Shuumatsu Nani Shitemasu ka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? – Volume 2 – Capítulo 4 (PT-BR)

Capítulo 4

Passado Ressurgindo, Futuro Desaparecendo


Parte 1 – Perseguição de Alma

Cinco dias atrás, na ainda flutuante 15ª ilha.

Um grito penetrante ecoou pelo ar. A casca do Timere colapsou no chão quando a besta encontrou sua 178ª morte. E, claro, sem o atraso de um segundo sequer, uma fenda formou-se na parte de trás daquela casca, sinalizando a eclosão de sua 179ª vida. Toda vez que o Timere renasce, ele muda de forma; a última parecia ser uma espécie de planta. Uma enorme massa de verde podia ser vista através das rachaduras na concha morta. Depois de mais alguns minutos, inúmeras videiras começaram a se estender do interior.

“Guerreira azul, retroceda! Esquadrão de artilharia, comece a atacar! Cubram a retirada dela!”

As ordens de Limeskin voaram pelo campo de batalha. No entanto, a “guerreira azul”, ou Chtholly Nota Seniorious, não parecia estar em um humor cooperativo. O Carillon em suas mãos, Seniorious, estava respondendo completamente ao Timere diante dela, o que significa que a espada, que se fortalece, com quanto mais fortes são os inimigos, atingiu seu pico de poder destrutivo. Chtholly precisava permanecer no campo de batalha o maior tempo possível para usar isso.

“Por favor, deixe-me acabar com apenas mais um!”

“Não!” Seu comandante rejeitou rispidamente seu pedido.

Por um momento, ela hesitou. Deveria ir contra as ordens e permanecer? No momento, ela estava empunhando um poder imenso. Ela poderia contribuir mais do que nunca tinha feito em qualquer batalha anterior. Pela primeira vez, ela estava usando a Dug Weapon — não, o Carillon — da maneira correta, da maneira que se perdera há muito tempo com os Emnetwytes. Se ela e Seniorious não estivessem lá, eles não teriam chance de vencer. Nesse caso, se ela se esforçasse um pouco mais, ninguém deveria se importar…

Água Vermelha.

— Eh?

Vento Cinzento. Um gigante Risonho. Um Casulo Ferido.

— O que é isso?

Chtholly congelou, perplexa. Imagens estranhas e aparentemente aleatórias de repente começaram a surgir em sua cabeça. Foi por ela ter perdido o foco? Mais de 120 horas se passaram desde o início da batalha, de modo que isso poderia muito bem ser possível. Além disso, todas essas horas haviam sido gastas no campo de batalha, um lugar até agora separado da realidade habitual. Talvez ela tenha perdido contato com a realidade e começou a sonhar acordada.

Em todo caso, ela precisava se concentrar. Eles não podiam perder essa batalha. E, o mais importante, ela não podia se dar ao luxo de morrer aqui. Ela precisava retornar para aquele lugar. Voltar para casa e para aquela pessoa.

Peixe nadando pela noite. Um castelo de areia que atravessa os céus. Um sol água-marinha podre. Uma morte sentimental. Um punhado de cubos. Um grimório vermelho. Uma cabeça de raposa pendurada em uma árvore alta. Uma estaca de prata. Padeiros pintando o ocre arco-íris. Um palhaço em um naufrágio em uma noite tempestuosa rindo rindo rindo rindo rindo–

“Agh!”

Mesmo que ela tentasse se concentrar, não parava. Continuava e continuava. Mas o que era isso? Imagens aleatórias. Delírios incoerentes. Devaneios persistentes. A sombra de um passado que ela não deveria ter conhecimento. Sujeira de uma alma que deveria ter sido apagada. O murmúrio de alguém com quem ela sentou costas com costas. A realidade fora de um sonho. Esmagadoras ondas furiosas quebrando sem parar.

“Tudo bem, basta.”

Uma voz familiar misturou-se com a bagunça atrapalhada dentro da cabeça de Chtholly.

“I… thea?”

“Eu sou aquela que propôs a substituição. É hora de você recuar. “

“Mas se eu ficar aqui apenas um pouco–”

“E se a invasão ficar um pouco pior, será tarde demais”.

Invasão.

Ela já tinha ouvido essa palavra antes. Onde tinha sido? Ah, é mesmo. Ela foi informada quando tinha se tornado uma soldada fada adulta. O que exatamente elas eram. Quão fugazes suas vidas eram. Que tipo de mortes poderia as aguardar além de morrer em batalha.

Foi-lhe dito que as fadas são as almas perdidas de crianças mortas incapazes de deixar este mundo. Que elas não eram, estritamente falando, uma forma de vida. Elas eram simplesmente um fenômeno natural resultante dos delírios de uma alma confusa. E essas almas um dia se lembrarão de quem elas eram.

“Isso poderia ser…?”

“Na sua idade, você normalmente não teria que se preocupar com isso. Mas, aparentemente, as estatísticas não são muito úteis. Talvez a quantidade de poder na Seniorious tenha feito avançar tudo de uma vez”.

“Minha idade…? A-Ah! “

Chtholly tinha sido agarrada pelo cangote e forçadamente arrastada para fora do campo de batalha. Atrás dela, o bombardeio de artilharia havia começado. Musculosos soldados Reptrace vestidos com uma armadura de corpo inteiro ficaram em uma linha armando cartuchos em seus canhões. As explosões trovejantes sacudiram o chão e quase pareceram rebentar o seu crânio. Os cartuchos nivelaram as florestas, escavando-as da própria ilha e, o mais importante, esmagaram o Timere reanimado em pedaços. Claro, não infligiram feridas fatais nele. Tomar a vida de um Timere requer uma arma encantada ao nível de um Carillon, mas a artilharia ainda era útil para comprar alguns minutos de tempo precioso.

Ithea, espalhando suas asas douradas, voou 1.200 malumel para uma barraca de repouso, carregando Chtholly em seus braços. Com um pequeno grunhido, Ithea largou a bagagem no chão.

“Au! Isso machuca!”

“Pelo menos você ainda pode sentir dor. Tem um espelho bem ali. Dê uma olhada.”

Ainda de bruços no chão, Chtholly inclinou a cabeça para cima. Ao lado das caixas de rações alimentares empilhadas como uma cordilheira, havia um pequeno espelho de mão.

“Olhar para o que?”

“Você verá o que quero dizer”.

Chtholly estendeu a mão, pegou a alça, aproximou o espelho e olhou para ele. Um par de olhos escarlates olharam de volta.

“… o que é isso…”

Chtholly Nota Seniorious tinha olhos azuis. A princípio ela não gostava muito deles, mas desde que Willem disse “eles são da cor do oceano”, ela mudou um pouco sua opinião. Bem, ela realmente não sabia o que era o “oceano” ou o que quer que fosse, então, se suas palavras foram ou não um elogio, ela não podia ter certeza.

De qualquer maneira, não importava o quanto mais ela olhasse, e quantas vezes piscasse, os olhos que a fitavam no espelho tinham o mesmo vermelho que uma chama.

“Sintomas do estágio inicial. Se você descansar por cerca de duas horas vai passar. Antes disso, absolutamente nenhum venenum. Aliás, pense em você tanto quanto possível. Não deixe que as memórias de um estranho a varram. Apegue-se às suas próprias.”

Solidão dentro da escuridão branca. Uma oração ecoando em um lugar apertado. Uma sala coberta de livros.

As imagens de origem desconhecida continuaram a atrapalhar a mente de Chtholly. Ela tentou cobrir seus olhos com as mãos e chacoalhar a cabeça, mas é claro que um truque tão simples não teria efeito.

“Essas são memórias? As memórias daquele alguém que morreu quando ainda eram criança, antes de eu me tornar eu?”

“Um estranho. Sem relação alguma com você. Nada em comum. Um completo estranho. Se você esquecer isso ou começar a questioná-lo, você será consumida”.

“Você disse algo sobre a idade mais cedo… isso é…?”

“Sim. As fadas mal vivem muito tempo em primeiro lugar, então geralmente a invasão é algo que pode ser completamente ignorado. Dos poucos casos que ocorreram, no entanto, parece que começa a ficar sério em fadas em torno de vinte anos de idade, cuja mente e corpo cresceram completamente. Você agora é um caso raro entre os casos raros. Como eu disse, provavelmente é porque você esteve em contato prolongado com uma quantidade tão alta de venenum. A essa altura, você pode nem passar de hoje, muito menos até o fim da batalha”.

“Eu não gostaria disso…” Chtholly rolou sobre suas costas. “Se eu descansar por duas horas, isso vai passar, certo?”

“Os sintomas que você está vendo agora irão. Mas mesmo depois disso, você não poderá sair dando a louca no campo de batalha”.

“… ah, isso é difícil”.

Chtholly segurou o braço sobre os olhos e riu vãmente. Originalmente, ela deveria morrer nesta batalha. Ao intencionalmente fazer seu Venenum entrar em berserk e queimar o inimigo até as cinzas explodindo a si mesma. Porque ela teve uma súbita mudança de atitude e não quis aceitar esse destino, ela aprendera a maneira correta de empunhar um Carillon com ele. Ela aprendera a lutar como um Brave.

Apesar de tudo isso, uma morte inesperada agora aparecera bem diante de seu rosto.

“Está tudo bem. Mesmo que a invasão esteja aparecendo um pouco agora, seu corpo ainda é muito jovem. Enquanto você não sair dando a louca, não deve avançar muito mais. Não haverá nenhum impacto nocivo para a sua vida cotidiana. Eu conheço bem alguém que sofreu disso antes, então posso te garantir”.

“… bolo de manteiga, eu acho”.

“Hm?”

“Estou relembrando da minha promessa e da razão pela qual não posso morrer. Apegar-se às suas próprias memórias é importante, certo?”

“Isso é verdade… comida é tudo que você tem em sua memória?”

“Desejos baseados em nossos instintos primitivos são fortes, sabia? Provavelmente.”

Ithea riu. Por algum motivo, Chtholly sentiu que já fazia muito, muito tempo, desde a última vez que vira esse rosto. Logicamente, porém, poderia não ser isso. Ithea estava sempre sorrindo, até o ponto em que Chtholly achava difícil imaginar seu rosto com qualquer outra expressão nele.

“Bem, então, estou de saída”.

“… para onde?”

“Para a linha da frente, boba. Nephren deve estar trabalhando duro agora, então tenho que apoiá-la. Nós vamos comprar bastante tempo, então descanse”.

“Ah… tudo bem, estou contando com você”.

“Não vou te desapontar”, Ithea respondeu com um sorriso e assentiu.

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Algumas perguntas permaneceram na mente de Chtholly: como a Ithea sabia tanto sobre a invasão? E como ela notou cada pequena mudança que aconteceu com o Chtholly? Ela nunca teve a chance de perguntar. Felizmente, ou talvez, infelizmente, não havia necessidade de perguntar. Conforme Ithea inflamava seu venenum, espalhava suas asas e erguia-se para o céu, Chtholly viu uma pitada de escarlate residindo nos seus olhos dourados.

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Um homem adulto e uma mulher brigando. Uma grande, grande poça. Um pé de galinha.

“Estas são lembranças estranhas”, murmurou Chtholly.

Um lago distorcido. Uma estrada alaranjada que se estende para todo o sempre. Pano de prata brilhante.

“Uma alma que morreu enquanto ainda criança se torna uma fada, hein? Essa criança com certeza viu muitas coisas estranhas então… de onde no mundo elas eram?”

Ou talvez, isso era exatamente como as crianças viam o mundo. Afinal, Chtholly, que não teve uma infância exatamente normal, não saberia como era. Para elas, talvez um pequeno lagarto correndo pela floresta parecesse um dragão que respira fogo, ou um guia conduzindo-as a um mundo diferente, ou a alça da sacola de alguém rodopiando pelo vento. O mundo espalhando-se diante dos olhos de uma criança devia parecer muito estranho e ilógico para um adulto. Talvez isso explicasse as imagens passando por sua cabeça.

Chtholly, ainda deitada de face para cima, olhou para o teto da tenda. As lágrimas que escorreram de seus olhos fluíram pelas têmporas em direção aos ouvidos. As fadas são o resultado de espíritos perdidos incapazes de compreender a morte. Até onde ela sabia, nenhuma fada já viveu o suficiente para ser considerada um adulto em termos de idade. Ela sempre achou que era por causa do combate; Todas as fadas mais velhas eventualmente ficaram feridas ou entraram em berserk em uma batalha com as Bestas.

Mas talvez ela estivesse enganada. Talvez fosse fundamentalmente impossível que uma fada se tornasse adulta. A alma perdida e confusa começa a entender a morte à medida que cresce. Então, uma vez que o faz, deve retornar ao estado natural que falhou em atingir anos atrás. Se tal coisa como destino existisse, certamente seria isso. Um fim que não podia ser evitado, não importa o quanto se desejasse ou rezasse.

