente se o indivíduo quisesse proteger a própria vida.
Se ela tivesse atacado a sério, a batalha já teria terminado. Embora a habilidade do imperador não fosse ruim, permanecia dentro dos limites alcançáveis pelos seres humanos normais. Se ele levasse um golpe mortal do incomparavelmente poderoso Regal Brave, morreria quase que imediatamente.
No entanto, ou talvez por causa disso, o imperador decidiu apostar sua vida em tal duelo na frente dos lordes e cavaleiros reunidos.
Que julgamento irritante…
Se sua intenção era matar o imperador, ela não poderia deixar passar essa chance. Se ela permitisse que o duelo permanecesse uma simples partida de esgrima, poderia provar que não tinha tais motivos. Por outro lado, se ela simplesmente se recusasse a entrar no jogo, não seria capaz de mostrar que o imenso poder do Regal Brave não era uma ameaça para o Império.
Esses tipos controladores são tããão irritantes. Tudo o que fazem é tão problemático.
O florete de Lillia e a espada larga do imperador colidiam ruidosamente. Um corte circular foi recebido com um golpe amplo, a estocada seguinte foi aparada com uma pancada para a direita, transformando-se em uma repentina investida intermitente que foi imediatamente combatida com um impulso quase idêntico. As duas lâminas dos duelistas dançavam pelo ar, produzindo tinidos discordantes sempre que suas armas se chocavam. Todo o evento quase parecia roteirizado.
Vamos lá, sério mesmo? Que piada.
Suas lâminas se encontraram mais uma vez. Um corte para a esquerda saltando de uma curva circular dupla, dois rápidos golpes de espada, um impulso intermitente desviado por um corte ascendente. A pequena figura de Lillia dançava em torno da silhueta maior do oponente, chovendo golpes precisos de novo e de novo.
No total, eles trocaram oitenta e sete golpes até que o último golpe de Lillia derrubou a pesada espada do imperador e o desequilibrou. Ela entrou no jogo, imitando o balanço dele com seu florete. Sentindo que estava em desvantagem, o imperador recuou e ela fez o mesmo.
“Muito bem.” O suor escorria pela cabeça do imperador. Enquanto se retirava, sua boca quebrou em um sorriso quase juvenil. “Uma criação deveras impressionante. Espero que minha própria família possa tomá-la como modelo.”
“Oh, você me lisonjeia.” Lillia concordou com a atuação dele, enxugando o suor da testa e se retirando também. Os cavaleiros ao redor relaxaram.
“Você deve entender, isso não foi simplesmente cortesia. Eu acho que seria um desperdício muito terrível para você permanecer apenas um Brave… ah, já sei! Lillia Asplay, gostaria que eu a adotasse como minha filha?”
Todos os cavaleiros esfregaram os olhos, tendo se achado livres de mais preocupações até a mais recente bomba do imperador.
Lillia olhou para todos aqueles cavaleiros virtuosos tropeçando pelo canto do olho, então balançou a cabeça ligeiramente. “Sua Majestade, eu aceito seus elogios. Perdoe-me, no entanto, não posso concordar com o seu pedido.”
O imperador baixou a voz. “Eu não estou brincando, sabe?”
“Imaginei isso.” Lillia suspirou. “Se eu me tornasse formalmente sua filha, você poderia colocar um fim nos rumores de que o Império tinha capturado o território de Dionne com truques sujos. Seria o melhor para nós dois, e como Sua Majestade tinha razões suficientes para propor isso a sério, seria compreensível que falássemos mais graciosamente.”
“De fato.”
“Mas, de qualquer forma, não preciso ser adotada.” Lillia casualmente jogou seu florete. Ele navegou pelo ar em um arco perfeito, pousando precisamente em uma bainha de couro erguida no canto da arena.
Finalmente acabou.
Ela se afastou do imperador, decidindo retornar para a Igreja. Até podia não ser algo que valesse a pena chamar de lar, nem era tão confortável, mas ainda era um tipo de santuário, bem como um lugar decente para ficar. “Colocando a conspiração de lado, eu aprecio os sentimentos de Sua Majestade. E…”
Lillia olhou por cima do ombro, sorrindo levemente. “Sua sugestão me deixou um pouco feliz. Então obrigada, tio.”
As técnicas de esgrima usadas em duelos diferiam daquelas usadas no combate real. Em combate, o objetivo era subjugar efetivamente o oponente sem se machucar. Por outro lado, no duelo, o objetivo era mostrar a esgrima superior de um duelista; as técnicas usadas no duelo perseguiam a elegância e a beleza na forma sobre a praticidade.
As técnicas dos duelos anteriores, bem como as sequências em que foram utilizadas, foram registradas em manuais de duelo. Esses registros continham descrições detalhadas dos duelistas: suas posturas, movimentos e técnicas de espada. Embora em geral houvesse poucos relatos de duelos particulares, os duelos oficiais ou em larga escala eram mais fáceis de documentar. Cópias dos manuais mais bem escritos e compreensíveis podiam ser compradas em livrarias conhecidas por duas ou três moedas de prata cada.
“… uma criação deveras impressionante.” O imperador suspirou suavemente, enxugando o suor da testa. Apesar do exercício intenso que acabara de fazer, a água que escorria pelo seu rosto era gelada.
“O que você quer dizer, Sua Majestade?” Um de seus ministros perguntou. O imperador balançou a cabeça. Era inútil explicar aquela enigmática troca de intenções, ou a revelação de sentimentos surgindo do fundo de seus corações.
O imperador repensou no primeiro movimento, revivendo a troca de lâminas em sua mente. Uma estocada para a esquerda em direção ao pescoço. Três cortes rápidos, seguidos por uma aparada. Golpeando depois de recuar meio passo, então retirando-se em seguida. Em seguida, uma investida para frente em direção a um corte descendente e depois um arco ascendente em rápida sucessão. Essa série de movimentos remontava a uma famosa sequência de um duelo entre Jakomo Niereto e Memeto Zeigan no Festival de Duelo Alvariano, vinte e três anos atrás. Na época, Zeigan era um cavaleiro que perdera seu território, enquanto Nieroto era, segundo todos os relatos, o nobre que se apoderara dele. De certo modo, algumas partes dessa história igualavam-se a conexão entre Lillia e o imperador.