“Au, eu estava planejando encurralá-lo e, finalmente, forçá-lo a se casar comigo uma vez que me tornasse uma adulta…”

Ela uma vez ouviu de Willem que “tragédia” era uma das qualidades consideradas necessárias em um Brave. Aquele que tivesse um passado ou um destino que faria com que qualquer pessoa sentisse pena deles era considerado apto a manejar um poder maior do que aqueles sem. E Seniorious, o maior e mais antigo Carillon, especialmente parecia preferir aqueles com tal plano de fundo. Somente aqueles que carregavam um destino de morte e destruição podiam empunhar a pura lâmina branca.

“Entendo… então é por isso que você está me deixando te usar.” Ela olhou amargamente para a espada deitada no chão ao seu lado.

Por serem essencialmente feitas de um espírito já morto, fadas normalmente tratavam a vida de forma leviana. Elas não temiam a morte. A esse respeito, Chtholly não estava agindo de um jeito muito “fada” no momento. Ela tinha uma razão pela qual não poderia morrer. Um lugar onde precisava voltar.

“Bolo de manteiga”, ela murmurou, apertando as mãos em punhos.

Está bem, está bem. Eu vou te fazer comer tanto bolo que você vai ficar com azia. Entendido? É melhor sobreviver e voltar para casa

Chtholly lembrou da promessa que eles trocaram naquela noite debaixo do céu estrelado. Naquele momento ela decidiu. Não importava se ela não tivesse permissão para viver muito tempo. Não importava se não pudesse amadurecer junto com ele. Ela poderia aceitar isso. Afinal, foi culpa dela por ter nascido como uma fada, como alguém tão azarada ela satisfazia o fetiche por tragédias de uma espada estúpida.

Mas ainda assim, ela decidiu. Ela queria viver naquele sonho efêmero um pouco mais. Mesmo que o mundo estivesse prestes a acabar. Até o último momento antes de tudo ruir, ela ficaria viva.

“Tudo bem! Vamos nessa!”

Reunindo tanta motivação quanto possível, Chtholly socou o ar com o punho.

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Depois disso, prosseguiu-se a batalha.

O sol se pôs, nasceu, se pôs de novo e nasceu novamente, repetindo o mesmo ciclo uma e outra vez.

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O desespero desceu sobre o campo de batalha.

Tinha muitas formas: um enorme homem sem face cujo corpo era uma massa de hera negra, o Timere renascido da morte de sua 216ª cópia, a casca da besta que acabara de encontrar sua 217ª morte, a pupa crescendo para a 218ª forma. E, finalmente, o berço do qual algo novo emergiu.

“Outro Timere…?” Murmurou um Reptrace, muito estupefato para continuar seus deveres de artilharia.

“Não”, Nephren, exausta até o ponto de colapso, respondeu entre suas respirações rápidas. “O alarme só detectou um Timere, e ele sempre é preciso sobre eles. Isso significa que deve ser outra coisa”.

“Mas nossos canhões não têm efeito algum! Como não poderia ser um Timere!?”

“Então isso significa… que é outra “Besta” desconhecida?

“Por que diabos uma coisa dessas está brotando aqui!”, Gritou Ithea, meio que chorando e meio que rindo.

A batalha já havia sido prolongada por tempo demais; todo soldado no campo sofria de fadiga severa. Durante dias, eles não haviam feito nada além de matar o Timere, cada vez diziam a si mesmos que seria o último. Mas nunca era. Os soldados Reptrace também começaram a ficar com pouca munição para seus canhões.

Sem um fim à vista, a motivação já havia começado a mergulhar há algum tempo. A adição de outro inimigo deu o golpe final. Todos os espíritos foram finalmente esmagados com a chegada inesperada. Todos repetiram o mesmo pensamento em suas mentes, mas ainda não se atreviam a colocá-lo em palavras.

Não podemos vencer.

“– Retirada”, Limeskin ordenou com uma voz amarga. “Vinte minutos a partir de agora, dissipem a barreira de supressão em torno desta ilha. Ao mesmo tempo, enviem um aviso para todas as ilhas próximas. Não conseguimos remover o inimigo. A 15ª Ilha agora é o território das “Bestas”. Toda a vida nas proximidades está em perigo”.

“Não, não, não, não podemos fazer isso! A única razão pela qual Regul Aire pode continuar a existir é porque as Bestas não podem voar, certo!? Se as deixarmos instalar um ninho aqui, tudo acabou!” Protestou Ithea.

“Claro, você tem razão. Por isso precisamos afundar essa ilha o mais rápido possível. No entanto, esta ilha é grande. O poder de fogo que temos não será suficiente. Devemos reunir todo o poder em Regul Aire. É uma corrida contra o tempo”.

“… apenas checando, o que acontece se perdermos essa corrida?”

“Você quer mesmo saber?”

“Ah… talvez não. Deixa pra lá.” Ithea tapou os ouvidos e balançou a cabeça.

“– É minha culpa”, murmurou Chtholly. Seu rosto estava pálido como de um fantasma. “Eu poderia tê-lo parado eu mesma se entrasse em berserk. Por causa do meu desejo egoísta de viver, acabamos nessa bagunça– “

“Errado”, interveio Nephren. Ela se agachou no chão, tão cansada que nem a força para ficar de pé permaneceu dentro dela. “Isso só leva em consideração o Timere. Mesmo se você entrasse em berserk, só conseguiria matá-lo, deixando a segunda Besta para trás. Então, nós teríamos que encarar esse inimigo desconhecido sem você. Essa situação seria pior do que essa em que estamos”.

“Ah… isso é verdade. Agora, está bem ruim, mas acho que é um pouco melhor que o absoluto pior do pior, sabe?” A expressão de Ithea era mais sombria do que nunca.

“… é isso mesmo?” Chtholly ainda não acreditava completamente na lógica de Nephren.

“Sim”, declarou Nephren fortemente. “Esta batalha é uma que não poderíamos ganhar desde o início. Agora, precisamos apenas pensar em como afundar a ilha “.

“Isso também é verdade.” Limeskin assentiu. “Para reunir todo o poder de fogo que a Guarda Alada possui, levaria pelo menos dez noites, mesmo se nos apressarmos. Mas se não houver nenhum dano às outras ilhas nesse meio tempo, então os brotos da nossa canção da vitória começarão a se tornar visíveis”.

“… isso não soa muito provável. Mesmo que a Besta relaxasse por dez dias, você pode garantir que conseguiria derrubar a ilha com todo esse poder de fogo?”

“Cerca de vinte por cento de chance”.

“Ha ha… ha. Bem, pelo menos você está sendo realista. Esses números não parecem muito promissores”.

“De modo algum”. O general Reptrace gargalhou.

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Ah, então é assim que é, pensou Chtholly. O mundo pode acabar. Sua mente aceitou essa declaração mais facilmente do que o esperado. Essa conclusão não provocou sentimentos de ansiedade ou negação nela. Era simplesmente como se algo sinistro que espreitava por trás dela desde seu nascimento finalmente se aproximou e colocou a mão em seu ombro. O mundo estava sempre à beira da destruição. O fim que estavam adiando por tanto tempo estava finalmente prestes a descer sobre eles. Isso era tudo.

Não havia necessidade de lamentar. No final, todos vão morrer de qualquer maneira. Nada restará depois. Ninguém será deixado para sentir solidão ou tristeza. Se for esse o caso, entrar nesse momento final com a paz no coração era certamente a melhor opção. Entrar em pânico não faria nada melhor.

Espere, não!

Chtholly agarrou firmemente o broche pendurado no peito. Ela ainda não tinha esquecido. Ela tinha uma razão pela qual precisava viver e voltar para casa. Até que seu estômago estivesse cheio de bolo de manteiga da vitória, ela não poderia morrer. Até que aquele pateta aceitasse sua proposta, ela precisava viver, mesmo que isso significasse sorver lama. Bem, pelo visto ela teria que viver um pouco mais.

E caso o mundo acabasse, isso seria um pouco difícil de se fazer. Claro, Willem também não podia morrer. Ela também não queria pensar sobre as pequeninas, ainda incapazes de lutar, expostas ao perigo. Nesse caso…

Um barco balançando.

— A invasão mais uma vez. Se Chtholly baixasse sua guarde mesmo um pouco, ela vinha com tudo, almejando tomar sua vida. Totalmente irritante. Talvez ela fosse a mais fraca, sendo uma existência tão instável como uma fada, mas ela não se importava. Estava viva. Viva e lutando para agarrar a felicidade. Ela não deixaria que tudo fosse levado por alguma criança aleatória que morrera há muito tempo.

Assim que se decidiu, um pensamento flutuou em sua mente: o plano não era muito bom. Se ela se acalmasse um pouco e pensasse melhor nas coisas, provavelmente surgiriam algumas opções melhores. Mas não havia tempo, o que significava que qualquer plano que conseguisse pensar era, por padrão, o melhor plano. Tudo o que ela precisava para realizá-lo era uma pequena determinação.

A resignação e a determinação são essencialmente a mesma coisa. Ambas se referem a uma decisão de sacrificar algo importante para alcançar um objetivo.

Isso mesmo. Com orgulho e confiança, ela desistiria. Ela descartaria algo importante para obter um vislumbre dessa felicidade. Agora, era o que ela precisava fazer.

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Lentamente, ela respirou fundo. Então, lentamente, ela exalou.

“Chtholly?” Nephren chamou. O comportamento de Chtholly devia parecer estranho para ela.

“Primeiro Oficial, eu tenho um plano. Por favor, comece a retirada agora.” Ignorando Nephren por enquanto, Chtholly falou com Limeskin enquanto olhava para a Besta retorcida. “Ren, Ithea. Preciso que me ajudem um pouco. Como vocês podem voar não deve haver um problema se saírem após todos os outros.”

“O que está planejando?”

“Acho que vou dividir essa ilha em duas”, disse Chtholly e deu a espada em sua mão direita um pequeno floreio.

As numerosas fissuras no corpo de Seniorious começaram a se alargar. A luz leve sinalizando a estimulação de venenum extravasava das lacunas. Os Carillons foram feitos para ajudar os fracos a resistirem aos esmagadoramente fortes. Para conseguir isso, eles utilizam o poder de quem tocam. Quanto mais forte for o adversário, mais forte o Carillon se torna. E agora mesmo diante de seus olhos estava um inimigo extraordinariamente poderoso ameaçando destruir toda Regul Aire.

“Bem, vamos nessa”.

Apenas alguns segundos restavam antes do 218º Timere terminar de nascer.

Chtholly pisou o chão. O venenum inflamou em seu corpo, aumentou sua concentração e desacelerou o fluxo de tempo. Dentro do seu agora mundo incolor, ela atravessou as paredes de ar bloqueando seu caminho e encurtou a distância entre ela e o oponente quase que instantaneamente.

Uma massa de vinhas de hera esticou-se para contra-atacar. Chtholly observou cuidadosamente todas as 87 delas. Haviam muitas, mas a maioria delas eram blefes para intimidá-la e não representavam ameaça real. Cerca de 65 delas iriam apenas atingir o chão sem que ela sequer tentasse esquivar. O problema era as outras 22. Oito delas visavam suas pernas, tentando imobilizá-la, cinco visavam seus braços e espada, tentando desarmá-la, e as outras nove estavam voltadas para a cabeça e o peito, tentando roubar-lhe a vida. Olhando-as uma a uma, ela podia dizer que suas trajetórias não eram muito precisas, mas o grande número de vinhas tornava impossível de esquivar de todas elas. Normalmente, seria melhor evitar quaisquer feridas fatais e apenas pensar sobre como prosseguir com o ataque. No entanto, isso não era suficiente para ela agora.

Primeiro, ela cortou as vinhas visando seus pés. Em contato, Seniorious respondeu com a magia fluindo dentro delas. A luz tênue emitida das fissuras da espada ficou um pouco mais brilhante. Os pensamentos e os sentidos de Chtholly aumentaram ainda mais rapidamente, dando-lhe uma mera fração de segundo. Mas era tudo o que ela precisava. Balançando Seniorious mais uma vez, ela cortou os cinco que almejavam seus braços.

Um sapo com sete olhos.

A invasão também estava se acelerando. Chtholly não tinha tempo para lidar com isso, então tentou o seu melhor para afastá-la de sua mente. As cinco vinhas simplesmente foram retalhadas pela eufórica Seniorious ainda mais.

Um leão engolindo uma cobra. Uma pilha de moedas.

Agora era só passar para a próxima e repetir. Tudo o que ela precisava era fazer Seniorious entrar em contato com toda e qualquer coisa à sua volta. O poder adquirido em cada corte comprava tempo suficiente para o próximo passo.

Uma montanha que se levanta do céu. Uma cidade rural na chuva. Doces dentro de uma pequena tigela.

A distância diminuiu para zero. Chtholly derrubou Seniorious diretamente de cima na emaranhada massa de hera diante de seus olhos. A espada mandou algumas vinhas pelos ares, atravessou o nódulo principal e continuou indo direto até o chão da 15ª Ilha Flutuante.

Um letreiro ardente. Um arco-íris redondo. Castanholas fazendo ruídos aleatórios. Um gato de ouro e prata. Uma roda giratória. Uma faca sem cabo. Um saco tão grande como uma montanha. Um homem pendurado no topo de uma torre.

Seniorious uivou em resposta à vontade de Chtholly. A quantidade esmagadora de venenum ignorou a Besta e concentrou-se na ponta da espada, que agora perfurava profundamente no chão.

“Tome…”

O corpo inteiro do Carillon brilhou magnificamente, começando pelo punho e fazendo o seu caminho até a ponta.

“… isso!!”

O chão sugou toda a luz que irradiava da espada.

Um breve silêncio seguiu.

Então, um estrondo profundo. Uma única rachadura surgiu no chão, então rapidamente começou a se espalhar como uma teia de aranha até cobrir toda a ilha. Luz verteu das fissuras, alargando-as ainda mais. A terra se partiu. A ilha começou a cair.

Em uma tentativa desesperada de salvar a si mesma, a Besta dispersou suas vinhas e agarrou-se em qualquer pedregulho próximo que pudesse encontrar. Mas não funcionou. A Besta, junto com os pedregulhos e a própria ilha inteira, começaram a sua rápida descida para o vasto continente abaixo. Chtholly sentiu como se a ouvisse gritar. Claro, ela sabia que era apenas sua imaginação.

“O-O que você pensa que está fazendo?”, Gritou Ithea.

Espalhando suas asas ilusórias, ela voou até Chtholly, que ainda estava na Besta, usando as últimas reservas de seu poder. Ithea conseguiu pegá-la antes que fosse tarde demais. Enquanto se retiravam, Nephren defletiu as vinhas atacando-as por trás.

“Mas que imprudente…”

Elas pararam e se viraram ao chegar em uma altitude fora do alcance da Besta. A 15ª Ilha Flutuante desmoronou em pedaços e despencou diante dos olhos delas. A ilha, que Limeskin disse que tinha só cerca de 20% de chance de cair quando bombardeada com todo o estoque de poder de fogo da Guarda Alada, havia sido partida em questão de segundos por apenas um Carillon.

“Chtholly, você pode me ouvir?”, Perguntou Ithea, segurando a fada de cabelo azul em seus braços.

“Nn… estou bem, eu posso te ouvir”.

“Você sabe o que fez?”

“Sim… está tudo bem… eu lembro”.

“Não está nada bem! Você esqueceu o tipo de situação em que está? Eu lhe disse que a invasão iria acelerar se você fizesse alguma loucura, não disse? Fazer coisas assim resultarão em mais do que apenas um pequeno encurtamento no tempo de vida, sabia!”

“Está tudo bem… está tudo bem.” Chtholly olhou para cima com seus olhos vermelhos e sorriu fragilmente. “Eu prometi voltar para casa.” Seu sorriso fugaz parecia que iria desaparecer a qualquer momento. “Eu voltarei para casa com a cabeça erguida e informarei a Willem: Eu consegui sobreviver por sua causa. Mas não sei o que acontecerá comigo a partir de agora, então fique ao meu lado e me ensine mais para todo o sempre.” Ela riu.

“… ah, mas acho que vou ter que manter a invasão em segredo dele. Ele certamente se preocupará demais se ouvir. Eu quero que ele continue como quem ele é. Um pouco distraído às vezes, mas sempre legal e confiável”.

“Agh! tudo bem, você está começando a parecer assustadora!” Ithea abraçou o corpo magro de sua preciosa amiga com a força que ainda restava dentro de si.

“Au, isso dói, Ithea”.

“Essa é a prova de que você ainda está viva. Lide com isso.”

Chtholly desistiu de tentar resistir e deixou seu corpo relaxar.

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Ela prometeu que voltaria para casa. Ela poderia viver enquanto se apegasse a essa promessa. O problema era depois disso. Depois que a promessa fosse cumprida, quando não tivesse mais nada para se agarrar, o que aconteceria com ela?

Ithea não perguntou, e Chtholly não respondeu. Ela não queria saber a resposta. Ela queria continuar desviando os olhos dessa questão até chegar o momento em que não poderia mais fugir.


Parte 2 – Os Guardiões do Céu

Em uma das muitas ilhas flutuantes no céu, vive um velho. Há poucos que conhecem seu nome, mas também poucos que não conhecem sua existência. As pessoas simplesmente o chamam de “Grande Sábio”.

Sua histórico pessoal inclui essencialmente toda a história de Regul Aire. Por exemplo, digamos que você vasculhou a Biblioteca Cenart, a maior do céu, e encontrou o livro mais velho que ela tinha. Provavelmente seria feito de pergaminho grosso e escrito à mão com caneta, tendo sido feito em uma época sem as tecnologias atuais de fabricação e impressão em papel. Se você folheasse as páginas, acharia um relato do nascimento de Regul Aire, o tempo em que toda a vida na terra se aproximava da aniquilação nas mãos das Bestas soltas pelos Emnetwytes. Quando os poucos sobreviventes foram todos reunidos em Fistilas, Pico dos deuses, impotentes contra a morte aproximando-se deles a uma velocidade assustadora, um único homem criou um caminho para os céus com uma quantidade enorme de venenum.

Esse salvador mais tarde se tornaria esse velho, o Grande Sábio. Mesmo os livros de história não podem chegar mais para trás no tempo do que as rugas na pele do homem. Isso é quanto tempo este homem esteve vivo, orientando e liderando as pessoas.

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“Um homem que pode afinar Dug Weapons?” O velho deu a moça do Prisma de olhos prateados, que trouxe a notícia um olhar suspeito. Ela rapidamente empalideceu e se encolheu de medo. “Ah, eu não estou te culpando nem nada. Meus olhos são assim desde que nasci. Não precisa ter medo. De qualquer forma, aquele que veio com essa baboseira imprestável foi Buronny Maxi novamente?”

A dama assentiu.

“Para clamar em voz alta, como pode ele não reconhecer mentiras tão óbvias? Manutenção de Dug Weapons é impossível. Mesmo se o sol nascer no oeste, ou a neve cair no meio do verão ou os Emnetwytes mais uma vez surgirem na terra, isso nunca acontecerá”.

A dama deu-lhe um olhar interrogativo.

“O quê?” Quando o velho a olhou, ela soltou um gritinho e recuou mais uma vez. “Não é preciso ter medo. Se tiver uma pergunta, fique à vontade para fazê-la.”

“O-Oh não, sua escolha de palavras só soou um pouco estranha para mim. Eu sinto muito!”

“Hm? Ah, você está dizendo que se os Emnetwytes voltassem à vida, então não seriam eles capazes de ajustar suas próprias armas?”

A dama respondeu “sim” com uma voz pouco audível.

“Eu continuo lhe dizendo para não ter medo. É uma boa pergunta. Se eu não soubesse muito sobre os Emnetwytes, eu pensaria o mesmo. Mas a resposta é não.” O velho sacudiu a cabeça. “Dug Weapons, ou Carillons, são conjuntos de vários talismãs unidos por magia. Agora, isso pode parecer simples, mas a palavra intrincada nem sequer começa a descrever o fenômeno pelo qual diferentes Talismãs produzem diferentes efeitos por interferência mútua entre si. Claro, é preciso muita habilidade para afinar sistemas tão complicados. Obter um efeito específico é como tentar empilhar um monte de rochas umas sobre as outras até o céu”.

“Entendo…” A dama parecia um pouco perdida.

“Mesmo entre os Braves que lutaram com essas armas, apenas um punhado poderia realmente cuidar de sua própria espada. Não era esperado que fossem capazes. Se você quisesse consertar uma Carillon arrebentado, normalmente precisaria montar uma equipe de técnicos especializados para trabalhar nele em uma oficina com as instalações adequadas.

Agora você pode ver por que esse relatório deve ser falacioso. Um homem capaz de fazer a manutenção sozinho? Além disso, na grande espada Seniorious? E em outras espadas também? Hah!

Ele provavelmente exagerou um pouco para tornar seu relatório mais interessante, mas ele foi longe demais. Mesmo no mundo dos Emnetwytes, não havia nenhum monstro que dominasse tal habilidade. Reivindicar tal coisa é absolutamente ridículo”.

“Um monstro… Eu acredito que você usou essa palavra antes para descrever alguém. O Black Agate Swordmaster… ou algo assim “.

“Ahh… tem razão.” O velho se animou um pouco quando a moça continuou a conversa. O corredor que estavam caminhando sempre parecia excessivamente longo, e não havia nada interessante para olhar. Sem nada para falar, ficava chato muito rápido. “Ele poderia ter sido capaz de tal façanha”.

Com um olhar distante em seus olhos, o Grande Sábio começou a falar sobre o tal homem com um tom nostálgico em sua voz. “Ele era de fato uma besta temível. Ele não possuía talento inato. A quantidade de venenum que ele poderia inflamar estava abaixo da média. Não podia conjurar feitiços simples. Mesmo no manejo da espada, o caminho que acabou escolhendo, ele só conhecia as técnicas básicas”.

“Então, em outras palavras… uma pessoa comum?”

“De fato. Pelo menos, no início, ele era. No entanto, ele aspirava ser um Regal Brave. E nunca desistiu desse sonho, não importando quantas vezes sua falta de talento lhe foi apontada. Para preencher suas muitas lacunas, ele simplesmente aprendeu e aprendeu tudo o que podia. E o que obteve, ele poliu e poliu até tê-lo dominado.

O resultado? Um monstro que poderia entrar em uma batalha junto de indivíduos que usavam espadas lendárias com técnicas lendárias e ainda chegar em casa com os melhores resultados havia nascido”.

A Grande Sábio estremeceu, talvez por medo, talvez por respeito, e talvez por algo completamente diferente. “Com relação à força pura e ao número de feitos realizáveis com essa força, mesmo naquela época eu estava à frente dele, mas ainda, após centenas de anos, depois de ter adquirido ainda mais poder, não posso me imaginar ganhando em uma briga contra ele”.

A moça olhou para baixo e tentou conter uma pequena risada. “Não temos conhecimento das espadas ou técnicas lendárias de que você fala. Mesmo se você falar de alguém com força maior do que a sua, eu nem consigo começar a imaginar tal pessoa”.

“Isso pode ser para o melhor. O que foi perdido nunca mais retornará. Os eventos e pessoas daquela era não são mais que uma fonte de nostalgia para mim. Devemos viver no presente.” O velho parou de andar. “É esta a sala?”

“Sim. Você ainda deseja conhecê-lo?”

“Bem, você me trouxe até aqui, então eu deveria ao menos ver o tipo de impostor que temos conosco”.

Ele girou a maçaneta e abriu a porta.

Um jovem de cabelos negros sentado com um cotovelo apoiado em uma mesa de recepção, bocejando com tédio.

“… hm?” O jovem olhou para a direção deles. “Ah, Suwon. Há quanto tempo… você parece bem diferente agora, hein? “

O queixo do Grande Sábio caiu.

“Você ficou um pouco mais alto. Sem esse manto, eu não teria te reconhecido.”

“Black Agate… Swordmaster…?” Com uma voz quase tão alta quanto um sussurro, o Grande Sábio — Suwon — chamou o nome do jovem.

“Já faz muito tempo desde que alguém me chamou assim, Magus of the Polar Star. Fico feliz em ver que passa bem.”

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Suwon Kandel. Como Willem, serviu como um dos membros da equipe de Braves solicitados a derrotar o Visitante Elq Harksten há mais de 500 anos. Os sábios da capital imperial o estimavam desde sua tenra idade, reconhecendo seu imenso talento como um taumaturgo. No campo de batalha, sua força rivalizava com a dos Quasi Braves. Seu senso de moda tinha algumas grandes falhas, ele era um pouco mais baixo do que outros garotos de sua idade e às vezes tinha um pouco de confiança demais em suas habilidades, mas, tirando isso, ele fazia jus à sua reputação. Embora tivesse muito talento inato, também tinha a diligência de trabalhar arduamente para melhorar ainda mais e a modéstia de reconhecer os talentos dos outros ao seu redor. Além disso, ele sabia como trabalhar em equipe para atingir um objetivo. Ele tinha quase tudo.

Para Willem, Suwon era um camarada em quem ele podia confiar e se abrir, embora nunca tenha dito isso diretamente. E, claro, Willem pensou que Suwon havia morrido naquela batalha 500 anos atrás. No entanto, o fato de que Suwon sobreviveu e até mesmo se tornou um pilar fundador de Regul Aire não pareceu muito improvável.