Uma série de arcos ascendentes conectados, seguidos por um corte fugaz, alguns passos para trás e depois três ataques de curto alcance, um após o outro. A sequência deles havia se desviado nesse ponto, imitando os movimentos trocados por Norman Romanin e Benvenut Zaxoto durante o duelo deles. Depois de onze movimentos, a partida começou a extrair de outro duelo passado, e de novo vários movimentos depois.
Somente aqueles que entendiam seus verdadeiros motivos saberiam que o imperador havia se aproximado do duelo com uma mentalidade de brincadeira. Lillia poderia ter respondido bem o suficiente. No entanto, ela deu um passo adiante, contrariando as intenções do imperador com as suas próprias. Espectadores familiarizados com suas técnicas provavelmente teriam notado os dois duelistas falando um com o outro através de seus ataques, e talvez até mesmo discernissem o verdadeiro significado por trás das palavras de Lillia.
Através de seus movimentos, a Regal Brave transmitiu isso: “Eu não responsabilizo o Império pela perda da minha terra natal… no entanto, duvido que exista zero de conexão entre os dois. Eu entendo que o Império originalmente planejou tomar o território de Dionne sem carnificina, mas muitas coincidências se combinaram para produzir a tragédia daquele dia. Nnão posso recuperar o que perdi, mas não culpo o Império pelo que aconteceu. Minha posição atual é a mais adequada para Sua Majestade, não é? Eu só peço uma coisa de Sua Majestade… que governe sobre esse território e seu povo corretamente.”
Pah, já tive o suficiente disso. Que amante caprichosa o Destino é. Aquela garota tem o sangue de uma governante. Ela perdeu seu país e seu povo, não tem nada em que confiar, e ainda assim exerce a temperança de um rei. Ela realmente nasceu para se tornar uma governante.
O imperador a queria. Se ele pudesse trazer essa menina para sua própria linhagem, o futuro do Império seria muito mais estável, e poderia até mesmo inaugurar uma nova era de ordem na história humana. Mesmo com a ameaça representada pelos monstros invasores, a humanidade seria capaz de desfrutar de uma era inabalável de prosperidade. Com a ajuda de sua nova filha, talvez ele pudesse garantir a sobrevivência da maior família de todas — a raça humana.
Ele balançou a cabeça tristemente. “Que pena.”
“… então obrigada, tio.”
Seus lábios se curvaram quando ele olhou para o céu. “… tio, não é?”
Lillia recusou o convite para se juntar à família dele, e assim ele não conseguiu cumprir seu desejo de fazê-la chamá-lo de “pai”. No entanto, suas palavras de separação foram surpreendentemente acolhedoras para uma mensagem de despedida.
Como se estivesse falando apenas com o agradável céu de inverno, o imperador murmurou baixinho para evitar que os cavaleiros ao redor o ouvissem. “Até que não foi tão ruim… suponho que deixarei passar, então.”
Antes de voltar para a Igreja, Lillia parou para comprar algumas lembrancinhas para os sacerdotes caras-pálidas. Ela pensou por um tempo sobre o que pegar, depois lembrou dos bolinhos no vapor de ontem. Ah, sim, eles devem servir bem.
Enquanto fazia compras no bazar, ela viu uma criança vendendo os bolinhos e, por curiosidade, provou um. Ela imediatamente se arrependeu: não só era amargo e picante, mas fedia tanto que ela achava que poderia ser melhor chamado de veneno do que comida. Melhor apenas banir essas malditas coisas sem rodeios.
E, por conseguinte, ela compraria um monte desses bolinhos cozidos no vapor e forçaria um na garganta de todos os sacerdotes da Igreja. Como o Regal Brave ela era tecnicamente um santo vivo, então aqueles padres impassíveis não poderiam recusar esmolas dela, certo? Ela então poderia assistir do assento especial do Regal Brave como a preciosa serenidade deles, cultivada através de anos de refinamento espiritual, instantaneamente se quebraria.
Heheheheheh… Lillia riu bizarramente — apenas em seu coração, é claro — enquanto caminhava pelo castelo. Ela parou abruptamente em um corredor com vista para o pátio central. “Hmm?”
Chamá-lo de um mero pátio central era um eufemismo. Ele possuía um enorme e magnífico jardim com uma fonte própria, córregos, floresta em miniatura, flores desabrochando de todas as cores, e também um casal harmonioso encarando um ao outro profundamente.
Lillia franziu as sobrancelhas, reconhecendo seus rostos. “Hmm…? O que está acontecendo?”
Ela reflexivamente ocultou sua presença, escondendo-se atrás de um pilar próximo. O que ele está fazendo aqui? Ele não tinha aceitado um monte de missões da Igreja? Ele não deveria estar correndo pelo continente? Poderia pelo menos ter me dado um oi, para me deixar saber que estava de volta.
Mesmo forçando os ouvidos, Lillia não conseguiu decifrar a conversa com clareza e só conseguiu ouvir o farfalhar das folhas. Ela decidiu se aproximar.
A maioria das técnicas furtivas não funcionaria em Willem Kmetsch. O garoto estava acostumado a viajar para campos de batalha inadequados a um guerreiro de seu talento. Consequentemente, ele havia desenvolvido a capacidade de perceber a hostilidade ao seu redor e aperfeiçoou esse talento a um grau tão absurdo que todos os assassinos do mundo condenariam ferozmente suas escolhas de vida.
No entanto, as técnicas de primeira linha do arsenal considerável do Regal Brave incluíam um movimento que permitia ao seu usuário praticamente fundir-se com o ambiente. Não só apagava todos os traços da respiração do usuário, como também diluiu a própria existência do usuário para o limite absoluto. Tal técnica era extremamente desgastante, e o usuário corria o risco de sua existência infinitesimal desaparecer completamente caso perdesse o controle. Lillia preferiria não jogar essa carta, mas não havia outra escolha. Ela respirou fundo e segurou.