Por exemplo, quase tudo em Regul Aire era baseado na cultura Emnetwyte, algo que Willem sempre pensou como estranho. Bem, voltando alguns degraus, todo o conceito de Regul Aire parecia artificial. Se você reunisse todas as diferentes raças, que viviam completamente separadas umas da outras na terra, e as enfiasse em um só lugar, você poderia esperar que uma disputa pelo poder do tipo sobrevivência do mais forte irrompesse. Por que todos simplesmente decidiram trabalhar juntos para construir cidades e prosperar em seu novo lar?

Agora, de volta ao ponto de partida, não importa onde você vá, todos os edifícios de Regul Aire são semelhantes aos construídos pelos Emnetwytes. De volta à terra, os bestiais viviam nas árvores ou nas lacunas entre as rochas. Orcs tendiam a escavar cavernas para residir, Reptraces faziam casas de estruturas parecidas com tendas construídas a partir de grama, e Ballmens e Primas nem sequer tinham o conceito de uma casa permanente. Agora, por que todas essas raças se juntaram e construíram casas ao estilo Emnetwyte para viver?

Havia inúmeros outros exemplos: comida, moeda, costura, hierarquia social, fabricação de papel e livros, etc, etc. Na verdade, era difícil encontrar até mesmo um contra-exemplo. Regul Aire, um mundo em que muitas raças, exceto os Emnetwytes, moravam, se aproximava muito do velho mundo onde os Emnetwytes uma vez viveram.

Willem agora tinha uma explicação para tudo isso: Suwon. Na fundação de Regul Aire, ele assumiu a liderança e criou essencialmente a cultura que seria dominante no novo mundo. A cidade natal de Suwon era a capital imperial, e ele também sabia um pouco de história. Até então, a história da capital imperial era cheia de invasões e anexações, o que a tornou uma arca do tesouro de exemplos de diferentes pessoas de diferentes culturas sendo forçados a viver no mesmo lugar. Com toda essa experiência e conhecimento, não havia dúvida de que Suwon tinha a capacidade de criar uma nova cultura. Afinal, ele era um gênio.

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“Você foi transformado em pedra!”, O velho perguntou histericamente. “Depois da batalha, não importava quantas vezes tentei sentir um batimento cardíaco nas proximidades, não obtive resposta, então pensei que estivesse morto”.

“Quero dizer, como o meu coração deveria estar se movendo se eu for uma pedra?”

“Me devolva as lágrimas que derramei naquele dia”.

“Hm? Você chorou por mim?”

“N-Não! Não há como eu fazer uma coisa dessas por você! Eu sabia que você viveria o tempo todo!” A atitude do velho no momento não lhe cabia.

“Bem, de qualquer forma, foi um monte de problemas. Antes de eu conseguir, nunca ouvi falar de ninguém despertar depois de ser transformado em pedra. Até onde sei, eu estava basicamente morto. Como eu tinha uma série de maldições em mim além de estar petrificado, demorou muito tempo e dinheiro para me recuperar em condições de trabalho. Graças a isso, desde que acordei, só estive pagando dívidas”.

“Absurdo…”

Não é como se Willem tivesse se transformado em pedra porque queria. E ele não acordou e voltou à vida porque queria também. Ele podia entender o que Suwon estava sentindo, então guardou aquilo para si mesmo.

“De todo modo, já chega de falar de mim. Como diabos você chegou aqui? Ouvi dizer que os Emnetwytes foram extintos. Mesmo se não foram, como você ainda está vivo depois de todos esses anos? Não creio que alguém mais ainda esteja vivo, certo?”

“Não pergunte tanto assim de uma vez. Bem, apenas uma resposta é necessária para todas essas três perguntas.” Enquanto ele falava, Suwon tirou a túnica e revelou seu peito. Um grande buraco posicionado onde seu coração deveria estar.

“O que…”

“Eu também fui morto naquela batalha 500 anos atrás por Jade Nail, um dos três deuses da Terra, ou Poteau, que protegem os Visitantes. Eu o desafiei junto com Emissa, mas nós dois morremos sem lutar muito. Antes de perder a consciência, lancei um feitiço em mim mesmo. Não posso lhe contar os detalhes, mas interferi com uma parte da minha existência, de modo que não se perderia com a morte normal. Na minha forma atual, não posso morrer por ferimentos ou velhice. E, claro, já não sou mais Emnetwyte.”

“Entendo…”

“Só para esclarecer as coisas, não quero sua compaixão. Estou bastante satisfeito comigo mesmo no momento, e a ideia de você sentir pena de mim me dá arrepios.”

“Não, não você. Fiquei chocado ao saber que Emissa morreu”.

“Oi”.

“Então, aquele demônio explosivo morreu, hein? Eu pensei que já tinha tirado toda a tristeza de mim, mas ouvir isso novamente ainda me pega. Então presumo que o resto também morreu?”

“Não, nem todos. Lillia e Navrutri conseguiram.”

Suwon não sobreviveu saltando através do tempo como Willem fizera enquanto estava envolto em pedra. Suwon estava vivo e ativo o tempo todo. Todos os quinhentos anos. Diante disso, ele deveria saber. Ele deveria saber tudo o que ocorreu enquanto Willem era uma rocha inútil e dormente.

“Ei–” Havia montanhas de perguntas que ele queria fazer. Onde nosso mestre, com quem não conseguimos entrar em contato, acabou indo parar? O que aconteceu com o exército de monstros depois da marcha na capital? A princesa e o rei que sempre nos apoiaram sobreviveram? “Apenas me diga uma coisa: o que são essas “17 Bestas”? O que raios aconteceu enquanto estávamos fora lutando contra os Visitantes?” Fazendo o possível para afastar todas aquelas coisas de sua cabeça, Willem reduziu para uma única questão. Os resultados da batalha de Lillia. A segurança de seus amigos. Não havia sentido em perguntar sobre isso agora. A humanidade já havia desaparecido; Ele já sabia as respostas. Havia apenas uma coisa que valia a pena saber.

“Você se lembra da Mundo Verdadeiro?”

Willem assentiu. Era uma das organizações religiosas contra o governo da capital imperial. A pedido da família real, ele, Lillia e outros os tinham esmagado.

“Os reminiscentes desse grupo estabeleceram uma base em uma pequena cidade fora da capital e iniciaram pesquisas sobre armas biológicas. As “Bestas” são o resultado dessa pesquisa”.

“Entendo. Então, é verdade que os Emnetwytes destruíram o mundo.” Claro, os malvados eram apenas uma pequena fração dos Emnetwytes. No entanto, as outras raças prestes a serem extintas não se importaram exatamente. E, muito tempo depois do calvário, não havia razão para que alguém tentasse recuperar a reputação de pessoas há muito desaparecidas.

“Pelo relatório da Polícia Militar, ouvi dizer que você é um técnico de armas encantadas agora?” Suwon, que talvez não quisesse falar sobre as Bestas, conduziu a conversa em uma direção diferente.

Willem ainda queria saber um pouco mais sobre o passado, mas decidiu não ir contra Suwon. “Apenas no papel, então me sinto um pouco mal pelos verdadeiros técnicos de armas encantadas, mas…”

“Do que você está falando? Você acha mesmo que existem segundos técnicos de armas encantadas?”

“Hã?”

Suwon olhou para o rosto estupefato de Willem com um ainda mais estupefato. “A natureza do segundo técnico é completamente diferente da do primeiro, terceiro ou inferior. Quero dizer, é um trabalho vazio onde você finge que está fazendo pesquisas, mas sabe que nunca chegará a lugar algum. A única responsabilidade real é apenas estar lá e só isso. Afinal, presume-se que a pesquisa não produza resultados, então escrever um relatório é apenas um desperdício de tempo e papel, praticamente todas as pessoas anteriores em sua posição eram oficiais que ficaram um pouco irritantes e consequentemente receberam um rebaixamento. O trabalho possui apenas o mínimo de autoridade e pagamento”.

Suwon respirou fundo. “A pesquisa que nunca se esperava chegar a lugar algum era a de pesquisar os fundamentos do Carillon. Em outras palavras, você pode dar um novo significado ao posto de Segundo Técnico de Armas Encantadas”.

“Bem, este trabalho é bom o suficiente para mim. Eu consigo relaxar porque não é realmente um trabalho, e não é como se eu desejasse mais autoridade ou dinheiro”.

“Agh!” Suwon apoiou os cotovelos na mesa e enterrou a cabeça nas mãos.

“O que há de errado?”

“Eu não posso decidir se é o trabalho perfeito para você ou o maior desperdício de toda Regul Aire. Você é o único que pode realizar manutenção nos Carillons, algo que pode desbloquear um enorme potencial em nosso poder de combate. Mas para que você desperdice lá, sem fazer nada… “

Ele parecia estar reclamando de alguma coisa, mas ele falou com uma voz calma, então Willem não conseguiu ouvir. “Seja como for, o oficial da Polícia Militar disse que precisava perguntar ao Grande Sábio sobre o que fazer comigo ou algo assim. Desculpe pela pressa, mas você poderia decidir isso depressa? Eu prometi que estaria em casa logo.”

“Casa?” Suwon ergueu a cabeça. “Você quer dizer aquele armazém das fadas?”

“O que mais poderia ser? Eu duvido que minha casa lá embaixo ainda exista. É verdade que seria ótimo conversar com um velho amigo um pouco mais, contudo, felizmente nós dois parecemos saudáveis. Podemos nos encontrar novamente em um dia posterior”.

“Ah…” murmurou Suwon. “… bem antes disso, há alguém que eu quero que você conheça.”

“O que, ainda tem mais? Já faz dois dias, sabe? Tenho crianças famintas para alimentar em casa”.

“Se ele soubesse que você estava vivo, tenho certeza que gostaria de te encontrar. Quanto a você, bem, provavelmente nunca iria querer vê-lo novamente. Ainda assim, você não pode ignorar essa chance”.

“Um conhecido meu? Se você o conhece também, então isso significa que é alguém daquela época? “

Suwon falhou em responder.

“Vamos lá, quem é? Eu sou apenas um Emnetwyte comum. Além de você, tenho certeza de que não conheço ninguém que pudesse viver por centenas de–” Willem de repente interrompeu a si mesmo. Alguém que conheceu no mundo anterior. Alguém que ele e Suwon conheciam. Alguém que pudesse permanecer imortal por centenas de anos. Ele poderia pensar em apenas uma pessoa que corresponda a esses critérios. “– Não me diga…”

“Vamos conversar no caminho”. Suwon levantou-se.

“Espere. Eu não disse que iria.”

“Bem? Você planeja dizer que não?”

Willem ficou sem palavras. Suwon, levando isso como uma resposta, abriu a porta à força e falou alto para a moça aguardando silenciosamente.

“Nós nos dirigiremos para a 2ª Ilha Flutuante. Prepare um dirigível imediatamente!… ah, não se assuste. Culpa minha por levantar a voz, não estou tentando gritar com você. Eu também deveria abrir a porta mais gentilmente, então não precisa se encolher de medo”.

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A 2ª Ilha Flutuante, também conhecida como Coração da Árvore do Mundo. Se você olhasse para Regul Aire de cima, veria que ela se localizava bem no centro. Naturalmente, você poderia esperar que fosse um importante centro comercial. No entanto, nenhum dos dirigíveis inter-ilhas paravam por lá. Haviam três razões para isso.

Primeiro, não haviam aldeias ou cidades na ilha, o que significa que na verdade não há quem se beneficie do comércio. Segundo, ela flutua em uma altitude muito maior do que todas as outras ilhas, e geralmente é cercada por ferozes nuvens de tempestade, proibindo até a passagem das aeronaves mais bem construídas. E em terceiro, é uma terra sagrada.

Fundamentalmente falando, todas as coisas caem. As muitas enormes ilhas que flutuam no céu, que compõem Regul Aire, parecem contrariar as leis da natureza. O segredo que permite isso é dito ser a 2ª Ilha. Perturbar as terras sagradas significaria causar a queda do mundo, então qualquer entrada é proibida.

Ainda assim, ocasionalmente, coletores que pensam que podem descobrir a verdade velada por trás dos golpes da religião, tentam chegar à ilha. A maioria deles volta para casa abatido e ferido pelas violentas tempestades e correntes de ar que cercam a ilha, sem sequer tê-la vislumbrado.

Às vezes, coletores aparecem afirmando ter visto o que está além daquelas nuvens. Eles dizem que não é uma pedra gigante no céu como as outras ilhas flutuantes, mas um enorme pedaço de quartzo preto polido. E que inúmeras plantas crescem na sua superfície independente das estações; Flores da primavera e outono florescem ao mesmo tempo. Seus contos quase todos soam como delírios incoerentes. Claro, quase ninguém acredita de verdade neles, então a 2ª Ilha Flutuante ainda permanece envolta em mistério.

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“… aquilo é um grande pedaço de quartzo preto. Ou é um vaso de flores? “

Suwon assentiu. “Aparentemente, é algo como um talismã gigante, mas não conheço os detalhes. Quando é tão grande assim, também não sinto vontade de descobrir sozinho.”

“Realmente há muitas árvores diferentes crescendo naquele vaso de flores enorme”.

“Há algum tipo de barreira em torno da ilha que controla o clima, permitindo que seja simultaneamente as quatro estações no interior. As nuvens de tempestade ao nosso redor são um subproduto disso. Por sinal, não sei por que configuraram assim.”

“Para um Grande Sábio, você parece não saber muito.”

Obviamente amolado pelo comentário de Willem, Suwon respondeu: “Um sábio sabe o que precisa saber. Apenas aquele que não entende de nada pensa que ele deve saber tudo”.

“Caramba! Há insetos voando ao redor! Insetos! As estações estão mesmo fora de controle.”

“Ouça quando as pessoas falam!”

Para uma ilha flutuante, a 2ª estava bem longe no lado menor do espectro. Nem tinha um distrito portuário de qualquer tipo. Willem perguntou-se o que deveriam fazer sem lugar para ancorar, mas a pequena aeronave preparada pelo Grande Sábio desembarcou sem dificuldade em uma pequena e plana clareira.

“Uau, isso é demais. Você deveria me dar uma. Parece útil para fazer as compras.” O distrito portuário na 68ª Ilha ficava bem longe do armazém das fadas, tornando-o bastante inconveniente quando se pretendia fazer compras em outra ilha flutuante.

“Não seja estúpido. Você não pode simplesmente comprar uma dessas por qualquer quantia de dinheiro”.

“Bem, isso é mesmo uma pena.”

Eles saíram da aeronave. Apesar de aparentar ser uma ilha muito pequena à distância, ela parecia muito maior quando Willem pisou no chão. Olhando ao redor, tudo o que ele podia ver eram várias plantas confusas sobre qual estação era. Isso fazia um cenário bastante estranho.

“O que é isso? Uma maçã e um pêssego crescendo lado a lado”.

“Se você está com fome, não tem problema comer uma. Não há veneno”.

“Eu acho que vou passar…” Willem não pôde deixar de pensar que deviam estar usando algum tipo de fertilizante suspeito. Ele nem queria tocar uma, muito menos comer. “Bem, de qualquer jeito, é para lá que nós estamos indo?”

No centro da ilha havia uma torre negra, provavelmente composta do mesmo material que o fundo da ilha. Pelo menos de onde Willem estava, parecia ser o único edifício em toda a ilha.

“É preto, tem espinhos por toda parte… tem uma vibração de templo maligno”.

“Exato… o conheço há muito tempo, mas nunca entendi esse senso de moda dele”.

“Olha quem está falando.” Willem gargalhou. “Mesmo depois de quinhentos anos, essa sua preferência por capas brancas superdimensionadas nunca melhorou, hein?”

“Não faça isso parecer uma doença. É uma parte de mim. Mesmo que mil anos se passem, não me livraria disso.”

A nostalgia e as lembranças evocadas por essa conversa lúdica quase fizeram Willem querer chorar. Era uma conversa que ele nunca deveria ter a chance de ter novamente, com um amigo que ele nunca deveria ter reencontrado. Só por isso, esses poucos minutos pareceram infinitamente preciosos para ele.

“Ei…”

“O que?”

“Obrigado.”

“… e por que estou sendo agradecido agora?”

“Eu simplesmente senti que devia. Não se preocupe com isso”.

Suwon tornou-se o Grande Sábio, mas o Grande Sábio não era mais Suwon. Ele passou por quinhentos anos de vida, obtendo muitas coisas novas e mudando a si mesmo. Isso era óbvio. Afinal, um homem velho não teria os mesmos maneirismos que tinha quando adolescente.

Apesar disso, Suwon agora falou e agiu como o velho Suwon que Willem uma vez conheceu. E Willem era inteligente o suficiente para perceber que Suwon provavelmente estava se comportando de maneira diferente por ele. A dor de perder amigos, família, casa e tudo mais — Suwon já havia experimentado uma vez, e ele sabia que Willem estava agora na mesma posição. Para fazer Willem se sentir um pouco mais à vontade, ele estava agindo como seu velho eu.

“Por que você está sorrindo desse jeito medonho?”

Ou talvez ele ainda fosse apenas um jovem de coração. Essa era uma possibilidade, mas que Willem realmente não queria pensar sobre, depois de ter acabado de agradecer a Suwon.

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A torre estava vazia. Eles empurraram as pesadas portas e subiram uma longa escada em espiral apenas para encontrar uma sala do trono desabitada.

“O que está acontecendo?”

“Não é incomum. O clima está ótimo hoje, então ele provavelmente está dando uma caminhada”.

“Hã?”

“Bem, como você pode ver, quase não há nada nessa ilha exceto plantas. O que significa que quase não há nada a fazer para passar o tempo, então, sempre que o tempo está bom, ele geralmente passeia do lado de fora”, explicou Suwon enquanto caminhava até a janela. “Olhe, lá está ele”.

Olhando para baixo, Willem viu uma moça vestindo um uniforme de empregada empurrando um grande carrinho de bagagem.

“… quem é aquela garota?”

Então, não é uma ilha desabitada, pensou Willem enquanto observava a mulher. Do seu ângulo, ele não conseguiu ver o rosto dela, mas, a partir das orelhas triangulares, ele imaginou que fosse uma Ayrantrobos. Apesar de empurrar o que parecia uma carga muito pesada, ela mantinha a postura perfeita.

“Não ela. Olhe para lá.”

Willem virou-se para onde Suwon apontou e viu uma coisa preta descansando no topo do carrinho. No começo, ele pensou que era apenas uma rocha, mas seu instinto lhe dizia o contrário. Ele não conseguiu identificar o motivo exato, mas algo parecia um pouco estranho.

“Ei, seu pedaço de lixo! Nós viemos para uma visita!” Suwon gritou com uma voz alta como trovão.

“Ah, o Grande Sábio! Chegou na hora certa! Eu estava me perguntando no que fazer com todo o meu tempo livre!”

A coisa preta moveu-se. Era um crânio. Ou pelo menos tinha a forma de um. Era preto piche e quase tão grande quanto a braçada de um adulto. Era apenas um crânio, se você ignorasse a parte em que se moveu por conta própria, olhou para eles e, além disso, começou a falar com uma voz de velho. Em outras palavras, bem, não era realmente apenas um crânio.

“Nós também não conseguimos terminar nosso jogo na última vez. Hoje vamos deixar claro quem é o melhor jogador!”

Infelizmente, Willem reconheceu aquela voz. Ele tinha encontrado inequivocamente o dono daquela voz há apenas dois anos atrás — bem, para o resto do mundo seria cerca de quinhentos anos. Os eventos que ocorreram naquele dia Willem provavelmente nunca esqueceria. Essas lembranças haviam sido esculpidas vividamente em algum lugar no fundo dele.

“Desculpe-me, mas não vim brincar ou curar seu tédio hoje! Há alguém que quero que você veja, Ebon Candle!”

Os dois velhos trocaram gritos intimidantes, porém amigáveis entre o topo e a base da torre.

“O que… você tem um convidado? Por que não disse logo, tolo! “

“Foi você quem saiu para dar uma caminhada despreocupada! Se tem um problema com isso, então arranje um cristal de comunicação! Assim poderei te avisar antes de vir!”

“Não seja estúpido! Você sabe que as comunicações não podem passar pela barreira ao redor da ilha! “

“Então, faça algo sobre isso! Ou isso é complicado demais para um deus imortal!”

“Vejo que sua boca cresceu apesar de só ter vivido por quinhentos anos! Espere bem aí, eu irei te esmagar no tabuleiro!”

“Eu lhe disse, eu tenho outros negócios hoje!”

“Ah, tem razão! Kaiya me desculpe, mas poderia se apressar?”

A moça com uniforme de empregada assentiu e começou a correr enquanto empurrava o carrinho. Em pouco tempo, chegaram aos portões da torre de quartzo preto e começaram a subir a escada em espiral, fazendo barulhos altos conforme seguiam.

“– A propósito, Suwon.” Willem gemeu conforme pressionava fortemente a ponta dos dedos contra a testa, tentando suprimir a dor de cabeça. “Estou apenas tendo um sonho ruim, certo?”

“Eu entendo como você deve se sentir, mas encare a realidade. Se quiser eu posso te dar uma tapa.” Suwon preparou sua mão na frente de Willem.

“Vou passar. Se você fizer isso, minha cabeça pode sair voltando antes de eu acordar.”

“Hm. Chato.”

O ruidoso retinir aproximou-se da sala do trono.

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“Hahahah!”

Willem pensou ter sentido um forte vento soprando do trono. Mas não era vento de verdade, mas sim o resultado de um venenum tão esmagadoramente forte que ele podia sentir em sua pele. Willem conhecia apenas uma pessoa, ou ser, que poderia produzir tal força.

“Há quanto tempo, Brave! E pensar que atravessaríamos os séculos e nos encontraríamos mais uma vez! Uma reunião deveras inesperada!”

Ele era um dos três deuses da Terra, ou Poteau, encarregado de proteger o Visitante Elq Harksten que ficou diante de Willem e dos outros Braves naquela batalha há muito tempo, seu último e mais poderoso oponente.

“Mas infelizmente, somos inimigos destinados! Esta reunião milagrosa logo será manchada de sangue!”

Ele era conhecido por muitos nomes. Aquele que Repousa na Morte. O Tecelão do Mundo. O Pai da Terra. Aquele que Ilumina a Escuridão no Jardim da Luz — Ebon Candle.

Naquela antiga batalha, ninguém menos que o Quasi Brave Willem Kmetsch o derrotou em troca de sua vida. Mas, assim como ele ouviu de seu oponente antes de morrer, ele simplesmente passou por um longo sono antes de despertar.

“Não, acho que estou de boa.” Willem, ainda estupefato, agitou as mãos em recusa.

“Hm. Chato.” O crânio Ebon Candle, suprimiu seu venenum. O ar ameaçador que preenchia a sala do trono desapareceu instantaneamente. “Eu pensei que você teria muito ódio de mim acumulado, então ia deixá-lo liberar tudo, mas…”

“Você tem uma maneira estranha de ser atencioso com os outros”.

“Então está tentando dizer que não tem ódio?”

“Mesmo que tivesse, por que eu iria passar por algo tão incômodo como uma revanche? Antes, lutei porque tinha pessoas para proteger atrás de mim e você estava tentando machucá-las. Este não é o caso, então não há motivo para lutar. Estou errado?”

“Você lutou até o ponto de jogar fora a sua própria vida, contudo não guarda rancor… você é um homem mais simples do que eu pensava”.

“Quero dizer, mesmo se eu tivesse uma razão para lutar, o que há com você? O Ebon Candle com qual lutei tinha pele, carne e um corpo abaixo da cabeça. Por que aquilo se transformou em uma cabeça andando por aí em um carrinho tomando banho de sol na maior folga?”

“Do que você está falando? Foi você quem queimou minha pele, carne e corpo”.

“Bem, isso é verdade, mas como você não está totalmente recuperado depois de dormir por cem anos!?”

“Estou lhe dizendo que é tudo culpa sua. Desde que você me destruiu tão meticulosamente, meu corpo não pôde se curar a tempo. Você sabe o quão surpreso eu fiquei quando despertei? Eu queria começar a chorar, mas não tinha sequer glândulas lacrimais!”

“Quem se importa!?”

“E depois disso, eu continuei tendo que usar meu poder, então não tive a chance de recuperar mais que isso. Como pode ver, depois de quatrocentos anos eu ainda estou nesta forma vergonhosa”.

O crânio preto reclinado em seu trono. Willem teve algumas dúvidas sobre se o estado atual dele era mesmo vergonhoso ou não, mas no fim, quem realmente se importava.

“Tudo bem, basta. Suwon, suponho que você não me trouxe aqui apenas para dizer oi. Vamos aos negócios de verdade.”

“Negócios de verdade?”, perguntou o crânio.

“Ahh.” Suwon assentiu. “Este sujeito é podre até o caroço, mas é excepcionalmente habilidoso e podemos confiar nele. Ele será uma parte essencial do nosso plano”.

“Hmm…”

“Ei! Quem você está chamando de podre até o caroço!” Willem retrucou.

“Willem, você não quer recuperar a terra?”

“Não tente mudar de assunto — a terra?” Essa palavra fez Willem esquecer os insultos de Suwon por um momento. “Quero dizer, tudo já está destruído e as Bestas vagam livremente. O que você está tentando fazer?”