“… talvez seja um pouco indelicado perguntar isso a você”, disse uma voz pura, soando como o badalar de sinos de prata. “Mestre Willem, há alguém de quem você gosta?” A garota que fez a pergunta tinha a cabeça levemente abaixada e as bochechas coradas. Parecia que um artista havia pintado um retrato perfeito de uma donzela inocente, honesta e charmosamente delicada em uma tela em branco. Uma pessoa poderia dizer que ela teve uma excelente educação. Havia um certo ar fantástico sobre ela, e ela tinha um corpo bem-feito ainda por cima. Em suma, ela tinha o tipo de aparência que muitos homens considerariam atraente.
Ela era a sobrinha do imperador e, se Lillia se lembrava corretamente, tinha dezenove anos. Ao que tudo indica ela era uma bela, gentil e majestosa dama com um lado amável para si. Ocasionalmente ela aparecia na cidade, ganhando popularidade entre as pessoas. Seu título era “Sua Alteza a Princesa”.
Esse não era seu nome verdadeiro, é claro, mas era o método comum de se referir a ela na Capital. Sua Majestade, o imperador, não tinha filhas e, entre seus parentes, havia apenas sua sobrinha que ainda não tinha se casado. Independentemente de seu status, embora sua aparência e estatura condiziam com a de uma princesa, um título que ninguém mais possuía em toda a capital.
“… vamos lá, me poupe.” Willem era seu eu habitual. Ele poderia ser chamado normal, ordinário, maltrapilho — ou uma mistura de todos os três, seu rosto parecia ter sido feito empurrando todos os três descritores em uma panela, cozinhando-o em uma chama quente, e depois assando os resultados em um forno. Quando visto ao lado da princesa, eles eram um clássico exemplo de casal incompatível. “Ultimamente, todo mundo tem me perguntado a mesma coisa. Eu tenho um punhado de missões para cuidar além da minha prática diária, então não tenho tempo para pensar sobre isso.”
“Todo mundo… sobre quem você pode estar se referindo?”
“Os Bulgates da livraria. Emissa e Kaya. Mijishiron e os três mosqueteiros da guilda. Ah, e aquele sacerdote gordo cujo nome não consigo lembrar. Além disso, há também Navrutri… e Sua Majestade o imperador, suponho.”
Que multidão.
A jovem sorriu: “Minha nossa, você foi perguntado até por Sua Majestade? Você parece ser bastante popular.”
“Céus, é mais como se eu fosse o brinquedo de alguém…”
Como esperado daquele que que está no centro de todo esse problema. Ele está muito familiarizado com isso.
“Muitas pessoas preocupadas com você significa que você está recebendo muita atenção. Isso deve significar que são inteligentes e têm bons olhos.”
Willem suspirou. “Deixa disso, eles estão só tirando sarro de mim.”
“Isso é impossível”, a princesa respondeu com firmeza. “Afinal, você é um jovem Quasi Brave, Mestre Willem Kmetsch. Mesmo que não esteja no centro das atenções por tanto tempo, sua maestria de combate não é pior do que Lady Asplay, a própria Regal Brave. Sabe, Mestre Willem, você não deveria se vender tão barato.”
Suponho que ela não é realeza por nada. Ela está bastante familiarizada com os modos do mundo também.
“Então”, continuou a princesa, “como você respondeu a essas pessoas?”
“… faça-me o favor, como eu poderia ter um alguém especial?” A voz de Willem hesitou ligeiramente. Lillia não podia culpá-lo por isso. Ele ainda era um adolescente, então aquelas lindas garotas do tipo irmãs mais velhas seriam naturalmente suas favoritas.
“Então, e se… eu estou apenas supondo que…” a princesa pressionou os dois punhos no peito, prestes a fazer uma pergunta séria. “Quando chegar a hora, e você estiver prestes a escolher quem está mais próxima do seu coração… você poderia pensar em mim, então?”
Os olhos de Lillia se arregalaram. O que ela está dizendo?!
A voz de Willem rachou. “M-Mais próxima?”
“Sim. Estarei esperando ansiosamente por esse momento.”
“Espere, isso não pode estar certo! Isso é uma piada?”
“Vamos lá. Você acha que eu estou brincando?”
“B-Bem… não mesmo. Só que é um pouco repentino…” Parecendo confuso, Willem passou a mão pelos cabelos enquanto desviava o rosto. Embora ela não pudesse ver claramente, Lillia tinha certeza de que seu rosto estava vermelho brilhante.
Além disso, Lillia tinha certeza de mais uma coisa. Willem nunca aceitaria a declaração.
“O tempo não é o problema aqui. Hmm, como devo dizer isso? Me desculpe, mas é inútil. Eu não posso retornar suas expectativas.”
Eu te disse! Lillia se alegrou em silêncio.
“É alguma falha minha?”
“Não é nada assim. Mas, uh…” Willem baixou a cabeça. “Desculpe, eu acho.”
Lillia suspirou. Hmph. Claro que ele agiria assim. Ela permaneceu atrás do pilar, sem se atrever a respirar. Essa foi uma armadilha de mel bem feita. A maneira como a voz dela vacilou, o olhar levemente para cima, o modo como diminuiu a distância entre ela e Willem — tudo isso foi perfeitamente representado. Provavelmente não há muitos caras neste mundo que possam ignorar tão facilmente. Não importa como eu pense, ela é a única culpada.
Willem deixou o jardim, deixando a princesa sozinha no pátio. Lillia observou enquanto sua sombra recuava à distância.
“Isso não correu muito bem”, a princesa murmurou uma vez que ele se foi, seu tom havia mudado e sua fachada elegante de repente caíra. Ela caiu desanimada em um banco branco, seus ombros cederam. “Eu realmente pensei que poderia pegá-lo. Ele é só um garoto no meio da puberdade, afinal.”
“Ele não é tão denso quanto você pensa, sabe. Você não poderia ter roubado o coração dele tão facilmente.”
“Oh?” A princesa virou a cabeça. “… Lady Asplay. Que atrevido da sua parte nos espiar.”
Lillia acenou com a mão indiferente, encostando-se em uma árvore e sacudindo os efeitos secundários da técnica que usara. “Essa reação foi meio inexpressiva. Você não está surpresa?”
“Sim. No entanto, tomo cuidado de moderar minhas reações quando estou perto de outras pessoas.”
“Ah, então é assim.” Como uma princesa, ela tinha que manter a imagem dela que as pessoas mantinham em seus corações, então precisava manter sua pose em todos os momentos. Ela não poderia manter a pose se sua primeira reação a alguém aparecendo inesperadamente atrás dela fosse gritar, por isso ela tinha que sempre mostrar moderação. Lillia podia entender esse tipo de pensamento, tendo sido uma princesa.
“Então, por que você está aqui, Lady Asplay?”
“Bem… seu tio me convidou aqui para brincar. Eu pratiquei com ele por um tempo e agora estou voltando para a Igreja.”
“… entendo. Ele mencionou que estaria recebendo um convidado interessante, mas pensar que ele realmente convidou um voyeur tão repugnante.” Agora a infeliz princesa estava se comportando completamente em desacordo com a fachada pura e graciosa de antes, cuspindo insultos impróprios para seu título extraoficial.
“Ha, quem é você para falar”, Lillia riu. “Já que somos boas amigas, por obséquio me diga. O que você pretendia fazer com aquele idiota?”
“Hmm? Eu não me lembro de ninguém que se chama “idiota”.”
“Oh, pare de se fazer de boba.” A voz de Lillia endureceu. “Eu vou perguntar de novo. O que você pretendia fazer com aquele meu discípulo sênior idiota, teimoso, incorrigível e sem talento? Você iria seduzi-lo com sua aparência e então jogá-lo fora como um peão usado em seguida?”
“Que rude. Eu certamente não o trataria como um peão usado.”
Ah, então ela não nega a primeira parte.
“Ele é um talento valioso. Se eu não valorizar esse tipo de pessoa depois de pôr minhas mãos nele, ele vai se desperdiçar.”
Ela não negou que o queria também.
“Pessoas com talento só têm mais valor intrínseco. Por exemplo, Sua Majestade e eu nascemos para governar. E você, Lady Asplay — nasceu para viver e lutar no campo de batalha.”
“Tudo isso é o que você realmente acha?”
“Bem, é o que juntei através de anos de experiência.” O tom da princesa mudou. “As vidas dos humanos são moldadas pelos seus destinos. Além do mais, aqueles que estão destinados a coisas diferentes nunca poderão viver juntos, porque com o tempo acabarão se separando.”
“Isso é por experiência também?”
Ela sorriu misteriosamente. “Pense o que quiser.”
Talvez eu deva elogiá-la. Mesmo assim, ela reprimiu suas próprias emoções e colocou aquele sorriso falso sem pensar duas vezes.
“É por isso que estou atrás daquele garoto. O que o mantém indo em frente não é talento ou sorte, mas sim sua própria vontade e determinação, bem como os fortes laços de irmandade que o apoiam.”
Uau. Lillia quase sentiu admiração. E pensar que você estava observando-o tão perto assim.
“É exatamente por não ser conduzido pelo destino que ele é capaz de escolher livremente suas próprias batalhas… bem como quem é sua outra metade. Se ele estivesse na minha vida, ele se tornaria meu melhor apoiador… não, meu melhor companheiro. Para conseguir tudo isso, estou disposta a pagar qualquer preço. Se riqueza ou status não o fizerem ceder, não me importaria de oferecer a mim mesma para ele.”
“Minha nossa, que requintado.”
“É por isso que preciso conquistar o coração dele a todo custo. Mesmo que você, aquela que está ao lado dele, possa se opor a isso.”
“Bem, não vou resistir ou me opor a você, com certeza. Todos vocês podem fazer o que quiserem.” Escolhendo suas próximas palavras com cuidadosa indiferença, Lillia acrescentou: “… você ainda pertence ao grupo que escolheria a flor no cume e a manteria ao seu lado.”
“Do que você está falando?”
“Vá em frente. Dê uma chance se puder.” Lillia se virou e começou a andar. Escondendo um sorriso trapaceiro, ela deixou para trás suas últimas palavras. “Depois de se casar com a nobre princesa, o caipira manteve-se ao seu lado, apoiando-a durante toda a sua vida. Oh nossa, quanto glamour. Se você conseguir ter sucesso, lhe darei meus sinceros parabéns. Não se esqueça de me convidar para o casamento!”
Parte 6 – ~A flor balançando no cume~
No dia da celebração do Festival de Inverno, duas notícias chegaram ao mesmo tempo. O Exército do Norte havia sido completamente destruído, e a Cidade Represada de Narvant havia tombado para os Orcs.
Originalmente, as chances de vencer a guerra eram altas. O Quasi Brave Avgran, juntamente com Purgatorio, o Carillon que carregava consigo, deveria ter tido poder de combate suficiente para tornar isso uma realidade. No entanto, algumas palavras fizeram esse destino girar sem controle.
A caminho do campo de batalha, Avgran se deparou com uma aldeia sendo devastada por esquadrões de Orcs e cambaleando à beira da destruição. Um dos sobreviventes, uma jovem garota, chorou e implorou diante dele: “Por favor, salve-nos! Por favor, salve-nos!”
Ao ouvir o pedido da garota, Avgran disse sem pensar duas vezes: “Alguém que não consegue salvar uma aldeia nunca poderia salvar um país, certo?”
Avgran era um homem de integridade, bravura e pureza de coração, possuindo apenas um toque de imprevidência. A caminho de uma batalha para salvar o país, ele fez uma pausa e dedicou-se a salvar uma pequena aldeia que acabara de descobrir. Depois de algum tempo, os orcs foram expulsos e cerca de trinta moradores foram resgatados.
Durante a escaramuça, Avgran liberou o talento de Purgatorio.
O Carillon Purgatorio tinha força suficiente para dominar completamente um campo de batalha, mas seu talento só podia ser usado uma vez antes de ser selado por um mês. Em outras palavras, porque Avgran cegamente se concentrava em salvar as pessoas que encontrava, Purgatorio não poderia ser usado em seu potencial máximo no campo de batalha, onde deveria ter dado tudo de si.