“Vamos levar a luta a elas… bem, claro que a terra é grande demais para se recuperar toda de uma só vez. Em primeiro lugar, retomaremos Fistilas, Pico dos Deuses, e usaremos como nossa base de operações. As duas coisas mais importantes que precisamos são uma maneira de lutar contra as Bestas e uma maneira de manter a luta. Todo esse tempo, estávamos sem a última. Mas agora, com você aqui, podemos dar um grande salto em frente. Você pode consertar qualquer Carillon instável ou quebrado. Esse é um salto enorme.”

“Entendo…” Willem assentiu ligeiramente. “Esse é um plano bem ambicioso”.

“Eu sei, não é? Claro, é um plano a longo prazo e que exigirá as forças combinadas de cada cidade em Regul Aire. Será muito perigoso e talvez não produza resultados imediatos, mas no fim acredito que temos uma boa chance de vitória”. Conforme Suwon falava, ele ficava cada vez mais animado. “Até agora, apenas o número de Carillons funcionais tem sido um problema, pois podemos produzir tantas fadas quanto quisermos”.

“– Oh?” Willem assentiu ligeiramente novamente.

Suwon, provavelmente percebendo sua observação desagradável, perdeu seu impulso. “Ah deixa pra lá. Isso foi… er… “.

“Tudo bem, Suwon. Acho que já descobri. Ebon Candle usou necromancia em sua batalha contra mim. Imagino que repousar na morte por cem anos também deve ser um tipo de magia semelhante. E o feitiço que você usou para deixar uma parte de si mesmo viver quando morreu deve ser o mesmo tipo de coisa também. Por último, vocês dois são os guardiões de Regul Aire. A essa altura, tornou-se bem óbvio para mim”.

Pelo que Willem aprendeu em sua pesquisa, as fadas são as almas perdidas de crianças falecidas incapazes de compreender a morte. Geralmente, elas surgem naturalmente em uma forma instável, como um will-o’-wisp ou um anão. E aparentemente, podem ser criadas artificialmente e usadas através de técnicas de necromancia.

Os Leprechauns que Willem conhecia, sem dúvidas não eram will-o’-wisps ou anões. Talvez fossem instáveis, mas tinham o corpo e a mente de um Emnetwyte. Dentro de seus corações, tinham esperanças, medos, amor, admiração, persistência, desespero. E com essas emoções, continuavam a lutar e descartar suas vidas.

“Qualquer um poderia perceber isso com todas essas evidências.” Willem estava quase completamente convencido de que seu palpite estava certo. Vencido por emoções estranhas que o faziam querer chorar e desatar a rir ao mesmo tempo, Willem colocou em palavras a conclusão que tinha sido preparada em sua mente. “Vocês são aqueles que criam as fadas, não são?”


Parte 3 – Um curto período de tempo depois

Recentemente, corriam rumores por aí de que haviam goteiras no corredor do segundo andar. Uma checagem rápida confirmou que algum trabalho de carpintaria era realmente necessário. Alguém poderia ser convocado da cidade em um dia posterior, mas, por enquanto, poderiam ser usados alguns remendos rudimentares. O que significava que ele precisava de tábuas de madeira e um–

“– Ei, você sabe onde o martelo de madeira está?” Willem virou-se.

A sala de armazenamento no primeiro andar. Você o usou antes… já se esqueceu? Chtholly respondeu. Uau, você é mesmo péssimo em lembrar das coisas… Ela tentou parecer um pouco irritada, mas, na verdade, estava só tirando sarro de Willem.

No entanto, antes que pudesse terminar sua queixa, ela notou algo de errado: Willem não estava olhando para ela. Para onde você está olhando? Ela se virou, mas ninguém mais estava lá, apenas o corredor vazio.

“Chtholly, para onde você foi?”, Perguntou Willem e começou a escanear a área ao seu redor.

Do que você está falando? Estou bem aqui, ela disse com uma voz mais forte do que antes.

“Que estranho. Eu pensei que você estava bem aqui.” Willem, ainda sem encarar Chtholly, parecia ignorar seus chamados.

Ei, corta essa–

Ela estendeu a mão, ou pelo menos tentou. Ela não podia. A mão que ela pretendia usar não existia em primeiro lugar. Olhando para seu corpo, Chtholly percebeu que ele não estava lá.

“Chtholly? Onde você está se escondendo?” Willem começou a andar.

Ele vagou por todo o armazém das fadas, procurando pela garota invisível. Ele não a encontrou. Ele saiu do armazém e procurou por toda a ilha. Ele não a encontrou. Ele abordou qualquer um que viu e perguntou sobre Chtholly Nota Seniorious. Ele não recebeu respostas.

Onde você vai?

O que você está procurando?

Eu estou bem aqui.

Do seu lado.

Ei.

Ei!

Me note.

Não importava quanto Chtholly tentasse falar, ela falhava em produzir a voz. E, claro, palavras que falham em se tornar som não alcançam ninguém.

Eventualmente, Willem ficou cansado de andar e parou, perdido e confuso. Alguém colocou uma mão em seu ombro.

“Já é hora de você aceitar isso”, disse Nygglatho gentilmente com um sorriso solitário no rosto. “Elas já estão mortas”.

— Chtholly se sacudiu, mandado seus cobertores voando por toda parte.

Seu coração não mostrou sinais de diminuir seus rápidos batimentos. Segurando sua mão sobre seu violento peito pulsante, ela respirou profundamente. Quando finalmente se acalmou um pouco, seu corpo estremeceu. A mordida fria da manhã de inverno a atacou impiedosamente através de seu pijama, drenando seu calor. Ela saiu da cama, pegou seus cobertores, embalou-os em uma bola e abraçou-os com força.

“Um sonho…” Chtholly murmurou. “Um sonho, certo?”

Ela olhou para a janela. O mundo exterior ainda estava envolto na escuridão da noite, esperando o atrasado amanhecer do inverno.

Seu corpo parecia lento. Ela queria se aconchegar em seus cobertores mais uma vez e voltar a dormir. Mas não podia. Seus olhos se recusavam a fechar, sabendo que poderiam ver a continuação daquele sonho.

Separador de texto

Dois dias se passaram desde o fim da batalha na 15ª Ilha e o regresso das fadas ao armazém.

Willem ainda não retornou para casa.

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A chuva torrencial que começou a cair com o nascer do sol rapidamente parou um pouco antes do meio dia. Sob o céu azul miraculosamente claro, pequenas garotas fadas irromperam no campo. A bola branca limpa que levaram consigo rapidamente ficou coberta de lama. Logo, as garotas que a perseguiam com entusiasmo também ficaram cobertas.

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Em um canto da sala de leitura, Nephren estava desfrutando de uma soneca. Usando os braços dobrados sobre a mesa como travesseiro, ela ressonou pacificamente com uma expressão gentil no rosto.

“Bem, é incomum para Ren, jogar um livro fora assim,” disse Ithea enquanto pegava o livro embaixo da mesa de Nephren. “Para ela, o problema principal provavelmente não é uso excessivo de venenum, mas apenas fadiga regular. Ela não teve muita experiência desde que amadureceu completamente, então seu vigor ainda tem um longo caminho a seguir. Mas ainda assim ela conseguiu resistir naquela longa batalha.” Ithea acariciou suavemente a cabeça de Nephren.

“… e você está melhor, Ithea? “

“Eu? Me sinto bem como nova! Tenho confiança na minha longevidade”, respondeu Ithea com orgulho.

Chtholly não estava totalmente convencida. Sua amiga de cabelos dourados sempre dizia coisas importantes de um jeito que impossibilitava discernir se ela estava falando sério ou brincando. Como resultado, Chtholly nunca soube no que acreditar.

“E como você está, Chtholly?” Ithea lhe rebateu a pergunta.

“Eu? Eu estou… uh…” Muito bem é claro, ela começou a dizer. Ela queria dizer isso. Mas no fim, Chtholly não pôde. Em contraste com seus tons casuais, Ithea estava olhando para Chtholly com um olhar totalmente sério. “Eu acho que não estou na minha melhor forma. Provavelmente não vou querer lutar por um tempo.” Ela colocou um sorriso fraco e encolheu os ombros.

“Bem, se começar a parecer ruim de verdade, talvez você devesse pedir para voltar para a 11ª Ilha. Você provavelmente receberá permissão por ser uma soldada tão importante agora e tal, e tenho certeza de que o médico pode ao menos te dar alguns conselhos”.

“Eu já te disse, estou bem. É só um pouco mais desconfortável que o habitual.” Chtholly sacudiu a cabeça. “Você me dando conselhos é tudo que preciso. Eu confio em você.”

“Bem, estou contente, mas…” Ithea enrolou com os dedos seu cabelo bagunçado.

“Além disso, seria uma droga se eu fosse embora e ele voltasse, certo? Quero vê-lo o mais rápido possível, então preciso esperar em casa como ele disse.”

“Ah… você está completamente no modo de donzela apaixonada, entendo”.

“Mhm, tem razão.”

“Não vai mais tentar esconder isso?”

“Bem, ele sabe dos meus sentimentos, mas ainda assim tenta fugir. Eu definitivamente não conseguirei pegá-lo se continuar fingindo. Neste ponto, penso que ir direto a ele sem nada a esconder é minha única opção. Ele pode parecer que tem tudo organizado em seu próprio mundinho, mas se mesmo algo pequeno dá errado, ele pode ficar bem abalado.”

“Hmm, isso é verdade.”

“Então, assim que ele chegar em casa, eu irei com tudo para cima dele. Claro, você terá que me ajudar um pouco, então prepare-se.”

“Tuuudo bem, deixa comigo.” Ithea deu um joinha.

Chtholly retornou o gesto. Não havia mentiras em suas palavras agora. Se ele chegasse em casa, ela iria até ele implacavelmente. A palavra-chave era “se”.

Originalmente, ele não estava aqui. O que significa que o estado atual do armazém das fadas sem ele era como as coisas deveriam ser.

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“Talvez ele não volte para casa.” As palavras persistentes na mente de Chtholly às vezes escapavam de seus lábios em momentos de fraqueza. “Quero dizer, ele é uma pessoa tão valiosa para Regul Aire. É quase inacreditável que ele tenha estado aqui todo esse tempo. Você poderia imaginar que ele seria nomeado para uma posição super alta e implorado para compartilhar todo seu conhecimento arcano. Então talvez seja melhor que ele nunca volte para casa”.

Ela recebeu respostas variadas quando disse isso na frente das pessoas.

“Nós não vamos deixá-lo!” “Eu não quero ficar sozinha.” “Eu serei aquela que derrotará o técnico!” “O que é arcano?” Era questionável se Tiat e as outras pequenas entendiam ou não o que Chtholly estava falando.

“Você deve ser um pouco mais honesta consigo mesma”, disse Nygglatho com uma voz um tanto repreensiva.

Nephren apenas baixou os olhos e não reagiu além disso. Bem, Chtholly realmente não esperava muito mais.

“Bem, se ele não voltar, o que você vai fazer?”, Perguntou Ithea com um sorriso provocador.

O que ela faria se ele realmente não voltasse para casa? Chtholly pensou nisso, mas não conseguiu responder. “Eu acho que não faria nada…” Sua resposta vaga fez com que Ithea suspirasse dramaticamente.

Originalmente, ele não estava aqui. O que significa que sua vida cotidiana atual sem ele ao seu lado era a vida que ela deveria viver.

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“Haaa!”

Ouvindo um forte, porém fofo grito de guerra por trás, Chtholly instintivamente esquivou-se para fora do caminho. Pannibal e Collon caíram no chão, não conseguindo atingir seu alvo.

“… o que vocês estão fazendo?” Ela ajudou as duas a se levantarem.

“Eu disse a vocês!” Retardando atrás de suas companheiras, Tiat veio correndo e cutucou as duas em seus narizes vermelhos. Um par de pequenos gritos soaram por todo o corredor. “Não tem como vocês pegarem Chtholly. Vocês ainda têm uns dez anos pela frente”. Por algum motivo, Tiat estufou o peito com orgulho.

“Mas sem o Willem por aqui não temos ninguém para praticar, e nossas habilidades vão piorar”, disse Collon com os olhos marejados.

“Que habilidades…”

“Habilidades para conquistar o mundo!” Pannibal fez um punho.

“Que mundo…”

Tiat manteve-se de lado, desgostosa, enquanto Lakhesh se juntou à multidão e começou a pedir desculpas profusamente.

“… oh sim, a propósito, Tiat”, disse Chtholly.

“Ah, sim?”

“Você foi confirmada como uma fada madura, certo? Já teve sua compatibilidade com Dug Weapons checada?”

“Ainda não. Nygglatho disse para esperar até Willem chegar em casa antes de começarmos a procurar uma espada.”

“… entendo.” Chtholly bagunçou um pouco o cabelo da menina.

“C-Chtholly?”

“Espero que você consiga uma boa”, ela disse gentilmente antes de tirar a mão.

“Algo está errado? Você não parece tão bem”.

“Mesmo? Talvez eu ainda esteja cansada.” Chtholly riu.