Avgran morreu em combate dentro de um dia depois de chegar às linhas de frente. Alguns disseram que ele passou seus últimos momentos com um sorriso satisfeito no rosto. Claro que passou. Até seu último dia, Avgran nunca desistiu de ninguém que implorou para ser salvo diante dele. Por manter o que considerava mais importante — a justiça em que ele acreditava tão firmemente — mesmo em seus últimos momentos, ele permaneceu um verdadeiro paradigma do ideal dos Braves de lutar pelas massas.
Agora, vejamos algumas estatísticas. Os aldeões que Avgran salvou foram cerca de trinta. Para salvar essas trinta pessoas, Avgran abandonou uma cidade inteira e os soldados que a protegiam — duas mil vidas no total.
Individualmente, orcs não eram criaturas muito temíveis. Seu nível médio era de 5, e soldados treinados com equipamento adequado poderiam facilmente derrotar um orc em um único combate.
No entanto, era uma história diferente quando eles se reuniam em grande número. Como uma raça extremamente homogênea, os orcs eram surpreendentemente adequados para trabalhar em grupos. Se um único orc fosse provocado, a horda compartilharia sua raiva, e um único orc comemorando era seguido pelo resto deles também.
Agindo assim, como se o conceito de individualidade não existisse para eles, os orcs podiam expressar a mesma emoção juntos, e essa emoção coletiva iria inchar como uma onda explosiva. Em comparação com os humanos, que tinham opiniões diferentes, orcs não tinham um forte temor da morte. Ademais, não hesitariam mesmo se o moral de seus companheiros caísse. Assim, os orcs eram capazes de formar exércitos fortes, grandes até o ponto em que sua baixa força individual não era um problema.
Lillia não achava que voltaria para sua terra natal nessas circunstâncias.
Do Império, a viagem levou cerca de dois dias em carruagem puxada por cavalos. Ela cruzou as corredeiras do rio Mernie, atravessou a floresta com suas lendas da Donzela Cantante e viajou um pouco mais adiante.
A Cidade Represada de Narvant foi construída recentemente em uma parte do antigo território do Reino Cavaleiro de Dionne. Depois que os elfos sombrios foram expulsos, pessoas foram convocadas para se estabelecerem na região. Elas começaram a reconstruir as terras outrora desoladas e, depois de um cultivo contínuo, lentamente começou a assemelhar-se com um lugar onde os humanos viviam novamente. As principais indústrias de Narvant eram turismo e perfume. Durante a primavera, um mar de flores de laranjeira florescia no planalto próximo, e alguns nobres do Império visitavam para passear e se gabar entre si sobre seus gostos sofisticados. Ou pelo menos é assim que costumava ser.
No momento, Narvant não existia mais.
Lillia tinha agido imediatamente ao ouvir que a frente de guerra de Narvant estava em perigo de ser esmagada. Ela pegou Seniorious, que tinha acabado de ser devolvida das oficinas, embarcou em uma carruagem de cavalos militares partindo da Capital e correu em direção ao campo de batalha.
Ela estava muito atrasada.
Evidentemente não era mais uma zona de guerra adequada ao Regal Brave. Todos os vestígios da outrora próspera cidade, assim como qualquer glória ou honra a ser conquistada, desapareceram. Nada restava para ser protegido ou reclamado.
Lillia olhou desanimada em volta de seus arredores. Apenas ruínas queimadas foram deixadas onde a Cidade Represada de Narvant uma vez esteve. Toda a área provavelmente fora destruída recentemente; suas narinas foram assaltadas pelos cheiros misturados de pedra carbonizada, couro, árvores, carne e outras coisas.
Os soldados lutaram bem. Ela não viu praticamente nenhum orc sobrando. Parecia que a guerra tinha terminado com quase todas as forças de ambos os lados aniquiladas e, por causa disso, os orcs recuaram para seu próprio território depois de arrasar Narvant e as regiões vizinhas. Apenas tropas dispersas que não tinham se saciado de saquear as ruínas permaneciam.
“Céus, que desagradável.” Tap.
Lillia deu um passo para a frente, cruzando a distância de dezessete passos em um instante. Agarrando-se a Seniorious, ela moveu levemente o pulso ao aterrissar atrás de um bando de orcs. Um único golpe profundo ela atravessou todas as seis gargantas, e quantidades fatais de sangue jorraram.
Não houve gritos nem agonia prolongada. Eles provavelmente não faziam ideia do que tinha acontecido com eles. Alguns deles tinham os olhos bem abertos, outros estavam enrolados no chão, e outros já estavam prestes a examinar os arredores. Portando variadas expressões de confusão, todos os orcs caíram no chão assim que seus joelhos cederam.
O máximo que Lillia poderia fazer aqui era descontar sua raiva dissecando todos os orcs que haviam se esgueirado para longe de seu ponto cego. Mesmo assim, ela poderia tê-los deixado para os soldados que estavam em serviço de limpeza. Como o Regal Brave, não havia necessidade de ela agir.
Como minha forma será descrita no próximo artigo, eu me pergunto?
Lillia pensou casualmente enquanto se deixava cair em algum sentimento do qual não tinha certeza, fosse raiva, tristeza ou outra coisa. Contanto que ela pudesse encontrar mais orcs, ela iria enterrá-los em meio a uma chuva de sangue carmesim.
De repente, uma luz brilhou e seu campo de visão vacilou.
“… ah.”
Lillia percebeu que havia cometido um erro. Naquele breve instante, ela ficou levemente tonta e sua consciência foi interrompida. Era uma sensação minúscula de mal-estar que seria difícil para ela deixar escapar mesmo enquanto se concentrava no campo de batalha.
Por causa disso, o ataque foi bem-sucedido.
Lillia parou e olhou em volta. As antigas ruínas de Narvant — não, não havia mais ruínas. Os ladrilhos chamuscados e escurecidos, os cadáveres abandonados de civis, as lanças quebradas espalhadas pelo chão, até mesmo os orcs que ela acabara de matar, tinham sumido.
Haviam planícies cobertas de relva por toda parte.
Quando ela recuperou os sentidos — não, quando descobriu o que havia acontecido — o cheiro amargo permeando o ar se foi também. Substituindo-o estava o cheiro doce de grama primaveril, fazendo cócegas em seu nariz e ajustando-se ao que ela via.