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Quando Chtholly voltou para seu quarto, ela fechou a porta atrás de si e recostou-se nela, gradualmente deslizando até sentar no chão. Ela se enrolou em uma bola, envolvendo seus braços firmemente em torno de seus joelhos e deixando cair a cabeça.

“Aquele mentiroso…” ela murmurou baixo o suficiente para que apenas ela pudesse ouvir. “Eu mantive a minha parte da promessa. Mas por que… por que você não pode…”

Depois de um tempo, Chtholly ergueu a cabeça e se levantou. A porta e as cortinas fechadas tornaram o quarto quase tão escuro quanto a noite, mas ela o conhecia bem o suficiente. Ela abriu caminho através da penumbra até sua mesa e pegou o espelho sobre ela.

“…”

Na escuridão que se espalhava do outro lado do espelho, estava uma menina de olhos vermelhos.

Uma aranha plana.

“Quem é você?” Chtholly perguntou com uma voz trêmula ao estranho além do espelho.

Ela deveria estar vendo uma face familiar, aquela que via todas as manhãs ao lavar o rosto. Ela deveria estar vendo aquele rosto cuja cada expressão vira tantas vezes que já estava até enjoada.

Ainda assim, por quê? Por que a garota do outro lado olhava fixamente para ela? Por que Chtholly deu uma olhada naquele rosto e achou que era de um estranho? Se fosse de alguém que ela não conhecia, então, quem estava de pé nesse lado do espelho?

Um biscoito meio comido. Uma vela desgastada e um envelope queimado. Um pássaro de aço e uma ponta de flecha arco-íris.

Cale-se. cale-se, cale-se, cale-se.

Por quê? Por que essas memórias continuavam fluindo?

A batalha tinha terminado muitos dias atrás. Ela não usou magia nenhuma vez sequer depois disso. Ela não deveria estar melhor? Se ela praticasse com moderação, não deveria haver nenhum impacto prejudicial em sua vida cotidiana? Ithea estava mentindo?

Não.

Era sua própria culpa.

Durante a batalha, ela jogou algo importante em nome da determinação. Em troca da destruição milagrosa da 15ª Ilha, ela vendeu quase todo o seu tempo restante.

Ela não se arrependia disso. Ou melhor, ela não podia se arrepender. Regul Aire estava à beira da aniquilação. Salvá-lo reduzindo ligeiramente a vida útil de um soldado descartável foi uma pechincha.

O que ela deveria se arrepender era de fingir que estava bem na frente de Willem após a batalha. Ela não queria que ele se preocupasse. Ela queria regressar para o Willem de costume. Então ficou calada sobre a invasão e proibiu que Ithea e Nephren falassem sobre isso. Mas agora, ela já estava nessa condição.

Ela queria ao menos dizer “Estou em casa”. E também…

“Eu queria comer aquele bolo de manteiga…” ela murmurou com uma voz trêmula.

A menina do outro lado do espelho moveu seus lábios como se estivesse repetindo depois de Chtholly.

Uma única lágrima escorria no lado de sua bochecha.

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Um mundo quebrado. Um peixe nadando entre as estrelas. Um bicho de pelúcia amarelo. Uma menina desconhecida com olhos azuis. Uma árvore macia. Um gato preto ronronando sem parar. Um cascalho envolto em papel. Um céu nublado brilhante. O mundo além do espelho. E. E.

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O espelho caiu da mão da menina e se estilhaçou no chão, mandando inúmeros fragmentos pelo ar.

A garota colapsou no chão.


Parte 4 – Quando essa batalha terminar

“Vocês são aqueles que criam as fadas, não são?”

Os dois a quem Willem falou não mostraram sinais de negar seu palpite.

“Correto, mas não saímos por aí criando todas e cada uma delas separadamente. Realizamos os feitiços necessários em almas grandes que servem como ingredientes necessários para que as fadas apareçam naturalmente”, explicou Suwon com uma expressão severa.

“Nós também interferimos com a barreira que circunda Regul Aire para que essas almas não caiam no chão. Bem, você vai agir de forma diferente agora que ouviu tudo isso?” Ebon Candle complementou. Ao contrário de Suwon, a expressão de Ebon Candle não pareceu mudar (isto é, se é que crânios pudessem fazer expressões). Sua voz também permaneceu normal; Ele estava simplesmente esperando para observar a reação de Willem.

Permanecendo em silêncio, Willem de repente pegou Suwon pelo colarinho e ergueu seu punho cerrado. Ele travou o alvo na bochecha de Suwon e segurou a posição por alguns segundos.

“Socar vocês, não vai ajudar em nada…”

Não fazia sentido culpar o próprio sistema de fadas. O poder dos Carillons era necessário para proteger Regul Aire, e Braves Emnetwytes eram necessários para usar esse poder. Uma vez que não havia mais nenhum desses, Suwon e Ebon Candle criaram Leprechauns como substituições. Se não o fizessem, Regul Aire não estaria mais por aí.

O sistema de fadas era o melhor e o único sistema possível. Não havia espaço para a ética ou a moral entrar na discussão. As fadas não foram forçadas a lutar por má vontade, mas por necessidade.

O próprio Willem não podia lutar. Ele estava como todos os outros em Regul Aire, incapaz de fazer qualquer coisa além de ver as fadas irem para a batalha e esperar. Não importava o quanto isso o irritasse, ou o quanto ele quisesse mudar isso, ele ainda não podia culpar Suwon.

“Mas lembre-se disso. Os Braves lutam para proteger as pessoas e as cidades em que vivem, não para conquistar territórios por ganância. Não as descarte em uma guerra que não precisamos lutar”, disse Willem, então largou Suwon.

“Não é uma guerra desnecessária. Você também deve entender, certo? Regul Aire não durará para sempre. De alguma forma, temos durado mais de quinhentos anos, mas os próximos cem não são garantidos. Nós devemos retornar à terra eventualmente”.

“Esses são só eu e você, certo?”

“– O que você quer dizer?”

“Muito poucos sequer colocaram os olhos no mundo que já existia na terra há quinhentos anos atrás. Para todos os outros, lá embaixo é apenas um lugar distante. Talvez alguns a idealizem como uma ilha do tesouro de sonhos e aventura, mas todos sabemos que isso não é verdade. Para todos tirando nós, lar doce lar é aqui, no céu. Não lá embaixo. Estou errado?”

“Mas… você não está incomodado com isso? Não quer ir para casa!? Eu vivi aqui por quinhentos anos, muito mais do que vivi lá embaixo! Esta é inconfundivelmente minha segunda casa. Mas minha primeira casa ainda é aquela capital imperial! É o mesmo para você também, não é!? Não, deve ser ainda mais para você, já que você acabou de chegar aqui! Eu sei que você não esqueceu!”

“Mesmo que juntemos toda a força de Regul Aire e conseguirmos retomar a terra…” Em contraste com a exasperação de Suwon, Willem respondeu com calma e tranquilidade. “… quem estará lá? Alguém estará lá para nos dar as boas-vindas?”

“…” Suwon estava sem palavras. Ele abriu a boca como se estivesse tentando dizer alguma coisa, mas logo fechou novamente.

“Você não vai contar a ele?”, Perguntou Ebon Candle.

“Não.” Suwon balançou a cabeça e virou-se para Willem. “Então, essa é sua opinião final, Willem Kmetsch?”

O velho amigo de Willem, Suwon Kandel, não estava mais lá. Diante dele estava agora o Grande Sábio, o homem que tinha carregado o futuro de Regul Aire nas costas por quinhentos anos. Seu outrora macio cabelo loiro, se tornara mais claro, sua pele jovem agora coberta de rugas, e seu pequeno corpo crescera em um de gigante.

— E agora, o homem outrora louvado como uma criança gênio estava tentando arriscar o presente e o futuro para recuperar o passado.

“Desculpe, Grande Sábio.” Willem colocou o melhor sorriso que conseguiu para esconder a solidão embaixo. “Já estou farto de lutar pelo futuro distante do mundo”.

“… eu pensei que você fosse mais como um Brave do que isso”.

“Eu também.” Willem assentiu.

A coisa que Willem uma vez aspirou ser, chegando mesmo até a obter o título de Quasi Brave. No entanto, nunca conseguiu mais do que isso. Ele culpou sua falta de talento. Ele culpou o seu passado. Mas talvez, apenas talvez, ele estivesse errado. Talvez ele carecesse de algo inteiramente diferente.

“Eu também pensei nisso. Eu realmente acreditei que poderia me tornar um Brave. Mas eu estava errado. E é por isso que estou vivendo neste estado lamentável agora”.

“Hm. Deixe-me perguntar mais uma coisa”, disse o crânio ao lado.

O crânio preto rolou de seu trono de volta para o carrinho de bagagem, que tinha uma almofada para suavizar sua queda. A empregada que havia ficado de pé em silêncio o tempo todo o empurrou para onde Suwon e Willem estavam.

“Mais cedo, quando eu o desafiei, você disse que não tinha motivos para lutar. E mesmo se tivesse tal motivo, como o grande, charmoso e majestoso deus Ebon Candle que você conheceu reduziu-se a uma forma tão modesta?” Willem não se lembrava de ter formulado desse jeito, mas… “Você habilmente se esquivou do assunto, mas você não pode me enganar. Mesmo se tivesse um motivo para lutar, há algo que o impede de fazer. Estou certo?”

“Hm?” O Grande Sábio ergueu uma sobrancelha.
“Sim, isso mesmo.” Willem assentiu. “Embora, felizmente não sou apenas um crânio, meu corpo dificilmente se recuperou da minha batalha com esse cara. A petrificação e as maldições foram quebradas, mas ainda estou o bagaço graças às feridas que permaneceram em todo o meu corpo. Um troll que conheço, até me disse que poderia morder minha carne sem precisar cortá-la antes”.

“Entendo. Trolls realmente tem um bom olho para carne. Em outras palavras, você perdeu a força que uma vez teve. Mesmo que você queira lutar, não pode. O que significa que, se tentarmos fazer você obedecer à força, você não teria meios de resistir, estou errado?”, Disse Ebon Candle.

“Hm. Acho que você está certo.” Willem coçou a cabeça. “Bem, tudo o que posso dizer é que espero que não decidam fazer isso. Pode parecer clichê, mas alguém está esperando meu retorno em casa”.

“Você teme por sua vida?”

“Não, é só que depois que os vencer, não teria como sair daqui.” Willem encolheu os ombros. “Não sei como pilotar uma aeronave”.

“Hah! Eu gosto disso. Você não mudou nenhum pouco.” Por algum motivo, o crânio preto parecia feliz ao ouvir a resposta de Willem. Ele então se virou para Suwon e disse: “Grande Sábio, vamos desistir por ora. A vontade desse aí é forte. Parece que a vontade imutável é a essência desse homem. Ele só consegue ter um objetivo por vez, e não vê valor algum em qualquer coisa que não esteja diretamente relacionada ao seu objetivo atual. É por isso que ele não se curvará. Ele não vai parar. Ele continuará se forçando até seus limites. Agora que ele decidiu que precisa proteger as fadas, isso é tudo para ele. Ele as protegerá, independentemente do sacrifício que for necessário, e não quero mais uma vez estar no lado receptor daqueles feitiços proibidos”.

“Bem, isso nunca vai acontecer de qualquer forma, pensou Willem. Feitiços proibidos não devem ser levados na brincadeira. Em primeiro lugar, ele já não cumpria as condições para lançar a maioria dos feitiços que usou naquela batalha. Ele poderia conseguir lançar uns dois, mas, como resultado, ele morreria ou, se tivesse sorte, voltaria a ser uma pedra. De qualquer maneira, ele não poderia voltar para casa. Bem, ele não precisava explicar tudo isso. Ebon Candle parecia superestimar Willem, então talvez fosse melhor deixar rolar.

“Mas…” Suwon começou a protestar.

“Se você não pode aceitar, então talvez devesse contar tudo a ele. Se você revelar uma ou duas verdades sobre a terra que você escondeu, eu suspeito que a atitude dele mudará”.

“Não!” Suwon ergueu a voz, com uma pitada de pânico no rosto.

“… verdades sobre a terra?” Willem observou Suwon com desconfiança. “O que você escondeu de mim?”

“… não tem relação com você”.

“Não conte uma mentira tão óbvia. Pelo que esse crânio aí está dizendo, isso me fará mudar de ideia”.

“Não vou dizer nada”, respondeu Ebon Candle.

“Bem, parece que depende de você, Grande Sábio”.

“Eu também ficarei em silêncio. Está relacionado ao futuro deste mundo, e vejo que você não tem interesse nisso”.

Seu desgraçado. Quando Willem estava prestes a dizer algo não tão gentil em troca, ele escutou passos vindos da escada em espiral.

“Parece que tenho muitos convidados hoje”, murmurou Ebon Candle.

Todos os quatro pares de olhos se reuniram na porta da sala do trono. Em pouco tempo, seu visitante apareceu: o Primeiro Oficial Haresantrobos.

“Peço desculpas pela intromissão”.

“Esta é uma terra sagrada. Acredito que o disse para não entrar!” O Grande Sábio o repreendeu com uma voz estrondosa.

O Haresantrobos assentiu e se curvou ligeiramente. “Eu estou ciente. No entanto, trago notícias urgentes”.

“– O que é?”, O Grande Sábio pressionou por mais detalhes, com uma voz calma desta vez.

O Haresantrobos olhou para Willem por um momento, então sussurrou algo no ouvido do Grande Sábio.

“… e você julgou isso como algo tão urgente que precisou correr para o território sagrado para reportar?”

“Sim”. O Haresantrobos assentiu a pergunta curiosa do Grande Sábio.

“Entendido. Eu direi a esse homem eu mesmo.” O Grande Sábio se aproximou de Willem.

“… o que? É algo relacionado a mim?”

“Com certeza é, Willem Kmetsch, Segundo Técnico de Armas Encantadas”. O Grande Sábio falou com uma voz sinistra. “Houve contato de alguém da Orlandri Trading Company. A usuária da Dug Weapon Seniorious sofreu de destruição da personalidade devido à invasão de sua vida passada. O desaparecimento do corpo físico ainda não começou, mas é apenas uma questão de tempo”.

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O empalidecido Willem entrou na aeronave do primeiro oficial e partiu das terras sagradas. Os dois deixados para trás ficaram em um pesado silêncio, olhando além do mar de nuvens onde o jovem agora navegava.

“Por que você não contou tudo a ele?” Ebon Candle finalmente falou. “O que está na terra. O que continua a espreitar lá. Se ele soubesse, sua resposta teria sido diferente”.

“Provavelmente”, o Grande Sábio respondeu com um semblante amargo. “Mas seu espírito teria sido esmagado. Esse tipo de gente que pode lutar sem parar apenas com uma crença não pode fazer nada quando seu espírito se quebra. Se uma lança estiver enferrujada, ela ainda pode ser usada. Mas se a ponta estiver quebrada, é o fim.”

“Isso depende de como você diz a ele. Você é habilidoso em manipular pessoas com informações, não é?”

“Suponho que sim. Ele é um homem simples. Eu poderia manipulá-lo facilmente, mas…” O velho encolheu os ombros. “Ria se quiser, mas não posso fazer isso. Ele é alguém que eu costumava admirar como um irmão mais velho. Não consigo mentir para ele. “

“Bem, espero que isso seja para o melhor.” Ebon Candle suspirou de alguma forma, apesar de não ter pulmões. “Uma fada quebrada nunca mais retornará. O espírito desse homem poderá ser esmagado de qualquer maneira”.


Parte 5 – Promessas não mantidas

Willem não lembrava de absolutamente nada sobre a jornada para casa. Tudo o que ele sabia era que tinha embarcado na aeronave da Polícia Militar na 2ª Ilha e, eventualmente, chegou na 68ª. Eles podiam ter aproveitado alguns desvios para reabastecer ou evitar os detritos voadores, mas provavelmente tomaram a rota mais rápida e curta possível. Mas, infelizmente, e obviamente, Willem não chegou a tempo.

Uma menina de cabelos azuis deitada na cama dormindo calmamente. Ou pelo menos, era isso que parecia. Parecia que ela poderia se mexer e abrir os olhos a qualquer momento. Mas isso nunca aconteceu e nem nunca acontecerá.

“Ela manteve a parte dela da promessa, sabia?” Ithea disse com uma voz calma, parada na entrada. “Ela sobreviveu e voltou para casa. Retornou com quase nenhum tempo restante de uma batalha que nunca deveria ter sobrevivido, tudo porque queria te encontrar mais uma vez”.

“Ithea.” Nephren, também de pé perto da porta, sacudiu a cabeça. “Não podemos culpar Willem. Fomos nós que não o contamos sobre Chtholly.”

“Eu sei, eu sei, eu não queria culpá-lo…”

“Não, você tem razão. Eu sou aquele que não manteve a promessa. Sou o único que deveria ser culpado”, murmurou Willem. “Ela fez o que eu a disse para fazer, mas eu não segui. Isso é tudo.”

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Para as soldadas fadas, a morte sempre está à espreita nas proximidades. Elas estão conscientes da natureza fugaz de suas próprias vidas e, portanto, tendem a não se afligir quando perdem um amigo. Os espíritos não são afligidos pela morte. Dessa forma, sua eficácia como armas não se degrada.

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“Ei, ei, alguém sabe para onde Nygglatho foi?” Lakhesh entrou na sala de jogos, olhando ao redor enquanto perguntava as outras.

“Não a vi. Você precisa de algo?” Perguntou Collon enquanto praticava suas chaves de braço em um ursinho de pelúcia.

“Eu queria perguntar sobre as compras deste fim de semana. As nevascas podem chegar em breve, então estava pensando se devemos nos abastecer com suprimentos extras.”

“Ah, entendi! Você não pode lutar de estômago vazio!”

“… se você estiver procurando por Nygglatho, ela provavelmente está nas montanhas”, respondeu Pannibal enquanto chutava uma bola contra a parede. “Sempre que alguém não vem para casa, ela vai para lá”.

“Ah… tudo bem.” Lakhesh assentiu.

“Você vai atrás dela?”

Após pensar por um momento, Lakhesh respondeu: “Eu não sei. Se ela saiu de propósito, provavelmente não quer mostrar seu rosto para nós agora. Se tentarmos vê-la de qualquer jeito, ela pode nos comer.”

“Definitivamente.” Collon assentiu com um olhar sério.

“Um julgamento sábio”, disse Pannibal.

“… Tiat?” Lakhesh gritou para a única que ainda não tinha se juntado a conversa.

“Eh? Ah, o que? Me desculpem, eu não estava escutando.” Tiat, que estava deitada no chão desmotivada, com todos os membros espalhados, sacudiu-se à menção de seu nome.

“Algo de errado, Tiat? Ultimamente sua cabeça parece estar sempre em outro lugar”.

“Nnnn” Tiat estava ciente de si mesma, mas lutou para encontrar uma resposta. “… eu realmente não sei. Minha cabeça só está vazia”.

“É por causa de Chtholly?” Lakhesh perguntou.

Tiat sentiu uma dor aguda no peito, mas não conseguiu compreender o porquê. Então decidiu ignorá-la.

“Talvez? Eu não sei…” Tiat encolheu os ombros e esquivou da pergunta.

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Pouco a pouco o tempo passou. Um dia, depois outro, e outro. O fluxo de tempo continuava, indiferente aos conceitos de vida e morte.

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Não importava o quanto ele procurasse, Willem não via irregularidades na magia que fluía em Chtholly. Tentando ignorar a dor de cabeça resultante do uso da visão mágica, ele pegou a pequena, pálida e fria mão da menina. Ele massageou suavemente alguns pontos na palma de sua mão perto da base de seus dedos.

“– Há muito tempo, houve um cara que desmaiou de um caso bem feio de Envenenamento Agudo por Venenum e nunca mais acordou. Esta técnica acabou por tirá-lo de seu coma. Ela corrige o fluxo um pouco de cada vez, sem estimular demais o corpo…”

Willem sabia que não havia por que fazer isso. Ao contrário do camarada que ele salvou uma vez, Chtholly não tinha problemas reais com o venenum em seu corpo. Não havia pontos em que o fluxo precisasse ser corrigido. A causa de seu sono era algo muito diferente.

Não importava quais técnicas Willem tentasse, ela não mostrava sinais de melhora. Mas ele não podia deixar de continuar tentando. Podia haver algum efeito, mesmo que pequeno. Ele se apegou a essa fraca esperança que nem sequer podia ser chamada de possibilidade. Para desviar seus olhos da feia verdade, ele precisava continuar tentando.

Ele nunca chegou a dizer “bem-vinda de volta”.

Ele nunca chegou a ouvir “Estou em casa”.

Ele foi conduzido pela fantasia de que existia algum método que poderia salvá-lo de se afogar em seu mar de arrependimentos.

“Willem.” Uma voz o chamou por trás.

“… olá, parece que já faz um tempo, Nygglatho”.

“Acho que sim. Desculpe, estive fora um pouco. Sempre que alguém morre, sinto que meu coração vai se partir. Então sinto que sou estranha por estar tão triste, como se já tivesse que ter me acostumado com isso, mas não quero pensar sobre isso e minha cabeça simplesmente vira uma bagunça. Então costumo ir para o interior e descontar em algumas árvores e ursos”.

Willem sentiu pena das árvores e ursos.

“É estranho, né? Quando fico desse jeito, meu apetite desaparece, mesmo que uma carne suave e deliciosa dessas esteja sentada bem na minha frente… “

“Bem, acho que isso significa que você não está mais apta a ser um troll”.

“Talvez. Me pergunto se posso me transformar em outra coisa.” O troll que usava seu habitual vestido avental sorriu fracamente. “Estou cansada de chorar e ficar com raiva sozinha”. Traços de exaustão visivelmente mostravam-se em seu rosto. “Eu sei que é horrível, mas estou um pouco feliz agora que você está aqui para chorar por ela também. Já não estou mais sozinha.”

“É mesmo horrível, mas eu sinto o mesmo.” Willem sentiu-se um pouco salvo pela presença de Nygglatho.

“– Há algumas coisas sobre as quais eu quero conversar. Você me acompanharia?”

“Alguma coisa sobre a qual não podemos falar aqui?”

“Eu não acho que poderia fazer isso. E acho que seria difícil para você também”.

Willem entendeu o que ela queria dizer. “Posso fugir disso?”

“Se quiser, não vou te parar”.

Ahh, droga. Agora ele não podia fugir.

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O quarto de Nygglatho estava escuro.

Sentando lá, Willem notou algumas coisas pela primeira vez: já era noite e também estava chovendo lá fora.

“Desculpe, esta é a única lâmpada que ainda tem óleo nela”, disse Nygglatho enquanto colocava uma pequena lâmpada de leitura na mesa. Uma luz tênue iluminou a sala sombria. “Vinho?”

“Isso é estranho, nunca vi nada além de chá neste quarto”.

“Não temos fogo para ferver água, e além disso…”

Willem podia adivinhar o que ela estava tentando dizer sem nem ouvir o resto da frase. Um pouco de álcool tornaria mais fácil falar sobre o assunto em questão.

Com um suspiro, ele perguntou: “Então, sobre o que você queria falar?”

“Ah–” Nygglatho parou por um momento, como se estivesse lutando para encontrar as palavras certas para expressar algo que ela não queria dizer. “Precisamos começar a testar qual espada é certa para Tiat em breve”.

“Ah…” Willem assentiu. “Seniorious?”

“Mhm, como você sabia?”

“Essa espada estar sendo ou não usada faz uma diferença significativa no campo de batalha. Naturalmente, se seu usuário se torna inválido, você iria querer começar a procurar o próximo imediatamente. Bem… a parte de mim que automaticamente pensou nisso como “natural” me faz querer vomitar”.

“Bem, se você vomitar, eu vou pelo menos te dar um tapinha nas costas enquanto você faz isso. Eu me sinto da mesma forma. Mas não se esqueça de que você precisará se acostumar um pouco pelo menos. Esta não é a primeira vez que isso aconteceu, e não será a última.”

“E cada vez que acontece, os ursos recebem um duro despertar de sua hibernação”.

“Ei, pelo menos, eu os transformo em guisado”.

Isso não soou como uma justificativa, mas, aparentemente, Nygglatho pensava o contrário.

“De qualquer forma, tudo isso faz sentido logicamente, mas Seniorious é uma espada teimosa pra caramba. Não vai ser como “tudo bem, sim, por favor mandem o próximo usuário”. “

“O que você quer dizer?”

“Em primeiro lugar, ela é uma das melhores, se não a melhor, espada sagrada já feita. Está em um nível completamente diferente do que os outros Carillons. E geralmente, quanto maior a qualidade da espada, mais seletiva é sobre a escolha de um usuário. Seniorious julga seus candidatos com bastante severidade.”

“Você não pode fazer nada sobre isso com suas habilidades?”

“Claro que não. Se pudesse, eu mesmo teria usado a espada.” Willem riu, relembrando o passado. “A primeira vez que vi Seniorious, meu mestre estava a usando. Para ser honesto, dificilmente me lembro de algo sobre aquela batalha em particular. Bem, em primeiro lugar, dificilmente consegui ver algo. Isso é o quão forte meu mestre era com a Seniorious”.

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Os dois conversaram durante toda a noite naquele quarto mal iluminado, envolvido pela sombra.

A fim de aceitar a morte da garota.

Para dar o próximo passo em frente.

Para prepará-los para a sua nova vida diária sem Chtholly, que agora começou.


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