“Isso é…”
Lillia tentou se acalmar para perceber o fluxo do tempo. Supostamente, era uma técnica de observação que só poderia ser usada por aqueles com certas qualificações. Lillia e Willem haviam implorado ao mestre para aprender, mas só ela tinha conseguido. Mais do que artes marciais, ela quase passava para o reino intangível da magia.
Provavelmente por essa razão, mesmo quando não estava cara a cara com o inimigo, Lillia ainda podia usá-la para prever o futuro.
É como a superfície calma de um lago. Isso significava que ela não correria o risco de morrer tão cedo.
“Isso é…”
Embora o cenário tivesse mudado de repente, Lillia não sentiu nenhum movimento em sua localização. Aliás, não sentiu nenhum vento ou força a empurrando. Ela também não sentia nenhuma dor de cabeça dolorosa, então era ainda mais improvável que a magia de manipulação espacial estivesse em ação. Além de qualquer uma dessas possibilidades, a único remanescente era…
Um ataque do tipo ilusório.
“Eu caí completamente nele…”
Lillia relaxou sua postura, depois estendeu as mãos para alisar sua franja. Após pensar um pouco, ela tocou a ponta de Seniorious no chão e raspou o Carillon através da terra, tentando desenhar um simples selo taumatúrgico.
Nada aconteceu.
Taumaturgia quase poderia ser descrita como uma técnica de remodelação do mundo. Era uma recriação Emnetwyte dos muitos milagres realizados pelos Visitantes quando estes criaram o mundo no passado distante; rasas imitações modificadas dos originais inestimáveis. Assim, a taumaturgia só poderia funcionar no mundo real. Assim como as rodas d’água não podiam girar em um mundo sem água, ou fornalhas não podiam fundir chumbo em um mundo sem fogo, os selos taumatúrgicos eram meras linhas de grafite em um mundo sem os elementos de que precisavam para produzir qualquer efeito.
Significava que o local onde Lillia estava no momento também era um mundo diferente de onde estivera antes. Ela teve experiências anteriores apenas duas vezes.
“O mundo dos sonhos de um demônio”, ela murmurou para si mesma, como se confirmando isto.
Era um sonho criado com intenção hostil; um mundo artificial e ilusório imitativamente criado depois de ler a camada exterior da alma de um alvo seduzido. Quando o espírito da presa estivesse suficientemente enfraquecido e sua vontade de escapar quebrada, ela se tornaria um habitante eterno do mundo ilusório. Enquanto isso, seu corpo físico na realidade dormiria para sempre.
“Os orcs provavelmente trouxeram um demônio e o deixaram para trás como uma armadilha enquanto fugiam. Se esse é o caso, eu caí direto nela…”
Eles poderiam ser praticamente imortais, mas mesmo o guerreiro mais forte não era nada uma vez que seu espírito estivesse quebrado. Os chamados demônios eram seres espirituais que eram hábeis em corromper humanos e especializados em manipular mundos dos sonhos como este. Em certo sentido, eles poderiam ser considerados os inimigos naturais dos Braves.
Talvez seja esse que acabou com Avgran. Mas… “Este mundo é um pouco desleixado. Não pode ser um demônio de alto nível, então.”
Lillia não estava sem opções. Na longa história da humanidade, métodos para lidar com esse tipo de ataque psicológico, bem como os numerosos métodos que os demônios empregavam contra suas presas, haviam sido inventados e postos em uso.
Em algum lugar neste mundo artificial, havia um núcleo sustentando-o. Contanto que esse núcleo fosse destruído antes que o espírito da vítima se rendesse, ela poderia escapar com sucesso.
“Hmm?”
Em um piscar de olhos, o cenário mudou mais uma vez enquanto ela estava distraída. Agora ela estava em uma estrada escura e sem graça, pavimentada com cascalho, alinhada por várias casas construídas de madeira colorida ao lado de paredes de barro cinza.
O mundo dos sonhos reproduziu o lugar que ela tinha perdido. Não era mais Narvant, nem as planícies cobertas de gramíneas. Ela estava nas ruas de Dionne, que ficavam, geograficamente falando, bem longe de Narvant.
Lillia se preparou, examinando seus arredores com atenção. O inimigo provavelmente atacaria em breve, mas ela não tinha certeza da forma que o ataque poderia tomar. Como havia tantos tipos diferentes de demônios, eles naturalmente usavam uma variedade de táticas para forçar o espírito de seu alvo a se submeter.
Havia o Bufas, que assumia a forma de alguém querido por sua presa para atacá-la. O Aeshma, que mostrava a sua presa a morte daqueles próximos dela um após o outro. O Immemoratio, que torturava sua presa em sofrimento sem fim, sendo ignorada por seus entes queridos, enquanto a mesma estava desamparada. O Mammon, que induzia um sentimento de desapego da realidade, tentando sua presa com poder ou riqueza. Ou talvez–
“Lillia.”
Seu coração acelerou com a voz que falou atrás dela. Uma emoção quente inundou-a, seguida pela lógica fria. Claro que usaria ele.
Obviamente, era uma voz extremamente familiar para Lillia. Ela já deveria ter se cansado de ouvi-la, mas de alguma forma sentiu que nunca o faria. Era extremamente gentil; um tipo irritante de voz e que ainda a fazia se sentir querida ao mesmo tempo.
“Willem.”
Lillia lentamente virou a cabeça ao chamar o nome dele. Como esperado, a pessoa que estava ali era Willem Kmetsch. Pelo menos, não parecia alguém diferente. Ninguém mais ao seu redor, o adolescente e a adolescente fitavam-se no cenário ilusório de uma das cidades de Dionne.
LIllia analisou calmamente a situação. Esse Willem disse o meu nome, então o criador desse sonho não pode ser um Immemoratio. Só uma pessoa apareceu, então Aeshma também pode ser descartado…
“Eu quero te contar uma coisa.”
“O quê?” Recusando-se a relaxar mesmo um pouco, Lillia olhou para Willem. “Eu posso te ouvir. Do que se trata?”
“Uh…” Willem parou de falar e foi em direção a ela. Ela não mudou sua postura, apenas abaixou o centro de gravidade para se proteger contra a possibilidade de o Willem na frente dela de repente se revelar um Bufas e atacar.
Ela não sabia se ele havia notado sua cautela. Quando se aproximou a um braço de distância dela, seus passos pararam.
“Eu te quero.”
…hmm?
Esse foi um desenvolvimento inesperado. A mente de Lillia ficou em branco.
“Hã?”
Em um instante, toda a vigilância de Lillia evaporou. Tentando manter o controle sobre si mesma, ela lentamente tomou o controle da situação.
Então é um mundo dos sonhos criado por uma Succubus!
Succubus eram um tipo de demônio que quebrava o apego da presa à realidade satisfazendo os desejos sexuais. Nesse sentido, exemplificavam a existência dos demônios como seres que corrompiam os humanos. Em outras palavras, o demônio que ela estava enfrentando era fruto do desejo sexual que ela nutria por Willem.
Enquanto pensava sobre isso, Lillia percebeu que o rosto de Willem de alguma forma parecia mais bonito do que o habitual. Depois de fitá-lo por um tempo, ela se sentiu bastante estranha. Ah, eu acho que minha mente está enguiçada ou algo assim. Isso pode ser muito ruim.
Ela teve que resistir. Se ela aceitasse a tentação, estaria acabada. Ela sabia disso. Mas…
Eu meio que quero esperar e ver o que acontece.
Contra um demônio, enquanto o espírito não cedesse — desde que a vítima não perdesse o controle da realidade — seria impossível perder. Mesmo quando submetida a várias tentações, não seria um problema, desde que o alvo não cedesse, e até se poderia esperar que o inimigo fizesse a sua jogada.
Braves eram humanos também. De sua parte, Lillia não tinha intenção de abandonar seu coração humano. Mesmo que sua maneira de acumular experiência de vida fosse mais violenta, isso realmente não importava. Talvez ela tivesse um coração mais forte do que a maioria, mas ele ainda estava cheio de cicatrizes.
É por isso que, custe o que custar, ainda havia palavras que Lillia queria ouvir.
“N-Não diga uma frase dessas, não combina com você.” Lillia se viu incapaz de responder com tanta força quanto gostaria. “Dizer esse tipo de coisa não é o seu estilo, certo?”
“Você está me rejeitando?”
“Humph, claro. Enfim…” Lillia pensou um pouco, depois perguntou pensativamente: “Supondo que eu não tivesse rejeitado suas palavras, o que você planejava fazer comigo?”
“Oh, isso.”
Movendo-se como um relâmpago, Willem estendeu a mão e envolveu sua cintura com tanta rapidez que ela não conseguiu reagir a tempo, então, em um único movimento impecável, abraçou-a contra o seu peito.
“Aah!”
Hesitação passou por Lillia, retardando seus movimentos. Conforme ele levantava a bochecha para que seus olhares pudessem se encontrar, um leve guincho escapou da boca dela. Foi um som que ela nunca se ouviu fazer antes. O-O que está acontecendo? Por que Willem está tão prepotente?
A confusão de Lillia forçou-a a parar e se concentrar. Lembre-se, os demônios arrancam cenas que suas presas desejam ver de seus corações. Espere, isso significa que… é disso que se trata? Isso é o que eu, Lillia Asplay realmente quero? Sério? Isso é tudo que sou? Apenas uma garota ansiando por amor?
“E-Ei… onde você está tocando…” Lillia não conseguiu colocar força em seus protestos. O rosto de Willem se aproximou e seus lábios se aproximaram dos dela.
O que é isso? Eu nunca olhei para o rosto de Willem tão de perto antes. Além do mais — além do mais — o que eu não vi não deveria aparecer dentro do mundo dos sonhos, então é isso minha própria imaginação? Eu estou fantasiando sobre esse tipo de coisa sem um único fragmento de autoconsciência e até me perguntando sobre onde essa situação iria? Eu não me lembro de ter alguma experiência com o que acontece depois, então o que vai acontecer nesse caso?
Lillia podia sentir seu rosto irradiando calor. A agitação em seu coração estava enviando sangue pelas suas bochechas até que ficassem vermelhas e inchadas.
Para dar o golpe final, Willem declarou apaixonadamente: “Você é a coisa mais importante para mim!”
Todo o calor que ela sentiu desapareceu em um instante, como se seu coração tivesse congelado. Ao mesmo tempo, seu corpo se mexeu.
Seniorious oscilou com força, mordendo a cintura esquerda de Willem Kmetsch e rasgando todos os órgãos no caminho enquanto arrancava seu ombro direito.
O ar expelido pelos pulmões rompidos de Willem assobiou quando vazou por sua boca em um whoosh. Ele não podia mais falar, e era impossível mesmo se quisesse. Enquanto se contorcia, a surpresa e a curiosidade do adolescente só podiam mostrar-se através de seus olhos esbugalhados.
“Demônios vão colocar para fora os desejos que suas vítimas escondem dentro de seus corações, certo? É uma jogada inteligente, mas também mostra as limitações da sua espécie.”
Lillia ostentou uma expressão desapontada ao se afastar dos restos da ilusão de Willem. “O que eu quero é aquele cara que valoriza Aly e sua família mais do que tudo, e ele nunca vai desistir desse lugar número um em seu coração, não importa o que aconteça.”
Ela sentiu um pouquinho de arrependimento, mas essa era uma questão diferente. Além disso, até ela tinha seus próprios limites.
“Quaisquer que sejam os meus desejos, se Willem mudasse suas prioridades tão facilmente, não haveria qualquer valor para se falar.”
O mundo se partiu como uma fina camada de gelo que havia sido pisada. Parecia que o ataque anterior tinha destruído facilmente o núcleo do sonho; não apenas o cenário artificial de sua cidade natal, como também toda a ilusão da Succubus estava se dissolvendo lentamente.
“Bem, mesmo assim…”
Lillia ficou em pé em meio ao mundo desmoronando, fazendo beicinho com um sentimento de decepção e silenciosamente murmurou para si mesma.
“Você… me deu um bom sonho.”
Parte 7 – ~A coisa mais importante~
Olhando para os resultados, era mais uma vitória para o Regal Brave.
Provavelmente haverá um monte de lorotas nos jornais de novo…
Pensando despreocupadamente sobre isso, Lillia voltou para a Capital.
Willem jazia morto, seu cadáver caído sobre a mesa.
Não, espere. Olhando de perto, ele só estava próximo da beira da morte. Em outras palavras, ele estava tão cansado que seu imóvel estado sem vida poderia facilmente ser confundido com um cadáver.
Um menino de capa branca notou Lillia quando ela entrou na sala e fechou o livro que estava lendo. “Ouvi dizer que ele encontrou um filhote de Dragão de Ferrugem que acordou e começou a atacar perto do Lago Fistilas no caminho de volta de Gomag”, ele ofereceu como explicação. “Poderia ter sido um desastre se ele tivesse esperado por reforços, e ele não levava um Carillon com ele de licença, então parece que ele derrotou o Dragão só com os punhos.”
Derrotar um Dragão de Ferrugem só com os punhos. Lillia não sabia se chamava isso de ato que desafiava o senso comum ou simplesmente de absurdo. Ou talvez simplesmente estúpido. Ninguém, nem mesmo o Regal Brave, faria tal coisa. Ele provavelmente estava só tentando parecer forte ou brincar, como sempre faz, com aquela expressão que diz: “É apenas natural; qualquer um que passasse teria feito o mesmo.”
“O prefeito disse que, devido aos esforços de Willem, a bela paisagem do Lago Fistilas foi preservada e até mesmo lhe concedeu um certificado de agradecimento.”
“Apesar de tudo, ele leva uma vida bastante heróica, hein…”
Independentemente do que ela poderia desejar, sua realidade como o Regal Brave era uma existência inseparável da batalha desesperada. Ela já havia desistido de muitas coisas relacionadas à sua vida. Como representante da humanidade, ela seria arrastada para todos os tipos de batalhas ferozes, se jogaria e lutaria nelas, eventualmente morrendo em algum campo de batalha desconhecido.
Por outro lado, Willem não era um Regal Brave. Como um Quasi Brave, ele não deveria ter nada a ver com esse estilo de vida. Mesmo assim, ou talvez por causa disso, ele tendia a tomar a iniciativa e lutar com sua vida em risco em situações perigosas. Era como se ele tivesse que continuar lutando e dando tudo que tinha para proteger algo querido em seu coração.
Os dedos de Willem se contraíram. Lentamente, desobedecendo seu corpo imóvel, ele ergueu a cabeça.
“Oh, você ainda está vivo?”
“Não vá me dispensando tão rápido assim.” Com os dedos tremendo de esforço, Willem pôs a mão na mala e tirou um pequeno pacote de couro. Ele o entregou a Lillia.
“O que é isso?”
“Um presente do Festival de Inverno.”
Lillia ficou em silêncio.
“… o que deu em você?” Ela perguntou depois de um tempo.
“Não há mal algum nisso, certo?” Willem disse, cansado. “Muitos presentes foram feitos, então é natural que alguns acabem sobrando.”
Não importava quanto tempo ela esperasse, ele não mostrou sinais de pegar de volta o pacote. Lillia humildemente o pegou, o tempo todo sentindo borboletas no estômago. Ela deu uma olhada no conteúdo da bolsa.
Dentro do pacote havia um talismã. Parecia uma criatura indescritivelmente feia e aterrorizante, ou talvez um cachorrinho.
“Tão estranho…”
“Bem, pelo menos Wendell e Horace gostaram pra valer desse tipo de coisa.”
Os nomes soaram um pouco familiares para Lillia. Eles eram crianças animadas que viviam junto com Willem no orfanato. “Então, por acaso, este seria o mesmo presente que você deu para eles?”
“Isso mesmo.”
“Você fez isso sozinho?”
“Não posso?”
“Bem, eu não disse que não poderia, mas se eu fosse descrevê-lo…”
Ah não, Lillia pensou. Meu rosto parece prestes a explodir de alegria.
“Absolutamente terrível”, ela comentou, sorrindo cruelmente para mascarar sua felicidade.
O rosto de Willem caiu de volta na mesa, fazendo um bam.
Naquele dia, Lillia voltou para o quarto do Regal Brave nos alojamentos da Igreja. Ela caiu na cama, depois rolou nela de um jeito deselegante, fazendo muito barulho.
“Haha… Ahahaha!”
Ela recebeu o mesmo presente que Willem tinha dado à sua família. Ela tinha sido tratada como família.
Quão significativo era isso? Quão valioso era esse tratamento? “Sua Alteza a Princesa” provavelmente nem sequer começaria a imaginar uma coisa dessas, não é? Aquele Incubus nunca seria capaz de recriar essa experiência, certo? Ha, bem feito!
Isso foi o melhor. Assim que era a sensação de ficar em primeiro lugar!
Lillia rolou para a esquerda e depois para a direita. Independentemente de como rolasse, ela não cairia da luxuosa cama extragrande. Borbulhando de prazer, ela continuou rolando sem parar de um lado para o outro.
Lillia Asplay sabe o que é o vazio.
Não foi através do conhecimento do que a palavra “vazio” significava, mas sim através da experiência.
Naquela época, quatro anos atrás, a Lillia de dez anos de idade experimentara o vazio.
Eu realmente sinto tristeza? Eu realmente sinto dor? Eu realmente sinto desespero, raiva e ódio?
“Você deveria agir assim. Você tem de ser assim.” As pessoas ao redor dela continuaram repetindo essas expectativas, cobrindo lentamente os sentimentos e memórias que ela tinha. Quando ela finalmente percebeu, era tarde demais. A garota que só seguiu os desejos daqueles que a cercavam se definiu por esses desejos já havia esquecido de seu antigo eu.
Contudo–
Ploft.
“Aaah!”
Mesmo quando a garota caiu da cama, o sorriso nunca deixou seu rosto. Os sentimentos que ela tinha não eram sentimentos que alguém esperaria dela, e que nem saberia.
Lillia riu.
Do fundo de seu coração, ela sentiu a verdadeira felicidade.
A trêmula luz das velas dançava e lançava sombras. Encostada contra uma parede abaixo delas, Seniorious refletiu um leve lampejo de luz, seu brilho quase parecendo como um sorriso.
CAPÍTULO ANTERIOR – ÍNDICE – PRÓXIMO CAPÍTULO